Acordo no dia seguinte e o peso da culpa do que aconteceu no dia anterior pairava sobre minha cabeça e eu ainda não tinha assimilado como eu pude ter me entregado tão fácil para alguém, ainda mais daquela forma. Eu mal tinha conseguido dormir, fiquei pensando em como eu tinha sido uma babaca, mas também, fiquei pensando no quanto meu casamento também não era feliz.
Eu estava sentindo o conflito no mais profundo do meu coração. Se por um lado eu amava meu marido, por outro eu sentia que esta casa, este mundo não era para mim. Eu não podia negar que as lembranças do passado, e principalmente meus gostos pessoais estavam falando muito mais alto do que a minha razão, e isto é algo que não conseguimos lutar.
Eu estava ali acordada ainda na cama enquanto eu olhava o retrato do dia do casamento com Cristian. E eu me lembrava dessa data com carinho mas ao mesmo tempo com tristeza, pois naquela época ainda tinha esperanças de que nós não iríamos mudar, mas infelizmente a vida cobrou um preço muito caro tirando todos os nossos sonhos em prol de um futuro melhor ao qual eu não pedi.
Eu gostava do conforto, mas isso não era o suficiente para mim. Às vezes me questiono se fiz bem em largar a minha profissão como professora para cuidar da casa. Talvez, se eu tivesse tido algumas outras escolhas na vida, eu tivesse abandonado alguns pensamentos aos quais nunca pensei em abrir mão de abandonar.
O que eu sabia é que, não foi exatamente o Bruno que me atraiu. Mas sim o que ele representava.
De repente, ainda na cama, ouço a campainha tocar, e me levantei. O coração disparou. Levantei da cama ainda zonza, com o corpo pesado do choro da noite anterior. Arrastei os pés até a porta, levando comigo o retrato do dia do nosso casamento, colocando no cantinho da sala, e quando olhei pelo olho mágico, senti o chão sumir: era ele.
Bruno.
— Vai embora, Bruno! — falei com a voz embargada, sem abrir a porta.
— Não vou não. Eu disse que vinha, e aqui estou. Abre, Camila.
Fechei os olhos com força. Eu deveria ignorar, mas minhas mãos, trêmulas, destravaram a fechadura. A porta se abriu e, antes que eu pudesse dizer algo, ele deu um passo à frente.
Levantei a mão e acertei um tapa na cara dele.
— Some daqui!
Ele levou a mão ao rosto, surpreso por um segundo, mas depois abriu aquele sorriso debochado que me deixava ainda mais nervosa.
— Eu adoro uma mulher brava.
Deu mais um passo. Aquela presença e intimidação, me encurralaram, e nada podia fazer para manda-lo embora.
— Não, Bruno... — tentei afastar o corpo, mas ele não ouviu.
Ele me beijou de novo, com aquela intensidade que me bagunçava por dentro. Eu tentei resistir, mas minhas mãos já seguravam seus ombros, e quando percebi, estava correspondendo.
— Jade vai chegar... — murmurei, ofegante, tentando recuperar a razão. — Não quero que ela nos veja aqui.
— Então a gente tem que ser rápido — ele sussurrou, com os olhos queimando os meus. — Porque eu te quero agora.
— Mas eu não quero mais. — Falei
Bruno então, de maneira atrevida, se aproximou de mim, e sem pedir licença, aproximou seus lábios de minha orelha. E começou a cantar, bem baixinho, “I Don’t Want to Miss a Thing” – Aerosmith.
— Não faça isso... Por favor.
Ter ouvido o Bruno cantar em meu ouvido uma de minhas músicas preferidas mexeu completamente, ele então pegou minha cintura e me prendeu e naquele momento eu não tive mais como escapar.
— Para de pensar demais, Camila. Só curte.
— Mas... Eu não posso.
— Então larga esse casamento sem futuro e fica comigo. Me ame como se fosse seu.
— Isso é um absurdo.. — Disse, encarando Bruno, enquanto ele veio até mim, e me beijou. Calando-me, completamente, enquanto tratava de evidenciar a posse momentânea que ele tinha sobre mim. Somente me rendi, comecei então a beijar sua boca enquanto ele foi levantando baixando a minha calça moletom. Ele baixou ao ponto que estava sem calcinha, e começou a passear os seus dedos ali. Sua boca estava ali beijando a minha até que ele desviou e começou a percorrer os seus lábios e meu pescoço passando então a chupar lentamente a minha pele, enquanto sua língua passeava sobre meu pescoço.
— Arf... Ah, para, Bruno, por favor. Não quero mais... Isso...
Gemidos meus eram arrancados eu mordi meu próprio lábio enquanto avancei as minhas mãos para pegar com vontade na bunda dele. Era um jogo de sedução que ambos estavam ali se aproveitando, nenhum dos dois queria parar.
— Eu... Desisto... — disse.
— Isso... — Ele respondia, enquanto tratava de colocar suas mãos e o peso do controle sobre mim.
Continuava sentindo a boca dele chupando a minha pele é percorrendo mais abaixo, até que ele começa a chupar meu ombro e percorrer os lábios ali. A calcinha já estava de lado enquanto os dedos dele estavam ali brincando com a minha bunda, até que ele me virou e me fez ficar de costas ali na parede.
— O... O-o que vai fazer?
— Você sabe...
Foi então que de forma atrevida ele avança e abre bem as minhas pernas e começa então a me chupar. Ele então começa a lamber a minha bucetinha, sua língua percorria os meus lábios enquanto podia sentir a língua quente se deslizando de um lado para o outro.
— Ah, para! Isso....
Bruno pegava minha bunda com força, lambendo a bucetinha e afundando a cara entre as minhas nádegas até que ele se levantou. Foi a frouxando o seu cinto e colocando o pau para fora, começou a esfregar a pica entre as nádegas de minha bunda enquanto dizia:
— Camila, você é maravilhosa. Eu não penso mais na Jade, eu não consigo esquecer você. Largue seu marido, fique comigo.
— Você é louco, bruno...
Disse, negando qualquer investida, porém me rendendo, e isso era bem evidente quando eu fiquei esfregando a bunda na sua pica, praticamente rendida enquanto as minhas mãos se apoiavam na parede. Deixei então as mãos apoiadas enquanto ele foi colocando o pau, logo começando a meter na minha bucetinha.
— Oh, caralho! Que delícia de buceta! — Ele então puxava meu cabelo e começava a meter, comendo com força e eu estava completamente rendida. A respiração ofegante, a voz falha, não queria pensar em mais nada.
— Ah, isso... Ahhh!
Em um momento de êxtase, tudo tinha mudado, quando um fator especial aconteceu: eu abri os meus olhos e acabei vendo ali, na mesinha da sala a foto do meu casamento. A mesma foto da manhã. Ali estava eu e Cristian, e foi então que o sentimento de remorso tomava conta do meu corpo enquanto eu era devidamente arrombada na buceta.
Em um movimento brusco eu contraí minha bunda tirando o pau dele da minha buceta. Olhei para ele e disse que não queria mais. Eu comecei a voltar a me recompor, subindo a calcinha, e ajeitando a roupa abarrotada.
— Como assim, caralho? Vai me deixar na merda aqui?
E, de repente, a campainha tocou.
Meu coração parou.
— Meu Deus... é a Jade! — empurrei Bruno, quase sem fôlego. — Vai embora, agora!
Ele ajeitou a camisa depressa, o sorriso ainda colado no rosto, como se estivesse se divertindo com meu desespero.
— Eu dou um jeito. Fica escondido ai. — Eu disse.
— Você sabe que eu não me importo. Ele falava, ainda pelado na sala. Mas eu o empurrei pra cozinha.
— Vai logo! — E ele foi.
Corri até a porta e, antes de abrir, sussurrei para ele:
— Vou levar ela pro quarto. Quando a gente entrar lá, você sai.
Ele assentiu com um gesto rápido, e eu respirei fundo antes de abrir a porta para Jade.
— Oi, amiga... entra, eu estava te esperando.
Enquanto Jade sorria para mim, eu só conseguia pensar na sombra de Bruno ainda escondida dentro da minha casa.
Levei Jade pela mão até o quarto, sorrindo como se nada estivesse acontecendo, mas por dentro minhas pernas tremiam.
— Senta aqui na cama, amiga, já trago um café pra gente.
Ela se ajeitou, animada, enquanto eu ia até a cozinha. Vi Bruno atravessar a sala devagar, esgueirando-se até a porta.
Meu coração parecia querer sair pela boca. Mordi o lábio para não deixar escapar nenhum som. Jade, distraída estava lá no quarto aguardando o café que tinha prometido. Subi e fiz sala a ela, e assim, suspirei por tudo ter dado certo.
Quando ouvi o estalo da porta se fechando, senti um alívio que quase me fez desabar. Respirei fundo, engoli seco, e voltei o olhar para minha amiga, forçando um sorriso.
Jade me olhava com aqueles olhos claros, cheios de cuidado, e eu me sentia cada vez menor diante dela. Era como se, pela primeira vez em muito tempo, alguém tivesse de fato disposto a me ouvir, sem julgamentos. Quando ela segurou minhas mãos, eu não consegui me segurar mais.
— Eu… eu só faço as coisas erradas, Jade… — murmurei, sentindo a garganta embargar.
Ela me puxou para perto e eu me desfiz num choro que parecia estar preso há semanas. O abraço dela era apertado, firme, como se estivesse segurando os pedaços de mim que estavam se quebrando.
— Erradas como? — ela perguntou baixinho, me afastando só o suficiente para olhar nos meus olhos.
Suspirei fundo, enxugando as lágrimas com as costas da mão. — Eu sinto que meu casamento acabou… — confessei quase sem voz.
— Como assim, Camila? — a expressão dela era de choque, mas também de preocupação sincera.
— Eu me apaixonei por um Cristian que não existe mais. — Olhei para o chão, como se fosse mais fácil falar sem encarar. — Antes, ele era livre, desapegado de coisas materiais. O que importava era a gente, o amor, a cumplicidade… Hoje ele só pensa em dinheiro, em trabalho, em conforto. Na cama, sim, ele me satisfaz, mas… falta tudo o resto. Falta olhar para mim como antes.
Jade segurou mais firme minhas mãos, tentando me trazer de volta pra realidade.
— E você já falou isso pra ele?
Assenti devagar. — Já… mais de uma vez. Mas, em todas elas, ele me chama de imatura. Diz que eu preciso crescer, que isso é só fase.
A dor na minha voz ecoou pelo silêncio que ficou entre nós. Jade respirou fundo, como se buscasse as palavras certas.
— Camila… e do que exatamente você sente falta?
Mordi o lábio, insegura, mas a verdade escapou. — Eu sinto falta de alguém que viva a vida comigo. Que não esteja só preocupado com contas, com aparência, com status… Sinto falta do Cristian que me fazia rir sem motivo, que sonhava comigo, que acreditava em amor mais do que em qualquer outra coisa.
Meus olhos voltaram a se encher de lágrimas, e Jade apenas me abraçou de novo.
Jade me fitou com uma expressão que me deixava desconfortável.
— Camila, me fala a verdade… é só isso que te incomoda? — perguntou firme. — Porque você já deixou claro que não é apenas isso.
Senti meu corpo gelar. A respiração ficou curta, como se eu estivesse prestes a sufocar. E então, antes que pudesse me segurar, as palavras escaparam.
— Eu… eu traí o Cristian.
Assim que disse, um silêncio pesado tomou conta do quarto. Jade arregalou os olhos, levou as mãos à boca como se não acreditasse no que tinha acabado de ouvir. Eu baixei a cabeça, incapaz de encarar o choque estampado no rosto dela.
— Eu não aguento mais… — minha voz falhava, entrecortada pelo choro. — Não era pra ser assim, eu nunca quis chegar a esse ponto. Eu preciso dar um jeito nisso, preciso acabar com essa bagunça que eu mesma criei.
Levantei os olhos na tentativa de encontrar apoio, mas Jade se levantou de repente. A expressão na face dela foi algo difícil de se encarar, como se eu tivesse cometido um crime. Ela então, em fúria, disparou:
— Vagabunda! — ela gritou, com os olhos marejados, mas cheios de raiva. — Como você teve coragem de fazer isso com o Cristian? Como? Você é uma falsa, Camila! Eu não pensei que eu tinha uma amiga adúltera!
Fiquei paralisada, sem acreditar no que estava acontecendo. Nunca, em todos os anos de amizade, Jade havia me olhado com tanto desprezo.
— Jade, o que foi? Você ta agressiva assim comigo, por que? — Perguntei.
— Eu não faço amizade com mulheres adúlteras. — A voz dela foi cortante, como uma lâmina.
Ela pegou suas coisas às pressas, ignorando meu chamado.
— Não vem atrás de mim, Camila. Argh, que nojo!
— Jade, espera! — tentei me levantar, correr atrás, mas ela já tinha aberto a porta e desaparecido.
O silêncio que ficou foi ainda mais cruel. Eu me sentei no sofá, sentindo doer todo o vazio e abandono que tive no restante daquela tarde. Eu não sabia mais o que fazer. Eu me desesperei.
Meu corpo inteiro tremia. O peso da solidão caiu sobre os meus ombros de uma vez só. Nem Jade, nem Cristian. Ninguém parecia estar do meu lado. E o que mais me assustava era o fato de Cristian sequer ter ligado ou mandado uma mensagem o dia inteiro. Era como se eu tivesse me tornado invisível para ele.
Um turbilhão de sensações me engolia: culpa, raiva, medo, desejo, arrependimento. Tudo junto, sem espaço para respirar. Eu estava sozinha, completamente sozinha.
Peguei o telefone como quem pega um bote em alto-mar, desesperada para não afundar. Disquei o número da minha mãe com os dedos trêmulos, e quando a voz dela surgiu do outro lado, senti uma onda de alívio que quase me fez chorar na mesma hora.
— Mãe... eu... eu acho que vou passar uns dias com você.
Houve um breve silêncio antes de ela responder, como se tentasse decifrar meu tom.
— Camila, minha filha... você brigou com o Cristian?
Fechei os olhos, sentindo a garganta arder.
— Eu... explico melhor quando chegar aí, pode ser?
— Claro que pode, meu amor. Você sabe que essa casa é sua também. Vem quando quiser.
Ela não perguntou mais nada, e esse cuidado só me doeu ainda mais. Desliguei o telefone e comecei a arrumar minhas coisas, colocando roupas às pressas dentro da mala, cada peça me lembrando de um momento diferente: viagens, risadas, noites a dois. Deixei um bilhete para o Cristian em cima da mesa. Nada muito elaborado, só um recado frio e direto: “Fui para a casa da minha mãe. Precisamos conversar quando eu voltar.”
Na manhã seguinte, acordei sem qualquer mensagem dele. Nenhuma ligação. Quando olhei o celular, vi apenas as quatro chamadas de Jade. Não tive coragem de atender nenhuma. Fiquei reclusa no meu antigo quarto na casa da minha mãe, um lugar congelado no tempo.
As paredes ainda guardavam pôsteres das minhas bandas favoritas, havia um do Iron Maiden que eu tinha ganho numa promoção de rádio anos atrás. Em cima da prateleira, o pequeno toca-CD que recebi de aniversário ainda funcionava. Coloquei um disco velho para rodar, e por alguns instantes, fui arrastada de volta à adolescente que sonhava com o amor como se fosse uma música eterna.
Havia também caixas com presentes do Cristian, alguns cartões antigos. Peguei um deles, reli a letra apressada, e senti um nó no estômago. Onde foi parar aquele homem que dizia que não precisava de nada além de nós dois? Agora, só falava de comissões, imóveis, status.
Passei o dia nesse conflito, remoendo, até que de noite decidi fazer algo insensato. Peguei o carro e fui até a casa do Bruno.
Apertei a campainha, e quando ele abriu, vi-o sem camisa, suado, o cabelo bagunçado, e um odor que me dava nauseas.
— Fala, gata. Tudo bem? Então, agora tô meio ocupado, pode esperar que depois eu te procuro, beleza? — disse ele, encostando o braço no batente, não abrindo espaço para eu entrar.
— Eu... só queria dizer uma coisa. Não me procura mais.
Ele sorriu de lado, aquele sorriso debochado que me irritava.
— Beleza, gatinha. Falou.
E fechou a porta sem mais nada.
Fiquei parada ali, olhando para a madeira da porta fechada, sentindo meu rosto esquentar de vergonha e raiva. Entrei no carro quase sem enxergar direito, com os olhos cheios de lágrimas.
No dia seguinte, o celular finalmente tocou com o nome do Cristian. Atendi num impulso, o coração disparado.
— Cristian? — Perguntei. — O que aconteceu, por que você... Não me procurou?
— Camila, desculpa... eu não vou conseguir voltar hoje. Vou precisar de mais dois dias.
Respirei fundo, tentando não implorar por atenção.
— Cristian, a gente precisa conversar.
— É, eu acho que preciso te falar uma coisa também.
— Pois então eu começo. Eu... — Logo, fui interrompida. Ouvi risadas, som alto. Ele não parecia estar em um lugar mais reservado.
— Depois a gente conversa, tá? Tenho umas coisas pra resolver agora.
Ouvi risadas ao fundo, vozes misturadas, e antes que eu pudesse reagir, ele encerrou a ligação. Fiquei olhando para a tela desligada, sem perceber que as lágrimas já escorriam.
Mais tarde, o telefone tocou novamente. Era Jade. Hesitei, mas atendi.
— Jade, eu não tô bem... não quero brigar com ninguém agora.
— Eu não liguei pra brigar, Camila. — A voz dela estava mais suave do que nos últimos dias. — Eu liguei pra pedir uma trégua. Eu exagerei demais com você naquele dia.
Fechei os olhos, lembrando dos insultos e da raiva dela.
— Eu fiquei muito mal com aquilo, Jade. Você não faz ideia.
— Eu sei... eu sei. — Ela suspirou do outro lado. — É que eu já tive problemas sérios com traição no passado. Eu meio que tenho trauma disso, entende? Eu surtei.
Engoli seco, sentindo a dor misturada com alívio por ouvir o pedido de perdão.
— Tudo bem... eu só... não aguentava mais carregar isso sozinha.
— Camila... eu queria te contar uma coisa. Uma novidade. — A voz dela mudou de tom, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. — Eu estive com o Bruno ontem. A gente fez as pazes. Estamos namorando de novo.
Meu coração parou por um instante.
— Entendi... desejo felicidades a vocês.
— Eu também quero pedir desculpa por ter te envolvido naquela história de pedir pra ele se afastar de mim. Foi errado da minha parte. Eu te joguei no meio disso tudo sem pensar.
— Tá... tudo bem. — Minha voz saiu quase inaudível. — Eu preciso desligar agora.
— Tá... mas a gente se fala depois, né?
Desliguei a chamada e fiquei olhando para o celular, como se ele fosse um objeto estranho que tivesse acabado de cair na minha mão. Sentei na cama, encarando o pôster do Iron Maiden na parede, e senti meu corpo inteiro pesar. Era como se cada palavra dita naquela ligação tivesse arrancado mais um pedaço de mim.
Não consegui chorar. Só fiquei ali, paralisada, sentindo que não era parte de lugar nenhum. Nem da minha vida, nem da vida do Cristian, nem da amizade da Jade. E, muito menos, do jogo perigoso com o Bruno.
Eu estava sozinha. Sozinha dentro de um quarto que parecia um museu de quem eu já fui.
Foi naquele instante que eu tomei a maior decisão da minha vida: eu precisava crescer e amadurecer como tantos já falavam por ali. Por muito tempo eu me comportava como uma jovem adulta, mesmo já sendo uma mulher casada. Ficar remoendo e desejando coisas que já passaram na minha vida só me levaram a este buraco que eu estou hoje, e eu queria ser uma nova mulher naquele dia. Como tinha formação em pedagogia, eu já tinha um básico para começar.
Eu precisava recomeçar, precisava me mover. Passei tantos anos dentro de casa, cuidando do lar, vivendo uma rotina previsível, que cheguei a acreditar que o mundo do trabalho já não me pertencia. Mas, quando olhei no espelho, vi a mesma Camila que um dia sonhou em ser professora. E resolvi correr atrás disso.
Peguei meu caderno e comecei a anotar tudo que precisaria fazer. A primeira coisa era um currículo. Fazia tanto tempo que eu não pensava nisso que até esqueci o modelo. Abri o computador e fiquei encarando a tela por alguns minutos, meio perdida. Respirei fundo e pensei: "Ok, Camila, você já ajudou crianças a escreverem suas primeiras palavras. Consegue muito bem organizar as suas."
Escrevi meu nome, formação em Pedagogia, experiências antigas de estágio e de monitoria. Mas quando cheguei ao espaço do tempo em que fiquei dedicada à casa, minhas mãos tremeram. O que eu coloco aqui? Hesitei, mas decidi ser sincera: "Período dedicado ao lar e à família ". Aquilo me deu um nó na garganta, mas logo em seguida senti um certo orgulho. Não tinha sido tempo perdido. Eu só tinha seguido outro caminho por um tempo.
Quando terminei, revisei umas três vezes. Não estava perfeito, mas era um começo. Então, decidi que precisava me atualizar. Entrei em alguns sites de cursos rápidos e comecei a procurar por temas que combinavam com o que eu queria: educação infantil, práticas pedagógicas em creches, contação de histórias. Senti uma empolgação crescer dentro de mim quando percebi quantas opções havia.
Cliquei em um curso chamado "Educação Infantil e Desenvolvimento da Primeira Infância". Era online, rápido, e perfeito para o que eu buscava. Fiz a inscrição na mesma hora. Depois encontrei outro: "Música e Brincadeiras para Creches". Sorri ao imaginar as crianças rindo, cantando, batendo palmas. Aquilo me deu forças.
No meio da empolgação, lembrei que precisava também mostrar presença no mercado. Abri uma rede social profissional, criei meu perfil e coloquei minha formação. De repente, me senti como se estivesse abrindo uma nova porta.
Enquanto tudo carregava, sentei na beira da cama e pensei: “Talvez eu não esteja tão atrasada assim. Talvez só precise me levantar, dar o primeiro passo, e os outros virão.”
Fechei o notebook com um suspiro. O primeiro dia do meu recomeço tinha sido cansativo, mas também cheio de esperança. E pela primeira vez em muito tempo, eu me senti mais leve.
Já fazia três dias desde que decidi mudar de rumo. Aos poucos, comecei a me sentir mais animada com essa nova meta. Me matriculei em um curso online de atualização em pedagogia, algo rápido, de um mês, mas que já vinha preenchendo minhas tardes. Passava horas entre as video-aulas e leituras, tentando recuperar o tempo que fiquei parada, e confesso que estava gostando da sensação de estar aprendendo de novo.
Estava justamente concentrada em um texto quando o celular tocou. Era o Cristian. Meu coração acelerou de imediato. Atendi com a voz presa.
— Camila... — ele começou, pausado. — Acabei de chegar em casa e vi o bilhete. O que você estava fazendo na sua mãe?
Naquele instante, senti um nó no estômago. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde teria que encarar isso. Respirei fundo e respondi:
— Eu não queria ficar sozinha. Preferi vir pra cá. Mas agora que chegou, eu estou indo para casa agora.
— Estou te esperando. Não demore.
O caminho de volta pareceu eterno. Cada esquina parecia me empurrar mais para um destino que eu já suspeitava. Quando abri a porta, encontrei Cristian de pé na sala, ainda com a mala da viagem fechada, como se tivesse acabado de chegar. Ele se virou quando eu fechei a porta, seu olhar parecia ser bem sério.
Aproximei-me devagar e, sem conseguir disfarçar a tensão, perguntei:
— O que você tem para me dizer?
Ele me olhou por alguns segundos, sem piscar, até que estendeu a mão. Entre seus dedos havia um documento ao qual requeria a minha assinatura. Ele disse:
— Camila... — disse, com a voz baixa, mas firme. — Eu quero o divórcio.
Naquele momento, senti minhas pernas fraquejarem. Era como se todo o ar tivesse sumido da sala. Olhei para o papel, mas parecia muito mais pesado do que ele realmente era. Não consegui dizer nada. Apenas fiquei ali, tentando absorver o impacto daquelas palavras.