Talvez eu tenha sido precipitada ou não tenha pensado direito ao fazer aquela proposta para a Fernanda. Depois que ela saiu, fui refletir com calma, e minha decisão fez ainda mais sentido. Nós nos dávamos super bem em todos os sentidos; ter ela morando aqui seria benéfico para ambas. Não conseguia pensar em nada que pudesse dar errado. Contudo, talvez ela tivesse seus motivos para não aceitar. Se isso acontecesse, eu iria respeitar sua decisão.
Demorei a dormir naquela noite. Quase liguei para a Fernanda para conversar sobre o assunto com mais calma, mas ela provavelmente estaria ocupada arrumando as coisas no seu apartamento. Então, não liguei; o jeito seria esperar até o dia seguinte para saber qual seria sua decisão.
Já era quase meia-noite quando ouvi o alerta de mensagem no meu celular. Peguei-o em cima da mesa, jurando que era a Fernanda, mas era uma mensagem da minha mãe no WhatsApp. Pensei em não ler; já estava sem sono e provavelmente aquilo só iria piorar minha insônia. Mas resolvi abrir, a curiosidade falou mais alto. Era um texto longo, praticamente uma carta.
**Mensagem de texto:**
— Boa noite, Sabrina.
Eu sei que você não quer me ver e nem que eu me aproxime mais de você. Seu pai me falou e eu entendo perfeitamente que você esteja com raiva de mim. Eu mereço isso e vou respeitar sua decisão, por mais que isso me doa.
Mas eu precisava te dizer algumas coisas, e mandar esse texto foi a única opção que me restou. Espero que você leia e acredite nas minhas palavras. Juro que tudo que vou te escrever é a pura verdade, não há uma vírgula que seja mentira.
Eu sei que você pode não acreditar, mas eu amo você de todo o meu coração. Sempre amei e sempre vou amar, independente de qualquer coisa que aconteça. Nunca fiz nada pensando em te fazer mal; sempre quis seu bem e que você fosse feliz. Infelizmente, eu fiz isso pensando no que achava ser bom para você, no que era certo. Meu egoísmo não me deixou ver o óbvio; para você ser feliz, as escolhas teriam que ser suas, e não minhas.
Agora eu consigo enxergar isso, mas talvez seja tarde demais para admitir isso para você e, principalmente, para mim mesma. Sinceramente, espero que não seja tarde e que algum dia você possa me perdoar pelos meus erros. Sei que talvez isso leve muito tempo ou simplesmente não aconteça, mas meu amor de mãe me impede de acreditar que algum dia isso não acontecerá.
Dito isso, queria primeiro me desculpar por ter armado aquele encontro seu com o Hugo. Naquele momento, jamais passou pela minha cabeça que ele fosse capaz de fazer o que fez. Sou amiga da Maristela, mãe do Hugo, há alguns anos, e ela sempre me falou muito bem do filho. Ela dizia que ele era um garoto educado e estudioso, que não dava trabalho algum para ela. Eu não o conhecia pessoalmente porque ele já estudava no Canadá, mas acreditava que ele realmente era um bom garoto. O tempo passou, e há alguns meses Maristela me disse que Hugo tinha voltado ao Brasil e ido à sua boate. Eu nem queria render assunto, pois odiava falar sobre aquele lugar. Mas Maristela disse que Hugo viu você lá e ficou encantado com você.
A conversa rendeu outras, e Maristela insinuou que você e Hugo formariam um casal bonito. Eu concordei, e assim nasceu a ideia de juntar vocês. Na minha cabeça, isso seria perfeito; Maristela disse que Hugo tinha se formado em economia e queria ajudar o pai a tocar os negócios da família. Achei que ele poderia ser uma ótima influência para você e te fazer trilhar os caminhos que sempre sonhei para você.
Marquei um almoço com Maristela e Hugo. Ele, além de bonito, era muito educado. Nesse almoço, ele me contou que queria muito te conhecer pessoalmente, que você era uma mulher linda e que realmente se encantou por você. Foi aí que decidi ajudar. Como estávamos brigadas, comecei a me aproximar de você até conseguir falar sobre o Hugo.
Quando você aceitou conhecê-lo, achei que tudo daria certo, mas não deu. Você me explicou os motivos nas duas vezes em que deu errado, mas achei que suas explicações eram apenas desculpas para não namorar com ele, só para me irritar. Na minha cabeça, você sempre ia contra o que eu queria, só para me provocar; sua rebeldia na adolescência, quando saiu de casa, a boate e, por fim, o namoro com uma mulher.
Meu egoísmo não deixava eu enxergar que eram suas escolhas, algo que você queria e que não tinha nada a ver comigo. Então, quando Hugo disse que o problema era sua namorada e que, se separasse vocês, conseguiria te conquistar, eu acreditei. Maristela teve a ideia de separar vocês, e eu, por egoísmo ou raiva por você estar namorando uma mulher, aceitei ajudar. Mesmo que Hugo não te conquistasse depois, pelo menos eu tiraria aquela mulher da sua vida. Assim, te enganei para deixar você e Hugo sozinhos naquele dia. Sabia que conseguiria fazer sua namorada ir atrás de você, isso era fácil. Depois, era só Hugo criar um momento íntimo com você, e sua namorada terminaria contigo. Eu realmente acreditava que isso daria certo e que estava apenas ajudando você a seguir o caminho certo.
Foi o maior erro que já cometi. Quando te vi caída ali no chão, fiquei desesperada porque sabia que era culpa minha. Mesmo tentando negar quando sua namorada gritou comigo, eu sabia que era sim culpada. Saí dali destruída, mas o pior ainda estava por vir. Seu pai brigou comigo e saiu de casa. Seu irmão não fala mais comigo diretamente; ele não me abandonou, mas vejo a mágoa que ele tem em seus olhos. Não posso visitar meus netos, e Maristela nunca mais me atendeu ou respondeu minhas mensagens. As mulheres que diziam ser minhas amigas se afastaram de mim. Estou sozinha, com uma culpa que me consome a cada dia. Não estou reclamando; sei que mereço tudo que estou passando, mas quero que você saiba que estou muito arrependida de tudo.
Eu devia ter acreditado em você quando me falou do Hugo. Eu devia ter aceitado suas escolhas e te apoiado, mesmo não concordando, como não concordo com seu namoro. Sei que isso pode me prejudicar ao tentar me desculpar com você, mas prometi a mim mesma que não iria mentir para conseguir seu perdão. Seu namoro vai contra tudo que aprendi, contra tudo que acredito e respeito. Então, por mais que eu tente aceitar, é muito difícil para mim. Contudo, prometo nunca mais interferir no seu namoro. Se algum dia voltarmos a ter contato e uma relação de mãe e filha, prometo respeitar suas escolhas, mesmo que eu não concorde ou aceite. Não só essa, mas qualquer outra decisão que você tomar.
Escrevi este texto não para me justificar, mas para que você saiba o que aconteceu e para te pedir perdão por tudo de mal que já fiz a você. Do fundo do coração, espero ter seu perdão algum dia e voltar ter o direito de te chamar de filha novamente. Eu amo você, Sabrina, do fundo do meu coração!
"Fim da mensagem"
Quando terminei de ler aquele texto, uma avalanche de sentimentos invadiu meu coração. Eu nem sabia o que sentia; dor, desprezo, raiva, tristeza e até um pouco de pena. Não sabia direito o que pensar naquele momento, então resolvi tentar dormir novamente, mas cada frase daquele texto se repetia na minha mente. Eu realmente queria acreditar que minha mãe tinha mudado, mas o passado me ensinou a manter um pé atrás com ela.
Não sei por quanto tempo fiquei remoendo isso na minha cabeça, mas, por fim, o sono apareceu e acabei dormindo. Só fui acordar no dia seguinte, quase às onze da manhã. Por algum motivo, sentia meu corpo cansado, mesmo tendo acabado de acordar. Fiquei na cama por um tempo, peguei meu celular e vi que a Fernanda tinha mandado uma mensagem de bom dia. Respondi e disse que estava morrendo de saudades dela. Levantei e fui tomar um banho, esperando que isso ajudasse a me alertar um pouco.
Passei o dia revezando entre minha cama e meu sofá, tentava me distrair, mas não conseguia. A mensagem da minha mãe e o pedido que fiz à Fernanda não saíram da minha cabeça. A tarde chegou e fiquei olhando para o celular a todo momento, contando as horas. Estava ansiosa para que chegasse a hora da Fernanda chegar. Mas justo naquele dia ela estava atrasada. Já passava das 18 horas e nada dela aparecer. Acabei mandando uma mensagem perguntando se tinha acontecido algo. Ela demorou um pouco à responder e quando respondeu, disse que logo chegaria, que não era para eu me preocupar, que estava bem. Fiquei mais tranquila, mas ainda ansiosa pela sua chegada. Precisava conversar com alguém, na verdade, precisava conversar com ela sobre a mensagem e também de abraçá-la. Sentia uma tristeza no meu peito, não sabia exatamente o porquê, mas sabia que o abraço dela era o melhor lugar do mundo para mim naquele momento.
Já eram quase 19 horas quando ouvi o barulho das chaves na porta do meu apartamento. Era ela! Finalmente tinha chegado. Quando a porta começou a se abrir, eu já estava de pé olhando em sua direção, mas quando ela se abriu totalmente, vi algo que me deixou extremamente feliz. Fernanda tinha uma caixa de papelão apoiada em um dos braços e uma mala do lado de suas pernas. Fui em sua direção o mais rápido que pude, com um sorriso enorme no rosto.
Sabrina— Você aceitou minha proposta, amor?
Fernanda— Sim, por isso demorei um pouco. Passei no meu apartamento para terminar de arrumar algumas coisas e trazer o mais essencial hoje mesmo.
Sabrina— Estou muito feliz por você ter aceitado, amor! Só você mesmo para alegrar meu dia!
Fernanda— Fico feliz em te deixar feliz, amor. Mas aconteceu alguma coisa que te deixou triste?
Sabrina— Sim, mas primeiro traga suas coisas para dentro e ajeite tudo. Depois, vai tomar um banho, você deve estar cansada. Vou pedir algo para a gente comer e aí conversamos.
Fernanda— Não podemos conversar antes? Você me deixou curiosa e preocupada.
Sabrina— Amor, não se preocupe; não é nada grave que você tenha que se preocupar. E para não te deixar curiosa, já te adianto que minha mãe me mandou uma mensagem enorme ontem depois que você saiu. Só quero te mostrar e conversar sobre isso.
Fernanda— Lá vem bomba! Vou fazer o que você pediu, mas ainda tem outras coisas para eu buscar no saguão. Vai demorar um pouco.
Sabrina— Deixa que eu resolvo. Pode guardar essas e ir tomar seu banho.
Fernanda— Tem certeza? Você não vai conseguir trazer usando só um braço.
Sabrina— Tenho sim, confia em mim.
Fernanda— Eu confio, amor, muito!
Inclinei meu corpo e lhe dei um beijo rápido e me afastei, abrindo caminho para ela passar. Ela entrou, colocou a caixa no sofá e seguiu para o quarto com a mala na mão. Nunca vou me esquecer dessa cena; foi muito significativo para mim ver ela levando suas coisas para meu quarto. Assim que ela sumiu do meu campo de visão, saí do apartamento e desci até o saguão para fazer o que prometi.
Não foi difícil localizar as coisas da Fernanda, e quando caminhei na direção delas, o segurança do prédio já veio em minha direção perguntando se eu precisava de ajuda. Aceitei, dizendo que ele leu meus pensamentos, porque eu realmente iria pedir para ele me ajudar. Já o conhecia há muito tempo; não seria a primeira nem a última vez que ele me ajudaria a levar algo para meu apartamento.
Não eram muitas coisas, e logo tudo estava na minha sala. Dei uma boa gorjeta ao segurança e o agradeci. Sentei no sofá e liguei para uma pizzaria; pedi uma pizza para nós duas comer. Se não fosse suficiente, pediria algo mais tarde. Fernanda demorou menos que o normal no banho; provavelmente ela estava curiosa para saber o que minha mãe tinha falado na mensagem. Assim que ela sentou ao meu lado no sofá, abri a mensagem no meu celular e a entreguei para que ela lesse. Ela leu devagar, parecia estar prestando atenção em cada palavra e já assimilando tudo à medida que lia. Quando terminou, me entregou o celular, e notei uma certa calma em seu olhar. Achei até meio estranho, mas parece que o que ela leu não mexeu muito com ela.
Sabrina— O que você acha disso tudo? Será que tem alguma verdade nesse texto?
Fernanda— Eu acho que tudo nesse texto é verdade. Posso estar errada, não conheço direito sua mãe, mas, sinceramente, eu acredito nela.
Sabrina— Por que você acha que é verdade e não apenas uma tentativa dela de limpar a sua barra ou se aproximar de mim com mentiras e segundas intenções?
Fernanda— Primeiro, porque não havia motivos para ela contar isso tudo, a não ser que realmente quisesse ser honesta. Tem muita coisa ali que ela poderia ter colocado a culpa na amiga e no Hugo, mas ela assumiu seus erros em cada situação. Ela não tentou limpar a barra dela, ela confessou e admitiu erros. Segundo, se fosse mentira e ela quisesse se aproximar de você de novo, por que diria que não aceita nosso namoro? Isso é um empecilho para uma reaproximação de vocês, e ela sabe disso. Então, por que diria isso, a não ser que realmente esteja sendo sincera?
Sabrina— Faz sentido o que você disse. Acho que você teve uma visão mais lúcida do que ela escreveu.
Fernanda— Não estou afirmando que é essa a verdade, só estou sendo sincera sobre o que eu acho disso. Não quero que você leve o que falei como verdade absoluta ao decidir se vai perdoá-la ou não. Essa é uma decisão sua e você tem que considerar o que realmente acha disso tudo. Eu talvez tenha uma opinião mais sólida, sim, mas porque não estou tão envolvida emocionalmente como você. Estamos falando da sua mãe, é normal que suas emoções estejam à flor da pele depois de tudo que aconteceu.
Sabrina— Eu entendi, amor, mas sempre levarei suas opiniões em consideração, mesmo que minha decisão seja diferente. Você é uma pessoa sensata e honesta; não tem como ignorar. Porém, mesmo acreditando que você tenha razão, não consigo perdoá-la. Não neste momento. Não é que eu não queira; eu simplesmente não consigo.
Fernanda— É algo compreensível. Se eu estivesse no seu lugar, acho que também não conseguiria. Algumas coisas levam tempo. Só acho que você não deveria se preocupar com isso agora. Já que você mesma disse que hoje não consegue perdoá-la, deixe o tempo passar e no futuro pense sobre isso de novo. Não fique remoendo algo que já está decidido e que não vai mudar agora.
Sabrina— Você tem razão, não faz sentido eu ficar remoendo isso, já que não tenho condições de perdoá-la agora. Vou dar tempo ao tempo.
Fernanda tinha razão; eu estava me preocupando demais com algo que já estava resolvido no momento. Comecei a acreditar que ela foi sincera naquele texto; o que Fernanda disse fazia total sentido. Contudo, eu não tinha condições de perdoá-la, não agora, e talvez nunca tivesse. Ela me machucou muito, e algumas feridas são difíceis de cicatrizar.
Continua..
Criação— Forrest_gump
Revisão— Whisper