Júnior desabou no chão frio do quarto, o corpo moído pelas surras, pelas humilhações e pelo cansaço que se acumulava em cada célula. A meia suada de Gabriel, agora seu travesseiro improvisado, era um paradoxo pungente. Fedorenta, úmida, um símbolo da mais abjeta das submissões, e ainda assim, a ele parecia um objeto de veneração, um elo tangível com seu Mestre. O cheiro de suor, de pele, da virilidade de Gabriel impregnava o tecido, invadindo suas narinas e, de alguma forma perversa, acalmando o turbilhão de pensamentos que lhe massacrava a mente.
Ele sentiu o corpo protestar. Cada músculo parecia estalar em um lamento silencioso. A virilha ainda latejava, um eco da dor das tacadas de sinuca, e a coxa carregava o rastro dos chutes. Seu rosto, tumefato, pulsava com as lembranças dos tapas, cada um deles uma rubrica dolorosa de sua nova identidade. A pele queimada do sol em sua nuca e ombros ardia, uma fogueira lenta que o consumia. Mas a dor física, por mais intensa que fosse, era apenas um ruído de fundo comparada à magnitude da anulação de seu ser.
Júnior sabia que não podia dormir. A ordem de Gabriel ecoava em sua mente, fria e irrefutável: "Não se atreva a dormir até que eu durma. E se eu acordar no meio da noite e você não estiver acordado, você vai se arrepender. Fique de guarda. Você é meu cão de guarda pessoal esta noite." O peso daquela responsabilidade, a ânsia de não falhar, era um chicote invisível que o impedia de ceder ao torpor.
Ele fixou os olhos na silhueta de Gabriel, deitado na cama, sob os lençóis que um dia foram seus. O Mestre, sereno em seu sono, exalava uma aura de poder inquestionável, mesmo na inconsciência. Júnior observava as costas largas, a respiração profunda e rítmica. Cada inalação e exalação de Gabriel era um lembrete da tranquilidade que seu Mestre desfrutava, uma paz que Júnior, por sua vez, havia abdicado em troca de um propósito maior: servi-lo.
O tempo começou a se arrastar. Minutos se transformavam em horas, e cada segundo parecia uma eternidade. A escuridão do quarto era quase total, quebrada apenas pela fresta de luz que vinha da cortina mal fechada, projetando uma linha prateada no tapete. O silêncio era profundo, pontuado apenas pelo farfalhar das árvores lá fora, o canto noturno de algum grilo solitário e, claro, a respiração constante de Gabriel.
A fome. Ah, a fome. Ela roía suas entranhas, uma queimação constante que se recusava a ser ignorada. Ele não comia desde o café da manhã, muitas horas atrás, e as visões da picanha suculenta e das batatas rústicas do almoço na praça de alimentação o assombravam. A sede também se fazia sentir, a garganta seca, a boca pastosa. A ideia de esticar a mão para pegar um copo d'água no criado-mudo de Gabriel era um tormento. Ele não tinha permissão. Não para beber, não para se mover, não para existir senão como um ponto de vigilância inerte.
A mente de Júnior começou a divagar, tecendo e destecendo os eventos do dia. A chegada de Gabriel, os pés descalços, a terra. O beijo. O shopping, os tapas no rosto, a dor em sua coxa. O banheiro, o mictório, o gosto salgado e químico em sua língua. As risadas dos amigos de Gabriel, a humilhação pública, o jogo de busca com a bola de tênis, as tacadas de bilhar em sua virilha. Aquele dia fora uma cascata de degradação, um mergulho cada vez mais profundo na anulação de seu eu. E, no entanto, em meio a todo aquele sofrimento, havia uma estranha euforia, uma libertação perversa.
"Eu sou um homem. Um empresário bem-sucedido. Casado. Um pilar de seriedade", ele pensava, a ironia mordendo-o por dentro. A vida que ele construíra com tanto esmero, a fachada de controle e responsabilidade, tudo se esvaíra sob o olhar penetrante de Gabriel. "Mas essa vida... ela me sufocava. O peso de ser sempre o homem no comando. Aquele que decide, que provê, que nunca falha. Era um fardo pesado demais para carregar."
E Gabriel... Gabriel era a antítese de tudo isso. Ele era o puro comando, a força bruta, a anulação da vontade alheia. E ao se submeter, ao se anular diante de tal poder, Júnior encontrava uma estranha, quase sagrada, paz. Não precisar decidir, não precisar pensar, apenas obedecer. Ser um objeto. Uma ferramenta. Uma cadela. Era a sua mais profunda verdade, o desejo que ele escondera de si mesmo por anos, agora exposto e abraçado na figura imponente de seu Mestre.
O relógio digital no criado-mudo de Gabriel brilhava com uma luz fraca, as horas mudando com uma lentidão insuportável. 2:17 AM. 3:05 AM. 4:30 AM. Cada transição numérica era um lembrete da noite que se recusava a acabar. O frio começava a se infiltrar pelos ossos de Júnior. A grama, o suor, a água do banho derramada em sua cabeça, tudo contribuía para uma sensação úmida e gélida que o fazia tiritar. Ele queria se encolher, se cobrir, buscar calor. Mas Gabriel estava ali. E a ordem era clara.
Ele ouviu Gabriel se mexer na cama. Um som suave dos lençóis. Júnior endureceu, seus sentidos em alerta máximo. Os olhos se arregalaram no escuro, o coração batendo forte no peito. Era agora? Seria um teste? Mas o movimento cessou, e Gabriel voltou à sua respiração rítmica e pesada. Um suspiro silencioso de alívio escapou dos lábios de Júnior. A tensão, porém, não diminuiu. Cada ruído, cada sombra, cada virada na cama de Gabriel era um gatilho para sua ansiedade.
A meia sob sua cabeça começou a parecer mais do que um travesseiro. Era uma âncora, um ponto de contato com a essência de Gabriel. Ele inalava o cheiro, quase como uma prece, uma forma de manter-se conectado, de justificar sua vigília. Aquele objeto imundo, desprezado por qualquer um, era seu tesouro, a prova de sua aceitação na hierarquia do Mestre.
Conforme a noite avançava para a madrugada, Júnior sentiu o corpo ceder. Os músculos tremiam involuntariamente. As pálpebras pesavam como chumbo. Ele lutou contra o sono com todas as suas forças, mordendo a parte interna da bochecha, cravando as unhas nas palmas das mãos, fazendo pequenos movimentos quase imperceptíveis para manter o sangue circulando. Ele não podia falhar. Não depois de tudo. Não quando estava tão perto de provar sua devoção absoluta.
A chácara, outrora um refúgio, tornou-se sua cela pessoal. As paredes do quarto pareciam se fechar, a escuridão pesava. Ele era um cão de guarda, sim, mas um cão de guarda que ansiava por ser reconhecido, por um mínimo aceno de aprovação de seu Dono.
Finalmente, um tom azulado pálido começou a surgir na fresta da cortina. O amanhecer. A noite de vigilância estava chegando ao fim. Um misto de exaustão e uma estranha antecipação preencheu Júnior. Ele havia resistido. Havia cumprido sua ordem.
Com o sol nascendo, os primeiros raios de luz começaram a invadir o quarto, dissipando as sombras. Gabriel se mexeu na cama, um grunhido preguiçoso escapando de seus lábios. Seus olhos se abriram lentamente, piscando contra a luz. O primeiro foco de sua visão foi a silhueta encolhida e imóvel de Júnior no chão, um lembrete silencioso da sua total e inabalável posse. Um sorriso de triunfo e satisfação se espalhou por seu rosto.