Amor de incesto
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza
TU,
TO,
TI,
TE,
TÃO LOGO ABRIA a porta da sala, Érica vinha correndo e me abraçava com uma ternura infantil. Me tascava um beijo longo na boca, como começo de boa noite. Depois, tomava a pasta de documentos, me puxava pelo braço e pedia que entrasse de vez e sentasse para descansar a fadiga do dia estafante no pequeno sofá de dois lugares que ficava de frente para a televisão, o DVD e o aparelho de som:
— Papi, como foi seu dia?
Enquanto formulava a pergunta, desamarrava meus sapatos e me tirava as meias:
— Igual ao de ontem. Nada de novo. Telefonemas chatos, clientes incômodos, reuniões prolongadas e cansativas. A porcaria da Lidiane, a secretária que você conhece tão bem e melhor que eu, infernizando a toda hora: “ligou fulano, sicrano virá com o pessoal da produção, beltrano exigiu uma explicação mais detalhada sobre as novas instalações da fábrica a ser inaugurada...”.
— Calma Papi! — Amanhã será diferente...
— E você, o que urdiu enquanto estive ausente?
Antes de responder, a minha menina, com pouco mais de treze anos, caminhava vagarosamente até um barzinho que eu montara num canto da antessala e me preparava um Côtes-du-Roussillon. Para acompanhar a bebida, colocava num prato uma porção de queijo e igual parte de salaminho, ambos cortados em fatias. Antes de se acomodar ao meu lado, se servia também de uma taça. Levantávamos os cristais. Brindávamos e, por alguns instantes, permanecíamos em silêncio. Uma quietude envolvente e maviosa se estendia por todo o ambiente e depois, vinha tocar nossas almas como se tivesse o encanto de nos levar para um êxtase inexplicável:
— Você não respondeu — reclamava em seu ouvido, quase em sussurro: o que fez enquanto estive fora?
Com a cabeça recostada em meu ombro, ela explicava:
— Estudei, fiz meus deveres, liguei para a dona Celinha, a professora de matemática que você pagou para me dar apoio com à matéria. Tirei umas dúvidas e estava, até agora pouco, lendo “Torto Arado”, do escritor Itamar Vieira Junior, que a mamãe me presenteou. Estou quase na metade. Parei para ver a novela. Pensei também muito em nós dois. Nas nossas vidas, nas nossas coisas, no meu futuro e o mais importante. Estou pesquisando na Internet sobre o tal do “Complexo de Electra” que todos falam por aí...
— Complexo de Electra?! O que é isso?
— Calma papi vou tentar explicar. Já ouviu alguma coisa sobre Édipo, o filho que se apaixonou pela mãe?
— Há muito tempo...
— Complexo de Electra é o oposto.
— Continuo pasmo, mocinha.
— Andei lendo algumas coisas a respeito na biblioteca da escola e agora via Internet.
— E o real motivo de toda essa busca?
— Minhas amigas comentam, na minha sala, que eu sofro desse tal embaraço.
— Como assim, filha?
— Elas dizem que sou ligada demais em você, só falo em você, só penso e respiro seu nome vinte e quatro horas.
— E é verdade?
— Você sabe que sim. Voltando à história do complexo, ele dá conta que a tal da Electra ajudou seu irmão Orestes a matar Clitemnestra que se casara com Agamemnom e mãe dos dois. De lambuja, despacharam, também, o amante. Achei toda essa balela, pura bobagem! Literatura barata. Na verdade, confesso, sou vidrada por você. Sempre fui. Mas e daí? Que mal há?
— Confesso que às vezes nosso relacionamento me tira o sono. Fico sem chão, feito barata tonta em fuga de algumas borrifadas de SBP.
Erica se desmanchava em risos gostosos em face dessa comparação que eu fazia:
— Vamos mudar de assunto! Quer saber? Não via a hora de você chegar e entrar sorrindo por essa porta para eu poder correr para os seus braços. Sinto tanto a sua falta...
— Comigo não foi, nem é, e acredito, jamais será diferente. Por mais que queira, não consigo arrancar você da cabeça. Incrível, não acha? Afinal de contas, sou seu pai...
— Falaremos disso noutra hora. Vou apanhar toalha limpa e seus chinelos. Seu banho está à espera.
Piscava os olhos para ela, mandando de lambuja um sorriso cheio de segundas intenções:
— Terei companhia?
Ela retribuía se abrindo num trejeito jeitoso que me fascinava:
— Só se papi quiser...
Desejasse ou não, ela iria se juntar a mim de qualquer forma. Se tornara rotina. Todas as noites bailavam em cena os mesmos rituais. Chegava do escritório, ela à espreita, sentada na sala, vendo a novela das seis. Para me agradar, usava apenas uma camiseta e uma calcinha minúscula por baixo. Uma pecinha dentro da qual pareciam estar escondidas as garras afiadas de todos os pecados existentes na face da terra. Tomávamos uma bebida (ou nos fartávamos de refrigerantes), acompanhada de alguns tira-gostos e, depois, seguíamos direto para a banheira.
Exatamente dentro da cuba de água quente, quase pelando, ela dava asas à imaginação. Avançava, devagar e se dedicava aos carinhos e afagos como se fôssemos homem e mulher descobrindo as coisas boas do amor. Minha filha parecia uma gata no cio. Eu, um louco diante de uma deusa encantada. Perdíamos uma hora e pouco, senão mais. Ela começava por me ensaboar as costas, depois aplicava uma massagem relaxante em torno do pescoço. Embora com a banheira transbordando, eu abria o chuveiro. Enquanto o jato forte retirava o sabão, ela, sem se levantar, deixava de lado os melindres e me abraçava longa e ternamente.
Chegava a minha vez de repetir esses gestos fraternais. De igual forma, me entregava a eles, sem medo e sem remorsos. Sem reprimir o receio ou a vergonha que deveriam estar presentes no meu rosto de pai. Na sequência, a acomodava em meu colo, de frente, tête-à-tête. Depois repetia os gestos mudando as posições. Ela insistia em que eu esfregasse seu corpo macio, calmamente, sem pressa e sem rodeios. Eu ia na pilha e demorava as mãos nas curvas mais hesitantes. Ela cerrava os olhos e viajava como se sonhasse quimeras coloridas. Vinha a parte que eu mais gostava. Acariciar seus seios durinhos. Alisava os mamilos com as pontas dos dedos.
Aproveitava para livrar as suas partes proibidas do náilon liliputiano. Érica tremia ligeiramente. Retesava os músculos da cabeça aos pés. No instante seguinte, relaxava e permitia, sem contestar, sem me pedir para parar. Então sem mais perda de tempo dirigia o membro duro e ereto à caverna e a possuía. Ela se rendia e se entregava e, nessa submissão, subia e descia as ancas, como se cavalgasse um animal veloz. A trolha pulsante, em face da água, às vezes pulava fora e ela, com a mão direita, encaixava carinhosamente o pinto nervoso na grutinha em brasa. Começava a gemer, a gritar, e dizer palavras de amor. Nessa volúpia me arranhava as pernas e coxas. Por fim, explodia inteira, num gozo indescritível, cheia de amor e de paixão...
Meu Deus! Com certeza –, pensava com meus botões, ou melhor, ainda penso, queimarei nas profundezas do inferno. Não existe salvação para mim. Essa menina mal saída das fraldas, uma criança inocente, aos treze, indefesa comparada à minha idade. Contudo, no fundo, bem sabia, uma mulher feita, uma menina completa. A fêmea ideal, com todos os pecados e atributos de uma adulta em volúpia aberrativa e disparatada estourando à flor da epiderme. Meu Cristo Eterno! O que fazer? Como parar? Como dizer não? Como dar um basta? Minha filha. Meu único rebento. Fruto de um casamento desfeito. Entretanto, nessas horas ela me deixava cego e louco, completamente fora de mim e de meu juízo perfeito.
Me fazia esquecer de tudo o que sabia ser ético, sério e tido como normal e racional, sobretudo racional. Quando estava com ela, quando estava com ela, pairava no espaço. Flutuava até as mais distantes galáxias. Me desmantelava em devaneios. No passo seguinte, voltava correndo e me dava conta do crime horrendo que acabava de cometer. Na verdade, como pai, eu me sentia um verme, um marginal, um ser desgraçado e vil, um infame que deveria apodrecer na cadeia. No xilindró seria pouco. Eu merecia uma jaula. Nessas horas de angústias, tropeçava e caia estatelado, me perdia na vergonha da pedofilia. O ato diário da repetição maldita, me queimava as entranhas da alma e fazia com que a cabeça se rebentasse contra as paredes imagináveis da insensatez:
— Papi!
— Princesa...
— Eu quero você! Venha e me penetre... me coma, me mastigue, me consuma... agora de frente, olhos nos olhos.
— E a nossa janta?
— Nesse momento eu serei a sua comida. O prato predileto. Depois que acabarmos, pedirei uma pizza de mussarela e suco bem gelado.
Aquiescia. Pegava a no colo, nua, molhada, sedenta de desejos incontidos e a carregava para o nosso quarto. A peça na qual dormíamos terminava numa varanda enorme de onde se avistava a imensidão do mar.
Além do farol sinalizando a entrada da baia, se divisava, lá longe, navios parados esperando para entrarem no porto. Essas embarcações davam a impressão de pequenos mundos desconhecidos e longínquos iguais estrelas piscando no meio do oceano escuro. Como se tivesse algo raro nos braços e temesse quebrá-lo, colocava o meu amor suavemente sobre a cama, e, com um misto de meiguice, cobria a com o meu corpo em repouso sobre o dela. Me detinha demorando em seu regaço. A sua intimidade cheirava às docilidades de um amor enigmático que não tinha fim:
— Venha cá... – gritava fora de mim...
— Você me deseja? – Indagava ela, ensandecida.
— Muito, minha filha do coração. E quanto a você?
— Demais. Você não imagina o quanto...
— Papi, me dá seu pau. Quero chupar...
— Você gosta de fazer isso?
— Euzinha adoro mamar. Vejo luzes coloridas piscando num céu de meio dia quando engulo você. Vem, meu gatinho. Me enfia essa carne dura e gostosa na boca.
— Me beija os colhões?
— Faço o que você quiser. Chupo, mordo, dou beijinhos engulo... todas essas proezas fazem parte do pacote das minhas taras mais obsessivas. Venha, me dá, me dá, me dááááá...
Érica e eu, algum tempo depois, explodíamos em gozos inexplicáveis. Dávamos um tempo base, tomávamos alguma coisa, comíamos pipoca de micro-ondas e voltávamos para a cama:
— Fica de quatro. Quero entrar em você fustigando a sua bundinha.
— Você gosta dela?
— Demais, minha fofinha.
— Adoro quando você me pincela a “piriquitinha” e me enfia o dedinho no cuzinho. Uau! Viajo!...
— Vamos, de quatro.
Erica se posicionava e eu enterrava vagarosamente. Enquanto seguia com as estocadas, perguntava sacana e sem rodeios:
— Você me ama?
— Sim papi. Te amo por toda a eternidade.
Eu, fora de mim, tresloucado e endoidecido, me esquecia da menina filha e me concentrava na mulher que ela se tornara:
— Erica, por toda a eternidade será muito pouco...
(Texto que deu nome ao livro “AMOR DE INCESTO” pela MC- GUEDES. Detalhes e capa em: https://www.paralerepensar.com.br/aparecidoraimundo.htm