Quando abri os olhos, não fazia ideia de onde eu estava. O lugar não tinha uma boa claridade, o que ajudou a manter meus olhos abertos. Tentei mover o corpo, mas senti uma dor aguda no abdômen e decidi não me mexer novamente. Ao sentir aquela dor, lembrei dos últimos acontecimentos que ainda estavam frescos na minha memória.
Alguém segurando forte meus ombros, a dor aguda no abdômen e um braço passando em torno do meu pescoço, apertando até eu apagar. A sensação de estar morrendo reviveu na minha mente, causando um nó na garganta e fazendo minha respiração falhar. Tentei respirar fundo, mas isso só me causou mais dor. Achei melhor tentar controlar a respiração e me acalmar. Com certeza, eu estava machucada; pelas dores que sentia, provavelmente minhas costelas estavam fraturadas, aquilo era não era um bom sinal. mas, de qualquer forma, eu estava viva, isso é o que importa.
Tentei virar o pescoço para me localizar e, com o que vi, tive quase certeza que estava na cama de um hospital. Ao abrir mais meu campo de visão, confirmei isso. Mesmo no escuro, notei que havia duas pessoas sentadas ao lado da minha cama, imóveis, provavelmente dormindo. Pensei em chamá-las, mas achei melhor não fazer isso, pois sabia que forçar a voz me causaria dor.
Fiquei ali, olhando para o teto e, às vezes, para as duas pessoas ao meu lado, não notei tipo nenhum movimento vindo delas. O tempo passou, e fui relembrando o que me levou a estar naquela cama: o encontro inesperado com Ingrid, o beijo que me travou, o olhar de raiva de Sabrina, nossa briga e minha saída sem rumo da boate. Não sabia ao certo onde fui atacada, mas tinha a certeza de que alguém tentou me matar.
Um nome surgiu na minha mente: Hugo. Eu não tinha inimigos, nunca fiz mal a ninguém e não tive brigas que pudessem levar alguém a querer tirar minha vida. Aquilo não foi uma tentativa de assalto; quem me atacou queria acabar com minha vida. Só podia ser ele, não havia outra explicação.
Essas lembranças me deixaram triste e com raiva. Triste por lembrar da briga com Sabrina; eu sabia que, mesmo sem querer, cometi um erro, mas ela nem quis me ouvir direito e, por pouco, não me ofendeu. Eu sabia que, no fim da frase que ela não terminou, havia uma ofensa velada para mim. Raiva por ter sido atacada por Ingrid, que direito ela tinha de fazer aquilo depois de anos sumida, ela nunca se quer me mandou uma mensagem. Mas minha maior raiva era de Hugo. Se realmente foi ele que me machucou, e eu tinha quase certeza que foi, ele se revelou mais uma vez ser o homem covarde que eu imaginei ser, desde a primeira vez que o vi. Esperava que, dessa vez, ele pagasse pelo que fez.
Enquanto esses pensamentos ocupavam minha mente, percebi o ambiente ficando mais claro; provavelmente o dia estava amanhecendo. As sombras das pessoas à minha frente foram sumindo e, aos poucos, consegui enxergar melhor seus rostos. Abri um sorriso pequeno ao reconhecer minha mãe ali ao lado da minha cama. Olhei para a outra pessoa e, mesmo com dificuldade, reconheci o rosto, era Sabrina. Essa descoberta encheu meu coração de felicidade e esperança; talvez ela tivesse me perdoado.
Fui tirada dos meus pensamentos quando a porta se abriu. Era uma enfermeira que entrou e veio em minha direção, pelo lado oposto da cama. Quando me viu com os olhos abertos, abriu um pequeno sorriso e disse que só veio verificar meu soro e aplicar uma dose de remédio para aliviar as dores. Ela não demorou muito e, antes de sair, disse que logo um médico viria conversar comigo, mas que eu poderia ficar calma, pois eu estava bem, apenas precisava me recuperar. Pediu para eu evitar me mover por um tempo para não sentir dores agudas. Apenas acenei com a cabeça em sinal de positivo e sorri. Ela saiu, e voltei meu olhar para o outro lado da cama.
Minha mãe estava me olhando com um sorriso no rosto. Agora, consegui enxergá-la perfeitamente. Ela se levantou, deu a volta na cama e se abaixou para me dar um beijo na testa. Depois, fez carinho na minha cabeça e disse que tudo ficaria bem, que o pior já tinha passado. Dei um pequeno sorriso e disse que a amava. Minha voz saiu baixa, mas ela entendeu e respondeu que me amava muito também.
Minha mãe ficou um tempo ali, me fazendo carinho, e depois se afastou, indo até a janela, puxando um pouco a cortina. O quarto agora estava totalmente claro, e pude ver claramente o rosto de Sabrina. Ela estava dormindo, mas o inchaço em seus olhos não era apenas por isso; certamente, ela havia chorado, e isso cortou meu coração. Queria me desculpar com ela novamente, na esperança de que desta vez ela me ouvisse. Não sabia quantos dias estava ali, mas provavelmente foi tempo suficiente para aliviar um pouco a raiva que vi em seus olhos quando ela me viu nos braços de Ingrid. Ela estava ali ao meu lado, o que indicava que, mesmo depois de tudo o que aconteceu, ainda se preocupava comigo. Isso me deu esperança de que talvez ela pudesse me perdoar, mesmo que levasse tempo.
Vi minha mãe sentar ao lado de Sabrina e começar a tocar o braço dela com as pontas dos dedos. Queria pedir para ela não fazer aquilo, mas já era tarde. Sabrina abriu os olhos devagar e me olhou com um olhar meio distante. Logo, vi seus olhos se arregalarem e seu corpo se aproximar da cama. Senti ela segurar minha mão com suavidade e, naquele momento, falei o que estava entalado na minha garganta desde que a vi ali. Porém, ela parecia não me ouvir. Levantou do assento, aproximou o rosto do meu e eu repeti o que havia dito. Ela não disse nada, apenas afastou o rosto, olhou fundo nos meus olhos, se aproximou novamente e deu um beijo suave em meus lábios. Não esperava por aquilo; meu coração bateu mais acelerado do que já estava. Ela se afastou novamente, olhando direto nos meus olhos. Vi as primeiras lágrimas se formarem e escorrem pelo seu rosto. Ela passou a mão no rosto, limpando as lágrimas, e um pequeno sorriso surgiu em seus lábios.
Sabrina— Eu também te amo. Estou muito feliz que você acordou, e isso é o que importa agora. Depois, a gente conversa sobre o resto. Vamos focar em sua recuperação, e eu estarei ao seu lado o tempo todo.
Não era exatamente o que eu queria ouvir, mas era muito melhor do que pensei que ouviria. Sorri e acenei com a cabeça, confirmando que concordava. Ela fez carinho no meu rosto e ficou me olhando com um olhar que eu não soube identificar, mas ela tinha um pequeno sorriso nos lábios, e isso era suficiente para mim. Sabrina se sentou novamente e segurou a mão da minha mãe. As duas se entreolharam com sorrisos, e era muito bom ver as duas unidas ao meu lado. Eu sentia algumas dores no corpo, mas meu coração já não doía como antes; a pequena ponta de esperança dentro de mim crescia cada vez mais.
Queria perguntar a elas o que aconteceu depois que desmaiei, mas ainda me sentia um pouco fraca. Pensei em perguntar, mas mudei de ideia ao ver a porta do quarto se abrir. Era um homem todo de branco com alguns papéis na mão. Imaginei que era o médico e tive certeza quando ele começou a falar comigo, após nos cumprimentar. Ele disse que eu havia fraturado duas costelas e que isso levaria algum tempo para uma recuperação completa. Me pediu paciência e que seguisse suas orientações para que tudo ficasse bem. Também explicou que o ferimento à faca não foi grave, pois a lâmina era curta e o golpe foi rápido. Ele explicou que a pessoa deu o golpe e retirou a faca sem arrastar, o que impediu que o estrago fosse maior. Mesmo assim o ferimento me causou uma hemorragia que me fez perder muito sangue, mas não atingiu nenhum órgão a ponto de prejudicar seu funcionamento. A operação foi realizada para reparar os danos, principalmente para conter o sangramento. Tudo correu bem, e provavelmente minha recuperação seria rápida. Ele disse que não havia fraturas ou problemas na minha visão, e que meu rosto logo voltaria ao normal.
Até então, não sabia que meu rosto estava machucado. Instintivamente, passei as mãos sobre ele e, pelo tato, percebi o inchaço em um dos lados. O médico continuou dizendo que meu maior problema eram as fraturas nas costelas. Mesmo sendo do lado oposto à cirurgia, o local da fratura estava um pouco machucado pela violência dos golpes que recebi. Nada com que eu devesse me preocupar, mas, infelizmente, isso retardaria a recuperação. Ele disse que me passaria remédios para aliviar a dor, ajudar na cicatrização e evitar infecções. Me disse que no primeiro mês, as dores seriam mais intensas, mas, aos poucos, diminuiria. Falou que me deixaria ali no hospital por mais dois dias e, se tudo corresse bem, eu poderia terminar a recuperação em casa. Mais uma vez, não era bem o que eu queria ouvir, mas também não era nada horrível. Eu iria ficar bem, não iria ficar com sequelas graves e poderia retomar minha vida normalmente assim que me recuperasse.
O médico se despediu e chamou minha mãe para conversar, provavelmente estava orientando-a sobre como proceder comigo nos próximos dias. Sabrina ficou ao meu lado, e aproveitei para tirar uma dúvida. Tentei falar e, desta vez, minha voz saiu mais forte.
Fernanda— Foi o Hugo que fez isso comigo?
Sabrina— Foi sim, mas não se preocupe; ele já foi preso e vai pagar por tudo o que fez.
Fernanda— O que aconteceu? Como vim parar aqui? Só lembro de alguém me atacar e depois apaguei. O que houve depois?
Sabrina— Duas garotas viram o ataque, começaram a gritar por socorro e chamaram a polícia. Hugo se assustou e fugiu. As garotas ligaram para o SAMU e eles te trouxeram para cá. Vou te contar tudo com calma e todos os detalhes que eu sei, mas tenta descansar um pouco antes.
Fernanda— Há quanto tempo estou aqui?
Sabrina— Você chegou na madrugada de sexta, passou o sábado todo e hoje é domingo.
Fernanda— Então eu já descansei bastante. Pode me contar agora, se você puder.
Sabrina balançou a cabeça em reprovação, mas com um sorriso nos lábios, logo começou a me contar tudo o que sabia. Minha mãe voltou e se sentou ao lado dela. Sabrina explicou tudo e se desculpou algumas vezes; por ter me deixado sair como saí, por ter desligado o celular e demorado a vir me ver. Eu sentia que ela estava realmente arrependida. Disse a ela que estava tudo bem, que não tinha como adivinhar que aquilo iria acontecer e que nunca a culpária por nada. Minha mãe resolveu falar e me contou tudo o que passou desde o momento em que soube que eu estava no hospital. Ela falou de como foi difícil esperar notícias enquanto eu estava sendo operada e o quanto Sérgio ajudou em todo o processo.
Depois daquela conversa, me senti parte do mundo novamente. Agora sabia o que ocorreu enquanto eu dormia e tinha que agradecer a muitas pessoas por ter sido salva e bem cuidada. O dia passou, entre dores e visitas. Sofria muito quando tinha que ir ao banheiro ou tomar banho, mas minha mãe e Sabrina sempre estavam ao meu lado, prontas para me ajudar em tudo. A visita de uma enfermeira a cada hora já era natural para mim. A noite chegou e, graças a Deus, não tive dificuldades para dormir. Desconfio que havia algum sonífero na última seringa que a enfermeira aplicou no soro, porque logo em seguida que ela o aplicou, eu apaguei.
No dia seguinte, o ritmo continuou o mesmo: visitas de pessoas queridas, muitas dores e meus anjos da guarda ao meu lado a quase todo momento. Elas só saíam para eu receber visitas. Marina veio nos dois dias, e Diego também. Meu sogro, que ainda não sabia se era atual ou ex, não apareceu na segunda, mas avisou minhas amigas no trabalho, as duas foram liberadas para sair mais cedo e vieram me ver. Foi muito bom conversar com minhas amigas novamente; na verdade, todas as minhas visitas me deram força para enfrentar a batalha que apenas começara.
No início da noite de segunda, o médico apareceu e disse que na terça de manhã eu seria liberada para ir para casa. Não havia mais necessidade de eu continuar ali, mas era para eu seguir exatamente tudo o que ele passasse e tomar todos os remédios. Ou então eu voltaria para aquela cama e ele me prenderia ali por um bom tempo. Respondi que seguiria tudo à risca. Depois que ele saiu, joguei uma pergunta no ar para ver quem responderia.
Fernanda— Para onde vou ser levada amanhã quando sair daqui?
Sabrina não pensou duas vezes em responder.
Sabrina— Você vai para nosso apartamento. É mais perto do hospital, do centro da cidade, de farmácias, e sua mãe pode ficar lá o tempo que quiser. Mas se, por algum motivo, ela não puder, não tem problema, porque eu vou cuidar de você o tempo todo.
Fernanda— Nosso apartamento?
Sabrina— Sim, nosso! Você ainda não assinou os papéis do divórcio.
Ela falou aquilo sorrindo, e minha mãe começou a rir também. Infelizmente, eu também comecei a rir, algo que não durou muito por causa das dores que senti. Mas eu estava muito feliz, mesmo antes da piada. Não sabia se era de propósito ou puro costume, mas quando ela disse "nosso apartamento", isso foi muito significativo para mim. Eu tinha mais um motivo para ter esperanças na gente, e isso me deixou animada e ainda mais ansiosa para sair daquele hospital.
Continua..
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper