A Boceta de Pandora - Capítulo 13

Um conto erótico de Himerus
Categoria: Heterossexual
Contém 5050 palavras
Data: 21/10/2025 21:44:15
Última revisão: 22/10/2025 01:25:01

No Capítulo anterior:

Lágrimas que não foram provocadas pelo fim do relacionamento, essas já tinham sido derramadas e secadas a muito tempo. Meu choro era fruto de uma grande frustração e muita raiva, afinal, por mais inesperado e doloroso que tenha sido o divórcio eu me consolava com a ilusão que, por um período, vivemos um grande amor.

Débora, ao me contar as tramoias de Ruth, jogou minhas melhores lembranças no lixo. Passei a questionar cada gesto de carinho, cada momento de intimidade que só os casais que se amam conhecem.

Chorei por ter vivido uma mentira.

Eu desejava me vingar!

Continuando:

Peguei uma garrafa de puro malte pensando em beber até cair, contudo meu inconsciente se fez consciente com uma pergunta:

Você vai deixar aquela puta dominar seus sentimentos?

Abandonei a garrafa em um aparador e fui ao banheiro. Fiquei mais de uma hora no chuveiro, pensando em tudo que ouvi e decidindo continuar apoiando Débora, sem deixar que isso me afetasse. Não queria ser arrastado para a lama em que minha ex vivia. Antes de desligar a água, já tinha abandonado a ideia de vingança. Sai do chuveiro com o corpo e a alma lavados.

Fiz um lanche e decidi ir treinar. A academia que frequentava ficava perto e, normalmente, eu fazia o percurso a pé; no entanto, como estava chuviscando, preferi ir de carro.

Gosto de treinar. Desligo do mundo externo e me concentro na resposta do grupo muscular que estou estimulando com o exercício. Nesse dia, não foi diferente; esqueci de tudo e foquei no treino.

Quando estava no último exercício com pesos percebo que a garota que fazia agachamento ao meu lado travou quando desceu. Larguei o que estava fazendo e fui em seu socorro.

Por sorte consegui segurar a barra, evitando um acidente que poderia até ser fatal. A garota, como muitas na academia, exagerou nos pesos na ânsia de ganhar rapidamente mais volume na bunda... O engraçado é que, apesar de ser pequena, sua bunda era bonita e proporcional ao seu corpo. Mas não adianta, teenagers são teimosos e obcecados com os padrões de beleza impostos pela mídia. Por mais bonita que a garota seja, se não tiver um bundão ela vai se julgar feia.

Aconselhei a garota a ser mais cuidadosa e voltei para minha série.

Concluído a musculação fui para área das esteiras para fechar o treino com uma corrida na esteira.

Sei que a maioria das pessoas que fazem musculação tem os exercícios cardiorrespiratórios como um castigo, não é meu caso. Correr na esteira me é muito prazeroso. Gosto da sensação do meu batimento cardíaco subir ou descer dependendo do esforço. Além disso, na frente das esteiras ficam os aparelhos que simulam subir uma escada, quase sempre ocupados por mulheres gingando suas bundas. A corrida passa rápido com tão deliciosa distração.

Logo que comecei a corrida, percebi que minha desastrada colega de musculação estava quase na minha frente, subindo infinitos degraus. Olhei com mais atenção.

Ela era bonita. Seus cabelos loiros, cortados retos um pouco acima dos ombros, com sua pele dourada pelo sol, já eram suficientes para chamar a atenção para Lolita; no entanto, um olhar mais cuidadoso revelava seus outros atributos. Um rosto simétrico, com grandes olhos azuis, bochechas rosadas e dentes perfeitos, emoldurados por lábios nem finos nem grossos, lembrando as paquitas do Xou da Xuxa. Alta, cerca de 1,70 m, pernas longas, coxas grossas, mas sem exagero, bunda pequena e empinada, seios médios e uma cinturinha muito fina.

Pensei com meus botões: “Essa garota vai se tornar uma mulher fantástica”.

Enquanto eu divagava sobre as várias possibilidades de desenvolvimento corporal da garota, ela pausou o aparelho e se abaixou para pegar a garrafa d’água. Seu shorts, que já era curto, subiu um pouquinho, expondo as poupas de sua bundinha. Obviamente, concentrei meu olhar naquela área até então coberta. O que vi me surpreendeu: quase caí da esteira! As poupas da bunda da garota tinham vergões horizontais quase simétricos. Pela coloração, alguns eram recentes e outros, um pouco arroxeados, mais antigos. Eu conhecia bem tais marcas; a garota curtia apanhar. Fiquei intrigado: ela era muito nova para tais práticas.

Imaginei que ela tivesse uns dezesseis anos, mas eu estava errado. Quando ela terminou o exercício, foi ao vestiário se banhar e trocar de roupas. Saiu vestindo o uniforme de um restaurante que frequento. Sei que é política da casa não contratar menores de idade. No mínimo, ela tinha dezoito anos, mas aparentava menos.

Não nego, fiquei de pau duro. Apesar de não ser um adepto full time do BDSM, tenho apreço por algumas de suas práticas e as incorporei na minha vida sexual. Por exemplo: os praticantes de BDSM consideram fundamental negociar suas práticas antes das vias de fato, saber os limites de cada um e estabelecer uma palavra de segurança para interromper os jogos a qualquer momento. Procuro respeitar essas regras independentemente do sexo ser mais bruto ou não.

Mas o que mais me fascina é usar a dor para dar prazer a uma mulher. Sim, tenho meu lado sádico...

Tratei de me acalmar. A loira já tinha ido embora, não adiantava ficar imaginando coisas...

Terminei minha rotina, tomei outro banho e fui para saída da academia. Percebi que havia muitas pessoas próximas à saída. Ao me aproximar, entendi o motivo: chovia a cântaros. Agradeci aos céus por ter vindo de carro. Fui me embrenhar em direção à saída. Quando finalmente consegui sair, vi a garota loira se protegendo da chuva sob a marquise, olhando preocupada para o relógio no celular.

Sem pensar, fui até ela e perguntei:

— Garota, você está indo para o restaurante do Miguel?

— Sim, estou. Como o senhor sabe?

— Eu leio pensamentos, mas seu uniforme também ajudou.

— Claro, eu sempre esqueço que a roupa entrega onde trabalho...

— Mas não foi só, como eu te disse eu leio pensamentos. Estou vendo que você está atrasada e não está conseguindo um Uber. Quer uma carona?

— Nossa, eu ia adorar. Não vai te atrapalhar?

— Imagina, vamos para o mesmo lugar, eu estava pensando em ir jantar lá.

— Que bom! Se não vou atrapalhar, aceito a carona.

Em minutos estávamos no carro. Nos apresentamos, descobri que seu nome era Annete e que era a nova hostess no restaurante. Enquanto conversamos amenidades tive uma ideia:

— Annete, tenho que pegar uma encomenda em uma loja aqui perto. Se você não se incomodar, gostaria de passar lá antes de ir ao restaurante. Não vou demorar, no máximo cinco minutos. Tudo bem?

— Sem problemas, graças a você tenho tempo, se não fosse por sua carona eu ia chegar atrasada.

— Beleza! É aqui pertinho. Não tem necessidade de você descer, me espere no carro.

Parei na frente de uma papelaria, ela me acompanhou com o olhar e relaxou. Claro que, no fundo, ficou preocupada com uma parada fora da programação. Ela não me conhecia.

Não vi seu rosto quando passei batido pela papelaria e entrei na loja ao lado. Um sexshop! Fui rápido. Comprei um chicote flogger de couro com 12 tiras, duas chibatas revestidas de couro, uma bem tradicional, apenas uma varinha rígida e a outra com um detalhe retangular em couro em uma das extremidades. Por fim, um paddle de bambu. O kit básico para uma boa sessão de spanking. A vendedora quis embrulhar; eu não deixei. Pedi para ela colocar os produtos em uma sacola de papel, paguei e voltei ao carro.

Annete me acompanhava com os olhos. Notei um misto de preocupação e curiosidade. Entrei no carro sem deixá-la ver o que tinha na sacola. Coloquei o cinto de segurança, liguei o carro e perguntei se tinha demorado. Diante da resposta negativa, engatei primeira e, antes de sair, pedi:

— Segura a sacola, esqueci de colocá-la no porta-malas.

Ela pegou a sacola e colocou no colo. Não tinha como não ver o conteúdo. Annete inconscientemente ficou de boca aberta. Conforme olhava os brinquedos, sua respiração mudava. A delicada penugem de seus braços estava arrepiada. Quando chegamos ao restaurante, já era possível ver que seus mamilos estavam intumescidos. A garota estava com tesão!

Ao saímos do carro ela me devolveu a sacola. Me esperou colocá-la no porta-malas e, juntos, fomos para a entrada do restaurante. Antes de entrar eu perguntei:

— Gostou dos brinquedos?

Ela corou e abaixou os olhos. Sabendo dos seus gostos, perguntei novamente. Mas de uma maneira mais ríspida:

— Olhe para mim e me responda!

— Sim, senhor. Eu gostei muito. Como o senhor sabia?

— Eu não disse que leio pensamentos? Se você quiser ser a primeira a sentir meus novos brinquedos, envie-me um bilhete com seu número de telefone e o horário em que você termina seu expediente. Entendido, Annette?

— Sim, senhor. Muito obrigada pela carona e pelo convite.

Entramos. Fiz meu pedido e fui ao bar esperar uma mesa. Menos de meia hora depois, já degustava uma excelente massa e um vinho italiano “delizioso”.

Pedi uma sobremesa leve. Um queijo com nome impronunciável, frutas vermelhas e mel. Quando estava quase acabando, Annete passa pela mesa e deixa um bilhete. Não querendo mostrar ansiedade, esperei ela se afastar para lê-lo.

“Senhor Rodolfo,

Estou intrigada em como o Senhor descobriu meu fetiche. Nos quatro anos que ele faz parte de minha vida nunca ninguém desconfiou. Imagino que o Senhor seja muito experiente e não tenho como negar, a perspectiva de ser usada pelo senhor me deixa úmida.

Contudo, infelizmente não vou poder servi-lo hoje. Fui instruída por meu Dono a ir direto para casa depois do expediente.

Caso ele autorize, podemos combinar um outro dia.

Muito obrigada pelo convite.

Annete

Obs.: me adicione no WhatsApp.”

Eu não acreditei. Ser rejeitado justo hoje? Depois de ouvir o que ouvi sobre minha ex e seu macho?

Fiquei puto! Paguei minha conta, saí do restaurante e, ainda no estacionamento, adicionei Annete no WhatsApp e mandei uma mensagem:

“Annete, quem por instinto não reconhece que você é uma cadela que precisa apanhar para gozar não merece ser seu dono. Não vou esperar outro dia, muito menos a autorização de um frouxo para usar seu corpo. Se quiser conhecer um homem que realmente merece ser seu Dono é hoje ou nunca mais. Aguardo por cinco minutos seu pedido para ser disciplinada.”

Sim, eu sei que fui um escroto, mas a maneira que Annete me rejeitou, fazendo alusão ao seu dono, acionou algum gatilho em meu cérebro. O jogo de sedução que arquitetei pensando em esquecer tudo que ouvi através de uma boa foda se voltou contra mim.

Naquele momento, Annete e Ruth eram a mesma pessoa, a mulher que me trocou por outro.

O eventual prazer em comer Annete tornou-se secundário, minha masculinidade fora ultrajada, eu queria mostrar que era melhor que qualquer alternativa.

Eu sei, minha atitude foi infantil, agi como um canalha.

Ainda no estacionamento, recebi a resposta de Annete:

“Senhor Rodolfo,

Sua capacidade de ler pensamentos é impressionante, mas nem sempre funciona. Tenho pensado em terminar o relacionamento com meu Dono; o Senhor tem razão, não temos uma boa sintonia. Na maior parte das vezes, ele não vai até onde eu gostaria.

No entanto, sou alguém que valoriza a honestidade. Jamais enganei e nunca farei isso.

Por mais que eu esteja tentada a aceitar seu convite, vou recusá-lo. Não vou me entregar para outro homem antes de finalizar o relacionamento em que estou.

Fiquei triste com as condições impostas pelo Senhor. Eu realmente queria que o Senhor me usasse, mas não vou desrespeitar meus princípios.

Caso o Senhor mude de ideia, vou ficar feliz."

Annete, do alto dos seus dezenove anos, me deu um soco moral na boca do estômago. Eu pedi para ela fazer exatamente o que critiquei em Ruth: ser desleal com seu companheiro.

Acho que nunca senti tanta vergonha na minha vida. Tudo bem, o dia foi hard, mas não justifica meu comportamento. Não sabia o que fazer. Mandar uma mensagem pedindo desculpas ou adentrar o restaurante e implorar pessoalmente o seu perdão?

Decidi que o correto seria pedir desculpas olhando nos seus olhos. Sai do carro e voltei ao restaurante. Poucos metros antes da entrada, lembrei que não fechei os vidros do carro, saquei a chave do bolso para acionar o trancamento automático, apertei o botão e, ao invés de ouvir o som familiar das portas travando e dos vidros se fechando, ouvi o som estridente do alarme. Virei-me e entendi o que tinha acontecido. Na pressa de me desculpar, esqueci a porta do carro aberta. Voltei, desliguei o alarme, fechei os vidros e a porta do carro. Ao me voltar para, finalmente, cumprir minha expiação, vi Annete em um pequeno jardim anexo ao restaurante, o local reservado pela casa para os fumantes aplacarem seu vício. Por um minuto, observei-a. Terminou seu cigarro, apagou-o no local apropriado e imediatamente acendeu outro.

Fui ao seu encontro. Ao me ver percebi surpresa em seu olhar. Antes de falar algo, novamente fui surpreendido pela garota. De maneira irônica, mas com tristeza no olhar, ela me cumprimentou e perguntou:

— Boa noite, senhor Rodolfo. Pensei que o senhor já tivesse ido embora. Esqueceu alguma coisa?

Eu realmente tinha magoado aquela garota, precisava me redimir.

— Você também lê pensamentos, Annete? Esqueci algo, mas não foi uma coisa, foi um princípio. Voltei para te pedir desculpas: eu não tinha, e não tenho, o direito de exigir algo de você fora do seu tempo. Fui absolutamente deselegante ao tentar te forçar a escolher entre uma noite comigo e o seu relacionamento. Não sei o que aconteceu comigo; normalmente, não sou assim, mas hoje eu fui um grandíssimo filho da puta contigo. Sua mensagem mostrou a mulher honrada que você é e o quão indigno eu fui. Obrigado por me dar esse tranco; eu precisava. Me desculpe e, se possível, me perdoe.

Eu não esperava resposta. Falei o que tinha para falar, já estava pronto para me despedir e, provavelmente, nunca mais ver Annete. Novamente sou surpreendido:

— Não vou mentir, sua mensagem me decepcionou. Fazia muito tempo que não sentia uma conexão intensa como senti com você, não esperava a insensibilidade que sua proposta demonstrou. Respondi de maneira educada, mas não fui totalmente verdadeira. No fundo, não queria mais te ver; o encanto quebrou.

Você ter voltado e pedido desculpas me surpreendeu. Continuo não querendo papo com o Rodolfo que me mandou mensagem, mas o Rodolfo que me deu carona e que teve a hombridade de pedir desculpas pode me interessar no futuro. Você bloqueou meu contato?

— Não, está salvo e desbloqueado.

— Ótimo. Quando eu for uma cadelinha sem dono, vou te procurar. Quem sabe ainda não conheço seus brinquedos...

— Annete, vou esperar seu tempo. Quando puder e quiser, entre em contato. Vou guardar os novos brinquedos, eles serão exclusivos para você.

Terminando de fumar, ela pediu licença, despediu-se com um singelo tchau e entrou no restaurante.

Voltei para casa pensativo. Quando fui para academia imaginava já ter resolvido a questão, que não me deixaria afetar e não seria arrastado para o mar de lama em que Ruth construiu sua vida. O episódio com Annete mostrou o quanto estava enganado.

Por pouco não agi com a crueldade e inconsequência da minha ex-esposa. Eu precisava ficar atento aos meus sentimentos, resolver de uma vez por todas os conflitos que, admitindo ou não, me atormentavam.

O dia seguinte seria decisivo. Débora terminaria de contar as putarias da irmã, explicaria seu plano de ação para reaver seu dinheiro e eu, bem, eu teria de decidir como concluir essa etapa da minha vida com o mínimo de danos emocionais. Vingança não fazia parte dos meus planos, mas o incidente com Annete deixou claro que o assunto precisava ser melhor trabalhado para que eu conseguisse tocar minha vida sem o ranço da traição da mulher que tanto amei.

Depois de um dia pesado imaginei uma noite insone, milagrosamente não foi o que aconteceu. Dormi como um bebê.

Na manhã seguinte, após uma visita à minha padaria favorita para o tradicional bauru, suco de laranja e café preto, liguei para Débora. Queria acabar com aquele martírio o mais rápido possível.

Contudo, as coisas nem sempre acontecem como gostaríamos. Débora estava reunida com o advogado e só poderia me encontrar no início da tarde.

Como tinha que esperar por algumas horas, pensei em “por no gráfico” as informações que tinha recebido até então. Entendam: sou programador, penso melhor organizando as informações que disponho. Entrei em um programa que gera uma linha do tempo e alimentei com todos os fatos que Débora me forneceu. Ficou graficamente bonito, mas não acrescentou nada. Pensei em outra estratégia. Gerei outra linha do tempo, paralela à primeira, e a alimentei com informações das minhas agendas pessoal e profissional. Surgiram algumas coincidências interessantes.

Tentando ampliar as possibilidades gerei uma terceira linha do tempo e fui para o quarto de despejo procurar meu antigo computador desktop.

Para um programador, é fundamental preservar seus arquivos; nada mais desesperador que perder horas ou dias de trabalho. A solução é simples: ter três registros. Um na máquina em que você está trabalhando, outro em um HD virtual e o terceiro em um HD externo. Todas as máquinas de casa, exceto meu laptop, que tinha um backup próprio, salvavam as modificações feitas em todos os programas em um desktop com um HD poderoso. Foi esse desktop que procurei. Encontrei, liguei e, com facilidade, localizei os arquivos salvos pelo laptop de Ruth. Encontrei sua agenda e enviei os dados para meu laptop, que usaria para alimentar a terceira linha do tempo.

Como já estava com as mãos na massa, aproveitei para revirar seus arquivos em busca de informações sobre sua vida secreta. Não encontrei nada, ela foi cuidadosa, apagou todos os rastros. Desanimado, fechei o desktop e fui ver se sua agenda seria útil, não tinha muitas esperanças, acreditava que ela tinha apagado tudo, como nos outros arquivos.

Para minha surpresa, a agenda, aparentemente, estava intacta. Alimentei a terceira linha do tempo e passei a buscar padrões entre as três.

Percebi, por exemplo, que as reformas e manutenções na nossa casa sempre aconteciam quando eu estava viajando a trabalho ou quando minha agenda estava sobrecarregada. Para piorar, as reformas eram absurdas. O piso da nossa suíte foi substituído seis vezes em um período de quatro anos, e os sanitários também passaram por quatro trocas. Não sou de reparar em detalhes de decoração, mas lembro-me bem do dia em que compramos a banheira; afinal, eu não acreditava que estava pagando o valor de um carro popular por uma banheira norueguesa.

Estou convencido de que ela nunca foi substituída, mas conforme as observações de Ruth, ocorreram quatro substituições.

A quantidade de material de acabamento listada era o suficiente para o acabamento de um prédio. Contudo, o que mais me incomodou foi que todos os pagamentos, sejam dos materiais ou da mão de obra, eram feitos para apenas três empresas.

Busquei o cadastro das empresas e descobri que as três tinham o mesmo sócio majoritário. Em nova busca, pelo CPF, descobri que ele tinha doze empresas, uma se destacava, uma igreja.

Tudo que entrava na minha casa era intermediada por uma das empresas de Mauro. Comida, serviço de limpeza, dedetização, tudo! Ruth me enganou desde o primeiro dia que foi morar comigo. Enquanto eu trabalhava como um louco o dinheiro escorria pelo ralo.

Fui um tremendo otário, mas é uma questão matemática, enquanto ela desviava milhares de reais eu estava preocupado com negócios de milhões.

Agradecia a Deus por ela não ter tido acesso à minha empresa; os danos poderiam ter sido muito maiores.

Enquanto pensava nisso, lembrei-me do maior prejuízo que minha empresa teve. Um ano antes de mudar para os Estados Unidos, fechei um contrato com uma grande empresa sul-africana. O contrato era ótimo, mas tinha alguns problemas. Tanto a multinacional quanto minha empresa depositaram um valor expressivo em uma offshore como garantia. Se os prazos não fossem cumpridos, o contrato seria cancelado e os valores aportados ficariam como indenização para a parte ofendida.

Nunca tinha visto nada do tipo, muito menos meus advogados, mas como o aplicativo já estava pronto, bastava adaptar para o design do cliente, fazer alguns ajustes e inserir os dados, eu fechei o negócio. Meu prazo era de seis meses, minha previsão pessimista era que precisava de cinco semanas de trabalho. Não tinha como dar errado.

Em dois meses enviei a versão beta. Os clientes analisaram e sugeriram algumas mudanças. Fizemos as mudanças e enviamos a versão definitiva dois meses antes do prazo expirar. Pelo contrato, eles teriam três meses para fazer o pagamento.

Quando venceu os seis meses do prazo para entrega do serviço, fui notificado por descumprimento do contrato.

Apresentamos todas as evidências que o serviço foi feito e enviado, mas, mesmo assim, perdemos. A empresa conseguiu provar que as modificações solicitadas após a análise da versão beta do aplicativo não foram realizadas. O arquivo definitivo enviado no prazo era idêntico à versão anterior. Perdi o contrato, o depósito e o custo de execução.

Eu não conseguia entender, o aplicativo estava completo no servidor, mas o que foi enviado realmente não continha os dados.

Na época, acreditei que foi um erro grosseiro, embora ainda fosse um erro.

Agora, depois de tudo que descobri sobre Ruth, comecei a questionar se realmente houve erro.

Na época, fizemos uma investigação minuciosa e descobrimos que um arquivo com o programa incompleto substituiu o que deveria ter sido enviado. A senha usada era a minha, realmente fui eu que enviei o arquivo. Por dedução simples, eu, provavelmente, sem perceber, resgatei o arquivo antigo e enviei. Me martirizei por meses pelo erro.

O problema é que não lembrava de ter aberto o arquivo ou salvado, eu simplesmente enviei. Mas, até agora, não tinha outra explicação.

Ruth não tinha acesso ao servidor da empresa, muito menos competência para tal manobra. Sem contar que ela não ganharia nada com isso. Talvez eu estivesse paranoico.

No entanto, depois de tudo que ouvi, talvez fosse bom investigar. Se Ruth participou disso ela teve ajuda. Será que alguém da empresa me traiu? A hipótese era tentadora, mas não fechava. Por conta desse negócio a participação nos lucro, parte significativa dos ganhos dos meus funcionários, despencou. Mesmo assim não poderia descartar a possibilidade.

Enquanto pensava nisso lembrei de algo básico. Meu laptop era o único computador que podia fazer modificações no servidor on-line. Se ela e seus comparsas tivessem acessado o servidor via meu laptop a mudança passaria despercebida, como realmente passou. Mas para tanto ela tinha que saber minha senha, algo pouco provável.

Voltei para o quarto de despejo em busca do backup. As respostas estariam lá. Caso tivesse acessado o servidor através do meu laptop ela teria uma desagradável surpresa.

As pessoas comuns veem os programadores como nerds de óculos com grossas lentes corretivas e pouca habilidade social. Como todo estereótipo, às vezes, corresponde à realidade, mas, na maioria dos casos, não. Posso dizer que todo programador é criativo, talvez um pouco exótico, gosta de novas soluções para problemas antigos. Não fujo à regra. Estabeleci um método de trabalho único, importando ideias de livros, séries e filmes. Uma dessas ideias importadas seria fundamental para descobrir se Ruth realmente participou da maracutaia para melar meu negócio.

Minha geração foi marcada pelos filmes e seriados policiais americanos. Acompanhávamos as peripécias dos detetives tentando identificar os criminosos com a ajuda de brilhantes técnicos forenses e as inevitáveis trocas de tiros e socos.

Nesse tipo de filme era comum o legista conseguir pistas ao fazer a autópsia. Como um detetive, o médico desmontava o cadáver enquanto ponderava suas hipóteses e conclusões em voz alta. O efeito era interessante; a lógica interna do filme justificava tal monólogo como um recurso técnico do médico. Com as mãos ocupadas, ele usava a voz captada por um gravador para registrar seu trabalho; contudo, era como se estivesse explicando para o público suas descobertas.

Fascinado por tal técnica, adaptei-a para o meu trabalho.

Programação é um ato criativo e, como toda arte (estou defendendo meu peixe...), exige imaginação e muita disciplina. Depois de alinhavar seu projeto, o trabalho é braçal, não permitindo muitos devaneios. O problema é que, usualmente, surgem insights durante o trabalho e, se você não registra, acaba esquecendo.

Criei uma ferramenta que, como o gravador do médico legista, registrava meus insights durante o trabalho.

Era bem simples, bastava ligar o laptop e a ferramenta entrava em ação. Ao surgir uma ideia eu falava, o computador gravava e salvava tal áudio, sempre vinculado ao que eu estava fazendo naquele momento. Além de não perder boas ideias eu garantia o contexto onde elas surgiram.

Sim, eu sei, sou bom no que faço. Não fiquei rico por acaso...

Pois bem, se o servidor foi acessado do meu laptop, todo e qualquer diálogo próximo foi gravado e vinculado ao que estava sendo feito naquele momento.

Achei o backup. Conectei na máquina, localizei o histórico de áudios. Existiam milhares de arquivos, eu tinha que encontrar uma maneira de filtrar. Depois de muito pensar encontrei um filtro que me pareceu pertinente. Meus áudios eram curtos, raramente passavam de um minuto. Provavelmente os áudios de Ruth seriam maiores, ela e o técnico provavelmente conversaram durante o processo.

Funcionou. Encontrei um áudio de doze minutos. Para completar a excepcionalidade, era antecedido por três outros áudios e seguido por mais cinco. Todos com mais de dois minutos.

Fui para o primeiro, apertei play e ouvi minha voz:

— Que aconteceu, Ruth? Por que você está chorando?

— Estou morrendo de dor, uma enxaqueca brava. Procurei o remédio e não encontrei, você sabe onde ele está?

— Sim, eu sei. Vem cá, senta que eu vou pegar.

— Aí, que dor maldita. Amor, vá logo, não estou aguentando.

O segundo áudio era basicamente Ruth chorando e eu dizendo que não encontrava o remédio.

No terceiro áudio ela continuava chorando. Eu tentava deixá-la confortável enquanto avisava que ia na farmácia comprar o remédio e que não demoraria, no máximo dez minutos. Logo depois da porta fechar o áudio terminou, ou seja, ela parou de chorar.

O áudio de doze minutos foi mais dolorido que um chute no saco. Ouvi duas vezes, salvei nas nuvens e mandei como anexo para o e-mail do meu celular. Ele inicia com Ruth ao telefone, quinze segundos depois que o terceiro acabou.

— Ele saiu, vem rápido, não temos muito tempo.

— Sim, o computador está aberto, como eu previ.

Ao longe ouvi batidas na porta e, imediatamente, o som da porta se abrindo. Ruth continuou a falar. Imaginei, pelo breve intervalo, que ela interrompeu a conversa pelo celular e passou a dialogar diretamente com o técnico ao abrir a porta.

— Você tem no máximo quinze minutos. Ele está preocupado comigo e não vai demorar.

— Fica tranquila, no máximo em dez minutos eu faço o serviço. Vai para sacada e fica vigiando.

— Ok.

Durante minha carreira identifiquei três tipos de atitudes nos programadores quando se sentem pressionados. A maioria se cala, concentrados no trabalho, eventualmente explode e começa a maldizer o programa. O segundo perfil, no qual me incluo, esquece do mundo, não fala, não demonstra sentimentos, mergulha no programa e só sai quando os problemas são resolvidos. Uma terceira categoria, bem menos comum, é a do programador que trabalha falando. Ele narra tudo que está fazendo. Acredito que seja uma forma de manter a concentração no trabalho.

Para minha sorte o técnico que Ruth colocou dentro do meu sistema era do terceiro tipo. Narrou tudo que fez sem saber que estava sendo gravado.

— Vamos lá. Cadê o arquivo final? Achei, SI203.5. Tenho que renomear com um nome provisório, qual? Já sei: corno... Feito!

Agora é só achar o arquivo anterior, SI203.4. Tá na mão. Só falta renomear para SI203.5. Feito! Fechando com chave de ouro, transformo o “arquivo corno”, - eu sou foda -, em SI203.4. Serviço feito! Eles só vão perceber quando for tarde demais.

Ruth, terminei. Vou cair fora!

— Mas já? Foi mais rápido que pensei. Tem certeza que ele não vai perceber?

— Fica tranquila. Termina seu show, pede para ele parar de trabalhar e ficar contigo.

— Tudo bem, vá logo, ele já deve estar chegando.

O arquivo termina com o som da porta abrindo e fechando.

Ouvi o áudio umas três vezes. Se eu ainda nutria alguma esperança de tudo aquilo ser uma tremenda confusão, ela desapareceu. Minha ex-esposa era uma golpista; tudo que vivemos foi teatro.

Salvei o áudio em um pendrive. Se até então meu propósito era ajudar Débora, agora as coisas mudaram. Eu não queria vingança, nem estava preocupado em recuperar o dinheiro que perdi, mas queria tirar da boca aquele gosto ruim de ter sido feito de otário.

Eu sei que parece contraditório; contudo, pense comigo. Quem busca vingança quer dar o troco, infligir um castigo a quem lhe prejudicou. Em inglês, existe uma palavra que traduz esse desejo de maneira explícita: “payback”. Uma tradução possível seria “pagar na mesma moeda”.

Não era meu caso. Eu não estava preocupado em infligir sofrimento a Ruth, simplesmente eu queria mostrar que não era o otário que eles imaginaram.

Tudo bem, eu sei que para tanto acabaria atingindo Ruth, mas não era meu objetivo primário, era apenas um dano colateral na luta pela minha dignidade profissional, ou, se vocês preferirem, na luta para saciar meu ego ferido.

Ouvi os áudios restantes. Não acrescentou muita coisa. Basicamente eram diálogos meus com Ruth sobre sua dor e a administração dos remédios.

Fechei o laptop, guardei o backup e deixei o pendrive junto com o material que Débora me passou. Eu pretendia mostrar minhas descobertas no dia seguinte, mas não aguentei e liguei para Débora. Nossa conversa foi produtiva; só desliguei o telefone depois de contar tudo, incluindo a reprodução dos áudios.

Débora sugeriu que Sayaka, que eu carinhosamente chamava de Aka, minha melhor programadora na antiga empresa e, nas horas vagas, um hacker de mão cheia, participasse da reunião. Concordei; Sayaka poderia ver coisas que não vi. Ela se tornou uma das melhores especialistas em segurança digital do mercado. Hoje, ela trabalha como consultora autônoma para gigantes do Vale do Silício.

Com a cabeça a mil resolvi dormir. Queria estar bem descansado para enfrentar as desagradáveis informações desenterradas por Débora e sua equipe.

Continua.

PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DA “CASA DOS CONTOS ERÓTICOS" SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.

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Comentários

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Vingança é igual feijoada e caipirinha domingo a noite, a probabilidade de dar ruim é grande, mas tem vezes que é irresistível. Kkkkkkkkkk

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Foto de perfil de Ryu

Chamou minha atenção.

Não está a sabendo dessa serie

Vou começar pelo primeiro capítulo.

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