Júlia e eu chegamos à conclusão de que Kaique e Milena iam poder passar uma semana na pousada com os avós. Devido às circunstâncias do ano de 2020, eles não teriam as típicas férias com viagens e idas às casas dos familiares, então liberamos por um curto período, quando achamos seguro para todos.
O problema é que se aproximavam as festas de final de ano, que é quando nossa família inteira se reúne e faz aquela bagunça. Embora estivéssemos todos bem, seria uma roleta-russa inventar de confraternizar em um momento tão conturbado, envolvendo frágeis bebês e idosos insatisfeitos com o período atual.
Parece estranho dizer, mas Juh e eu saímos de erradas. A grande maioria ficou chateada com nossa decisão de não nos reunirmos nas datas tradicionais, como era de costume. Isso fez a gente rir horrores às custas deles, porque estávamos sendo “canceladas” por sermos conscientes.
Com Kaká e Mih nos meus sogros, a gente, sem perceber, recebeu uma mini lua de mel. Estávamos sozinhas em casa, minha gatinha de férias e com um apetite sexual diferenciado. Já havia um tempo que eu tinha notado algumas mudanças, a grande maioria das vezes, eu é quem a procuro para fazermos amorzinho. Não que ela não tome iniciativa quando sente vontade, mas, ultimamente, isso vinha acontecendo com mais frequência. E a fogosa do relacionamento sou eu.
Isso me fez lembrar que, quando Júlia engravidou, aconteceu a mesma coisa, mais precisamente ao acordar. Concluí que a certeza de mais um filho futuramente estava animando minha esposinha.
Isso, obviamente, não é uma crítica. Apenas a constatação de um fato... delicioso, por sinal!
Em um desses dias, enquanto estávamos ofegantes após um sexo gostoso no nosso sofá, sentindo a respiração do meu amor no meu peito, vendo um sorriso sutil em seus lábios, sua boca ainda completamente meladinha, ela tinha os olhos fechados e as mãos, levemente trêmulas, cravadas no meu couro cabeludo.
— Estou adorando essa disposição — falei, quando pude.
— Você também notou? — Juh perguntou, surpresa.
— Sim, na verdade, tem um tempo — respondi, rindo.
— Eu estou empolgada e fico com vontade de você... — explicou, subindo o rosto até a curva do meu pescoço.
— E eu não me importo nem um pouco em matar sua vontade, safadinha — respondi, antes de lhe dar um beijo.
Ficamos ali entretidas, fazendo carinho uma na outra, e eu comecei a imaginar uma casa com dois adolescentes e um bebê. Tinha certeza de que Mih e Kaká seriam incríveis. Se fosse para apostar em quem sentiria ciúmes, eu diria que Kaká, porque ele é mais dengosinho. Mih é um doce de menina e nasceu com diversos dons, entre eles, ser irmã. Ela tira de letra, e não é à toa que os dois se dão tão bem.
Ia ser engraçado... Somente com meus “gêmeos da Shopee” eu já morro de rir das peripécias que eles soltam. Imagina com um neném em casa? A diversão estaria mais do que garantida.
— Em que você está pensando, amor? — Juh perguntou.
— Estou com expressões boiolinhas? — questionei, rindo e roubando beijinhos.
— Tá, sorrindo à toa — ela respondeu, devolvendo os selinhos.
— Não é à toa... Estou pensando em nosso futuro — falei, e o sorriso dela foi maior que o meu.
— No bebezinho? — a gatinha quis saber, animada.
— Em tudo. Na gente, nos guris... Vai dar certo, e vai ser muito gostoso viver isso — disse, fazendo carinho em seu rosto.
— Sabe o que eu estou sentindo? Assim, a gente tinha todos os motivos pra ainda estar insegura, porém é nítido que nós duas, de uma maneira inexplicável, estamos confiantes — ela falou, retribuindo o carinho no meu queixo.
— Sim. Não é de uma maneira cega, mas estamos esperançosas... E isso é tão bom, não é? — perguntei, e Júlia respondeu acenando positivamente com a cabeça.
Ficamos mais um tempo ali, nos acariciando e trocando olhares. O corpo dela estava mole, quente e relaxado no meu colo. Quando o silêncio se tornou um abraço, ela resmungou baixinho:
— Minha disposição acabou... só quero colinho.
Eu ri, com ela ainda me abraçando, e a carreguei no colo.
— Te levo, meu amor — falei.
— Acho muito engraçado que carregar Kaique e Milena é muito pesado... mas me carregar é facinho — ela disse, rindo.
— Corpo relaxado é mais pesado — usei de desculpa.
— Seeeeei — Juh falou, cerrando os olhos.
— São novinhos... Estão bem demais das pernas — brinquei, e ela riu.
O banho foi demorado, cheio de carinho. A água morna e os toques suaves dela no meu corpo deixavam tudo ainda mais gostosinho. Depois, enquanto Juh preparava o café, eu fui recolher as roupas espalhadas pelo chão da sala e colocando-as na lavanderia.
O cheiro do pão torrado se espalhou pela casa, misturado com o aroma do café fresco. Sentei-me no sofá com o notebook no colo e, logo em seguida, ela veio se acomodar sobre mim, encaixando-se direitinho, como quem já conhece o lugar certo do mundo.
Ela apoiou a cabeça no meu ombro e observou a tela aberta. Eu havia deixado ali a planilha com a programação da rotina atual, tanto do hospital quanto da filial.
— Tem muito tempo na filial — Juh comentou, convencida.
— Vamos fazer a proposta do ano que vem — disse-lhe, rindo.
— Quando você acha que os casos vão diminuir? — ela perguntou, curiosa.
— Não sei, amor... Com as festas de fim de ano devem subir — comentei.
— Então como você vai fazer? — Juh quis saber.
— Vamos ficar de olho nos números e, por enquanto, mantenho essa rotina no hospital. Assim que houver uma melhora significativa, a gente entra em contato pra tentar pôr um bebezinho na sua barriguinha, e eu vou diminuindo aos poucos... Acredito que seja lá pro final do ano — disse-lhe.
Achei que ela ficaria triste com minha previsão. Era tudo muito incerto, mas não foi o que ocorreu. Pelo contrário, o olhar dela brilhou como quem enxerga o futuro de um jeito bonito, mesmo sem garantias.
— Então daqui a um ano eu posso estar grávida? — Juh perguntou, com os olhinhos brilhando.
— Pode... — respondi, puxando-a para um beijinho.
— E aí a gente mexe de verdade na sua rotina — Juh falou, convencida.
— Te prometo que, a partir do seu sexto mês de gestação, estarei completamente ao seu dispor, gatinha... — garanti, e ela comemorou.
— Você merece muitos beijinhos por isso — Júlia disse-me, e assim fez.
Ela me encheu de beijos, rindo entre um e outro, e eu deixei o notebook de lado. Naquele instante, não existia planilha, trabalho, nem gráficos subindo ou descendo. Só o som leve do riso da mulher que eu amo.
No outro dia, Milena e Kaique chegaram. É muito bom ter um tempinho a sós com Juh, e não tínhamos há um bom tempo, mas o retorno dos nossos filhos é sempre melhor. A gente morre de saudade, e quando não estamos juntos, falamos bastante sobre eles.
Fomos para frente do portão, e Mih veio direto para um abraço. Logo atrás, Kaká apareceu com um sorriso preguiçoso e os olhos meio sonolentos, juntando-se aos nossos braços. É pertinho, mas com certeza os dois haviam dormido no caminho, como sempre.
Falamos rapidamente com meu sogro, e ele retornou para casa, dizendo que, na próxima vez que fôssemos lá, teríamos uma boa surpresa.
Eles entraram cheios de histórias, falando ao mesmo tempo, contando sobre pescarias com o Sr. José, dos bolos que D. Jacira fez, corridas com cavalos, mergulhos na cachoeira todos os dias e das noites de filmes com Lana e Iury. A casa voltou a ter barulho — aquele que preenche os cantos e de que tanto sentimos falta.
— E esse arranhão? — Juh perguntou, preocupada, olhando o braço de Milena.
— Eu nem vi o que aconteceu, mas foi na cachoeira — ela respondeu tranquila.
— Eu tenho uns roxinhos — Kaique mostrou seu quadril, orgulhoso.
— Meu Deus! — Juh exclamou, e eu ri.
— Ah, pelo menos voltaram vivos... — brinquei.
O Natal se aproximava, e a gente já tinha decidido que seria só nós cinco (com Brad, claro). Ainda assim, passamos boa parte do dia anterior em videochamadas com o resto da família, que seguia nos culpando por não estarmos juntos.
Da parte de Loren e Lorenzo, era mais uma zoeira. Eles tinham noção da gravidade da situação, mas meus sogros e meus pais estavam realmente um pouco chateados. Sarah comentou que os pais dela estavam descontentes, mas entendiam perfeitamente.
À noite, a ceia foi simples. Fizemos as comidas típicas, e nossos filhotes ajudaram a arrumar a mesa. Até o Brad ganhou um pratinho improvisado, com ração e pedacinhos de peru.
Logo depois abrimos os presentes. Demos algumas telas, pincéis e tintas, fones de ouvido novos e, o que eles mais estavam pedindo, o PS5.
— Por favor, usem com moderação... Eu amo tanto que vocês já têm acesso a telas e, mesmo assim, são crianças que valorizam brincadeiras saudáveis — Juh aconselhou.
— A gente tem juízo — Mih brincou.
— Só tem uma coisa errada... — Kaká comentou, com uma expressão que eu sabia que não era nada sério.
— O quê? — perguntei, mesmo assim.
— Não somos crianças — ele corrigiu, e eu ri.
— Desculpa, adolescentes! — Juh brincou de volta.
Eles pediram pra dormir na sala assistindo filmes natalinos, e eu fui ao quarto pegar tudo o que precisávamos. Júlia veio logo atrás de mim.
— Comprei umas coisinhas pra ti, amor — ela disse.
— Sendo que o meu maior presente está bem na minha frente — brinquei, agarrando-a contra a porta.
Enquanto eu ajeitava na cama o que tinha planejado pra ela, Júlia veio com duas caixas nas mãos e sentou-se.
— Aiii, que linda essa lingerie — ela disse, soltando as caixinhas e tocando no tecido.
— São duas, igualzinhas, pra gente fazer umas sapecagens — zoei, e ela agradeceu, rindo e me beijando.
— Esse aqui é pra ajudar nos seus treinos e nas suas corridas — Juh me entregou. Era um Apple Watch.
— Obrigada, meu amorzinho, com certeza vou usar bastante — agradeci, me jogando por cima dela pra muitos beijinhos.
— E tem esse aqui... — ela começou, um pouco tímida, ajeitando a mecha de cabelo atrás da orelha. — Eu realmente não sabia o que te dar. Queria que fosse algo que você precisasse, mas também que te ajudasse de alguma forma. Comecei a pensar no seu presente de aniversário e no de Natal, e foi bem no dia em que fomos deixar os meninos lá nos meus pais que a ideia surgiu. Eu sei que, quando a ansiedade aparece, é recomendado se concentrar em algo que goste. Tenho visto o quanto você se esforça nas corridas, pra gastar energia, despertar o corpo e relaxar a mente, mas também sei o quanto as paisagens daqui te acalmam... e as fotos que você tira são sempre lindas. Então, pensei em algo que pudesse te impulsionar nesse novo hobby... ou talvez aprimorar o talento que você já tem. E... bem, resultou nisso. — Juh sorriu, me entregando a caixa maior.
Quando abri, encontrei uma câmera profissional acompanhada de algumas lentes. Um presente claramente pensado com cuidado, totalmente observador e feito pra me ajudar. Fiquei sem palavras diante de tanto carinho.
Inicialmente, apenas a abracei — e acredito que ela entendeu tudo que eu sentia. A gatinha mapeava minhas costas com as mãos, num carinho lento, e eu ainda me sentia completamente impressionada com a delicadeza, o olhar aguçado e as escolhas perfeitas.
— Obrigada, tá, amor? Você sempre me surpreende... Às vezes disfarço com humor, outras com silêncio, mas você sempre enxerga mesmo assim. E não é só ver, é entender. Você entende o que eu preciso antes mesmo de eu saber. Isso aqui é mais do que um presente, é o significado de cuidado. É como se você estivesse colocando um remedinho no meu machucado... Muitas vezes eu me perco nas obrigações, nas crises, nas tentativas de continuar, mas em todas essas vezes você sempre está aqui — pra ser minha bússola e meu porto seguro. Você sempre me mostra um caminho, uma nova possibilidade, e não faz ideia do quanto isso me ajuda a prosseguir. — Finalizei, com lágrimas nos olhos.
— Feliz Natal, meu amor... Eu te amo! — Júlia declarou.
— Feliz Natal, e eu também te amo, gatinha... Te amo porque você me devolve a mim mesma, porque me faz lembrar que sou mais do que o que me desgasta. Te amo porque você é a cura dos meus dias mais sombrios, porque pensa em mim nos mínimos detalhes, e porque o seu amor é a coisa mais gentil que já me aconteceu. Obrigada por me ver, amor. De verdade. Por cuidar de mim até quando eu acredito que não preciso... — concluí.
Ela me beijou e depositou vários cheirinhos na curva do meu pescoço.
— Não precisa agradecer. Eu não faço nada que você não mereça, não fez ou não faria por mim. Eu sinto o seu amor, a sua força e a sua luta... Com fé em Deus isso vai passar, eu tenho certeza que você vai ficar bem, meu amor! — disse.
Eu me preparava pra responder quando Júlia pousou um dedinho sobre os meus lábios.
— Proibido réplica — brincou, e nós rimos.
— Tenho outra coisa... não é bem pra você, contudo acho que vai gostar — falei.
Enfiei uma das mãos embaixo do travesseiro e puxei uma caixinha pequena.
Havia um bilhetinho em cima escrito: “Pra quando o bebezinho vier.” Dentro, um par de sapatinhos minúsculos, de tricô branco.
— Amor... — Juh murmurou, me abraçando forte.
— É pra dar sorte — respondi, com um sorrisinho.
E a bichinha desabou nos meus braços.
Quando descemos, a ideia de assistir a filmes tinha babado. Kaká, Mih e Brad dormiam no tapete. Rimos da cena, e depois precisei posicioná-los melhor pra nos juntarmos a eles. Aproveitei pra fazer a primeira foto com a câmera: a minha bagunça preferida. Eu, minha mulher, nossos filhos e nosso cachorro em uma noite gostosa de um Natal diferente.
Quando despertei, o sol já invadia a sala. Os três ainda dormiam, e Brad havia travado uma guerra com os pisca-piscas da árvore. Estava no cantinho do cômodo, completamente enrolado neles. Ri por um bom tempo daquela visão.
Os dias seguintes foram calmos, e a gente aproveitou o recesso pra descansar, ver séries e brincar com os meninos. Jogamos bastante pra estrear o novo presente, e Juh chegou à conclusão de que precisaria regular o meu tempo nele também, rs.
Quando a semana virou e o Ano Novo chegou, decidimos manter o mesmo plano, porque tinha dado mais do que certo.
À noite, o céu começou a estourar em fogos ao longe, e saímos pra olhar da frente de casa.
— Feliz Ano Novo, meus amores — disse, abraçando os três de uma vez.
— Vai ser um ano incrível! — a gatinha declarou.
Loren, Victor, Sarah e Lorenzo apareceram, e trocamos abraços. Meus sobrinhos dormiam nos colinhos dos pais, com trajes brancos, e nem se incomodavam com o barulho, dois anjinhos.
Fizemos uma chamada de vídeo com meus pais e percebemos que estavam na pousada. Não adiantou nada todos os conselhos que meus irmãos e eu demos. Eles descumpriram e foram se divertir.
Decidi não me estressar. Sabia que era um ambiente seguro, mas o fato de o vírus ser invisível ainda me deixava apreensiva. Tinha medo de que estivessem em risco ou, sem perceber, colocando outras pessoas em perigo.
Quando finalizamos a ligação, com a participação dos cúmplices, vulgo meus sogros e cunhados, percebi Juh um pouco pensativa.
— O que foi, neném? — perguntei.
Ela hesitou antes de responder.
— Promete que não vai rir? — questionou, baixinho.
— Hummm... está bem, prometo — falei, simulando dificuldade.
— Eu... fiquei com um pouquinho de ciúmes... Lana e Iury com meus pais e eu não. Ainda por cima, estão com meus sogrinhos — falou, fazendo um biquinho.
— Vamos torcer pra que no ano que vem já exista uma vacina, e a gente retorne com a bagunça gostosa que é a nossa família inteira junta — falei, dando um beijinho.
— E com um bebezinho no forno — Juh completou, mudando de humor.
— E com mais um filhinho a caminho — confirmei, sorrindo.
Quando fomos pro quarto, encontramos nossa cama ladeada por colchões — e neles estavam os nossos maiores amores dormindo.
E ali, entre alguns beijinhos e aquela linda cena, começamos mais um ano.