Voltei pra casa com minha mulher em frangalhos, meu filho chorando e minha mente perturbada. Eu não sabia que Jorge tinha tanto poder assim sobre a gente. Divagava sobre isso enquanto abraçava Vivian que tremia e chorava copiosamente. Segurei Nandinho com o outro braço e o ninava para que se acalmasse. Sentia o corpo de Vivian trêmulo e frio. A visão dele a deixará terrivelmente assustada. Felizmente a viagem não demorou e pude cuidar melhor da minha família em casa .
Assim que chegamos, pedi que Vivian fosse pro escritório e ligasse pra psicóloga. Ela concordou sem titubear. Eu fiz, faço e farei de tudo por ela. Sempre mas tenho plena consciência de que nem tudo está sobre o meu poder de ajudar. Eu não saberia como ajudá-la sobre isso porque também tentava entender o por quê havia ficado tão perturbado com as palavras daquele filho da puta. Ainda sim, meu problema era mínimo perto do que ela deve ter sentido. Enfim... Enquanto estava no telefone, eu liguei a hidro(sim, temos uma), coloquei sais de banho, acendi as velas que comprei deixei o mais relaxante possível. Não posso fazer muito mas faria tudo que posso.
Depois fui cuidar do nosso filho. Fiz uma papinha de legumes que a criança comeu como se nunca tivesse provado comida. Meu filho era um morto de fome! Além da papinha ainda deu um purê de maçã que não foi desperdiçado. Foi com ele que relaxei. Meu menino tinha o dom de tornar as coisas mais leves. Dei a comida, fiz com que arrotasse e fiquei ninando ele por um bom tempo enquanto escutava boa música como Tuyo, Gilsons, Liniker e Jotapê. Não ia deixar meu filho crescer sem desfrutar das músicas que o pai tanto gostava. Ele dormiu sereno, lindo e com um sorriso naquela boquinha pequena. O coloquei no berço e fui preparar algo para comer.
Acreditei ter pouco tempo então fiz rapidamente um linguine a carbonara com peccorino e guanciale de verdade! Adorava cozinhar. Era uma terapia e uma forma de amor que atingia 3 dos quatro sentidos quase que simultaneamente. Enquanto fazia, abri uma garrafa de vinho e deixei decantar. A casa havia ficado com um cheiro maravilhoso que fez Vivian sair do escritório pra ver o que estava fazendo. Seu semblante estava mais calmo apesar de ainda tenso. Eu sorri pra ela que respondeu com um risonho tímido. Pouco depois ela sai do cômodo e vem até a bancada da cozinha.
-- ainda não tá pronto, amor. Preciso que você faça algo pra mim. Pode ir tomar banho enquanto termino?
Ela acenou com a cabeça sem entender muito bem mas foi. Depois do macarrão pronto, fui até o banheiro e bati na porta, mesmo ela estando aberta, pedindo pra entrar. Ela, com um sorriso relaxado no rosto, não só permitiu como também me chamou pro banho e eu fui. Sentei de frente pra ela. A água estava morna e os jatos soltavam bolhas relaxantes. Ela girou na hidro, sentando no meu colo. E envolvendo meu pescoço, afundou o rosto no meu ombro.
-- não sei o que faria sem você... – disse de maneira displicente, como quem joga uma idéia no ar.
-- não precisa saber. Nunca mais ficará sem mim. – sorri acariciando as costas dela.
O ambiente com as velas aromáticas e os sais de banho deixavam o banheiro e o quarto com um delicioso cheiro frutado e refrescante. Mas quando o fiz, usei velas específicas, que quando derretem se transformam em óleos corporais. Eu ia fazer o meu melhor pra salvar o domingo e tentar fazê-la esquecer daquele traste. Ela sentada no meu colo, coloquei um lofi no som para que pudéssemos curtir e relaxar.
-- nosso filhote tá alimentado, muito bem alimentado, diga-se de passagem! Come mais do que o pai, bens a deus! – eu ri e beijei a testa dela.
-- vocês dois formam uma dupla linda mas muito bagunceira! – ela disse sorrindo.
-- você já tá muito tempo na água, amor. Preciso que vá pra cama e se deite de bruços. – ordenei.
Ela fez um muxoxo muito gostoso e ainda forçou ficar sentada no meu colo. Eu fiz um pouco de força e olhei pra ela com falsa repreensão. Ela sorriu e foi se levantando. Sinceramente, pedi que saísse porque tava começando a ficar excitado e não era isso que queria naquele momento. Achei que talvez não fosse a hora pra isso e queria somente deixá-la bem, relaxada. Ela estendeu a toalha sobre a cama e deitou-se.
Enrolei uma toalha na cintura, peguei as velas com os óleos e fui pra cama. Era difícil olhar o corpo perfeito da minha mulher e não ficar excitado. Mesmo diante da situação com aquele crápula, mesmo eu fazendo força pra não me deixar endurecer, foi praticamente impossível. Ainda sim, manteria meu plano original. Fiz uma bela massagem em minha esposa. Começando pelos pés, passando pelas panturrilhas, depois a parte posterior das coxas. Massageei aquela bunda linda e perfeita e escutei ela gemendo. Meu pau não parava de pulsar, parecia que meu coração havia mudado de lugar. Continuei por suas costas e ombros, e também pescoço. Ao término daquele tour do prazer, meu pau doía, mas ela parecia estar em órbita.
-- agora chega, amor. – ouvi ela resmungando , triste pelo fim da massagem – vai arrumar a mesa que vou me lavar pra comermos.
Saí antes que ela visse meu estado. Entrei no banheiro e me joguei água fria e foi o bastante pra esfriar meus ânimos. Quando fui pra sala, a mesa estava posta. Finalizei a comida e nós servi. Tivemos uma refeição tranquila. Estavamos ainda enrolados em toalhas quando terminamos de comer e fomos para o sofá. Ficamos namorando e curtindo o vinho e a boa música. Passar aquele tempo com ela me fez um bem que ela não imagina.
Olha, eu não minto pra Vivian. Não gosto de mentiras mas naquele dia, foi a única vez que menti pra ela. Eu disse estar tudo bem mas não estava nem perto disso. Eu estava uma pilha de nervos. Minha vontade era ir ao morro e pedir ao Cirilo a cabeça daquele filho da puta mas, de verdade, acho que isso não ia resolver o problema pra nenhum de nós.
Estavamos nos beijando e nos provocando quando escutamos o chorinho de Nandinho. Ela levantou e foi buscá-lo enquanto eu forrava o chão com os tapetes emborrachados e pegava alguns brinquedos. Sentei no chão e logo Vivian veio e também se sentou, largando nosso filho ali no meio. Nandinho brincava feliz e provocavámos ele a fazer as coisas. Meu coração e minha mente foram se acalmando. O dia passou assim até o final, quando colocamos Nandinho pra dormir e fomos pra cama.
-- eu te amo. – falou Vivian deitada em meu peito, me pegando de surpresa. – obrigado por ser meu lindo cavaleiro de armadura brilhante. – sorriu e olhou pra mim.
Eu passeava com os dedos em suas costas. Aquilo de alguma forma deixou minha mente mais relaxada e meu coração mais tranquilo. E também me equilibrou. Ela ergueu a cabeça e olhou no fundo dos meus olhos.
-- as coisas vão dar certo. Fica tranquilo.
Me ergui e a beijei apaixonadamente. E dormimos assim, com os corpos entrelaçados.
Nas semanas seguintes, me preparei pra qualquer possível movimento de Jorge: comprei câmeras e sensores de movimento que instalei dentro e ao redor da casa; procurei uma firma de segurança privada pra monitorar e agir caso necessário; acertei meus horários para levar e buscar Vivian na faculdade; e, sem que ela soubesse, comprei uma arma. Tentei negociar meu periodo de trabalho para que ficasse mais disponível pra minha família mas já estava trabalhando no limite. Resolvi apresentar minha proposta pra alguns outros investidores para que pudesse dar continuidade no meu projeto e também guardar minha esposa.
Nas primeiras semanas ambos estávamos tensos. Chegava mais cedo e ficava observando se ele apareceria pelo campus mas nunca o vi. Descobri depois que, conforme o pessoal já havia comentado, Jorge acabou sendo jubilado mas por outro motivo: ele invadiu o banco de dados da faculdade, uma instituição federal, e começou a mexer e vender dados para alguns alunos. Só não foi preso porque um dos comparsas, descobriu-se depois, era filho de um deputado estadual famoso por pregar que escolas federais são antros de drogados e de orgias. Alguém tinha que pagar o pato e o trouxa se lascou. Ainda sim, o campus era enorme e com vários pontos de acesso. Não era fechado e nem rigorosamente vigiado. Se ele quisesse entrar, passaria por transeunte e entraria. Mas nunca o vi. Com o tempo, tanto eu quanto Vivian relaxamos.
Depois de meses, eu consegui achar um investidor. Uma empresa de consultoria ficou interessada em meu projeto e marcou uma reunião comigo e o CEO. Deveria encontrar com ele em um restaurante na torre, no centro da cidade. Eu nunca havia entrado nela mas diziam ter uma linda vista. Falei com minha amada que ficou animada por mim. Se eu conseguisse, poderia dar assistencia Full time pra ela e pro Nandinho, tendo que me reunir com eles uma vez por semana pra vistoriar as obras. Naquele dia, deixei Vivian mais cedo na faculdade e liguei pra Adriana e pedi que a encontrasse lá para que ela não ficasse sozinha. Me despedi dela com um beijo.
-- você vai conseguir! Você é meu Superman! Vai e arrasa! – disse minha amada me arrancando um sorriso. Meu nervosismo cedeu ali.
Agarrei Vivian e dei um beijão! Abracando-a pela cintura, colando o corpo dela ao meu.
-- agora eu vou... – sussurrei enquanto me afastava.
Entrei no carro a minha espera e fui ao encontro do investidor.
Cheguei na Manhattan Tower e era coisa de outro mundo. Parecia aquelas coisas de filmes americanos! A cobertura era um monte de cafés e restaurantes onde você podia ver quase que literalmente o Rio de Janeiro inteiro! E ele me esperava lá. Não foi difícil saber quem eram: um homem negro, alto, bastante forte, vestido em um terno sob medida(só não sei dizer se era slim ou normal porque o cara era bruto), tinha um cavanhaque bem feito e seus dreads eram amarrados em um rabo de cavalo curto. E ela.
Olha, eu juro a vocês que nunca na minha vida eu desejei outra mulher além da Vivian. Eu nem olhava pra outras mulheres. Mesmo quando ficamos separados. Mas aquela mulher...
Era alta e esguia, tinha pernas longas e bem delineadas, quadril bem desenhado e firme, cintura de pilão, barriga chapada, seios médios e durinhos, ombros e pescoço finos e femininos. Uma boca carnuda de lábios roseos, olhos claros e vibrantes e cabelos cacheados modelados quase como um corte Black Power. Vestia um vestido comprido verde que ia quase até os tornozelos e sandálias de salto alto que a deixavam quase do meu tamanho.
Eles conversavam com cumplicidade e intimidade. Eles atraiam os olhares de todos. Além de serem um dos três únicos negros do local, eles exalavam poder, força. Não faziam grandes gestos ou falavam alto. Tomavam suas bebidas enquanto riam de maneira contida e se namoravam discretamente. Era estranho estar na presença deles. Parecia que eles ocupavam o espaço sem pedir licença. Era um buraco negro de atenção, um magnetismo que eu nunca havia sentido. Acho que isso é que é ser verdadeiramente poderoso.
Me cheguei timidamente estava bem vestido mas nem de longe tão bem quanto eles. Usava um terno skin cinza que deixava meu físico mais evidente mas depois que vi aquele homem fiquei envergonhado.
-- Sr Frazão? – perguntei com a voz levemente rouca de nervoso.
Ele me olhou com interesse enquanto pude ver a mulher ao seu lado me observando dos pés a cabeça, fazendo um calafrio subir pela minha espinha. O olhar dela me desnudava a e eu sentia meu corpo quente.
-- você deve ser Fernando Batista. É um prazer conhece-lo, rapaz. – ele se levantou e estendeu a mão que eu prontamente apertei. – sente-se e peça algo. Essa é a Sra Frazão. Minha companheira e também do corpo da diretoria.
Engoli em seco quando ela esticou a mão pra me cumprimentar e me senti compelido a beijar os nós de seus dedos. Isso pegou a ambos de surpresa que riram mas não de forma jocosa.
-- você é uma graça, rapaz.
Disse a Sra recolhendo a mão e a repousando sobre o colo enquanto eu me arrumava na mesa e pedia um café.
-- Sr Frazão, gostaria de agradecer o seu tempo e a oportunidade para apresentar meu projeto. – disse enquanto puxava um tablet de dentro da mochila.
-- primeiro, peço que me chame de Felipe. Eu não sou tão mais velho que você. E a ela pode chamar de Maria Eduarda. – que fez um leve movimento com a cabeça concordando e me ofertando um sorriso divertido.
-- ce-certo. Felipe, tem pouco tempo que me form- - ele me intereompeu
-- pulemos essa parte. Sei tudo que preciso saber sobre você e vou lhe ser sincero. Tanto eu quanto Duda estamos mais interessados no quanto esse projeto é viável e se pode ser financeiramente melhorado. Chegamos a você pela sua ONG e queremos ver se seu projeto pode ser viabilizado. – esclareceu o homenzarrão enquanto bebia seu café em uma xicarapequena demais pra sua mão.
Eu sorri. A ONG pra muita gente pode parecer idiotice mas meu sonho e de Vivian sempre foi tirar e evitar o máximo possível que as crianças da favela se envolvesse com o movimento. A idéia inicialmente dela era isso. Dar as crianças da favela a oportunidade que nos deram um dia. Me senti confiante depois daquela lembrança, a lembrança de Vivian. E comecei a discorrer sobre o assunto de maneira que não me recordo de ter sido tão espetacularmente bom nem na minha defesa de tese. Expliquei sobre todos os aspectos ambientais, expliquei sobre a mobilização, sobre até um empreendimento em menor escala pra classe média baixa. Felipe e Duda fizeram perguntas pontuais as quais respondi sem nem ao menor gaguejar. Estava em terreno seguro. Minha área de domínio. A reunião se estendeu até pouco depois do almoço, pr9lóximo a hora de saída de Vivian.
-- peço desculpas, Felipe e Maria Eduarda, mas preciso ir. Preciso pegar meu filho na creche e buscar minha esposa. – informei esperando a reação deles.
Ambos se levantaram para me cumprimentar e eu também. Primeiro apertei a mão de Felipe com firmeza de quem, agora, está seguro depois de uma bela apresentação, e fui surpreendido pelos três beijos de Maria Eduarda.
-- nos veremos de novo muito em breve, Fernando. – ela disse. Se eu fosse branco estaria vermelho igual um pimentão.
Saí do centro o mais rápido que pude. Estava louco pra conversar com Vivian e contar a ela que a entrevista tinha sido ótima e que acreditava muito que meu projeto iria pra frente e ia falar também que eles me deram inveja porque eram um casal poderosão e que todo mundo ficou babando por ela e por ele também. Sério. Tinha ficado muito impressionado com os dois e ainda não sabia como eles aceitaram conversar comigo. Acabei pegando o trânsito de meio do dia e me atrasando pra buscá-la. Pensei em ligar mas quis ser otimista e pensei em dar um pouco de espaço a ela. Já fazia algumas boas semanas desde o encontro com aquele desgraçado. Não relaxei mas destensionei um pouco a corda. Cheguei na faculdade em meio a esses pensamentos e aí meu inferno particular começou.
Cheguei na faculdade e boa parte da turma parecia ter sido dispensada. Procurei por Vivian nas salas e em todas as outras dependências mas ninguém havia visto minha amada. Quando percebi que não a encontrei, senti meu coração pular uma batida. Peguei o telefone e nenhuma mensagem dela. Tentei imediatamente entrar em contato com Bia e Adriana mas ambos os telefones caiam direto na caixa de mensagem. Apelei ao GPS mas ele mostrava que ela ainda estava na faculdade. Fiquei confuso mas logo percebi que a última localização não havia sido atualizada há algum tempo. Eu não acreditei pudesse ser tão descuidado. Aquele desgraçado! Ele aproveitou um momento de relaxamento e pegou Vivian!! E acho que foi nesse momento que mais sent... Acho, não. Tenho certeza. Nesse momento, eu soube que realmente era pai pois a preocupação com Nandinho foi ainda maior.
Peguei o primeiro transporte que vi e fui o mais rápido possível para a creche. Chegando lá, o patiojá estava vazio com bem poucos professores e auxiliares. Quando a professora de Nandinho me viu próximo ao portão, veio sorrindo até mim sem reparar em minha cara de desespero. Sentia minha tempora latejando e o suor encharcando minha fonte. Eu mal a cumprimente.
-- meu filho. Cadê? – respirava fundo.
Ela me olhou confusa. E ali eu soube: já haviam pego meu filho. Dei uns passos para trás sentindo meu corpo tremer e um noje e ojeriza de Jorge que quase me fizeram vomitar. Eu olhava a professora falando alguma coisa mas não conseguia captar mais nada. Eu só corri. Corri pra casa o mais rápido que pude.
Minha cabeça doía sendo inundada com as imagens do que vi. Minha angústia e raiva era tamanha que fechei as mãos com tanta força que as unhas cortaram as palmas e os nós dos dedos chegaram a ficar brancos. Eu deixei acontecer pela terceira vez. Eu prometi a ela que ele nunca mais encostaria nela e falhei novamente. Estava indo pra casa. Não ia pedir a Cirilo que resolvesse o meu problema. Eu ia pegar minha arma e eu mesmo caçaria o desgraçado.