Angela é assistente social de vocação. O coração mole dela não resiste a um caso de desamparo. Por isso, quando o jovem militante Luís — desalojado “pela opressão do sistema”, como ele dizia — bateu na porta da secretaria, ela se contorceu ao ver que não havia mais vagas nos abrigos.
— Então o que faço, dona? Durmo na praça como símbolo da luta? — disse ele, levantando o punho com teatralidade.
A funcionária mordeu os lábios, dividida. No fim da tarde, tomou uma decisão ousada:
— Olhe, pode ficar lá em casa… só até eu arrumar um abrigo.
Quando contou ao marido, o empresário Augusto, ele quase engasgou com o uísque.
— Ah, maravilha! A esquerda radical agora vem com pernoite incluído. Vai querer também café da manhã “sem exploração do trabalhador”?
Angela revirou os olhos.
— Não seja grosseiro, Augusto. É só solidariedade.
Mas o marido, de direita até a medula, fazia questão de zombar:
— Claro, claro. Solidariedade… hoje é cama e comida. Amanhã vai ser o quê, minha flor? Curso de Marx no travesseiro?
Luís, instalado no quartinho dos fundos, ouvia tudo com um sorriso maroto. À noite, apareceu na sala sem camisa, alegando calor. Angela tentou manter a compostura, mas percebeu os músculos definidos — fruto, segundo ele, “da luta nas ruas e dos comícios intermináveis”.
Augusto soltou uma risada seca:
— Está vendo, querida? O socialismo realmente gosta de andar sem camisa… para mostrar que não tem onde guardar a carteira.
Angela riu sem graça, mas dentro de si sentiu algo diferente: uma centelha perigosa. Nos dias seguintes, a tensão cresceu. Luís recitava poemas revolucionários enquanto ajudava a lavar a louça; A milf corava. Augusto, cada vez mais irônico, servia vinho à esposa e dizia:
— Beba, amor, que você vai precisar de forças para redistribuir tanto… afeto.
E foi assim que, entre sarcasmos, utopias e pratos de arroz e feijão, Dona Angela percebeu que talvez estivesse oferecendo mais do que casa e comida ao seu “amparado”. Afinal, como ela mesma murmurou certa noite, sozinha no quarto:
— Às vezes, a verdadeira revolução começa em casa.
Na manhã seguinte, Augusto saiu cedo para uma reunião. Angela aproveitou para preparar o café — e encontrou Luís já sentado à mesa, descalço, folheando um jornal.
— Bom dia, companheira — disse ele, piscando. — Dormi como um revolucionário em paz, pela primeira vez em meses.
Angela quase deixou o café transbordar da cafeteira.
— Que bom… fico feliz que esteja confortável.
Luís sorriu, apoiando o queixo nas mãos:
— Não é só conforto. É… acolhimento. Algo que o sistema nunca me deu.
Angela ficou vermelha, e para disfarçar, empurrou o prato de pão na direção dele.
— Coma, senão a revolução morre de fome.
Ele deu uma gargalhada.
À noite, Augusto voltou da empresa com um humor debochado. Encontrou Angela e Luís sentados no sofá, assistindo a um filme antigo. Entre a saia dela e a bermuda do cara, achou que não passaria uma folha de papel.
— Olha só… já temos até cineclube socialista aqui em casa. Vai rolar debate depois?
Luís respondeu com calma:
— Claro. Você pode trazer o ponto de vista burguês, eu trago o proletário… e a Angela media.
A esposa tossiu, tentando mudar de assunto. Mas Augusto apenas sorriu de canto:
— Perfeito. Só cuidado, meu amor, que mediação às vezes vira… adesão.
O clima ficou denso. Mais tarde, quando Augusto subiu para dormir, Angela foi recolher as xícaras da sala. Luís se aproximou por trás, a voz baixa:
— Ele ironiza, mas… você me olha de um jeito que não é só piedade.
Angela tremeu.
— Luís, não… eu sou casada.
Ele apenas inclinou-se e sussurrou:
— Mas está livre..., não está?
Angela ficou em silêncio. A respiração dela era a única resposta. Na arcada de Luis, aquela roçadinha de lábios podia ser considerada um semi-selinho.
Naquela noite, deitada ao lado do marido ressonando, Angela se perguntava: “Será que já cruzei a linha entre assistência e… atração?”.
Enquanto isso, do quartinho dos fundos, Luís cantarolava baixinho uma canção de luta. Só que, estranhamente, soava mais como uma serenata.
Nos dias seguintes, Angela começou a notar que se arrumava mais do que o habitual antes de servir o jantar. Uma gota de perfume a mais, um batom “só porque sim”. Augusto, claro, não deixou passar.
— Hum… minha esposa anda vaidosa. Deve ser para impressionar o novo hóspede do “programa Minha Casa, Minha Cama”… digo, Minha Vida.
Angela fingiu rir, mas a bochecha corou. Luís, sentado à mesa, respondeu apenas com um sorriso discreto.
Certa tarde, quando Augusto estava fora, Angela foi estender roupa no quintal. Luís apareceu, oferecendo ajuda. Ao pendurar os lençóis, suas mãos se tocaram por acaso. Angela retirou rápido, mas o olhar demorou.
— Não precisa ter medo — murmurou ele. — O medo é a prisão que a sociedade constrói.
Ela suspirou, rindo nervosa:
— Você é impossível, Luís.
Mas, dessa vez, não se afastou tanto.
Naquela noite, enquanto guardava a louça, Luís se aproximou outra vez. Pôs a mão sobre a dela, firme mas suave. Angela não recuou. Apenas disse baixinho:
— Se meu marido descer agora…
— Então que desça — respondeu ele, quase provocando. — A revolução não pede licença.
O coração dela disparou. Não aconteceu nada além de um olhar profundo, mas foi o suficiente: Angela subiu para o quarto, sentindo que carregava um segredo no corpo inteiro.
Augusto, já deitado, perguntou:
— E aí, amor, como está o nosso hóspede? Não está dando muito trabalho, não?
Angela hesitou.
— Ele… ajuda bastante.
O marido sorriu de lado, fechando os olhos:
— Imagino. Imagino sim…
Angela virou-se na cama, sem conseguir dormir. Lá fora, o vento batia nos lençóis recém-pendurados. E, pela primeira vez, ela não tinha certeza se queria resistir ao que estava prestes a acontecer.
As noites seguintes foram um jogo silencioso. Passava pela sala e fingia não ver Luís deitado no sofá, com o livro aberto e o peito à mostra. Ele fingia não notar o olhar que ela desviava rápido demais.
Augusto, cada vez mais irônico, fazia questão de atiçar a chama sem perceber o tamanho dela.
— Angela, minha querida, você anda radiante… Será efeito colateral da presença do “camarada”? Não se esqueça que essa revolução cobra impostos altíssimos: suor, calor e… lençol limpo.
Angela, corada, limitava-se a resmungar. Mas dentro dela já não havia mais só solidariedade.
Numa noite abafada, Augusto viajou a trabalho. A casa ficou em silêncio. Angela, insone, desceu para beber água — e encontrou Luís na cozinha, sem camisa, preparando chá.
— Também não consegue dormir? — ele perguntou, servindo a xícara.
Angela pegou, tremendo levemente.
— O calor… e os pensamentos.
Luís se aproximou.
— Pensamentos… ou desejos?
Ela tentou rir, mas o som morreu na garganta. Ele encostou a mão em sua cintura, devagar, deixando tempo para que ela recuasse. Não recuou.
— Luís… isso é errado.
— Não — sussurrou ele. — Errado é negar o que já acontece dentro de você.
Angela fechou os olhos, rendida. O beijo veio como se fosse inevitável, e com ele, a queda de todas as barreiras que ainda restavam.
A madrugada foi deles. Não houve discurso político, nem ironia burguesa, nem lição de moral. Só lençóis amassados e risos abafados.
No quarto vazio do casal, o travesseiro de Augusto guardava o silêncio cúmplice de quem talvez já soubesse, desde o início, que a tal “solidariedade” da esposa acabaria… na cama.
Na manhã seguinte, Angela ajoelhada em frente a ele, acariciava a pica, 1,5 vezes o tamhanho da do marido. Passou para a boca, e sentiu: “Quanto a esse amante, dá pra se chupar até o cu, sem aquela sensura de marido mauricinho!”.
Dois dias depois, Augusto voltou da viagem. Encontrou a casa arrumada, Clara sorridente demais e Luís no quintal, regando as plantas como se fosse dono do jardim.
O empresário ergueu a sobrancelha.
— Muito bem… vejo que o “programa social” corre às mil maravilhas. O hóspede está até cuidando da horta! Daqui a pouco monta sindicato dos tomates.
Angela riu nervosa, corando. Luís apenas acenou, fingindo distração.
À noite, na cama, Augusto se aproximou da esposa e sussurrou no ouvido dela, com aquele sarcasmo costumeiro:
— Sabe, amor… eu disse que sua solidariedade ia acabar em casa e comida. Pois bem… acho que acabou em sobremesa.
Angela congelou, e seria a hora de contar sobre a partilha?
— O que você quer dizer com isso?
Augusto sorriu no escuro.
— Nada. Só que eu sempre admirei seu coração generoso. Tão generoso… que às vezes esquece as fronteiras.
Ele virou para o lado e dormiu, como se não quisesse ouvir. Angela ficou desperta, sem saber se o marido sabia de tudo — ou se apenas gostava de brincar com o fogo.
No quartinho dos fundos, Luís cantarolava outra vez. Mas agora, Angela tinha certeza: a revolução, ao menos em sua vida íntima, já estava consumada.