✧ A Última Barreira ✧
(Lucas)
Minha vigília era absoluta, um juramento silencioso forjado no fogo da culpa. O sono era um luxo que eu não me permitia mais. Enquanto Tiago se entregava ao esquecimento da noite, eu desmontava e limpava minha espada, cada peça polida até que o aço refletisse não a luz da fogueira, mas a escuridão dentro de mim. Enquanto ele comia, o som de seus dentes rasgando o pão era um ruído estranho em meu universo de silêncio, e eu afiava minhas facas até que o fio pudesse cortar um fio de cabelo ao meio. Durante seus treinos, eu não era um mentor, mas um predador estudando sua presa. Cada movimento desajeitado, cada grunhido de frustração, cada pulso errático de poder bruto que escapava dele era catalogado, dissecado e arquivado na fortaleza da minha mente. A obsessão era um gelo que ardia em minhas veias, uma penitência autoimposta que me mantinha funcional, um passo à frente do abismo.
Na oitava noite, enquanto o couro do punho da minha espada gemia sob a fricção do pano, um brilho pálido e doentio emanou de minha mochila. Era o pequeno espelho de obsidiana, um presente esquecido de tempos mais simples. Coloquei-o sobre uma rocha e sua superfície lisa e escura ondulou, não como a água de um lago, mas como a pele de uma criatura abissal se agitando. Do negrume emergiu o rosto enrugado e a barba como neve do Sábio Elur. Seus olhos, poços de estrelas onde galáxias nasciam e morriam, fixaram-se nos meus com uma urgência que atravessou a distância entre nós.
“Guardião”, a voz de Elur não soou no ar, mas floresceu diretamente em minha consciência, uma ressonância antiga que fazia meus ossos vibrarem. “A jornada cobra seu preço?” Seu olhar era perspicaz, vendo além da minha fachada de pedra.
Mantive o silêncio, uma fortaleza contra sua intrusão.
“O tempo é uma ampulheta se esvaindo”, continuou ele, sua voz mental ganhando um tom de aço. “Enquanto vocês caminham, Malakor tece sua teia sobre o mundo, suas peças avançando no tabuleiro com uma precisão profana. A reação já não é uma opção. Precisamos da adaga antes que ela encontre nossa garganta.”
Minha voz, quando finalmente a usei, era como pedra se arrastando em pedra. “Estamos a caminho do Santuário das Fontes Espelhadas.”
Um lampejo de alívio, ou talvez triunfo, brilhou nos olhos de Elur.
“Lá. É lá que o primeiro fragmento astral aguarda. Uma centelha do poder da Criação para armar o Escolhido contra a Sombra do Necromante.”
A imagem tremeluziu, o rosto se desfazendo como fumaça. Fui deixado com o reflexo do meu próprio rosto no espelho escuro — exausto, assombrado, e mais determinado do que nunca.
(Tiago)
Eu não dormia. Apenas fingia, com a respiração lenta e profunda, porque o sono verdadeiro me deixava vulnerável, não a monstros externos, mas à torrente de sentimentos que emanava de Lucas através do nosso Vínculo. Era como estar submerso em um rio gelado, sentindo a correnteza violenta sob a superfície calma. Ouvi cada palavra de Elur, não como som, mas como intenções e imagens impressas em minha mente. “Fragmento astral”. “Escolhido”. “Derrotar o Necromante”. Uma parte de mim, a criança assustada que ainda existia em algum lugar por dentro, agarrou-se a essas palavras como um náufrago a um pedaço de madeira. Finalmente, uma arma, uma esperança, uma luz no fim deste túnel infinito de medo.
Mas a reação de Lucas, sentida através do Vínculo, extinguiu essa pequena chama instantaneamente. Não havia alívio em sua alma. Não havia esperança. Apenas uma resolução de aço, fria, absoluta e terrivelmente familiar. A culpa que ele carregava não havia diminuído; pelo contrário, havia apodrecido e se transformado em algo mais denso, mais possessivo. Ele não me via como um aprendiz ou um companheiro. Eu era um fardo precioso, uma arma divina que precisava ser forjada e um tesouro frágil que deveria ser guardado a qualquer custo. Sua proteção era uma jaula, e eu sentia suas grades se apertando ao meu redor a cada dia.
Partimos antes que o primeiro raio de sol ousasse tocar o chão da floresta. O mundo ao nosso redor era um emaranhado de verdes e marrons, um dossel tão denso que sufocava a luz, transformando-a em feixes fantasmagóricos que dançavam sobre o húmus úmido. O silêncio entre nós era uma entidade viva, pesada e opressiva, preenchida apenas pelo farfalhar de folhas mortas sob nossas botas e pelo canto melancólico de um pássaro invisível. Lucas caminhava um passo atrás de mim, tão perto que eu podia sentir o calor que irradiava de seu corpo. Sua presença era uma pressão constante na minha nuca, um lembrete físico de sua vigilância implacável. Era uma sombra protetora que roubava meu ar, e a tensão se tornou tão insuportável que rezei para que um lobo, um goblin, qualquer coisa, saltasse em nosso caminho, apenas para quebrar essa quietude agonizante.
(Lucas)
A necessidade de me afastar era um ácido subindo pela minha garganta. Cada passo, cada respiração de Tiago à minha frente era uma tortura. O cheiro de seu suor, misturado ao cheiro de terra e de folhas, invadia meus sentidos. A visão de sua nuca exposta, a pele macia onde o cabelo escuro terminava, testava os limites da frágil gaiola de disciplina que eu havia construído ao redor dos meus instintos mais primais. Eram mais do que protetores; eram possessivos, predatórios. A besta dentro de mim queria marcá-lo como meu, envolvê-lo até que o mundo desaparecesse e só existisse ele. Parei, o movimento tão abrupto que Tiago tropeçou um passo à frente.
“Preciso…” A palavra saiu rouca, um som que não reconheci como meu.
As palavras certas não vinham. Preciso de ar. Preciso de distância antes que eu quebre. Em vez disso, apontei para um emaranhado de raízes e samambaias à beira da trilha.
“Fique aqui. Não se mova. Não saia da trilha.”
Meu tom não era um pedido, mas uma ordem forjada no desespero, carregada com o peso de tudo que havíamos perdido. Sem esperar por uma resposta, virei-me e mergulhei na mata, cada passo para longe dele esticando um fio invisível que ameaçava arrebentar e me arrastar de volta.
(Tiago)
Obedeci sem questionar. Eu me sentei em um tronco caído coberto de musgo, o alívio imediato me atingindo como uma onda. No instante em que Lucas desapareceu entre as árvores, foi como se eu pudesse respirar pela primeira vez em dias. O ar parecia mais leve, a luz mais quente, os sons da floresta menos ameaçadores. Mas a liberdade foi uma miragem, um fôlego roubado que durou apenas um piscar de olhos. Não houve aviso. Nenhum som de galhos se partindo, nenhuma sombra se movendo. Em um momento, a solidão era pacífica; no seguinte, era mortal.
Três homens materializaram-se do sub-bosque, surgindo das sombras como fungos venenosos após uma chuva. Eles fediam a suor velho, desespero e cerveja barata. Seus rostos, emoldurados por cabelos oleosos, estavam manchados de fuligem, e seus olhos brilhavam com a cobiça faminta de quem não tem nada a perder.
“Ora, ora, veja o que os deuses nos deram hoje”, um deles rosnou, o sorriso revelando dentes podres e gengivas escuras. “Um garotinho rechonchudo e macio, sozinho na grande floresta.”
Meu coração disparou, minha mão instintivamente procurando por um poder que demorava demais a vir. Antes que eu pudesse formar um único pensamento coerente, uma bota de couro sujo encontrou minhas costelas com uma força nauseante. O impacto me jogou de lado, batendo minha cabeça no chão e roubando todo o ar dos meus pulmões em um soluço mudo e doloroso.
(Lucas)
Eu estava voltando, a breve distância não tendo feito nada para acalmar a tempestade dentro de mim. O nó no meu estômago se apertava a cada passo que me aproximava do lugar onde o deixei. Foi então que o Vínculo gritou. Não foi um som, mas uma sensação — o impacto surdo e brutal de um golpe, seguido por uma explosão de dor e terror que me atravessou como uma lâmina em brasa. Era a dor dele, mas queimava em minhas próprias entranhas.
O mundo se transformou em um borrão verde e marrom enquanto eu corria, ignorando os galhos que açoitavam meu rosto e rasgavam minha pele. O que vi quando cheguei à clareira congelou meu coração por um instante e incendiou meu sangue no seguinte. Tiago, no chão, curvado, tossindo terra e saliva, enquanto um verme imundo o chutava nas costas. Vi a outra bota se erguer, mirando o rosto de Tiago. Aquela imagem — a iminência daquela profanação — quebrou a última e enferrujada corrente do meu autocontrole. O mundo não ficou vermelho. Ele se tornou vácuo.
A fúria que explodiu de mim não foi um feitiço aprendido em tomos antigos; foi um grito primordial de aniquilação pura. Não houve palavras arcanas, nem gestos complexos. Apenas a minha vontade, a minha raiva, a minha possessividade doentia se tornando uma onda de choque de energia rubro-negra que distorceu o próprio ar. Houve um som como o de um trovão seco e o estalar de mil ossos.
Os três homens se viraram, seus rostos contorcidos por uma fração de segundo de surpresa, que se transformou em terror abjeto ao verem a realidade se desfazendo ao meu redor. Mas era tarde demais. A onda os atingiu, e seus gritos foram engolidos antes mesmo de começarem, substituídos pelo som úmido e nauseante de carne e osso sendo desintegrados sob uma força que não pertencia a este mundo. Onde eles estavam, agora restavam apenas três manchas de cinzas negras fumegantes no chão da floresta e o cheiro acre de ozônio e carne queimada.
(Tiago)
A dor agonizante em minhas costelas foi obliterada pelo choque absoluto e pelo horror puro. O silêncio que se seguiu ao massacre foi mais ensurdecedor do que qualquer grito. Com o corpo todo tremendo, apoiei-me no tronco e me forcei a ficar de pé. E então eu o vi. Lucas estava parado na borda da clareira, seu corpo inteiro tremendo em espasmos violentos, os punhos cerrados com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. Fios de fumaça negra, os restos daquela magia profana, se dissipavam lentamente ao seu redor como almas atormentadas. Seus olhos não estavam em mim. Estavam fixos nos restos carbonizados no chão, selvagens, dilatados, as pupilas engolindo quase toda a íris.
Era ele. O monstro que me assombrava em pesadelos, a sombra que me violou e quebrou minha vida. Estava ali, bem na minha frente, em toda a sua terrível glória. Mas desta vez, ele não havia me machucado. Ele havia me salvado. O demônio da minha memória e o anjo vingador da minha salvação eram a mesma pessoa. Essa verdade se chocou dentro da minha cabeça com a força de um maremoto, me deixando tonto, sem fôlego, sem saber se deveria correr dele ou correr para ele.
(Lucas)
Os tremores não paravam. Eu falhei. A primeira vez em semanas que desviei o olhar, a primeira vez que cedi à minha própria fraqueza, e ele foi ferido. Por minha causa. Minha negligência imperdoável. O cheiro de morte, um odor que eu conhecia tão intimamente, enchia meus pulmões e me sufocava. Meus pés se moveram por conta própria, atravessando a distância entre nós em passos cambaleantes e incertos.
Eu o alcancei. Ignorei a poeira, a sujeira, o filete de sangue que escorria do canto de seu lábio. Caí de joelhos diante dele, um cavaleiro quebrando seu juramento. Meus braços o envolveram com a força de correntes de ferro, puxando-o contra meu peito com uma urgência desesperada que roubou o fôlego de nós dois. Enterrei meu rosto na curva de seu ombro, inalando seu cheiro — suor, medo, ele — como se fosse o único ar que restava no mundo, sentindo o tambor frenético de seu coração contra o meu peito. Não foi um abraço de conforto. Foi um ato de posse. Uma marcação.
“Nunca mais”, sussurrei contra sua pele, a voz quebrada pela fúria, pelo medo e por uma autodepreciação avassaladora. “Eu nunca mais vou te deixar sozinho.”
Ele era meu para proteger. Meu para quebrar. Meu. E eu queimaria o mundo até as cinzas antes de permitir que outra pessoa o tocasse novamente.
Continua…