Sair do interior, do meio do mato, onde eu cresci e vivi não foi fácil. Não sentir mais o cheiro do mato no ar, ou aquela paz que eu sentia no sítio seria um desafio, mas é como meu pai falou, meu filho, a vida é de desafios, e você estudou pra ser alguém melhor, tu não nasceu para viver no campo.
Hoje foi meu primeiro dia na cidade. Acordo com o barulho do trânsito lá fora, um som que ainda me parece meio distante, como se viesse de um filme. Estou deitado num colchão fino, jogado no canto do flat que aluguei. É pequeno, mas tem tudo que eu preciso: uma cama, um fogão que estranhamente não é de lenha, e um chuveiro que fica quente se a gente deixa no inverno. Na roça, eu tomava era banho de lata, ou no riacho. Nos dias frios, a gente esquentava a água na lenha. Era estranho, mas não dá pra reclamar. Estou em São Paulo. A terra da oportunidade.
Olho pro teto e fico uns segundos pensando se realmente quero levantar. Hoje é o meu primeiro dia de trabalho. Eu, Marcelo, 21 anos, um homem simples, que não teve toda aquela vivência do pessoal da capital, vindo direto do interior, agora assistente numa empresa de publicidade. Só de falar “publicidade” já me sinto importante, estudei pra isso, fiz EAD , sou formado, mas nunca morei em uma cidade grande.
Levanto, tomo banho — que mais parece um teste de resistência, porque a água vai do gelado pro fervendo em questão de segundos — e tento arrumar o cabelo. Meu cabelo nunca colabora. Pego a camisa social que comprei especialmente pra esse dia, ainda com o vinco da loja, e uma calça jeans. No espelho, fico tentando ver se pareço profissional. Acho que pareço um vendedor de plano de internet, mas é o que tem.
Saio do flat com a mochila nas costas, o estômago roncando. No caminho, encontro uma padaria, dessas que tem cheiro de pão quentinho e café passado na hora. Entro, peço um pingado e um pão na chapa. A moça do balcão pergunta se sou novo por ali. Digo que sim, que acabei de me mudar. Ela sorri e diz “bem-vindo ao caos que essa cidade é”. Agradeço, sem saber se é um elogio ou um aviso.
Pego o metrô. Meu primeiro metrô da vida. As pessoas andam rápido, com fone de ouvido, cada uma num ritmo próprio. Eu só tento não atrapalhar ninguém. Quase caio quando o trem arranca, mas finjo naturalidade.
Quando chego na empresa, o prédio é menor do que imaginei. Um sobrado reformado, com uma fachada branca e uma placa discreta: AGÊNCIA MUV. Subo as escadas e, antes de bater na porta, respiro fundo.
A secretária me recebe sorrindo. É uma mulher simpática, cabelos lisos, castanhos claros, óculos grandes.
— Você deve ser o Marcelo, né? O novo assistente.
— Sou eu mesmo — respondo, tentando parecer confiante.
— Pode entrar. O Arnaldo já tá te esperando na sala dele.
Entro e vejo o tal Arnaldo. Ele é exatamente o que eu imaginava que um publicitário seria: cabelo loiro, curto, barba bem feita, camiseta preta colada no corpo mostrando que o cara malha. Me cumprimenta com um sorriso cheio de energia.
— Marcelo! Bem-vindo, cara. Finalmente chegou o reforço. Senta aí.
Sento, um pouco sem saber o que fazer com as mãos.
— Então, você vem do interior, né? — ele pergunta, apoiando o queixo na mão.
— Sim. De um lugar pequeno perto de Ribeirão Preto.
— Muito bom. Eu vi seu currículo, você tem uma boa formação, e eu pensei, porque não dar essa oportunidade? Além do mais, estamos em falta né, uma ajuda já basta. — ele ri.
Eu rio também, meio sem graça.
— E o que eu vou fazer aqui? — Perguntei.
— Você vai ser assistente da Aline, a chefe de design. Logo irei apresenta-los.
— Claro, sem problemas.
— Mas vê se não fica muito de olho nela, hein? — Ele me olhou com cara séria. Eu gelei na hora, mas depois ele gargalhou, dizendo que era brincadeira.
Arnaldo me apresenta à equipe. São dez pessoas no total. Gente de todo tipo: uma moça de cabelo azul que cuida das redes sociais, um cara que usa óculos redondo e parece sempre meio bravo (descubro depois que é o redator), e uma dupla de designers que trabalham com fones de ouvido, ignorando o mundo.
E então conheço Aline, a chefe do design.
Ela tem uns trinta anos, cabelo curto, encaracolado, olhar firme. Veste uma camiseta branca e uma saia longa colorida. Tinha um belo par de seios e eu, sou homem, pô. Não podia deixar de reparar.
— Esse é o Marcelo, o seu novo assistente. — diz Arnaldo. — Cuide dele, e trate de não converte-lo pro mal caminho.
— Credo, amor. — Disse Aline. Ela continuou.
— Oi, Marcelo — ela diz, sorrindo de leve. — Espero que você tenha paciência. A gente trabalha muito, mas também se diverte.
— Pode deixar — respondo.
Percebo um clima estranho entre ela e o Arnaldo. Eles trocam olhares, meio cúmplices, meio provocantes. Depois de um tempo, alguém comenta no café que os dois têm um “relacionamento aberto”. Eu finjo que entendo, mas por dentro estou confuso.
Relacionamento aberto? No meu mundo, se o casal fosse visto saindo com outras pessoas, era o fim do mundo. Lá, um beijo na praça já virava fofoca de três meses. Mas aqui, esse povo da capital vive na putaria. Meu pai, sempre vinha pra cá de vez enquando, e me contou histórias. "filho, tem muita puta na capital. bom pra você perder o cabaço". Não era muito fã desse tipo de coisa.
Durante o almoço, me junto a alguns colegas. Um deles é o Renato, o cara do óculos redondo. Ele fala muito e rápido.
— Então, você é o novo, né? De onde veio mesmo?
— Do interior.
— Ah, interior! Que delícia. Deve ser tudo calmo, né? Aqui o máximo de natureza que a gente vê é uma árvore plantada na calçada.
— Pois é — rio. — Lá o barulho mais alto que eu ouvia era o galo do vizinho e os animal tudo se atracando.
— Caralho, como assim? — ele responde, rindo alto.
— É pô, o que tem de estranho?
— Nada, só parei pra pensar na cena agora.
Volto do almoço com a cabeça girando de informação. O sistema da empresa, as senhas, os clientes. Tudo novo. Eu anoto tudo num caderninho, do jeito que minha mãe me ensinou: "quem escreve, não esquece".
No fim da tarde, Arnaldo me chama na sala dele.
— E aí, Marcelo, o que achou do primeiro dia?
— Tá sendo ótimo, só tô tentando me adaptar ainda.
— Normal. Aqui é um ambiente leve, você vai curtir.
Ele se encosta na mesa, cruzando os braços.
— E, ó... Se precisar de ajuda pra se enturmar, é só avisar. O pessoal costuma sair depois do expediente pra tomar uma cerveja, eu vou as vezes, às vezes com a Aline também. A gente é meio família aqui, só que com menos juízo.
Eu dou uma risada, mas por dentro fico pensando o que ele quis dizer com isso.
Quando saio da empresa, já é noite. As luzes da cidade me cercam como se o dia nunca tivesse acabado. Pego o metrô de volta, tentando não parecer perdido. Tem uma moça sentada à minha frente, mexendo no celular, e eu me pego pensando se algum dia vou conseguir parecer tão à vontade nesse caos.
Chego no meu flat exausto. Tiro os sapatos, jogo a mochila no chão e fico olhando pela janela. Lá embaixo, os carros passam sem parar. É um barulho constante, mas que, de algum jeito, começa a me acalmar.
Faço um miojo, porque ainda não tive coragem de comprar panelas de verdade, e sento no colchão com o prato no colo.
Penso no meu dia. e em tudo que eu descobri, sobre meus chefes, sobre o pessoal do trabalho, sobre tudo que eu vi do que significa São Paulo. Minha vida agora seria aqui.
Abro o celular e mando mensagem pra minha mãe: “Cheguei bem. Primeiro dia foi legal. Já tô me acostumando.”
Ela responde em segundos: “Se alimenta direito. E reza antes de dormir.”
Sorrio, coloco o celular de lado e me deito.
O colchão range quando me mexo. Lá fora, a cidade ainda pulsa, viva, como se não quisesse parar nunca.
Eu fecho os olhos e penso que, por mais assustador que pareça, talvez seja exatamente aqui que a minha vida começa de verdade.
Chego na agência com uma sensação diferente de ontem. Sinto que, de uma forma estranha, já fazia parte daquele lugar acolhedor que era o meu trabalho. Era pequeno, comparado a grandes empresas de publicidade, mas era o nosso cantinho. Cumprimento o pessoal, tentando parecer mais à vontade, e vou direto pro meu canto. Minha mesa é pequena, mas fica perto da janela, o que é ótimo. Dá pra ver um pedaço da rua e um pé de árvore que tenta resistir ao concreto.
Abro o computador e começo a mexer no projeto que o Arnaldo me passou ontem antes de ir embora: uma logo pra uma nova campanha de um cliente pequeno, uma marca de roupas que quer parecer “jovem e moderna”. Eu não tenho muita experiência com design, mas tento. Fiz dois rascunhos na noite anterior, e agora estou refinando um deles no computador.
Só que quanto mais olho pra tela, mais sinto que o logo parece… feio. Pelo menos não era do meu agrado, eu queria algo mais impactante, assim como estava sendo as mudanças na minha vida.
Suspiro e passo a mão no rosto. Tento de novo, mudo a cor, troco a fonte, mexo nos traços. Nada funciona. É como tentar fazer arte com uma régua torta.
Dois colegas atrás de mim estão conversando.
— Aquela mina de ontem tava me dando mole, você viu? — diz um deles, o Tiago.
— A ruiva? Vi, lógico! — responde o outro, o Lucas, que trabalha com redes sociais. — Mas eu acho que ela tava acompanhada, ela vivia cercada por um cara. Sei não.
— Ah, se ela tiver ou não acompanhada eu caio dentro. — ri o Tiago. — Mas fala sério, o bar ontem tava cheio. Até a Aline apareceu por lá, acredita?
— Jura? — Lucas arqueia as sobrancelhas. — E o Arnaldo também, né?
— Óbvio. Os dois grudados como sempre. Aquilo lá é uma novela.
Finjo que não tô ouvindo, mas é impossível. Me sinto meio deslocado. Eles falam de bar, mulher, noitada... e eu aqui, apanhando de um logo. Fico me sentindo até um caipira, pois parecia o único a estar realmente focado naquele lugar.
De repente, sinto uma mão pesada no meu ombro.
— Marcelo! — Arnaldo chega com aquele sorriso confiante. — E aí, garoto, sobreviveu ao primeiro dia?
— Tô tentando — respondo, virando um pouco na cadeira.
— Vi que você já tá metendo a mão no projeto da loja. Gostei da iniciativa. Os outros deviam seguir seu exemplo, sabe? — Olhou então para o redor, e a conversa do lado acabou.
Sorrio, meio sem jeito.
— Tô fazendo uns testes, mas ainda não acertei.
— É assim mesmo no começo. Mas olha, essa logo aqui eu gostei. Porque ta tentando mudar ela?
— Sei lá, me parece que posso melhorar.
Ele me dá um tapinha no ombro e cruza os braços.
— Mas me diz uma coisa... por que não apareceu ontem pra tomar uma com a gente?
— Eu...? — fico meio sem saber o que dizer. — Acho que... eu nem sabia que vocês iam sair.
— Sério? — ele arregala os olhos. — Puts, esqueci completamente de te avisar. Foi mal, cara. A gente devia ter te chamado.
— Tudo bem, tranquilo.
Arnaldo faz cara de quem já teve uma ideia.
— Mas sexta tem de novo. O pessoal vai no mesmo barzinho. Vai, sim. Assim você se enturma.
— Ah, não sei... — digo, coçando a nuca. — Eu não costumo sair muito.
— Como assim, não costuma? Você tá em São Paulo, cara! Aqui é o lugar pra sair, conhecer gente, viver! — ele fala animado, gesticulando.
Dou uma risadinha tímida.
— É, eu sou meio tranquilo. Prefiro ficar de boa em casa.
— Tranquilo nada! — ele responde. — Você precisa conhecer as mulheres da capital.
Sinto minhas bochechas queimarem um pouco.
— As... mulheres da capital?
— É, pô! Você acha que vai viver de trabalhar e dormir? Não, Marcelo. São Paulo é pra se apaixonar, pra se enrolar, tem que conhecer as mulheres, trepar!
Aline, que até então tava digitando no notebook do outro lado da sala, levanta o olhar com um sorrisinho de canto.
— Arnaldo, você não ta vendo que ta deixando o rapaz envergonhado?
Ele ri.
— Que nada, você ta de boa, não tá Marcelo?
— É... — Respondi.
Ela volta pro computador, mas ainda com aquele sorriso no rosto.
— Vocês homens são complicados.
Arnaldo se vira pra mim e me encara com uma expressão curiosa.
— Me diz uma coisa, Marcelo... você já namorou? Me conte das suas namoradinhas.
Engulo seco.
— Não, nunca.
— Mas, tipo, nunca mesmo? Nem um casinho?
— Nem isso.
Ele arregala os olhos, surpreso.
— Mentira! Tá de brincadeira!
— Não tô, não — respondo, abaixando um pouco a cabeça. — Lá onde eu morava era diferente... cidade pequena, todo mundo se conhece, sabe?
— Tá, mas pera aí... — ele aproxima o rosto com um ar travesso. — Então quer dizer que você é... virgem?
O silêncio que se forma depois dessa pergunta é quase palpável. Sinto o sangue subir pro rosto. Aline olha de lado, sem virar completamente, mas claramente ouvindo.
— Eu... não queria responder isso... — respondo baixo, olhando pra mesa.
Arnaldo leva as mãos à cabeça, fingindo um escândalo.
— Cara, isso é sério? Não, a gente precisa tirar esse cabaço seu, depois do expediente precisamos conversar, não é possível!
Aline ri, ainda olhando pra tela.
— Deixa o menino, Arnaldo. Isso é fofo.
— Fofo? — ele repete, como se a palavra fosse absurda. — Aline, a gente tá falando de um rapaz em plena flor da idade que nunca teve uma boa trepada!
Ela levanta o olhar por um instante.
— Você perdeu a sua virgindade com 23 anos, Arnaldo. Esqueceu?
Ele ignora o comentário e volta a me encarar, decidido.
— Tá certo, Marcelo. Eu tomei uma decisão agora.
— Decisão?
— Sim. Eu vou te arrumar uma namorada.
— O quê? — quase engasgo. — Não precisa, de verdade!
— Precisa, sim. Isso é uma missão. Aline, confirma aí: ele precisa de uma namorada, né?
Ela solta uma risadinha discreta.
— Acho que você ta mais empolgado com isso que ele, olha como ele ta preocupado.
Mas Arnaldo já tá empolgado demais pra ouvir.
— Pronto, tá decidido. Sexta-feira, você vai sair com a gente. Eu, o Lucas, o Tiago, talvez a Aline. A gente vai pro bar e te apresenta pra umas amigas.
— Sexta-feira eu não posso. Tenho compromisso. — Disse Aline. Arnaldo olhou com uma cara meio fechada. Respondi.
— Eu não sei se...
— Nada de “não sei se”! Você vai, e pronto. Venha também, Aline, deixa isso de lado. É pelo bem de nosso funcionário mais querido!
Aline balança a cabeça, rindo.
— Você é impossível, Arnaldo.
— Impossível, não. Sou um benfeitor — ele diz, apontando pra mim. — Esse rapaz vai me agradecer daqui a uns meses!
Eu fico sem palavras. Não sei se rio, se fujo ou se peço demissão. Arnaldo parece mesmo acreditar que tá prestes a mudar a minha vida.
Mais tarde, no intervalo, tô na copa tentando disfarçar o constrangimento enquanto tomo um chá gelado, e como alguma coisa. Aline entra e abre a geladeira. Ela pega uma garrafa de água e se encosta na bancada, me olhando de leve.
— Escuta, Marcelo. Não liga pro Arnaldo não, ele é meio louco mesmo, mas é um homem muito legal e amigo.
— Ah, tranquilo — dizia, enquanto olho para meu lanche, antes de dar uma mordida, continuo. — Só fiquei meio sem graça com a situação, mas vocês são os melhores patrões que alguém pode ter.
— Que fofo o seu elogio. — Ela sorri de leve. — Mas, olha, não tem nada de errado com você. Na verdade, é raro ver alguém que ainda leva as coisas com calma.
— É... acho que nunca encontrei alguém que fizesse valer a pena.
Ela levanta uma sobrancelha, intrigada.
— Bonita essa frase. Cuidado, senão o Arnaldo vai te colocar numa campanha romântica.
Rio, e dessa vez de verdade.
— Acho que eu não sirvo pra personagem de comercial.
— Marcelo, o importante é você ser feliz. — ela diz, antes de dar um gole na água. — Mas acho que não seria nada mal você dar uns beijinhos mesmo.
Ficamos em silêncio por uns segundos. Aline volta pra mesa dela e eu retorno pra mesa, mas a conversa fica ecoando na minha cabeça.
O resto do dia passa devagar. Tento ajustar o logo mais uma vez e, finalmente, consigo algo que não me dá vergonha de mostrar. Arnaldo passa por mim, olha rápido e dá um sinal de positivo.
— Agora sim, garoto. Tá começando a pegar o jeito.
Quando o expediente termina, o pessoal começa a se despedir, comentando sobre o bar de sexta. Arnaldo grita do outro lado da sala:
— Marcelo, preciso de você!
Sorrio de canto, meio sem saber se tô animado ou apavorado.
Quando chego, vejo uma lista de mensagens de várias garotas. Arnaldo virou o pc para mim, e assim me mostrou todas as opções.
— Olha o tanto de gatinha que ta aqui carente,.
— Sim, e o que tem? — Perguntei enquanto continuava olhando para a tela onde observei as mensagens das garotas.
— Olha todas essas gatinhas carentes precisando de um homem para conhecer melhor. Vou conversar com uma delas nessa conta que criei pra você.
— Você tá louco? Não, mas de jeito nenhum! — Disse, enquanto vejo Arnaldo já puxando o perfil de uma delas.
— Que isso Marcelo.. olha esse perfil aqui.:
"Vanessa, 21 anos. Procuro um homem para conversar e quem sabe se divertir. Por favor me escreva somente se você se interessar. "
— Tem essa aqui também, olha essa:
"Raquel 19 anos. Gosto de gatos, gosto de sair e adoro homens fofos. Sou uma devoradora de livros, vamos conversar? "
— Olha só que interessante essa, 19 aninhos. Só na flor da idade. Olha essa aqui:
"Nha! Meu nome é Mayumi! Uma japonesinha fofinha de 18 anos que mora a pouco tempo aqui no Brasil. Você não quer ser meu sensei? Eu estou tão sozinha"
— Rapaz, eu já te contei que eu sou fissurado numa japonesa? Porra, eu acho que eu vou marcar com essa para você!
Totalmente sem graça e meio desconfortável, eu meio que falei que não queria, mas não podia negar a curiosidade do resultado disso.
— Senhor eu acho que eu não quero isso..
— Que senhor o quê! eu sou velho por acaso? Pode me chamar de Arnaldo mesmo meu amigo. E o que custa você conhecer ela? Deixa eu mandar uma mensagem
— Ai, ai. Tá bom... Deixa eu ver. — Respondi.
Arnaldo então mandou uma mensagem para ela como se fosse eu. Se apresentou como Marcelo, um rapaz que veio de uma cidade próxima de Ribeirão Preto, e que estava à procura de emoções. Fiquei sem graça depois que ele apertou para enviar, e fiquei pensando se isso era uma boa ideia. Depois disso ele pegou meu celular. Baixou então o aplicativo e inseriu a conta, então me disse que logo ela iria me responder.
Antes de ir, ele reforçou a ideia do bar. Não podendo recusar, aceitei, talvez fosse divertido.
No metrô de volta, fico olhando o reflexo no vidro e penso em tudo que aconteceu. Duas falhas de logo, um segredo exposto, um encontro a cegas pela internet e uma promessa de sexta-feira que pode acabar em desastre.
Mas, pela primeira vez desde que cheguei, percebo que tô rindo sozinho.
Chegando em casa o celular tem uma notificação. Das cinco pessoas que ele mandou mensagem, justo uma respondeu.
" Oi! Muito obrigado por ter mandado mensagem. Vamos nos conhecer, como vai? Como foi seu dia? Desculpe tantas perguntas. @_@' - Mayumi. "
Sento no sofá, e assim eu resolvo responder.
" Oi Mayumi. Tive um dia cheio, espero que seu dia tenha sido melhor que o meu. "
Ela não falou mais nada no momento. Depois de algumas horas, respondeu, e descobri que ela recém se formou, e está fazendo cursinho para cursar a faculdade. Mora com a mãe, o pai mora em Akibahara, no japão, trabalhando em uma fábrica. Manda sempre dinheiro para o Brasil. Ela disse que está solteira, o último namorado a traiu com a melhor amiga. Procura um homem fiel e carinhoso. Quando falei dos meus gostos, percebi que éramos bem parecidos...
Os dias passaram num piscar de olhos, e enfim, chegou a sexta-feira. Dia de trabalho, e de apresentações. O Cliente gostou da logo, e também da promoção que fizemos de seu negócio. Uma grana boa entrou, e ainda por cima, a reputação da empresa. Arnaldo sorrindo de orelha a orelha.
No fim do expediente, acabamos indo para o bar, comemorar. Curiosamente, Aline foi junto, quando tinha dito que não iria. Estavamos ali todos reunidos, para um momento de confraternização, mas para mim era bem mais do que isso.
O bar é pequeno, mas cheio de vida. A mesa é grande e redonda, no centro do salão, e a gente ocupa quase tudo. Arnaldo já chega abraçando o garçom, como se fosse velho conhecido. Tiago e Lucas estão rindo de alguma piada interna, Aline mexe no celular, e eu só observo.
Tatiana, a nova contratada, tá sentada do meu lado. É bonita, cabelo preto escorrido, óculos redondos. Parece quieta, mas o jeito tímido dela combina com o meu. Quando o garçom chega, Arnaldo já comanda:
— Uma rodada de chope pra mesa, e traz uns salgadinhos aí pra acompanhar!
O garçom anota tudo e sai. O som do bar mistura música, risadas e vozes que se cruzam. Quando os copos chegam, Arnaldo levanta o dele.
— Ao novo time da MUV! E ao nosso menino do interior que sobreviveu à primeira semana!
Todos riem e batem os copos.
— Brinde ao Marcelo! — grita Lucas.
— E à Tatiana, nossa novata! — completa Tiago.
Tatiana levanta o copo, rindo baixinho.
— Saúde — diz ela, quase num sussurro.
Depois da segunda rodada, o clima fica mais solto. O chope começa a fazer efeito, e até eu já tô rindo das histórias exageradas do Tiago. Aline parece mais relaxada, com o cabelo solto, rindo de canto. Arnaldo tá no auge da empolgação, falando alto e gesticulando como se estivesse num palco.
De repente, ele me cutuca.
— Olha lá, Marcelo. — aponta com o queixo. — Aquela ali. Tá te olhando faz um tempo.
Sigo o olhar dele. Uma mulher bonita, de vestido verde, sentada sozinha em uma mesa próxima. Cabelos loiros, olhar tranquilo. Parece distraída, mexendo no celular.
— Eu? Claro que não — digo, rindo nervoso. — Ela nem deve saber que eu existo.
— Tá maluco? Vai lá falar com ela!
— O quê? Eu nem conheço!
— Justamente! É assim que se conhece!
Antes que eu diga qualquer coisa, ele se levanta e faz sinal pra ela vir. Meu coração dispara.
— Arnaldo, não! — sussurro, desesperado.
Mas é tarde. Ela levanta, confusa, e vem até a mesa.
Arnaldo se ajeita todo, com aquele sorriso de quem vai aprontar.
— Oi, princesa. Meu amigo aqui — aponta pra mim — tava comentando que o lugar finalmente ganhou um brilho hoje.
Ela arqueia uma sobrancelha, rindo de leve.
— É mesmo?
— Pois é. Eu até perguntei o que ele quis dizer, e ele respondeu: “Porque a maior preciosidade desse bar tá ali tão longe... e eu precisava dela mais perto.”
A mesa cai na risada. Eu quero desaparecer. Sinto o rosto pegar fogo.
— Meu Deus, Arnaldo... — murmuro.
A mulher ri, divertida.
— Bonitinho. Mas eu já tenho namorado — diz, olhando em volta. — Ele tá ali, ó.
Aponta pra um cara grandão, de barba e cara de poucos amigos, sentado a algumas mesas de distância.
Arnaldo levanta as mãos, rindo.
— Tudo bem, tudo bem! Foi só uma cantada artística!
— Achei fofa — ela diz, simpática. — Só avisa seu amigo pra tomar cuidado.
— Pode deixar! — respondo rápido. — Desculpa pelo... brilho.
Ela ri mais uma vez e vai embora.
A mesa explode de gargalhadas.
— Bola fora, mano! — diz Arnaldo, batendo nas minhas costas. — Mas valeu a tentativa!
— Tentativa? Você que me jogou na fogueira!
— Detalhes! — ele ri.
Aline balança a cabeça, sorrindo.
— Arnaldo, essa sua cantada foi é cafona.
— Cafona, nada. Foi charmosa.
— Foi cafona — ela insiste, cruzando os braços. — Mas acho que você gosta de ser cafona.
Ele sorri de canto.
— E você gosta das minhas cafonices, admite.
Aline revira os olhos, mas acaba rindo.
— Infelizmente, gosto mesmo.
O clima fica leve outra vez. Lucas pede mais uma rodada, Tiago começa a contar histórias absurdas, Tatiana ri baixinho do meu lado.
— Você tá bem? — ela pergunta, encostando o copo na boca.
— Tô, sim. Só meio traumatizado.
Ela sorri.
— Achei que foi corajoso. Eu teria fugido antes dela chegar.
— Eu pensei em fugir — respondo. — Só que minhas pernas não obedeceram.
Ela ri, sincera, e por um instante, eu esqueço o constrangimento.
A música aumenta, o bar lota, e as luzes ficam mais suaves. Arnaldo e Aline começam a discutir sobre qual cantor é melhor, Tiago está lá contando suas histórias, Tatiana tentando se enturmar, e eu percebo que, apesar de tudo, tô me divertindo.
Levanto o copo.
— Acho que tô começando a gostar da cidade grande.
Arnaldo escuta e levanta o dele também.
— É isso aí, garoto! São Paulo já tá te conquistando.
Aline sorri de canto, olhando pra mim.
— E olha que ainda é só sexta-feira. Temos ainda o fim de semana.
Dou uma risada leve.
Sinto que a noite ainda vai longe. E ainda tinha algumas coisas bem curiosas para acontecer.