Fomos todos conduzidos até o carro, e dali, acabamos seguindo até a delegacia. No caminho, o policial nos alertou que deveríamos depor, dar nossas versões, antes de sermos liberados.
A delegacia parecia um lugar onde o tempo não passava. Eu não sabia se já era madrugada ou manhã, apenas me sentia vazio. Prestamos nossos depoimentos, contamos cada detalhe, mesmo os que eu queria apagar da memória. O policial anotava tudo, sério, impassível, como se aquilo fosse apenas mais um caso em sua rotina. Para mim, no entanto, era um pesadelo que se repetia.
Quando finalmente fomos liberados, a polícia nos levou para casa. Akemi pediu para ser deixada na casa de um parente. Não fez questão de explicar mais do que isso, e eu também não tive coragem de perguntar. Ela parecia frágil, e ao mesmo tempo distante, como se ainda estivesse em outro mundo. Aoi e eu seguimos juntos no carro, em silêncio, até nossa casa. No percurso, nada foi dito, cada um em seu mundo, olhando para o nada. Nenhuma palavra trocada. Se o policial falou algo, não prestei atenção.
Assim que entramos, cada um foi para um lado. Eu subi para o quarto, exausto, mas não conseguia dormir. Apenas me joguei na cama, olhando para o teto. O turbilhão de pensamentos me corroía. As imagens não saíam da minha cabeça: os vídeos, a expressão de Aoi, Akemi como uma marionete dopada, o riso nojento do produtor. Eu me sentia impotente. Porque as duas estavam ali, na minha frente, e o que eu podia fazer? Nada.
Mesmo que tudo tivesse sido parte de uma operação para prender o desgraçado daquele produtor, mesmo que no fundo estivéssemos sendo monitorados pela polícia, eu não conseguia me convencer de que tinha feito algo certo. Na minha mente, eu só via falhas. Eu não consegui proteger ninguém. Nem a mim, nem Aoi, nem Akemi.
Eu fechei os olhos, tentando afastar aquilo, mas só me afundei mais na escuridão da memória. O coração batia pesado no peito, como se quisesse me punir.
Foi então que ouvi a porta do quarto ranger. Aoi estava ali, abrindo a porta, com a cabeça baixa e a sua feição mais tímida, talvez sentida ainda com tudo que aconteceu.
— Kouta-kun… você quer alguma coisa para comer? — a voz de Aoi era baixa, hesitante.
Me virei de lado, olhando para ela. Sua silhueta estava parada na porta, quase sem coragem de entrar.
— Não se preocupe com isso, eu estou sem fome. — respondi, seco demais, mas sem intenção de magoá-la.
Ela deu alguns passos, se aproximando.
— Mas, Kouta-kun, Você precisa comer alguma coisa. Não quero te deixar com fome. — insistiu, suave, como sempre.
Engoli em seco, mas a única coisa que saiu da minha boca foi:
— Aoi-san... Desculpa.
Ela franziu o cenho, confusa.
— Desculpa pelo quê?
Me sentei na beira da cama, os punhos cerrados, a garganta queimando.
— Por tudo! — a voz saiu trêmula. — Por ter sido grosso com você, por nunca ter te entendido! Por nunca perceber o turbilhão de coisas que você estava passando, por não saber que meu irmão causou a morte do seu pai de alguma forma! Por ter falado coisas horríveis que eu nunca deveria ter dito. Por não tentar fazer algo referente a tudo que estava passando! Por ter falhado em te proteger… tantas vezes.
Ela se aproximou mais, até ficar na minha frente. Os olhos dela brilharam, mas não de raiva.
— Kouta-kun! Não fique falando essas coisas, você não tem culpa de nada... Você não tem que se desculpar por isso, Kouta. — disse, com firmeza. — Você sempre esteve ao meu lado. Sempre me protegeu, mesmo quando não percebia. Do seu jeito, você nunca deixou de estar comigo.
A raiva tomou conta de mim, não dela, mas de mim mesmo. Meus olhos marejaram.
— Não, Aoi. Eu sou patético. — apertei os punhos até doer. — Eu fiquei sentado, amarrado, enquanto você… enquanto vocês sofriam. Eu não consegui fazer nada.
Ela se sentou ao meu lado. Sua presença me trouxe um calor que eu não sabia que precisava.
— Kouta- kun… — falou baixinho, encostando a mão sobre a minha.
— Kouta-kun foi sempre a razão das minha preces, eu sempre pedi a Deus para que ele me desse um marido como o Kouta-kun. Você é tudo que eu sempre pedi, porque você me completa do seu jeitinho. Você sempre foi o meu herói, e ainda é, ok?
Virei o rosto para ela, os olhos ardendo.
— Herói? Que herói é esse que me consegue ser atropelado, fica em coma e faz com que a pessoa que está junto, tenha que fazer o que você fez!
Ela respirou fundo, como se estivesse tentando segurar as próprias lágrimas.
— Sei que está magoado demais, Kouta-kun... — disse, com a voz embargada. — Nem sempre é possível controlar tudo. E… eu também preciso pedir desculpas.
— Desculpas? — perguntei, surpreso.
— Sim, por ter feito o que eu fiz e acabar te fazendo ficar assim. Eu te envolvi demais nessa história. — ela desviou o olhar. — Eu não sabia que eles iriam trazer você pra aquele lugar. Não fazia ideia que tudo aconteceria daquela forma. Mas… eu tenho quase certeza que Akemi foi usada. Talvez ameaçada, ou manipulada.
A raiva dentro de mim se transformou em dor. Eu encarei Aoi, e sem pensar, a abracei forte.
Ela correspondeu, enfiando o rosto contra meu ombro. Ficamos assim, em silêncio, tentando encontrar conforto onde parecia não haver mais. O coração dela batia acelerado contra o meu.
Naquele abraço, eu entendi que, mesmo em meio ao caos, nós ainda estávamos juntos. Era só isso que importava.
Na manhã seguinte, o sol invadia a janela, e acabou me acordando, enquanto percebi que dormi de mal jeito no sofá, enquanto Aoi permanecia ali em meu colo. Eu não sabia como havia adormecido, mas acordei mais pesado do que antes. Levantei, tomando um certo cuidado, e deixando-a ainda deitada no sofá e vesti uma camiseta qualquer e desci para a sala.
Nesse meio tempo, Aoi praticamente acordou e já estava sentada no sofá, ela ainda espreguiçava os olhos enquanto tentou despertar, enquanto eu ficava ali, acompanhando-a com o olhar. O peso da noite anterior ainda estava sobre minhas costas, e eu não sabia o que falar pra ela.
Eu abri a boca para dizer algo, mas antes que qualquer palavra saísse, a campainha tocou.
O barulho da campainha parece ter despertado o transe que ela estava, onde a fez voltar a realidade. Olhou para a porta e perguntou:
— Quem será a essa hora? — murmurou.
Prontifiquei a abrir a porta, enquanto ela assentiu. Me aproximei da porta e a abri.
Do outro lado, parada na soleira, estava Akemi.
Seus olhos traziam olheiras profundas, o rosto ainda marcado pelo impacto do soco que levara na noite anterior. Mas, mais do que isso, havia algo em sua expressão que eu não sabia decifrar.
Ela parecia vulnerável, mas determinada.
— Akemi-san? Não esperavamos você aqui … — murmurei, sentindo meu coração disparar.
Ela respirou fundo, os olhos marejados.
— Kouta-kun… Aoi… eu precisava ver vocês.
Aoi se levantou do sofá, surpresa ao vê-la.
— Akemi-chan…
— Eu vim para me despedir. Pretendo ir embora… ficar de vez nos Estados Unidos.
Aoi foi a primeira a reagir. Levantou-se e caminhou até ela, sem hesitar. Segurou ambas as mãos de Akemi, com delicadeza, e sua voz saiu suave, quase um sussurro:
— Obrigada… obrigada por tudo o que fez para colocar aquele homem fora das nossas vidas. Uma pena que vai embora, eu acho que finalmente podemos nos dar bem...
O gesto me incomodou. A cena me corroía por dentro. Eu me levantei devagar, sentindo o punho se fechar sozinho. Fitei Akemi de frente, sem esconder a dureza no olhar.
— Você não vai embora ainda. — minha voz soou firme, quase ríspida. — Não antes de me dizer o que estava fazendo ali… com aquele homem. Porque eu fui levado até lá, e o que ele quis dizer com sempre ter te usado.
Aoi se virou para mim, surpresa, tentando me conter.
— Isso não importa, Kouta-kun — disse rápido. — Ela fez o que era certo no fim. É isso que importa agora. O passado dela deve ser muito dolorido para ser cintado agora...
Olhei para as duas. Primeiro para Aoi, depois para Akemi. Balancei a cabeça em negação.
— Já chega, Aoi! Já chega as duas! Vocês me colocaram naquele galpão, eu fui obrigado a passar o inferno! — afirmei, gelado. — Ela deve explicações. A nós dois.
Akemi respirou fundo, como se aquele momento fosse inevitável. Seus olhos marejaram, mas não desviaram de mim.
— Kouta-kun, você diz que passou o inferno, mas... Você... Ou melhor... Vocês… algum dia notaram que eu sumi? — perguntou, a voz embargada.
Fiquei em silêncio. Revirei minhas memórias, mas nada me vinha com clareza. O incômodo da confissão dela no táxi voltou à minha mente, mas… eu realmente não lembrava.
— Que eu me lembre não. — respondi, seco.
Ela sorriu com tristeza, lágrimas começando a cair.
— Você nem notou quando eu passei dias, sumida. Porque acha que iria compreender alguma coisa?
Franzi o cenho, confuso.
— Do que você está falando?
— Eu me confessei pra você há muito tempo. Você se lembra? — disse, com a voz falhando.
— Eu me lembro vagamente. E dai?
— Naquele dia, eu coloquei pra fora meus sentimentos. Mas você me ignorou. E eu… me afastei. Nesse meio tempo, eles me raptaram.
Aoi soltou um suspiro abafado, cobrindo a boca com a mão.
— Raptaram você?
Akemi assentiu devagar.
— Sim. O diretor Kanbara e algumas pessoas, eles me levaram á força para um lugar. Eles me obrigaram a fazer coisas. Muitas coisas.
— Como assim? — Perguntei, com a voz raivosa, punhos cerrados.
— Eles... Me levaram para um galpão, esse mesmo galpão. Me obrigaram a fazer sexo com eles, eu tinha que fazer isso. E foi naquele dia, e no outro, e no outro. Todos os dias eu era obrigada a fazer sexo, sobre o efeito de estimulantes e coisas que nem sei o que seriam. Eu obedecia porque não tinha opção. Passei anos assim. E, ao contrário da Aoi… eu não tinha o Kouta pra me proteger. Eu estava sozinha.
Eu a encarei, sentindo o peso das palavras, mas me mantendo duro.
Ela continuou, a voz cada vez mais trêmula:
— Quando não aguentei mais, quando quis me livrar daquilo, eu… eu fiz o pior. Mandei fotos suas pro produtor, Aoi. — seu olhar se virou para mim, enquanto Aoi ainda estava junto dela. — Eu quis colocar você no meu lugar. Quis que ele olhasse pra você, não pra mim.
Aoi levou a mão ao peito, chocada, mas não a soltou.
— Você me disse isso. Mas você sabe que eu já a perdoei!
— Ele se interessou imediatamente. — Akemi deixou escapar um riso amargo. — Me propôs que eu a enganasse. Que eu desse um jeito de colocar Aoi-chan na mira dele. E eu aceitei. Aceitei com ódio.
Meu estômago revirou.
— Você… — tentei falar, mas a voz saiu sufocada.
Akemi ergueu os olhos para mim, chorando.
— Mas eu desisti. Eu não consegui ir até o fim. Minha mãe conseguiu um emprego na América, e eu fugi com ela. Apaguei meus rastros, desapareci.
— E por que voltou pra cá? Pra fazer o que você prometeu? — Disse, cruzando os braços.
— Não! — Ela respondeu. — Foi porque eu vi que Aoi tinha virado uma modelo daquele site... E tinha vídeos dela, e eu precisava ver o que isso significava! Queria impedir. E quando voltei… já era tarde. Os vídeos já estavam espalhados pela internet e eu fiquei sabendo que foi por causa do acidente.
Aoi não resistiu. Puxou Akemi num abraço apertado, como se quisesse protegê-la mesmo depois de tudo.
— Deve ter sido horrível. — sussurrou. — Você passou por tanto, Akemi… Me desculpa por nunca perceber nada.
Eu fiquei imóvel. Não conseguia me aproximar, nem oferecer consolo. Apenas fiquei parado, encarando as duas.
Aoi olhou para mim, como se esperasse que eu dissesse algo.
Mas quando abri a boca, só saiu frieza:
— Eu não quero ver você nunca mais. Você entendeu? Eu espero que vá pros Estados Unidos e nunca mais apareça na minha frente.
O corpo de Akemi tremeu. Ela se afastou do abraço de Aoi, enxugando as lágrimas com a manga da blusa.
— Eu entendo. — disse, com a voz fraca. — Desculpem por tudo.
— Akemi-san! — Disse Aoi, ao ter o abraço desvenciliado.
Sem mais palavras, virou-se e caminhou até a porta. O som da maçaneta rodando e a porta batendo podia ser ouvido por todos. Aoi se virou para mim, indignada.
— Você foi muito duro com ela, Kouta-kun! Ela estava arrependida!
— Duro? — perguntei, com raiva contida.
— O que ela passou… O que ela fez... Não importa mais. — respondeu, com firmeza. — Ela se redimiu. Ela voltou, arriscou a vida dela para ajudar a colocar aquele homem atrás das grades.
Apertei o maxilar, virando o rosto.
— Isso não apaga o que ela fez, Aoi. Não apaga o fato de que você só passou por tudo isso porque ela entregou você pra ele.
Ela suspirou, cansada.
— E você só está vivo porque ela também decidiu voltar e enfrentar tudo.
Não respondi. Apenas peguei minha jaqueta que estava jogada no encosto da cadeira.
— Ela ter voltado não apaga que isso só aconteceu por culpa dela, e também não apaga a droga daquele vídeo onde você ta praticamente trepando com outro cara!
Aoi olhava pra mim, depois daquilo, completamente chocada. Ela simplesmente baixou a cabeça.
— Onde você vai? — perguntou, preocupada.
— Sair. — disse, sem olhar pra trás. — Vou caminhar por aí. Preciso respirar.
E antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, saí pela porta, sem rumo, só queria caminhar e esquecer que tudo existia.
Caminhava pelas ruas sem rumo, tentando ainda engolir tudo aquilo. Eu me sentia traído, mas ao mesmo tempo, ferido de todas as maneiras que eu podia imaginar. Eu só queria poder voltar no tempo, e viver em paz, tudo que eu não consegui viver desde o momento em que eu estive preso naquela UTI. Queria ir pra um lugar em especial, e comecei a caminhar para lá, como se a minha esperança estivesse ali.
De repente, uma buzina tocou, enquanto os meus pensamentos estavam em devaneios, e uma voz conhecida me chamou.
— Ei, garoto!
Virei o rosto e vi um carro parado na rua, e atrás do volante, um rosto conhecido. Me aproximei, um pouco confuso, até perceber quem era.
— O senhor é...? Por acaso, é o taxista daquele dia, não é? — falei, quase sem acreditar.
Ele abriu um sorriso largo, aquele mesmo jeito simples que eu lembrava.
— Tem boa memória, hein garoto. Como vai? — perguntou, com a voz animada.
— Eu… tô levando. — respondi, sem jeito. — E o senhor?
— Bem. Acabei de deixar minha filha no trabalho, você acredita? Ela conseguiu chegar onde ela queria, estou orgulhoso demais! Bom, agora tô indo pra casa.
— Ah… que bom. — foi tudo que consegui dizer.
Ele me olhou por um instante, talvez percebendo o peso no meu rosto.
— Precisa de carona pra algum lugar?
Balancei a cabeça. — Não precisa, tô só andando por aí. Além do mais, eu to meio liso.
— Hum. — Ele fez uma pausa, pensativo, e então completou: — Escuta… eu já rodei muito nessa cidade, já vi muito jovem com esse mesmo olhar que você tem agora. Olhar de quem carrega coisa demais no coração.
Não respondi. Fiquei parado, sem saber se negava ou se aceitava.
— Vamos fazer o seguinte: entra aí. A corrida vai por conta da casa. E se quiser conversar, eu sou um bom ouvinte.
Suspirei. Parte de mim queria recusar, mas… havia algo naquela voz, naquela calma dele, que me fez abrir a porta e entrar.
O carro seguiu em frente, e por alguns minutos, o silêncio tomou conta. Eu olhava pela janela, perdido em pensamentos.
— Sabe, garoto — ele disse de repente —, os homens mais velhos têm uma coisa boa: histórias. E as histórias sempre vêm com um pouco de sabedoria. Se você tiver algo no peito e quiser desabafar, manda.
Fiquei quieto. Mas não demorou muito pra as palavras escaparem.
— Se você fosse casado com uma pessoa… e ela fosse obrigada a fazer algo horrível pra salvar a sua vida… você continuaria com ela mesmo assim?
Ele não respondeu de imediato. Apenas diminuiu a velocidade, deu a volta em uma rua mais calma, e estacionou perto de um parque. Depois, virou-se para mim com seriedade.
— Eu vou te contar uma história.
Me ajeitei no banco, curioso.
— Há muito tempo atrás, conheci a minha esposa. Ela já não está mais nesse mundo, faleceu faz pouco tempo. — A voz dele vacilou, mas logo retomou. — No começo do nosso casamento, só eu trabalhava. E houve um período em que fiquei muito doente. Eu não conseguia levantar da cama, não podia trabalhar.
Ele respirou fundo antes de continuar.
— Minha esposa, sem me contar nada, arrumou um emprego limpando banheiros e cozinhas na casa de um homem. Um homem escroto, abusado. E esse homem fez algo horrível com ela. Imediatamente depois daquilo, ela saiu daquela casa, ela me contou tudo.
Eu senti um aperto no estômago.
— No começo, eu a julguei. Nós homens, temos o nosso íntimo de julgar as mulheres, e eu não fui diferente. Eu fiquei com raiva, com nojo, me sentindo traído, sendo que a culpa não foi dela, ela foi abusada. Mas depois percebi… Que ela não teve culpa, e ela fez aquilo para nos ajudar, para me ajudar. Foi por isso que ela estava lá, em primeiro lugar, enquanto eu a acusava de querer arrumar trabalho e que por isso tudo aconteceu. Ela queria juntar dinheiro, manter nossa casa de pé, me dar os remédios. Ela se sacrificou por nós.
Os olhos dele brilharam, mesmo na penumbra do carro.
— Eu não podia jogar isso fora. Continuei com ela. E algum tempo depois nasceu a nossa filha. Eu a amei até o último dia da vida dela. E hoje, olhando pra trás, eu sei: faria por ela a mesma coisa que ela fez por mim. Mesmo que tivesse que me arrastar até o fundo, eu faria. Por amor.
Fiquei em choque. As palavras ecoavam dentro de mim, como marteladas. Era como se ele tivesse arrancado algo que eu escondia e jogado na minha cara.
Eu… eu sempre julguei a Aoi. Julguei cada decisão, cada sombra, cada erro. Esqueci de olhar o que havia por trás: o amor dela. Talvez eu nunca tivesse merecido aquilo.
O carro parou em meu destino, na entrada do parque. O taxista se virou e sorriu de leve.
— Bom, é aqui que eu te deixo. Cuida bem do que você tem, garoto. Essas coisas são raras.
Assenti, sem conseguir falar. Abri a porta, agradeci baixinho, e fiquei ali parado enquanto ele se afastava.
Me virei e encarei o parque. Meu coração apertou. Foi ali. Ali que tudo começou.
Entrei, caminhando devagar, e as lembranças voltaram como um soco. Eu ainda podia ver a cena. Eu, moleque, enfrentando aqueles garotos encrenqueiros, enquanto Aoi chorava, frágil, perdida depois de perder o pai. Eu não pensei duas vezes. Entrei no meio da briga, mesmo levando socos e chutes, eu peguei a mão dela, e sai correndo, porque não suportava ver uma menina indefesa assim.
Finalmente eu, talvez, conseguia entender o peso da palavra que ela me disse, depois daquele dia. O seu: “Obrigada… você é o meu herói.”
Naquele instante, entendi o que significava ser importante para alguém. Não era sobre ser invencível. Não era sobre nunca falhar. Era sobre estar lá. Apenas isso. Estar lá.
E eu… eu esqueci disso. Eu sempre desprezei o fato de ser o herói dela, por achar que eu não fazia nada demais, mas na verdade eu fazia. Ela só queria que eu fosse eu mesmo.
Me sentei num banco, escondendo o rosto entre as mãos. As lágrimas escorreram sem que eu pudesse impedir.
— Eu sou um idiota… — murmureiO beco estava mergulhado na penumbra, escondido entre prédios abandonados e depósitos esquecidos. Um silêncio sepulcral tomava conta do lugar, quebrado apenas pelo estalar do fogo. Chamas dançavam dentro de uma lata de metal enferrujada, consumindo restos de roupas escuras, rasgadas e manchadas.
O homem observava em silêncio, sem piscar, como se quisesse ter certeza de que nada restaria além de cinzas. Jogou o último pedaço de tecido dentro do fogo, e esperou o fogo consumir tudo, eliminando possíveis evidências.
— Tudo terminado. — murmurou.
Kenta Montou em sua moto, ajustou o capacete, girou a chave e o ronco do motor preencheu o beco. Sem olhar para trás, partiu. E foi embora dali, certo de que deixou pra trás tudo que poderia liga-lo ao que acabou de fazer. Como de costume, ligou de forma anônima para as autoridades, deixando o endereço do local onde estaria ali, os restos do homem que tinha acabado de dar cabo. A justiça, enfim, estava feita.
A estrada noturna de Osaka parecia infinita, iluminada por néons e anúncios piscando nas fachadas. O vento frio batia contra sua jaqueta, mas ele não se importava. Sua mente estava em outro lugar, um desconhecido onde somente a mente dele sabia.
Logo chegou ao hotel em que estava hospedado, um prédio de fachada discreta, barato, ideal para quem queria se esconder da cidade. Estacionou a moto, subiu as escadas e entrou no quarto. Era um lugar de paz em meio a todo o inferno lá fora.
Lá dentro, jogou o capacete sobre a cama e foi direto até a pequena mesa, onde uma garrafa de uísque repousava. Sem pensar duas vezes, destampou e virou a garrafa, bebendo longos goles. O líquido queimou sua garganta, mas não o suficiente para apagar o gosto amargo de uma vitória, mas incompleta, pois ela não apagaria tudo que aconteceu.
Apoiou a garrafa de volta no lugar e tombou a cabeça contra o encosto da cadeira. O teto amarelado parecia girar. Ele fechou os olhos, e repousou, pois sabia que agora Kouta estava a salvo. Ele e Aoi. Nenhum dos dois precisaria manchar as mãos para lidar com um lixo como aquele homem.
O celular vibrou em cima da mesa. A tela iluminou o quarto. Ele respirou fundo antes de atender.
— Conseguiu? — a voz do outro lado era grave, autoritária, cortante.
Kenta fechou os olhos.
— Consegui. — respondeu. — Está terminado. Sem provas.
Do outro lado, um breve silêncio. Então a voz prosseguiu:
— Muito bom. Espero que tenha eliminado tudo mesmo, como eu te ensinei.
— Eu amaldiçoo o dia que você me ensinou alguma coisa. — Kenta disparou no telefone.
— Você pode falar o que quiser, sabe que esse sempre foi seu destino.
Kenta apertou o celular contra o ouvido, os dentes cerrados.
— Destino? — rosnou. — Você é um canalha. Tudo o que aconteceu foi culpa sua. Você poderia ter ajudado na recuperação do Kouta. Mas não. Preferiu me mandar pra longe, em uma missão sem sentido, só pra eu não saber do acidente.
Houve outro silêncio carregado.
— Pior… — continuou Kenta, a voz trêmula de raiva. — Me explica como aquele maldito produtor conhece "Kurohane"? Por acaso tem ligação com você?
Do outro lado da linha, a voz manteve-se fria, indiferente.
— Quem não conhece Kurohane, meu neto? Todos do submundo tremem só de ouvir esse nome na Ásia.
— E por que não fez nada pelo Kouta? Ele é tão seu neto quanto eu!
— Meu querido Kouta. Tão doce e ingênuo quanto o pai, porém ele tinha a mesma habilidade que você. Mas respondendo a sua pergunta... Eu não tenho obrigação nenhuma de salvar ninguém. Já fiz o bastante criando vocês dois. Já são adultos para aceitar o destino sozinhos.
Kenta socou a mesa, o som ecoando pelo quarto.
— Criando? — cuspiu. — Como pai adotivo e avô, você deveria ter ao menos um pouco de consideração!
O homem do outro lado respirou fundo, quase como um suspiro cansado.
— Já esperava essa reação. Você sempre foi insolente, Kenta. Mas não se esqueça: foi por mim que você e seu irmão sobreviveram.
— Não! — Kenta gritou. — Nós sobrevivemos apesar de você. Seu próprio filho morreu, e você nunca ligou.
Silêncio. Por um instante, Kenta pensou ter passado dos limites. Mas a voz retornou, mais pesada, quase arrastada.
— Vocês não sabem do que estão falando! Ele era a única riqueza que eu realmente tinha, mesmo tendo me abandonado pra ter uma vida patética ao lado de uma mulher que morreu antes dele.
Kenta riu, um riso amargo.
— E eu menti? Você nos adotou porque precisava de um herdeiro. Nada mais.
Do outro lado, a voz não negou.
— Sim. E o meu herdeiro é você.
O quarto pareceu encolher ao redor de Kenta. Ele apertou o celular até os dedos ficarem brancos.
— Eu não preciso de nada vindo de você.
— Pode dizer isso agora. — retrucou a voz. — Mas não pode fugir do sangue que corre em suas veias.
Kenta fechou os olhos, respirando fundo.
— Está falando desse sangue envenenado? Eu não quero nada vindo de você.
Houve uma pausa longa. E então, pela primeira vez, a voz não soou firme, mas quebrada.
— Cof, cof. Quero que você venha até o templo. Você e Kouta-kun. Eu preciso ve-los.
Kenta franziu o cenho.
— Por quê?
A resposta veio seca, cortante:
— Porque estou morrendo.
As palavras caíram como um peso sobre o silêncio.
Kenta permaneceu imóvel, sentindo o coração disparar. Parte dele queria desligar o telefone naquele instante. Parte dele queria gritar. Mas, no fim, apenas disse:
— De qualquer forma. Obrigado por colocar a disposição um homem para cuidar do Kouta, e por ter me ajudado a localizar o sujeito.
E encerrou a ligação.
O quarto mergulhou novamente no silêncio. O único som era o seu próprio coração, batendo pesado, e o eco distante das buzinas da cidade. Ele recostou-se, respirando fundo, encarando o teto mais uma vez.
A garrafa de uísque ainda estava na mesa, esperando. Ele a pegou, virou mais um gole, e murmurou para si mesmo.
— Morrendo?
Kenta estava ali diante do sofá, quando ligou a tv. Sabia que em breve dariam a notícia que ele tanto esperava. Ele estava sintonizado em uma emissora de notícias locais, que estava noticiando sobre fatos corriqueiros da cidade, até que a notícia que ele esperou finalmente começou a ser exibida.
" Recebemos uma ligação anônima em nossos estúdios, informando que o corpo de Makoto Kanbara, um produtor de vídeos adultos em uma plataforma amadora que tem assinantes pelo mundo todo, estaria morto. A polícia hoje mais cedo estourou um cativeiro, onde ele mantinha reféns duas outras pessoas. Não vamos revelar os nomes por pedidos da própria polícia. Mas o fato é que a polícia invadiu o quarto a alguns minutos, e tudo que encontrou foram manchas de sangue espalhadas na sala, e um saco ensanguentado, onde continua um conteúdo que não fomos autorizados a falar. Mas o corpo do produtor não foi encontrado. A polícia recolheu as amostras e..." Clic.
Kenta apertou o punho, a expressão endurecendo.
— Droga... — murmurou, com o maxilar trincado. — O desgraçado está vivo? Não pode ser, eu matei ele!
Ele então levou a garrafa e bebeu mais um gole, no seco. A queimação do uísque desceu por sua garganta, mas não aliviou a pressão que sentia no peito.
Ele se levantou bruscamente, andando de um lado para o outro no quarto. Sua mente tentava encontrar explicações lógicas. Ele lembrava perfeitamente de tudo que aconteceu.
" — Por favor, não faça nada comigo! Se vocês querem dinheiro, eu dou! Eu dou o dobro do que pagaram para me matar.
— Você acha que isso tem a ver com dinheiro, amigo? — Disse Kenta, enquanto jogou o corpo do produtor no chão de um quarto vazio e escuro, longe de onde os policiais estavam á sua procura.
Com uma Katana, ele cortou o órgão sexual do homem, enquanto ele agonizava em meio a dor.
— Ahhh não, porra caralho!
— Está gostando, cretino? — Dizia Kenta. — Agora eu quero ver querer comer mais alguém assim desse jeito, seu bastardo lixo.
— Aaaaahhh.. Seu merdinha desgraçado! ahhhhh que dor!
— Como eu disse, isso não tem nada a ver com dinheiro. Ter mexido com um dos nossos é a sua sentença de morte.
Um raio rasgou o céu, ao mesmo tempo que a lâmina rasgou o tecido da camisa velha do produtor, atravessando seu peito, onde Kenta mirou no coração. Um ataque único, sem escapatória. "
Mas se estava morto... como havia desaparecido?
Kenta fechou os olhos por um instante e respirou fundo. Então, como um estalo, uma memória antiga veio à sua mente: um artigo médico que ele havia lido há anos, falando sobre casos raríssimos de pessoas que nasciam com o coração do lado direito.
Seus olhos se arregalaram.
— Não... — disse, engolindo em seco. — Não pode ser...
Ele apertou a katana que estava encostada contra a parede, recordando o golpe fatal. E, ainda assim, o produtor estava de pé em algum lugar, livre.
— Dextrocardia... — sussurrou. — Desgraçado sortudo do cacete!
A certeza caiu sobre ele como um raio. Kenta socou a parede com força, sentindo a pele da mão arder no impacto. Ele não havia errado. Não havia vacilado. Mas o destino, mais uma vez, tinha pregado uma peça cruel.
— O desgraçado vai atrás do Kouta, com certeza. E ai eu pego ele.
Com um grito de fúria, ele agarrou a garrafa de uísque ainda pela metade e a arremessou contra a parede. O vidro se estilhaçou, espalhando cacos e líquido pelo carpete.
Ele respirava com dificuldade, o peito subindo e descendo, como se cada suspiro fosse uma luta.
"Se ele está vivo, vai atrás do Kouta... ou da Aoi... ou até mesmo da Akemi. Eu não posso deixar isso acontecer."
Por um momento, pensou em ligar para Kouta. Em contar toda a verdade, expor sua falha. Mas algo dentro dele o impediu.
Kouta já estava confuso, abalado, tentando lidar com seus próprios fantasmas. Saber que o produtor ainda estava vivo, poderia faze-lo querer se vingar, cair para um lado que Kenta evitou a todo custo.
Kenta fechou os olhos e respirou fundo, como se estivesse tentando controlar o próprio coração.
— Não... ele não pode saber disso. Não agora.
A decisão estava tomada. Se Kouta fosse se envolver com o inimigo novamente, que fosse sem carregar o peso da incerteza. Kenta cuidaria disso sozinho.
Ainda assim, uma dúvida o corroía: o clã Kurohane já havia colocado alguém para vigiar seu irmão, talvez até para protegê-lo. Mas ele não confiava neles. Não totalmente.
— Não vou arriscar — disse em voz baixa, como se falasse consigo mesmo. — Esse fardo é meu. Vou seguir ele de perto.
A câmera do noticiário mostrava a polícia cercando o local, homens carregando caixas de evidências e fitas amarelas isolando a área. Kenta desligou a TV de um golpe seco, o quarto mergulhando em silêncio.
Ele pegou a katana e a prendeu às costas, olhando para o espelho. O produtor ainda estava vivo. E isso significava apenas uma coisa: a guerra não tinha acabado. Kenta encarou sua própria imagem com um olhar sombrio.
— Vou acabar com você, Makoto... nem que seja a última coisa que eu faça.
Então, sem dizer mais nada, saiu do quarto. O som da porta batendo ecoou, enquanto ele mergulhava novamente na escuridão de sua própria missão.
Kouta tinha voltado pra casa naquele dia, encontrou Aoi, e pediu desculpas pelas palavras. Os dois tentaram manter um momento normal entre eles, e aos poucos, as coisas estavam fluindo. Mas não estavam conseguindo ser a mesma coisa.
Naquela sexta, Aoi parecia animada. Ela chegou em casa, e comentou para Kouta que havia encontrado a colega dela, Sayu, e que as duas vão começar um negócio juntas, vendendo Okonomiyaki na rua gastronômica de Osaka. Ela tinha achado um espaço para aluguel que não sairia caro, e iria realizar seu sonho de ter um restaurante, fazer o que mais gostava. Kouta, ficou feliz com a ideia, e os dois pela primeira vez em muito tempo, se beijaram.
O abraço apertado e aconchegante fez a sala ficar pequena para os dois. Kouta a levou para o quarto, e assim, os dois, com um enorme tesão que tinha sido despertado, juntamente com a saudade, começaram a se entregar e ser amantes novamente. Kouta viu Aoi nua depois de mais de um mês, e tocou seu corpo com os dedos. Os pensamentos ainda o assolavam, mas ele tentava ignorar.
Aoi o agarrou, e levou sua face a se espremer contra os seios dela, e Kouta o beijou, fazendo seus lábios tocarem os mamilos com saudade e vontade, enquanto ele sugava o seio dela com sua boca, o mamando ali enquanto tinha seus cabelos lisos sendo bagunçados pelos dedos da jovem.
— Ahhh.. Isso, Kouta-kun!
Kouta se deixou empolgar, e assim ele passou a percorrer a língua sobre todo o seio de Aoi. Enquanto sua mão descia até a bucetinha dela, tocando-a com os dedos ali, brincando e acariciando. Podia sentir a bucetinha quente, os lábios da xoxota macios, se encharcando com o toque sutil de seus dedos.
— Aoi-san...
Kouta montou-se em cima dela, enquanto Aoi o abraçou com suas pernas. O movimento delicado porém cheio de significado, uniu os dois corpos que estavam prestes a se entregar. Ele então colocou o pau dentro dela, e começou a se mover. Ela lacrimejou, mas não era de dor, não era de culpa. Era porque estava feliz, pois Kouta era o único homem que fazia ela, de verdade se sentir mulher. Uma mulher que não conseguiu sentir o real prazer, mesmo tendo feito sexo muitas vezes.
Porém, Kouta por outro lado, sentia a cada estocada, o peso da sensação de ainda se lembrar dos vídeos, e do seu coração ainda não estar 100% inteiro para sentir sua mulher de corpo e alma. Aoi o abraçou enquanto estava por baixo dele, puxando seus fios de cabelo, se entregando, gemendo a cada estocada do seu pau, revirando os olhos, e suspirando de prazer por ele, mas Kouta, parecia fazer aquilo dividido, onde em parte, estava cheio de tesão, mas a outra parte, sentia talvez vontade de somente se afastar.
Foi então que Aoi o fez olhar ela, e ele olhou diretamente seus olhos. Enquanto seu pau se movimentava dentro dela, a imagem dos vídeos apareceu em sua mente, e ele recuou. Seu corpo, automaticamente deu um passo para trás, não conseguindo concluir o ato. Naquele momento, parte dele queria, mas a outra parte ainda tinha flashes do que aconteceu.
— Kouta-kun. — Disse Aoi, ainda nua, que se sentou do lado dele na cama, enquanto ele colocou as mãos no rosto, envergonhado.
— Me desculpa. Eu não consigo ainda. — Disse Kouta. — Eu não quero que pense que eu estou te rejeitando, eu só... Não sei, é tudo muito recente.
— Eu... — Disse Aoi, cabisbaixa. — Eu já imaginei que isso ainda iria acontecer e ta tudo bem. Você quer descansar?
Kouta então apenas deitou-se do lado dela, e os dois se abraçaram. Aoi não disse nada, mas sofria em silêncio pela rejeição, e ela talvez achasse, no fundo que merecia isso. Kouta, por outro lado, não queria fazer isso com ela. Mas era mais forte.
Passou-se um, dois dias, e logo mais alguns dias, e as coisas tentavam chegar a normalidade na casa dos Kanzaki. Aoi fazia planos para seus negócios e Kouta resolveu procurar um novo emprego. No oculto, Kenta os observou, e não apenas ele, tinha alguém observando junto, nas sombras.
Kouta havia tomado uma decisão. Depois de meses entre hospitais, fisioterapia e noites intermináveis, ele resolveu voltar à ativa. Sentia que sua recuperação tinha sido um verdadeiro milagre, e se apenas aceitasse isso como um presente sem dar nada em troca, estaria desonrando tudo que passou. Não achava justo que apenas Aoi carregasse o peso de sustentar o futuro deles. Era hora de contribuir, de se levantar de vez.
Os dias começaram com pequenas tentativas. Kouta imprimiu currículos, fez entrevistas, caminhou por escritórios em busca de uma vaga simples, até mesmo como office-boy. Deixou contatos, recebeu promessas, alguns retornos, mas nada concreto. O entusiasmo foi murchando com cada resposta fria, até que em certo fim de tarde, desanimado, encontrou-se sentado num banco de parque.
Era o mesmo parque. O mesmo onde tudo tinha começado. Aquele espaço tinha se tornado um símbolo para ele, um lugar onde memórias antigas e recentes se entrelaçavam.
Com um suspiro, tirou de dentro da pasta alguns papéis amassados. Eram desenhos que tinha feito na noite anterior. Rabiscos rápidos, sem grande técnica, mas carregados de sentimento. Ele e Aoi em diferentes momentos: um sorriso, um olhar distante, uma lembrança quase infantil. Enquanto encarava aqueles traços, não sabia se ria ou chorava.
— Você tem talento. Talento e disciplina, garoto. Mas falta lapidação nessa arte.
Kouta ergueu a cabeça, surpreso com a voz grave atrás dele. Um senhor observava os desenhos. Não era um rosto qualquer. Seus olhos se arregalaram ao reconhecer a figura: Matsura Inari, autor renomado de romances masculinos e aventuras, alguém que ele já havia admirado em silêncio através das páginas de mangás.
Instintivamente, Kouta se levantou e se ajoelhou diante dele, reverenciando como se estivesse diante de uma divindade.
— É uma honra ser elogiado por alguém como o senhor! — disse, emocionado.
Inari sorriu de leve e balançou a cabeça.
— Levante-se. Não há necessidade disso. — respondeu, com serenidade. — Só estou impressionado com seus desenhos. Há sentimento neles. E isso não se ensina em escola nenhuma.
Kouta, ainda nervoso, voltou a sentar. O senhor se acomodou ao seu lado, folheando os rabiscos com um olhar atento.
— Está vendo? A técnica pode ser refinada, mas a emoção... essa já está aqui. — disse, batendo de leve no papel.
O coração de Kouta batia acelerado. O autor que admirava desde garoto estava elogiando seu trabalho.
Inari então tirou um cartão do bolso, entregando a Kouta.
— A Shonen Champion está organizando um concurso de novos talentos. Daqui a duas semanas. O desafio é simples: um one-shot. O escolhido será publicado na revista. Talvez até consiga uma vaga como assistente, se mostrar disciplina.
Kouta recebeu o cartão como se fosse uma relíquia.
— O senhor está dizendo que... eu poderia participar?
— Não estou dizendo. Estou recomendando. — respondeu Inari com firmeza, mas com um sorriso encorajador. — Entre no site da editora, leia as regras. Quero ver você lá.
Kouta sentiu algo acender dentro de si, como uma chama que não queimava desde muito tempo. Uma oportunidade real.
— Obrigado... de verdade! Eu não vou decepcionar! — disse, com os olhos brilhando.
— Estarei ansioso para ver seu trabalho, garoto. — disse Inari, levantando-se e se afastando, deixando Kouta sozinho com os desenhos no colo e o coração em euforia.
Ainda no banco, Kouta pegou o celular, as mãos tremendo de empolgação. Digitou rápido para Aoi:
"Tenho uma novidade fantástica pra você."
A resposta não demorou: "Estou indo pra casa. Me conta lá."
Ele fechou os olhos por um instante, deixou escapar um sorriso verdadeiro e apertou os papéis contra o peito. Pela primeira vez em muito tempo, acreditou que tinha um futuro.
Seu coração estava leve. Era quase como se o peso das últimas semanas tivesse dado uma trégua. Kouta estava feliz contente, animado por essa grande oportunidade. Era uma oportunidade para o seu sonho começar a se tornar realidade.
O sinal de pedestre mudou para verde. Kouta estava segurando a mesma pasta de sempre, com alguns documentos e seus desenhos. Atrás dele, em uma moto, estava seu irmão, que tinha observado parte da conversa, e estava feliz por ele. Era isso que o Kenta queria. Kouta então passou a atravessar a faixa, uma das mãos no bolso, cantarolando baixinho.
Atrás de Kouta, alguém virou a rua de esquina e o observou. Era Aoi, que pegava sempre aquele caminho para ir pra casa.
Ela carregava uma sacola , com um delicioso bento que ela preparou para Kouta, sobras do que vendeu no dia, o suficiente para os dois, e, ao erguer os olhos, avistou Kouta. O coração dela disparou. Por instinto, um sorriso surgiu.
“Vou pegar ele de surpresa”, pensou, correndo em direção a ele. Eles sentiam que precisavam disso, mais gestos fofos entre eles.
Foi nesse instante que o rugido de um motor cortou o ar.
Um carro preto surgiu no cruzamento, avançando como uma fera solta. O motorista apertava o volante com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. Seus olhos brilhavam de ódio. O produtor. O homem que Kenta acreditou que estava morto, e agora caçava. O homem que agora, mutilado no orgulho e na carne, só queria vingança. Vingança por ter tido seu pau e bolas cortados, e agora, ser um homem inútil. E culpou Kouta por tudo. Dane-se as consequências depois disso.
— Eu vou me fuder seu desgraçado, mas você vai junto.
Kouta ouviu o som, mas não teve tempo de reagir. O farol estava verde, ele não esperava perigo algum.
Aoi, sim, percebeu.
Seus olhos se arregalaram ao ver o carro avançando direto contra Kouta. O sorriso desapareceu, substituído por puro desespero.
“KOUTA!!!”
Ela correu, e correu mais do que ela mesma podia acreditar que tinha capacidade. O grito se confundindo com o barulho do motor. Kouta se virou, confuso, vendo apenas o vulto negro vindo em sua direção.
E então, o impacto não foi contra ele.
Aoi o empurrou com toda força. Ele caiu no asfalto, sentindo a dor rasgar o braço, mas quando ergueu os olhos, viu a cena que nunca mais esqueceria:
O carro atingindo Aoi de lado, arremessando seu corpo com brutalidade contra o chão do outro lado da rua. O som seco do impacto ecoou no peito dele como um tiro.
O tempo parou.
Kouta engatinhou até ela, as lágrimas já borrando sua visão. O barulho da multidão, os gritos, alguém chamando uma ambulância… tudo parecia distante. O único som real era o da respiração frágil de Aoi, quase inexistente.
“Aoi… Aoi, não! Não faz isso comigo…” Ele segurou a mão dela, fria, trêmula. “Eu não… Por favor, não vai embora sem mim… eu… eu preciso de você… você não pode me deixar agora…”
O sangue escorria pela lateral da cabeça dela. Seus olhos estavam fechados, o corpo inerte.
Kouta chorava como nunca antes, sentindo a dor sufocá-lo. Era o mesmo lugar em que Aoi havia estado meses atrás — a mesma impotência, a mesma agonia de ver alguém amado entre a vida e a morte.
Kenta, viu toda aquela situação, enquanto o carro rasgou em fuga.
— Desgraçado, me desculpe Kouta!
Kenta então sai com sua moto em disparada atrás do carro. O homem sabia que possivelmente iriam atrás dele agora, então ele saiu em disparada. O produtor então entrou em uma avenida movimentada, e seguia rasgando o asfalto, com Kenta em seu calço.
— Tem um puto me seguindo! — Disse o produtor, que entrou logo em seguida em uma rodovia. Ele estava indo em direção a Kobe, quando entrou em uma via que dividia o percurso com um trem de carga. Kenta aproveitou aquilo, e jogou um dardo no pneu dele, que o fez estourar.
— Merd — O homem nem teve tempo de falar. O carro, que estava próximo a estrada de ferro, acabou derrapando, e com isso, teve parte de sua lateral acertada por um trem que vinha em alta velocidade, sendo arremessado para o outro lado da pista. O produtor bateu a cabeça com tudo no volante, contudo , não morreu.
— Ahn.. — Ele dizia, agonizando, enquanto Kenta estacionou a moto. Ele foi até ele, e viu ele, amassado entre os entulhos e ferros do carro, porém ainda vivo.
— Dessa vez eu não vou errar.
Ele puxou o cabelo do homem e passou a navalha afiada de um estilete em seu pescoço, e o deixou sangrar ali. E para garantir, ainda jogou fogo dentro do tanque de combustível, que fez o carro explodir. Agora sim, o produtor estava morto. Porém, quando olhou para baixo, o ferro do automóvel se desprendeu, e atingiu sua perna, o ferindo profundamente. Kenta então montou em sua moto, e tentou voltar pra casa, mas não conseguia ir muito longe.
Kenta apertava o guidão com força, tentando manter a moto firme apesar da dor latejante que rasgava sua perna. E não apenas a dor, o sangue também manchava o asfalto a cada vez que ele a movia. Cada quilômetro parecia um martírio. O sangue escorria, tingindo o tecido da calça e respingando no asfalto.
“Não posso cair aqui… não agora…” pensava, cerrando os dentes.
A lembrança de Aoi sendo jogada para o outro lado da rua ainda queimava em sua mente. Ele sabia que Kouta estava desesperado naquele momento, no hospital, esperando por um milagre. E ele… ele precisava chegar até o irmão, precisava contar que finalmente tinha acabado. O produtor não iria mais assombrar nenhum deles.
Mas o corpo começava a fraquejar. As luzes da cidade se tornavam borrões, as buzinas ecoavam como trovões distantes.
Kenta entrou numa rua lateral, tentando cortar caminho. A moto quase derrapou. Ele respirou fundo, segurando o fôlego.
Foi então que percebeu. Talvez não conseguisse chegar até lá. Talvez não sobrasse tempo.
Sacou o celular com a mão trêmula e digitou uma mensagem curta para Kouta:
"Acabou. Ele não volta mais. Cuida da Aoi. Se eu não voltar… foi uma honra ser seu irmão."
A moto rodopiou mais uma vez e parou de vez num beco. Kenta caiu de lado, o corpo já pesado demais para se levantar. Seus olhos fixaram o céu, agora encoberto por nuvens.
Um sorriso fraco surgiu em seu rosto.
— Finalmente… acabou…
E então, a escuridão o tomou.
Kenta estava caído no chão, quase inconsciente, o sangue escorrendo pela perna ferida. A rua estava deserta, exceto por uma garota que voltava para casa a pé. Ela segurava uma pequena pasta cheia de rascunhos e desenhos que havia feito em seu trabalho.
Naquela noite, entretanto, o destino mais uma vez iria trabalhar. Nas ruas isoladas de Osaka, dois homens surgiram das sombras, bloqueando sua passagem. Eles não pareciam nada amigáveis.
— Ei, garota, entrega isso aqui.
Ela tentou recuar, sabendo que eles não estavam com boas intenções, mas eles avançaram. Um deles segurava uma faca, o outro agarrou seu braço, a deixando encurralada.
— São só desenhos… por favor, não…
Um deles arrancou a pasta de suas mãos.
— Que besteira é essa? — disse um deles, folheando rapidamente os papéis. — Isso é lixo. Não tem valor, é só um monte de merda.
Ele jogou os rascunhos no chão e as folhas de papel se espalham pelas ruas, se sujando com o lixo da rua. A menina olhava seu trabalho duro ali, espalhado, enquanto mal podia salva-los, e o pior. Sequer podia se salvar.
— Agora entrega a grana, garota. Não estou brincando.
Ela abriu a carteira e entregou osienes que tinha. os homens olharam cada nota entregue.
— Isso é tudo… — murmurou.
— Você acha que isso é tudo? — respondeu o outro. — Porra vadia, isso ai não é nada! Vamos levar ela pra um beco, tirar mais e ver o que sobra.
Eles empurraram a garota, e o frio da lâmina encostou em seu pescoço.
— Que gatinha bonita… seria um desperdício cortar esse rosto agora.
A garota sentiu o medo invadir cada fibra de seu corpo. O homem então tira sua blusa, deixando-a apenas com a sua camiseta leve, que marcava seu corpo. Um deles pegou na bunda dela, e começou a toca-la.
— Socorro! — gritou, tentando se soltar.
— Ninguém vai te ouvir — disse um deles, olhando em volta. — Vamos te comer aqui mesmo já que não tem grana pra nos dar.
Um dos homens notou algo ao lado.
— Olha lá. Um cadáver jogado no chão.
— Agora sim, não tem ninguém pra nos atrapalhar — disse o outro. — Melhor acabar logo com isso.
Ela sentiu que seu fim havia chegado. Seria realmente esse o fim? A garota apenas fechou os olhos, aceitando o que estava prestes a acontecer. De repente, um movimento brusco chamou sua atenção. O corpo que estava caído no chão desapareceu. A menina então fechou os olhos.
Os dois homens então perceberam isso também, e um deles olhou para um lado, e outro, e nada estava ali.
— Que porra é essa, caralho! Cadê ele?
Foi então, que eles receberam um golpe preciso, direto na nuca, e caíram. Eles ficaram ali, estirados no chão, largando a faca, e a boca babando, completamente imoveis. Depois disso, o homem que deu o golpe, apoiou uma das mãos na parede, por causa da dor.
Ela abriu os olhos, surpresa. Na sua frente, estava o homem que havia caído mais cedo, ferido, mas de pé.
— Você… você salvou minha vida… — disse ela, quase sem fôlego.
Ela correu para ele e o abraçou, lágrimas escorrendo.
— Você é meu herói!
Kenta arregalou os olhos, surpreso. Uma lembrança rápida de Aoi passou por sua mente.
— Preciso ir… tenho que falar com meu irmão — disse ele, ainda cambaleando.
— Não! Você não pode andar assim, está machucado demais! — ela segurou seu braço.
— Não… não tenho escolha — murmurou ele, respirando com dificuldade.
A rua estava silenciosa até que um táxi chegou, freando bruscamente, reconhecendo a menina que estava com o outro ali, ferido junto a eles. O motorista olhou para a menina e para o homem ferido.
— O que está acontecendo aqui?
— Pai! — gritou a garota. — Vamos levar ele para o hospital! Ele está ferido e acabou de me salvar!
— Entre aqui, querida. Traga-o também! — disse o taxista, abrindo a porta.
Kenta foi colocado com cuidado dentro do táxi, apoiado pela garota que não soltava sua mão. Durante o trajeto, ela permaneceu ao lado dele, firme, sem largar.
— Aguente firme… vai ficar tudo bem.
Kenta havia desmaiado. Eles foram levados a emergência, e até onde pode, ela ficou do lado de Kenta. Ele estava ali, desmaiado, mas agora, já recebendo os primeiros atendimentos. Logo ele acordou novamente. Ele olhou para ela, os olhos cheios de dor e confusão.
— O-onde eu estou? Por que… você está aqui?
— Você está agora no hospital, ok? Trouxe você aqui com a ajuda do meu pai. Meu herói vai ficar bem.
— Pa-pare de falar isso...
— Temos um ferido grave, levem para cirurgia imediatamente!
Eles colocaram Kenta em uma maca e começaram a movê-lo para dentro da sala de emergência.
— Senhorita, você precisa esperar do lado de fora — disse uma enfermeira, olhando para a garota.
— Não… — disse ela, segurando firme a mão de Kenta.
— Ele precisa de cuidados imediatos. Um pedaço de ferro está preso na perna. Se não for tratado, pode causar infecção.
Kenta abriu os olhos por um instante.
— Cadê... Cadê o Kouta?
— Não sei quem é Kouta, ele é alguma coisa de você? — disse ela, com a voz firme. — Eu trouxe você até aqui. Vou cuidar de você, ta? Onde posso achar esse Kouta?
— Senhorita, você é algum parente ou conjugue dele? — perguntou a enfermeira, firme.
— Não sou nada — respondeu ela. — Apenas… eu trouxe ele.
A enfermeira suspirou.
— Então espere do lado de fora. É melhor assim.
— Mas…
— Qual é o seu nome? — Perguntou ali a enfermeira, enquanto tomava nota de tudo.
— Meu nome é Aoi — disse ela, apertando a mão dele uma última vez.
Kenta arregalou os olhos.
— Aoi…? — murmurou antes de desmaiar novamente.
— Tudo bem então, senhorita Aoi, por favor, fique do lado de fora até termos notícias dele, ok?
O corpo de Kenta foi levado para dentro da sala de cirurgia, e Aoi permaneceu do lado de fora, inquieta, sem conseguir parar de pensar no quanto ele havia arriscado para salvá-la.
Ela fechou os olhos por um instante, sentindo a respiração pesada e silenciosa de quem estava esperando que seu herói sobrevivesse. Ela, que era cristã, juntou as mãos e começou a orar para seu herói. E naquele mesmo hospital, Aoi e Kenta, internados, estavam lutando pela vida.
Por ironia do destino, Kouta estava no mesmo hospital, no mesmo andar, andando de um lado para o outro enquanto sua Aoi foi levada para a emergência, depois que ambos foram trazidos para o hospital.
Ele estava completamente inquieto e cheio de culpa, a mente dele era um completo turbilhão de pensamentos, ele tinha medo. Medo de nunca mais vê-la, medo de passar uma vida inteira sem ela. Foi então que ele finalmente percebeu o desespero que Aoi sentiu quando ele estava na emergência.
Foi naquele instante que ele teve lapsos de lembranças bloqueadas em sua mente.
Os pesadelos que ele teve enquanto estava internado, nada mais eram do que lembranças do seu consciente enquanto ele estava em coma, porém, podia ouvir tudo o que Aoi dizia perto dele.
Ele começou a se lembrar vagamente de vezes em que ela dizia que a vida dela sem ele não teria sentido, ele se lembrou de frases como " hoje já faz dois meses que você está aqui. Me desculpe Kouta-kun por tudo que eu estou fazendo, mas é tudo pelo seu bem"
Ele se lembrou da voz dela dizendo sobre ter sido demitida e estar desesperada pois não sabe como vai conseguir pagar a conta do hospital que é muito mais do que ela ganha. Ele se lembra dela dizendo que está tentando contato com o irmão dele, mas não consegue. Ele se lembra da voz de desespero e de medo dela, mas também se lembra da voz alegre quando o doutor dava alguma notícia boa sobre o quadro dele.
Foi naquele momento em que ele começou a dar voltas no hospital e enquanto ele estava preso em seus pensamentos alguém o chamou
— Garoto!
Ele olhou para o lado e era o taxista. Surpreso, o taxista pergunta para ele o que ele estava fazendo ali.
Ele então diz que sua namorada foi atropelada. E ele está esperando notícias, está desesperado. O taxista então o conforta dizendo que imagina como ele está se sentindo, mas diz que tudo vai ficar bem. O taxista pergunta se ele acredita em Deus, Kouta diz que é budista. O homem diz que é cristão, e que vai colocar a namorada dele em suas orações. Assim como eles estão colocando em oração a vida do homem que eles trouxeram para o hospital.
A outra Aoi, a filha do taxista, aparece e diz que está aflita sem notícias dele. O taxista diz para ela esperar então ela pergunta quem é o garoto que está com seu pai. Ele disse então que o nome dele é Kouta, um amigo.
Ela então diz:
— Se você for o Kouta que meu herói falou, então você precisa vir comigo!
— Herói? — Pergunta Kouta, enquanto foi arrastado por ela.
Ela leva Kouta até a enfermeira e diz que um parente dele agora estava aqui, e ela quer notícias.
Kouta pergunta do que ela está falando, e a outra Aoi explica que um homem chamado Kenta estava muito ferido num beco e ela o salvou, depois que ele salvou ela de ser morta.
Kouta percebe que é seu irmão, e então a enfermeira diz que eles não precisam se preocupar, que ele conseguiu chegar a tempo no hospital e tomar o antibiótico, agora estão esperando fazer o efeito. O pedaço de ferro foi retirado da perna e ele tomou duas bolsas de sangue. Vai conseguir se recuperar, mas vai ter que ficar de repouso e provavelmente não vai conseguir andar até se recuperar.
Kouta fica aliviado com isso e olha para a menina que também está radiante e pergunta quem era ela.
O taxista então disse que ela era a menina que ele comentou outro dia. Sua filha, Aoi
Foi então que Kouta fechou um pouco a cara pois se lembrou de sua Aoi que está internada. Ele então saiu correndo, e a outra Aoi perguntou onde ele estava indo, e o pai disse que ele estava indo atrás do seu amor que também está aqui no hospital.
— Me desculpe por não ficar com você, Oni-san. Mas ela precisa de mim agora! — Disse Kouta, indo até onde Aoi estava. Mais tarde, veio a bomba.
— O senhor é o que dela? — Perguntou o doutor.
— Sou o seu noivo! — Perguntou Kouta a ela.
— Bom, a sua noiva está com TCE com hematoma subdural, em palavras mais simples, ela sofreu traumatismo craniano e acumulo de sangue no cérebro, ou seja, uma contusão cerebral causada pelo impacto. Ela também quebrou alguns ossos. Ela está em coma nesse momento, mas estamos fazendo o possível para ela sair dessa.
— Meu Deus! — Disse Kouta, desesperado com a notícia. O doutor continuou.
— Estamos intervindo com medicação para evitar sequelas, eu acredito que a expectativa, se tudo der certo é que ela fique em coma por um a dois meses. Porém, vai precisar ficar no hospital em observação mais dois meses depois disso. Você vai precisar ser forte.
— Doutor. — Perguntou Kouta. — Você acha que ela vai poder sair dessa?
— Vai sim, vamos fazer o possível para ela se recuperar, mas isso dependerá dela também. É 50% nós, e 50% ela. Ligue pra família dela, se puder. Conte a notícia.
Kouta então ligou para a mãe de Aoi, que veio para o hospital. Os dois se encontraram e se abraçaram e ele contou o que ocorreu a ela. Algum tempo depois, ficaram a par das notícias e dos custos sobre o tratamento.
No Japão, a saúde funciona com seguro nacional obrigatório (Kokumin Kenkō Hoken) ou seguro social de saúde (Shakai Hoken). O paciente arca com 30% do valor total de tudo, e contando todos os custos, desde internação, procedimentos, etc, ficaria um custo de ¥700000 por mês. Um dinheiro que, desempregado, Kouta não tinha como pagar, e a mãe de Aoi podia arcar com alguma coisa.
Foi então que, mais uma vez, Kouta recebeu um soco no estômago, causado pelas circunstâncias, e percebeu o que Aoi passou quando ele estava em coma.
Kouta começou a pensar em formas de como conseguir o dinheiro. Tinha o concurso, ele só precisava desenhar e ganhar aquele concurso, e conseguiria manter o tratamento de Aoi. Ele poderia juntar suas economias, fazer tudo que estaria em seu alcance. Porém, Tudo o que ele conseguiu, foi insuficiente para um tratamento total, pois eles tinham já algumas despesas a pagar.
— Como que eu vou conseguir esse dinheiro?
Foi quando ele, sentado no corredor do hospital, pensando no que poderia fazer, ouve uma voz:
— Isso não será nenhum problema pra mim.
Kouta levantou os olhos devagar, e seu corpo estremeceu ao reconhecer a figura diante de si.
Era o homem que ele jamais pensaria ver de novo, muito menos ali, no hospital.
— Você… — Kouta murmurou, a voz embargada. — O que está fazendo aqui?
O homem ajeitou o casaco e caminhou alguns passos à frente, seus olhos cansados fixos no rapaz.
— Meu informante me contou sobre o acidente. Da outra vez eu não fiz nada… mas dessa vez não deixaria meu neto desamparado.
As palavras ecoaram na mente de Kouta como um trovão. Ele se levantou de repente, os punhos cerrados.
— N-neto? O que você está dizendo?
O homem respirou fundo.
— Sou seu avô, Kouta-kun. Pai do seu pai.
Kouta ficou em silêncio por alguns instantes, tentando processar. Logo, um calor amargo tomou conta do peito dele.
— Então era isso? — disse ele, a voz carregada de raiva. — O tempo todo você sabia… e nunca fez nada! Nunca estendeu a mão, nunca se importou! Eu e o Kenta tivemos que sobreviver sozinhos, você nos adotou e nunca se importou em me dizer que era nosso avô? E agora, do nada, você agora aparece aqui dizendo que é meu avô?
O velho não desviou o olhar.
— Não vim aqui pra isso, Kouta-kun. Vim para ajuda-lo.
— Ajudar no que?
— Sei da sua condição financeira. Sei que está desempregado. E também sei que sem um seguro melhor, você jamais conseguirá pagar por esse tratamento.
Kouta trincou os dentes.
— É verdade… — murmurou. — Mas eu não vou me rebaixar. Prefiro quebrar minhas mãos de tanto desenhar para passar no concurso, ou de tanto trabalhar, prefiro passar fome, do que aceitar algo de um homem que me deixou jogado quando eu mais precisava. Aoi fez tudo. Sozinha. E você, mesmo sabendo quem eu era, não fez nada.
O homem baixou os olhos por um instante, como se aquelas palavras o atravessassem. Depois, falou com a voz pesada.
— Sim… é verdade. Eu não ajudei. E me arrependo todos os dias disso. O peso da culpa me corrói. Talvez seja o castigo da vida.
Ele tossiu forte, cobrindo a boca com um lenço. Quando retirou o pano, manchas de sangue estavam visíveis.
— Estou morrendo, Kouta. Uma doença me consome pouco a pouco. Talvez seja o preço por todos os anos de frieza e falta de empatia. — Ele ergueu o olhar, úmido. — Por isso, antes do meu fim, quero ao menos tentar reparar. Se não por você… então pela mulher que salvou a vida daquele que mais me lembra meu filho.
Kouta fechou os olhos com força. A lembrança de Aoi lutando por ele, sacrificando-se sem pensar duas vezes, invadiu sua mente. O peito dele se apertou.
— Aoi… sempre foi mais forte do que eu… — murmurou.
O velho estendeu a mão trêmula.
— Deixe-me ajudar. Não como patriarca de clã, não como homem rico… mas como seu avô. Deixe-me carregar essa dívida.
O silêncio pesou. Kouta respirou fundo, e seu punho tremeu. O orgulho gritava para que recusasse. Mas dentro dele, a voz de Aoi parecia sussurrar: “Às vezes, Kouta-kun, precisamos deixar o orgulho de lado para seguir em frente.”
Ele abriu os olhos e, com o coração acelerado, segurou a mão do velho.
— Eu aceito… — disse, firme. — Não por você… mas por ela. Porque foi a bondade dela que me ensinou a perdoar.
— Você me perdoa mesmo, meu neto? — O homem perguntou, com um semblante de cansado.
— S-sim! Por ela...
O homem sorriu levemente, mesmo com a dor estampada no rosto.
— Obrigado, Kouta… — murmurou, tossindo novamente. Sangue escorreu pelo canto da boca, e dois homens que o acompanhavam se aproximaram para segurá-lo.
O avô se endireitou o quanto pôde, encarando o neto pela última vez naquela noite. Kouta viu ele fraquejar e se aproximou para ajuda-lo. O avô sorriu com a sua gentileza, e então se ajeitou.
— Agora vou ver como está o Kenta. — Ele fez uma breve reverência com a cabeça. — Cuide dela.
Carregado pelos dois acompanhantes, ele se afastou lentamente pelo corredor, deixando Kouta sozinho, atônito, mas com uma chama nova no peito.
Kenta estava já recuperado, e então o avô dos dois ficou mais aliviado, e foi embora. A outra Aoi, ficou do seu lado o tempo que ela conseguiu.
Kouta então consegue custear tudo referente a Aoi. Ela passa um pouco mais de dois meses em coma, e esse tempo todo foi uma completa angústia para ele. Pois ele não sabia quando ela iria acordar novamente, e ficava na expectativa a cada notícia que o doutor poderia trazer sobre ela.
Algum tempo depois, ela finalmente acorda. Sua primeira visão foi Kouta, dormindo ao seu lado, exausto, segurando a sua mão. Ela levou a sua mão com dificuldade até a dele, segurando os dedos dele e fazendo carinho. Logo ele acordou, e chamou a enfermeira para dar a notícia de que ela estava consciente.
Olhando para ela, Kouta diz que finalmente sabe tudo o que ela passou e o que ela sentiu enquanto ele estava ali naquela cama. Ele fala sobre o medo que sentiu todos os dias, o medo de perdê-la. Ele então pede perdão por ter sido duro com ela algumas vezes, por não ter entendido ela. Por julga-la, mesmo que inconscientemente.
Aoi então pegou a mão dele e diz que ele não precisa pedir desculpas. Ela entende o que ele passou entende a sua confusão e o que importa agora é que eles estavam juntos.
— Meu herói. -—Ela dizia.
Kouta conta a ela tudo o que aconteceu nesse meio tempo: ele participou do concurso na Shonen Champion, e ganhou. Seu mangá foi publicado e ele agora era assistente de um mangaká famoso. Ela, cheia de orgulho, diz que sempre acreditou nele. O tempo passa, Kenta, já de alta, estava começando a namorar Aoi, a outra Aoi. A sua Aoi.
Nossa Aoi recebeu alta depois de um tempo, e pode se recuperar em casa. Ali ela recebeu todo o carinho do mundo, e todo o cuidado possível de Kouta.
Com o tempo, tudo voltou a normalidade e a vida deles finalmente teve um final que eles sonharam. O tempo passou, todos foram se estabilizando, e as feridas ficaram para trás.
No fim, a história nunca foi sobre sacrifícios, nunca foi sobre degradação. Mas até onde você iria, por amor.