Parte 1: Correntes Invisíveis
O fim do expediente tinha deixado um cansaço pesado no corpo de Monalisa. O uniforme de faxineira ainda grudava à sua pele, úmido do calor abafado da fábrica. Ela atravessava as vielas estreitas da comunidade com passos contidos, tentando não se deixar abater pelo burburinho do entorno: crianças correndo descalças, rádios ligados em alto volume, cheiro de fritura vindo das janelas abertas. Cada canto parecia pulsar com o prenúncio do carnaval que se aproximava. Menos dentro dela.
Na praça central da comunidade, encostado no carro importado que destoava do ambiente, estava Vinícius, seu namorado. De braços cruzados, o olhar frio e a postura arrogante denunciavam que ele a esperava.
— Chegou tarde. — Ele resmungou, antes mesmo de ela se aproximar. — E já sei que tá com essa história de baile de carnaval na cabeça.
Monalisa respirou fundo, tentando evitar o confronto, mas a voz dele se impôs como uma lâmina.
— Esquece isso. — O tom foi ríspido, sem deixar espaço para réplica. — Você não vai nesse baile. Eu não vou tá por perto hoje, e não quero macho nenhum te olhando com roupa de festa.
Ela abaixou os olhos, segurando o impulso de responder. Vinícius era mestre em usar palavras como correntes. Não precisava levantar a mão. O peso das acusações, a desconfiança constante e a sombra do pai bicheiro, o “dono” da comunidade, faziam qualquer resistência parecer inútil.
— Mas todos da empresa foram convidados … Por que você não vai comigo? — A voz dela saiu baixa, quase um sussurro.
Ele se aproximou, trazendo consigo um hálito de cigarro e perfume forte.
— Não me interessa, Monalisa. Você não é todo mundo. Você é minha mulher. E minha mulher não fica se exibindo em baile.
O silêncio que se seguiu foi sufocante. Ele ajeitou o relógio caro no pulso, olhou o celular e completou, em tom de ordem:
— Agora vai pra casa. Tenho coisa mais importante pra fazer hoje à noite. Amanhã nos falamos.
Vinícius entrou no carro e acelerou rua abaixo, deixando para trás o cheiro de gasolina e arrogância. Monalisa ficou parada por alguns segundos, olhando o vazio da rua, antes de seguir o caminho para a casa simples onde morava, que pertencia ao namorado. Cada passo pesava mais do que o anterior.
Dentro de si, o conflito era constante. O convite para o baile era como uma fagulha de sonho, mesmo ela acreditando que não pertencia àquele mundo de gente elegante e mascarada. O chão de fábrica era sua realidade, assim como a dívida herdada do pai.
Deixou a bolsa em casa e, sem perder tempo, após um banho rápido, trocou o uniforme da empresa por uma roupa simples. Pegou as chaves gastas e saiu novamente, caminhando em direção ao barracão da escola de samba. Lá, ao contrário de Vinícius, ninguém lhe exigia submissão cega. O trabalho era duro, mas a cada fantasia costurada, a cada adereço pintado, sentia que pagava, pouco a pouco, uma dívida que parecia eterna.
No fundo, sabia que não era apenas pelo dinheiro. Era como se pagasse também pela própria sobrevivência. E enquanto o batuque ecoava ao longe, ensaiando para a avenida, Monalisa se permitiu sorrir, mesmo que fosse apenas por dentro.
Ela seguiu pela rua principal da comunidade, iluminada por postes falhos e pelos clarões coloridos das televisões ligadas dentro das casas. O caminho até o barracão não era longo, mas sempre parecia pesado, como se cada esquina guardasse lembranças que ela não podia evitar.
A primeira delas vinha desde o nascimento: sua mãe, que jamais pôde segurar a filha nos braços, morreu ao dar à luz, deixando a menina aos cuidados de um pai que nunca soube ser inteiro. O pai, homem carismático, mas fraco diante do álcool e das cartas de baralho, afundou-se em dívidas de jogo que se multiplicaram como pragas, nutridas por juros abusivos. Quando ele também se foi, Monalisa herdou não apenas a saudade, mas também os números vermelhos que agora pesavam sobre seus ombros como algemas invisíveis.
Foi nessa época que Vinícius surgiu. No começo, parecia ser o porto seguro que ela tanto precisava. Filho do bicheiro mais temido da região, o solteiro mais cobiçado da comunidade, sempre aparecia com promessas de proteção, com palavras doces e presentes que pareciam saídos de um mundo ao qual ela jamais teria acesso. Mas logo vieram as condições, e a voz dele, sempre firme, transformava carinho em controle, até que Monalisa se viu presa em uma relação que mais parecia uma cela de grades invisíveis.
O pior para ela foi perder a alegria que o corpo já conhecia. Monalisa tinha sido passista em treinamento da escola de samba, aspirante a rainha de bateria, dona de um sorriso que ofuscava até os holofotes. O corpo escultural, moldado por horas de ensaio, já havia sido motivo de orgulho. Mas Vinícius não suportava a ideia de outros olhos pousando sobre ela. Primeiro proibiu os ensaios, depois as roupas curtas, aquelas mesmas roupas comuns no calor sufocante do Rio de Janeiro. Até mesmo vestidos leves passaram a ser motivo de discussão. Ela aprendeu a esconder sua beleza, como se fosse pecado existir.
Enquanto caminhava, ouviu, ao longe, o eco de um surdo marcando o compasso de um ensaio. Era como se cada batida fosse uma lembrança de quem ela já foi. O coração apertou. Houve um tempo em que sua vida girava em torno da dança, dos batuques e das cores, quando ainda acreditava que poderia brilhar. Agora, tudo que lhe restava era atravessar aquelas ruas como sombra, disciplinada e submissa, tentando não chamar atenção.
Mas ao dobrar a esquina que levava ao barracão, Monalisa respirou fundo. Ali, ao menos, mesmo que fosse a namorada de Vinícius, a órfã endividada, a funcionária invisível da faxina em uma grande empresa, era apenas Monalisa: par de mãos dispostas a colar, costurar, carregar, pintar … qualquer coisa que diminuísse a dívida que parecia não ter fim, pois todo o dinheiro ganho no barracão, era automaticamente repassado ao agiota credor. Ou seja, ao próprio sogro, o bicheiro da comunidade.
E, em meio ao cheiro de tinta e pó de purpurina que já escapava pelas frestas do galpão, ela permitiu a si mesma um pensamento rebelde: um dia, talvez, eu volte a ser vista não pelo que devo, nem pelo que escondo, mas pelo que realmente sou.
O portão do barracão estava escancarado, deixando escapar a música dos tamborins e o cheiro forte de cola quente misturado ao pó de purpurina. O espaço fervilhava de gente, cada um ocupado em dar vida às alegorias que, dentro de alguns dias, seriam a alma da avenida.
— Olha só quem chegou! — Disse uma voz serena e carinhosa.
Maria do Socorro, com seus cabelos grisalhos presos em um coque improvisado e os dedos marcados de alfinetadas de costura, veio ao encontro de Monalisa. Abraçou-a como quem abraça uma filha, lhe afagando os ombros com cuidado.
— Tá com essa carinha triste de novo, minha menina … que foi agora? — A madrinha já a puxava para a sala das costureiras.
Monalisa forçou um sorriso, mas seus olhos entregavam o peso da discussão recente. Antes que respondesse, duas mulheres que pintavam plumas ao lado já emendaram assunto, animadas com suas próprias novidades.
— Tu viu a Jéssica e a Raquel? — Uma delas perguntou à outra, sem nem olhar para Monalisa. — Saíram daqui todas produzidas, indo pro baile da empresa. Dizem que vai ser chique de verdade, fantasias de primeira!
A outra riu, passando um pano cheio de tinta dourada na mão.
— Se não arrumarem um marido rico hoje, não arrumam nunca mais!
Maria do Socorro ergueu o olhar, séria, e voltou-se para Monalisa:
— E você, por que não foi, minha flor? Não é o baile anual da empresa que você trabalha?
Monalisa abaixou os olhos, mexendo distraída em um pedaço de tecido.
— Você sabe como é … Vinícius não deixa. E, pra falar a verdade, eu também sei que não pertenço àquele mundo. Melhor ficar quieta no meu canto.
Maria do Socorro suspirou, largando a agulha que segurava. Pegou o rosto da moça entre as mãos calejadas e falou num tom firme, mas cheio de ternura:
— Ele e os capangas dele só voltam amanhã a tarde. Você tá livre essa noite, Monalisa. Livre! Não deixe essa oportunidade passar.
As mulheres ao redor, que até então apenas escutavam, se aproximaram, criando uma roda de cumplicidade. Umas riam, outras cochichavam, mas todas olhavam para Monalisa com um brilho de incentivo.
Foi então que Dona Neide, a mais faladeira da comunidade, não resistiu e soltou a novidade, baixando a voz como quem compartilha um segredo:
— Dizem que esse baile vai ser especial. Uma das meninas da faxina contou pra minha sobrinha que o presidente da empresa tá procurando uma noiva pro filho dele.
O comentário caiu como faísca em palha seca. Risadinhas nervosas se espalharam entre as mulheres, que se entreolharam maliciosas.
— Imagina se fosse você, Monalisa? — Provocou uma delas.
Monalisa riu sem graça, balançando a cabeça em negação, mas o rubor em seu rosto a entregava.
— Deus me livre, mulher. Se Vinícius escuta isso, ele manda te dar um sumiço. — Uma das mulheres repreendeu a faladeira.
Maria do Socorro não perdeu tempo. Pegou-a pela mão e puxou em direção à sala de figurinos, onde araras improvisadas guardavam plumas, paetês e fantasias inacabadas.
— Chega de desculpa, menina. Hoje você vai brilhar.
E, enquanto a música da bateria ecoava forte no fundo do galpão, o coração de Monalisa começou a bater em outro compasso. Um compasso que não era de medo, mas de possibilidade.
A sala de figurinos do barracão parecia outro mundo. Fantasias coloridas se amontoavam em prateleiras improvisadas, paetês reluziam como estrelas caídas, plumas se espalhavam pelo chão como se um pássaro mítico tivesse acabado de passar por ali.
Maria do Socorro abriu um velho armário de ferro, rangendo as dobradiças, e puxou um cabide envolto em plástico transparente. Com cuidado, revelou uma fantasia que parecia guardar segredos: um conjunto em tons de azul-claro e prata perolado, com pedras falsas que cintilavam sob a luz fraca da lâmpada fluorescente, como se cada detalhe tivesse sido lapidado em vidro.
— É desta noite que você vai se lembrar pelo resto da sua vida, minha menina. — Disse, com um brilho maternal nos olhos.
As mulheres, animadas com a ideia, se aproximaram. Cada uma pegou uma parte do processo: uma ajustava o cós da saia, outra prendia plumas em um diadema, enquanto uma terceira ajeitava braceletes reluzentes, maquiagem, cabelo ... A energia era contagiante. Entre costuras e ajustes, uma delas começou a sambar baixinho, gingando os quadris, e logo o ambiente virou festa. O batuque improvisado nas mesas, as risadinhas abafadas, os refrões de samba-enredo ecoando pelos corredores.
Monalisa, ainda incrédula, deixou-se levar. A saia longa, com fendas discretas, caía solta, deixando entrever suas pernas torneadas. O top bordado abraçava seu corpo escultural, destacando a pele cor de canela que reluzia sob a luz artificial. No cabelo negro e volumoso, presilhas com penas cinza claro, quase brancas e prateadas foram encaixadas, dando-lhe ares de rainha da avenida.
Quando se olhou no espelho quebrado da parede, mal reconheceu a si mesma. Não era mais a faxineira invisível, nem a mulher controlada por Vinícius. O reflexo devolvia a imagem de uma mulher pronta para conquistar qualquer salão que pisasse.
— Parece até que foi feita sob medida … — Murmurou uma das costureiras, encantada.
— Não parece, não. Foi feita mesmo. — Corrigiu Maria do Socorro, ajeitando a barra da saia. — Ela foi a modelo para as medidas.
As outras mulheres riram, batendo palmas e sambando ao redor, como se celebrassem não só a beleza revelada, mas também a esperança que aquela transformação carregava.
Monalisa, emocionada, deixou uma lágrima escapar. Maria do Socorro percebeu, lhe enxugou o rosto com a ponta dos dedos e sussurrou:
— Hoje, você vai mostrar ao mundo quem é de verdade.
Do lado de fora, a batida dos surdos e repiques ecoava forte, embalando a noite da periferia carioca. E, enquanto as mulheres davam os toques finais em sua produção, Monalisa percebeu que estava prestes a viver um sonho.
Maria do Socorro ajeitou a última costura da saia e se afastou um passo, analisando a obra pronta como uma artista diante da tela concluída. As mulheres ao redor se entreolharam, boquiabertas.
— Falta só um detalhe … — disse uma delas, abrindo uma caixa de papelão. De dentro, retirou uma delicada máscara branca bordada em pedrarias discretas, que refletiam tons azulados sob a luz. — ... baile é baile, tem que ter mistério.
Monalisa hesitou, mas deixou que a máscara fosse encaixada em seu rosto. O acessório desenhou ainda mais o contorno dos olhos negros, tornando-os enigmáticos, como se escondessem segredos que ninguém jamais descobrira.
Outra mulher, rindo, ergueu um par de sapatos sobre a cabeça. Eram de salto fino, prateados, com acabamento perolado que reluzia como vidro sob qualquer feixe de luz.
— Olha isso! Parece até de cristal! — Exclamou, arrancando gargalhadas das demais. — Quem te vir com esses pés não vai acreditar que você pisa no chão do barracão.
Monalisa calçou-os devagar, quase em reverência. Os sapatos apertaram de leve, mas lhe deram uma postura ereta, elegante, como se a cada passo fosse possível esquecer a dureza da vida.
As mulheres não lhe deram tempo para pensar. Uma delas já corria para fora, chamando um conhecido que tinha carro. Poucos minutos depois, a buzina ecoava no portão do barracão. Era um modelo simples, mas a pintura em laranja metálico reluzia sob a luz dos postes, quase um tom de abóbora, detalhe que arrancou risadas cúmplices das mulheres.
— Vamos, menina! — Disse Maria do Socorro, pegando-a pelo braço. — A vida não espera. Hoje é sua noite.
Monalisa balançou a cabeça, nervosa.
— Eu não posso … e se alguém contar pra ele? — Murmurou, com o coração acelerado.
— Ele não volta antes de amanhã à tarde, já te disse! — Rebateu Socorro, firme. — E se você não for agora, nunca mais vai.
As outras a rodearam, empurrando-a em meio a risadas, como se estivessem conspirando juntas contra o destino cruel. A cada toque, a cada palavra de incentivo, Monalisa sentia as correntes invisíveis se soltarem.
Ao atravessar a porta do barracão, com a fantasia cintilando, a máscara ocultando parte de sua identidade e os sapatos prateados estalando contra o chão de cimento, ela se deu conta: naquele momento, não era prisioneira de ninguém.
Antes que Monalisa entrasse no carro, Maria do Socorro a puxou de volta pelo braço, olhando bem fundo em seus olhos.
— Ouça bem, minha menina. Você precisa voltar até a meia-noite. Uma da manhã em ponto é feita a conferência do dia no barracão, e cada fantasia é registrada. Se notarem falta dessa aqui, estaremos todas enrascadas.
Monalisa assentiu, nervosa, apertando a barra da saia entre os dedos.
— Pode deixar, madrinha … eu não vou esquecer.
Uma das mulheres, mais jovem e animada, bateu palmas para chamar atenção:
— E toma cuidado com essa roupa, hein! Essa fantasia é para destaque de carro alegórico! Se rasgar ou sujar demais, o carnavalesco mata a gente!
As outras riram, mas havia uma ponta de verdade no alerta. Monalisa engoliu seco, consciente do peso da responsabilidade.
Maria do Socorro suspirou fundo, ajeitando de novo a máscara no rosto de Monalisa, como quem ajusta a coroa de uma rainha. Em seguida, foi até o motorista do carro, um homem de meia-idade que aguardava encostado na lataria, cigarro entre os dedos.
— O senhor precisa trazê-la de volta até a meia-noite, combinado? — Disse firme. — Eu pago a corrida de ida e volta, mais um extra. Só preciso que traga ela inteira, do jeito que está.
O homem arqueou as sobrancelhas, surpreso com a pressa, mas acabou concordando.
— Tá certo, dona Socorro. Deixo a moça e trago de volta na hora marcada.
Maria do Socorro se voltou para Monalisa, segurou-lhe as mãos e falou em tom baixo, quase solene:
— Essa noite é sua, mesmo que dure pouco. Vá viver, vá sentir a liberdade, porque você merece.
Ao fechar a porta do carro, Monalisa olhou pela janela: todas estavam no portão, rindo, sambando, batendo palmas, como se enviassem com ela a energia da comunidade inteira.
E assim, com a fantasia em azul-claro e prata cintilando sob a luz dos postes, os sapatos prateados refletindo como vidro e a máscara delicada, bordada em pedrarias que realçavam o tom azul dos tecidos, Monalisa partiu rumo ao baile de fantasias anual da empresa. Estava feliz, ainda que soubesse que aquela liberdade tinha hora para acabar.
Do portão do barracão, uma das mulheres suspirou, com os olhos marejados:
— Podem até tirar suas roupas, seus adornos, mas nunca vão roubar a bondade dela.
Maria do Socorro concordou em silêncio, sabendo que, naquela noite, não era apenas Monalisa quem sonhava. Todas, de algum jeito, sonhavam junto com ela.
{…}
A mansão dos Krüger estava em silêncio, exceto pelo som abafado das cordas de um violino que ecoava do sistema de som ambiente. Servos iam e vinham pelos corredores, carregando caixas de fantasias, taças de cristal e garrafas de vinho francês.
No quarto de Fernando, a cena estava longe de ser tranquila. Diante de um espelho enorme, ele segurava entre os dedos uma capa azul-marinho adornada de dourado. O semblante era de pura revolta.
— Eu não vou usar isso, pai. — Disse, a voz carregada de ironia. — Me diga, por favor, em que parte da minha vida eu pareço um maldito “príncipe encantado”?
Thomas, seu pai, entrou, amparado pelo braço de Nazaré, sua esposa e madrasta de Fernando. O rosto do empresário parecia mais cansado do que nunca, mas seus olhos ainda tinham aquele brilho duro de quem estava acostumado a mandar.
— Você vai usar sim. — Respondeu, seco. — Vai usar porque eu mandei, Fernando. Sua madrasta escolheu com todo carinho.
— Mandou? — O rapaz riu, nervoso. — Ameaçou cortar meus cartões, isso sim!
Fernando se sentou na cama.
— É ridículo. Organizar um baile de carnaval para me arrumar uma noiva? E ainda dentro da empresa? Vai ser um desfile de mulheres interesseiras, todas sonhando em usar o meu sobrenome como trampolim social.
Nazaré, com seu sorriso estudado, colocou a mão no ombro do enteado.
— Você precisa aprender a ser menos rebelde, Fernando. Seu pai está doente, não tem tempo para esperar você amadurecer. O mínimo que pode fazer é dar a ele esse presente.
Fernando afastou-se bruscamente, tirando a capa dos ombros.
— Presente? Eu sou algum troféu de exposição? Uma vitrine ambulante para satisfazer um capricho?
Thomas, respirando com dificuldade, levantou a voz:
— Basta, Fernando! Você não entende nada! — Tossiu e levou a mão ao peito. — Eu errei com você, sim, te deixei solto demais, mas não vou morrer deixando minha holding nas mãos de um irresponsável. Você vai ao baile, vai conhecer mulheres respeitáveis e, com sorte, vai finalmente assumir o lugar que é seu por direito!
Fernando, ao ver o pai encurvar-se, preocupado com sua saúde, levou as mãos imediatamente ao braço dele.
— Pai! — Sua voz mudou, agora tomada pelo remorso. — Sente-se, por favor … respire devagar.
Nazaré se aproximou, falsa do início ao fim, mas encenando desespero:
— Thomas, meu amor, calma …
O empresário respirou fundo, recostando-se na poltrona, os dedos ainda pressionando o peito.
— Está tudo bem … — Murmurou, tentando recuperar o fôlego. — Só me dê essa tranquilidade, filho. Vá ao baile. Não por mim, não por você, mas pelo futuro do nosso nome.
Fernando fechou os olhos, engolindo a raiva. Olhou para a capa azul em suas mãos e, por um instante, quis jogá-la pela janela. Mas a fragilidade do pai falava mais alto.
— Está bem. — Disse, enfim, com a voz baixa, resignado. — Eu vou. Mas não espere que eu sorria para aquelas mulheres como se estivesse encantado.
Thomas soltou um suspiro aliviado, rindo do encaixe irônico do filho com as palavras, enquanto Nazaré escondia, por trás do olhar complacente, a chama da vitória.
Fernando se olhou novamente no espelho. A capa azul-marinho, bordada com fios dourados, caía pesada sobre seus ombros. O gibão cintilava em detalhes prateados, como se tivesse sido desenhado para um personagem de teatro. Até mesmo uma espada de metal falso, com cabo ornamentado, pendia de um cinto largo, completando o traje. Ele soltou um riso amargo.
— Um príncipe de fantasia … é isso que vocês querem que eu seja.
Enquanto ajeitava a gola rígida, memórias antigas voltaram como golpes silenciosos.
Aos sete anos, perdera a mãe — a única que conseguia amolecer o coração endurecido de Thomas. A imagem dela ainda lhe vinha em sonhos: cabelos claros, sorriso suave, uma canção de ninar que nunca mais foi ouvida. Depois disso, o pai mergulhou em trabalho e copos de uísque, tentando apagar a dor com excesso. Fernando foi entregue a tutores, professores particulares e babás que iam e vinham, cada uma deixando um vazio maior. Cresceu em meio ao luxo, mas sem calor humano.
Na adolescência, já não era raro vê-lo estampando colunas sociais. Bastava sair para jantar com amigos, ou ser visto em alguma festa, e surgiam manchetes sensacionalistas: “Herdeiro problemático gasta fortuna em noitada”, “Fernando Krüger, o playboy inconsequente”. Fotos tiradas de contexto, sorrisos congelados em momentos banais. Ele nunca se preocupou em desmentir. Deixar que acreditassem no mito do irresponsável era mais fácil do que abrir espaço para que oportunistas se aproximassem ainda mais.
Na verdade, a vida dele sempre foi marcada por solidão. Amizades verdadeiras eram raras; relacionamentos, passageiros. Quando não estavam interessados no sobrenome, estavam no dinheiro. E, no fundo, ele sabia: muitos se aproximavam só para tirar algum proveito.
Arrumando as luvas brancas do traje, o olhar de Fernando pousou em um porta-retratos sobre a cômoda. Uma foto de família, tirada poucos anos antes: Thomas sorridente, ainda forte, ao lado de Nazaré. Ela, de vestido discreto, o braço enlaçado ao do empresário.
Nazaré, a madrasta. Antes de se tornar família, fora a eficiente secretária de Thomas. Inteligente, dedicada, parecia cuidar do patrão como ninguém. Foi ela quem o tirou do vício da bebida e das jornadas de trabalho sem fim, impondo certa ordem no caos. Thomas, enfraquecido pelo corpo castigado pelos anos de boemia, acabou se apoiando nela e, em pouco tempo, ela se tornou esposa.
Nazaré tinha pouco mais de quarenta anos, mas carregava a maturidade como um trunfo. Alta, corpo bem cuidado, curvas realçadas por vestidos sempre ajustados, ela era daquelas mulheres que chamavam atenção em qualquer ambiente. Os cabelos loiros — tingidos com perfeição — caíam em ondas suaves sobre os ombros, emoldurando um rosto de traços fortes, olhos claros e expressão sempre calculada. Bonita, sensual e consciente disso, usava cada detalhe de sua aparência como arma e escudo.
Fernando nunca conseguiu confiar totalmente na madrasta. A gratidão do pai por Nazaré era visível, mas o filho mantinha um pé atrás. Havia algo nos olhos dela — algo calculado, frio — que não combinava com o papel de esposa devotada.
Ele respirou fundo, afivelando o cinto com a espada cenográfica. O peso nos quadris parecia simbólico, como se fosse um fardo herdado.
O pai, doente, tinha um câncer lento, inoperável, localizado muito próximo a órgãos vitais, controlado por remédios e consultas médicas frequentes. A sombra da morte, inevitável, rondava a casa. Thomas sabia que não tinha décadas pela frente, no máximo, mais alguns anos. E, por isso, pressionava o filho a assumir um destino para o qual ele nunca se sentiu preparado.
Fernando ajeitou a máscara azul que completava a fantasia, cobrindo parte do rosto e que destacavam ainda mais os olhos de um azul profundo. Olhou-se no espelho mais uma vez e murmurou, sozinho:
— Talvez seja esse o preço de carregar o nome Krüger … viver cercado de máscaras, até mesmo quando não estou no baile.
Nazaré, calculando o elogio para maior efeito, disse:
— Esses cabelos loiros … esses olhos azuis … Qualquer mulher vai achar que você é mesmo um príncipe encantado. Você está lindo, filho.
Um calafrio percorreu a espinha de Fernando. De todas as coisas no mundo que ele detestava, aquela era a pior: a maneira forçada que Nazaré o chamava de “filho”.
A mansão estava iluminada como se fosse um palco. Os refletores do jardim acendiam a fachada branca, refletindo nos vidros enormes da casa. Na entrada, dois carros esperavam: o sedã preto da família, com motorista de luvas impecáveis, e o Porsche esportivo de Fernando, que brilhava sob a luz noturna como um felino inquieto.
Thomas desceu as escadas devagar, apoiado no braço de Nazaré. Vestia um terno escuro de corte clássico, máscara simples nas mãos, e mantinha a postura rígida apesar da respiração cansada. Nazaré, ao contrário, parecia saída de uma passarela: vestia uma fantasia luxuosa de rainha veneziana, em tons de vermelho profundo e dourado, máscara cravejada de pedrarias que cintilavam a cada passo.
— A noite vai ser memorável — Ela disse, ajeitando os cabelos loiros tingidos, lançando um olhar de satisfação para o marido.
— Vai ser cansativa, isso sim … — Murmurou Thomas, antes de entrar no sedã com a ajuda do motorista.
Fernando apareceu logo em seguida, a capa azul-marinho e a espada cenográfica em contraste gritante com o carro esportivo. O príncipe relutante estava pronto, mas a cada detalhe do traje sentia-se ainda mais ridículo.
Jogou-se no banco de couro do Porsche, batendo a porta com força. Ajustou a máscara prateada sobre o rosto e encarou o volante como se fosse um inimigo: “Um pedaço de carne em promoção”. Era assim que se sentia. Como se o pai estivesse levando-o a um leilão disfarçado de baile de carnaval. Mulheres mascaradas circulando, sorrisos ensaiados, interesses ocultos — nada além de jogadas sociais.
Ligou o motor com um rugido metálico, que ecoou pelo pátio como um grito de rebeldia. Nazaré lhe lançou um olhar de censura da janela do sedã, mas Fernando fingiu não notar.
— Se ao menos meu pai não estivesse doente … — Resmungou, apertando os dedos no volante. — Talvez eu tivesse coragem de mandar todos ao inferno e nunca mais pisar num desses eventos ridículos.
Mas a imagem do velho curvado, segurando o peito, ainda queimava em sua mente. Por isso, ele engoliu a raiva e acelerou.
O sedã saiu à frente, imponente, seguido de perto pelo Porsche que rugia pelas ruas iluminadas. A cidade, em clima de pré-carnaval, fervilhava de blocos, foliões fantasiados, batuques que ecoavam pelas esquinas. Mas, para Fernando, tudo aquilo não tinha brilho. Não sentia que iria a uma festa, se sentia como uma prenda de bingo, ou um objeto a ser leiloado.
O Porsche e o sedã atravessaram o portão principal da holding. Um dos galpões da empresa havia sido completamente transformado: refletores iluminavam a fachada, um enorme tapete vermelho se estendia até a entrada, ladeado por cordões de segurança. Jornalistas e fotógrafos disputavam espaço, registrando cada detalhe da chegada dos convidados.
Thomas desceu primeiro, apoiado no motorista. Apesar da postura cansada, mantinha a dignidade de um rei. Nazaré, radiante em sua fantasia de rainha veneziana, tomou-lhe o braço como se fossem monarcas atravessando um palácio. Sorrisos ensaiados e acenos calculados. Juntos, representavam o poder e a imponência da família Krüger.
Fernando saiu logo depois. A capa azul-marinho e a máscara refletiam os flashes das câmeras, mas seu olhar denunciava desconforto. Ele caminhava rápido pelo tapete vermelho, tentando evitar cumprimentos e apertos de mão, ignorando elogios vazios que vinham de todos os lados.
Lá dentro, o galpão estava irreconhecível. Lustres de cristal improvisados pendiam das estruturas metálicas, as paredes cobertas por tecidos coloridos e bandeirolas carnavalescas. Um palco central exibia uma bateria de escola de samba contratada para animar os convidados, mas, naquele momento, o clima era de uma recepção formal.
Thomas e Nazaré foram conduzidos até dois enormes assentos ornamentados no centro do salão, lembrando tronos de rei e rainha de festa.
— Rei Momo e sua rainha. — Fernando deixou escapar, baixo, incapaz de conter o sorriso sarcástico ao olhar para a madrasta.
Ao se acomodar, Thomas sorriu com esforço para os funcionários e empresários que se aproximavam, enquanto Nazaré se deleitava em ser o centro das atenções.
Fernando permaneceu em pé ao lado, olhando em volta com impaciência. Não demorou para que Getúlio, o vice-presidente, melhor amigo do pai, homem de confiança, se aproximasse com seu terno impecável, máscara negra simples e um sorriso frio nos lábios.
— Jovem Fernando … — Disse ele, baixo, mas firme. — … lembre-se de que não está aqui por si mesmo.
Fernando ergueu a sobrancelha, contrariado.
— Estou bem ciente disso, Getúlio. — Respondeu, impaciente e com a voz imperativa.
— Então comporte-se como o herdeiro que é. — O tom era cortês, mas carregado de veneno. — Aceite os cumprimentos, ouça as conversas entediantes, sorria para os elogios falsos. Esta noite não é sobre você, é sobre seu pai … e sobre o futuro da empresa.
Fernando fechou os punhos por um instante, respirando fundo. O impulso de mandar o vice-presidente ao inferno quase escapou pelos lábios, mas a visão do pai, frágil no trono, conteve sua língua.
Com um sorriso forçado, ele se virou para o primeiro grupo de empresários que se aproximava, estendendo a mão como quem entrega uma parte da alma. “Um pedaço de carne em promoção”, pensou. “Eu sou o prato principal da noite.”
Fernando atravessava o salão como um ator relutante em cena. Os empresários se aproximavam em fila invisível, cada um com um sorriso treinado e palavras medidas.
— Fernando, prazer revê-lo, rapaz! — Disse um homem grisalho, dono de uma empresa de logística parceira.
— Igualmente. — Respondeu, forçando uma expressão simpática. O aperto de mão foi firme, mas a conversa já soava como um eco vazio.
Enquanto isso, um grupo de mulheres mascaradas começou a se aproximar, em vestidos luxuosos e perfumes intensos. Sorrisos largos, olhares calculados, cada uma disputando espaço ao lado do herdeiro.
— Soube que voltou de Paris recentemente … — Disse uma, tentando iniciar conversa.
— Está ainda mais elegante do que nas fotos dos jornais … — Elogiou outra, tocando de leve em seu braço.
Fernando mantinha a cortesia, mas por dentro se irritava. Para ele, cada palavra soava como ensaio, cada gesto como isca. Eram pretendentes mascaradas, ansiosas pelo título de futura senhora Krüger, mais interessadas no sobrenome do que em quem ele realmente era.
Foi quando alguns funcionários da própria empresa se aproximaram, tímidos, ainda com cheiro de chão de fábrica e uniformes adaptados em fantasias simples. Uma senhora mais velha, do setor de limpeza, segurou a mão dele com olhos marejados:
— Seu Fernando, sua mãe estaria orgulhosa de ver você aqui hoje.
A máscara dele não conseguiu esconder o brilho genuíno nos olhos. Ele se abaixou levemente, segurando as mãos da mulher com respeito.
— Obrigado, dona Ruth. É bom ver a senhora. Espero que esteja aproveitando a festa.
Ela sorriu, emocionada. Ao lado, outros funcionários riram, fizeram pequenas brincadeiras, e com eles Fernando parecia à vontade, como se se livrasse do peso das aparências. Ria de verdade, falava com naturalidade, ouvia cada palavra como se importasse. Era ali, longe das máscaras douradas da elite, que ele parecia ser ele mesmo.
Enquanto isso, Nazaré desfilava pelo salão como uma verdadeira anfitriã. Recebia convidados, distribuía sorrisos, abraçava esposas de executivos, fazia comentários sobre os detalhes da decoração como se tivesse pensado em cada arranjo pessoalmente. Mais do que esposa de Thomas, agia como diretora: organizava, recebia, conduzia.
— Nazaré, que festa maravilhosa! — Elogiou uma das convidadas.
— Obrigada, querida. Tudo foi pensado para celebrar nossa família e esta empresa. — Respondeu, segura, como se fosse a dona do império.
Thomas, cercado de antigos amigos e parceiros, conversava animado sobre negócios e memórias do passado. Estava entretido, esquecendo por alguns minutos as dores e a doença. Foi naquele momento que Nazaré, com um olhar discreto para Getúlio, o vice-presidente, se afastou do grupo.
Getúlio já a esperava perto de uma escada lateral, quase invisível para quem não conhecia o prédio. Com um leve movimento de cabeça, ele a conduziu para o andar de cima. Ali, nas salas administrativas, não havia convidados, nem músicos, nem olhares curiosos. Somente corredores silenciosos e portas fechadas.
— Até que enfim. — Murmurou Nazaré, retirando a máscara para soltar um suspiro de alívio, antes de encarar o amante com um sorriso calculado.
No salão, a bateria da escola de samba começava a animar os convidados, abafando qualquer som que viesse das escadas.
A sala administrativa estava mergulhada em penumbra, iluminada apenas pela claridade fraca que escapava da janela voltada para o pátio. Ali, longe do burburinho do baile, o silêncio era quase cúmplice.
Nazaré fechou a porta com cuidado, encostando-se contra a madeira por alguns segundos, como se precisasse recuperar o fôlego depois de quase uma hora representando a anfitriã perfeita. Getúlio se aproximou sem pressa, a máscara negra ainda no rosto, a expressão marcada pelo controle que exercia tão bem em público.
— Você brilhou lá embaixo. — Disse ele, com um sorriso enviesado. — Todos acreditam que é a esposa dedicada, a guardiã da família Krüger.
— E você acredita em quê? — Nazaré retrucou, provocante.
Getúlio avançou mais um passo, inclinando-se até sentir a respiração dela.
— Eu sei exatamente quem você é, putinha … e é por isso que não consigo ficar longe.
O olhar dela faiscou de desejo e poder misturados. Aproximou-se, deslizando a mão pelo peito dele até o colarinho do terno.
— O Thomas está lá embaixo, rodeado de amigos. Ele nem percebeu que saí. — A voz dela soava como um sussurro calculado. — Essa festa é para celebrar o futuro da holding … e nós dois sabemos que esse futuro não passa por Fernando.
Getúlio segurou-lhe a cintura, puxando-a mais para perto, os corpos agora quase colados.
— Não … passa por você. Por nós.
— Está tudo certo com as pretensas pretendentes? — Disse Nazaré, para se certificar de que o plano estava sendo seguido.
— Sem dúvida, as mulheres que irão seduzir o Fernando estão prontas, e lindas. Se não conseguirem, vão, pelo menos, atrapalhar outras pretendentes.
— E elas são de confiança?
— Fique tranquila quanto a isto. Eles estão na minha “folha de pagamento”. — Respondeu Getúlio para acalmar a cumplice.
Nazaré riu baixo, satisfeita, inclinando-se para roçar os lábios nos dele, mas parando a um fio de distância, como se testasse até onde ele suportava esperar.
— Então me prove, Getúlio. Me prove que não é apenas o vice-presidente obediente …
Ele a puxou com firmeza, e o beijo que veio foi carregado de urgência e segredos guardados demais. Do lado de fora, o som distante dos tamborins mascarava qualquer ruído.
Ali, entre paredes que já guardavam tantas reuniões frias de negócios, outro pacto muito mais perigoso ganhava novos capítulos. Era feito de desejo, ambição e traição.
O riso baixo de Nazaré ainda ecoava no ar úmido do escritório quando a boca de Getúlio a capturou. Não foi um beijo, foi uma declaração. Uma tomada de posse urgente e desesperada, selada com o gosto de uísque e tensão. Sua língua invadiu a boca dela com uma familiaridade conquistada, não dada, explorando cada canto com uma fome que surpreendeu até a ela, uma mulher que se julgava imune a surpresas.
Ele a empurrou contra a pesada mesa de mogno, afastando com um braço uma pilha de documentos que deslizou para o chão com um ruído abafado. A algazarra no andar abaixo parecia distante, um ritmo constante para aquele ato de insanidade privada. As mãos dele, largas e fortes, agarram a cintura dela através do vestido, e o tecido grosso não conseguia afastar o desejo obsceno sob a pressão dos seus dedos.
Ela arqueou contra ele, um gemido rouco engolido por seus lábios, não em protesto, mas em incentivo.
— Vai me foder aqui mesmo? Agora? — Ela não resistia, apesar das palavras de alerta.
Suas unhas cravaram-se nos ombros impecáveis do terno, amassando o linho caro. A autoridade dele, sempre tão contida, tão perfeitamente domada, agora escapava das garras com um rosnado surdo. Era isso que ela queria ver, isso que ela queria provar.
Getúlio quebrou o beijo, ofegante, seus olhos escuros ardendo com um fogo que nenhum discurso político jamais revelara.
— Eu te fodo sempre que eu quiser. Você é minha! — Ele exclamou, incisivo.
Ele a virou com força bruta, a deixando tonta, pressionando-a contra a superfície lisa e fria da mesa. A madeira cheirava a cera e poder. Suas mãos levantaram a barra do vestido e puxaram o zíper traseiro, expondo as costas, a curva das nádegas, a pele quente contra o ar gelado do ar-condicionado. Ele não procurou fechos, não houve paciência para delicadezas. O som do nylon da meia-calça fina sendo puxada para baixo foi tão violento quanto íntimo. Ela sentiu o tecido rasgar, uma renda sacrificada no altar daquela urgência.
— Vem logo … fode essa buceta … não podemos demorar. — Ela alertou.
Ele próprio abriu a calça, o metal do zíper rangendo na quietude repentina. A cabeça do pau, dura como pedra e terrivelmente quente, pressionou-se contra a entrada da xoxota, úmida e pronta. Nazaré se engasgou, seus dedos se fecharam na borda da mesa até os nós dos dedos ficarem brancos. Não havia preparação, não havia clemência. Apenas a verdade crua daquele momento. Ele entrou nela num único e profundo movimento.
Nazaré, protegida pela cadência da bateria no andar de baixo, soltou um uivo abafado contra o verniz da mesa. Não precisava se segurar.
— Ai, caralho! Que tesão … Ahhhh …
Foi uma invasão quente, um preenchimento imediato e quase doloroso. Ele não se moveu por um instante, enterrado até o fim, e ela pôde sentir cada pulso, cada veia latejante dele dentro de si, uma expansão que a fazia sentir-se absolutamente ocupada, conquistada. E só então, ele começou a se mover.
Seus quadris bateram contra os dela com um impacto surdo e ritmado. Cada investida, uma pontuação brutal à sua provocação. Cada retirada quase total, uma tortura deliciosa. Cada avanço, uma afirmação de posse.
A dor inicial, o desconforto pela falta de lubrificação, dissolveu-se rapidamente com a excitação, consumida por uma onda avassaladora de prazer puro e primitivo.
— Mais forte agora … Ahhhh … fode, mete mais …
Cada nervo no corpo dela estava vivo, eletrizado, concentrado naquele ponto onde eles se fundiam, onde a fricção áspera e rápida acendia um incêndio na base da sua espinha.
Ele se curvou sobre as costas dela, sua respiração quente e ofegante junto à sua nuca. Seus lábios encontraram o ponto onde seu pescoço encontrava o ombro, e ele mordeu. Não uma mordida suave, mas uma marca de dentes que faria ela lembrar-se disso por dias. O grito que saiu dela foi rouco, gutural, nada da mulher sofisticada do salão. Era o som de uma fera encurralada que finalmente encontrava seu par.
— É … isso … que você … queria? — Ele rosnou entre estocadas, sua voz um arrasto áspero contra o ouvido dela. — Ver o … vice-presidente … perder … o controle?
— Mais … — Ela sussurrou, a palavra saindo como um arquejo. — Mais forte, mais fundo.
Sua mão deixou sua cintura e entrelaçou-se em seu cabelo, puxando a cabeça para trás, expondo ainda mais sua garganta. A nova angulação fez com que ele a atingisse ainda mais fundo, e um tremor violento percorreu todo o seu corpo. O mundo exterior desfocou-se. Os tambores, a política, as ambições … tudo se reduziu àquele espaço entre os seus corpos, ao suor que escorria pelas suas têmporas. A mão de Getúlio no seu cabelo era uma âncora, mantendo-a presa a cada investida profunda. O mundo era apenas aquele: o som rouco da sua respiração, a ardência da marca que ele deixara em seu ombro, a mesa rangendo sob o peso deles.
Mas Nazaré não era feita para ser apenas receptáculo. Aquele desejo não era uma via de mão única. Com um impulso que nasceu das entranhas, ela se empurrou para longe dele, quebrando a conexão brutal de um só golpe. O ar frio da sala encontrou a pele úmida onde ele acabara de estar, um choque repentino. Getúlio ficou parado por uma fração de segundo, seus olhos escuros ardentes de surpresa e frustração, seus músculos tensionados no arrepio do abandono.
Nazaré não deu tempo para que a lógica ou o decoro interferissem. Seu próprio pulso era um tambor frenético, espelhando a batida distante da festa lá embaixo. Ela se virou, e num movimento fluido e decidido, suas mãos encontraram o peito sólido de Getúlio. A força que ela aplicou não foi de brincadeira, foi uma afirmação. Ele cedeu com um grunhido abafado, as costas atingindo a superfície dura da mesa de madeira com um baque surdo que fez os objetos em cima dela tremerem.
Sem uma palavra, ela recolheu as barras do vestido em suas mãos, e montou nele. Não foi um convite. Não foi uma sugestão. Foi uma tomada. Ela o guiou para dentro de si num único movimento descendente, rápido e sem cerimônia, um ato de posse tão selvagem quanto o dele havia sido.
Um som gutural foi arrancado da garganta dele, algo entre um gemido e um rosnado de surpresa.
— Caralho, mulher … Assim é covardia, putinha.
Suas mãos voaram para os quadris dela, os dedos apertando a carne nua que encontrava por baixo do tecido, não para ditar o ritmo, mas para se agarrar, para ancorar-se na tempestade que ela havia iniciado. Seus quadris criaram um ritmo implacável, uma cadência de pura necessidade. Para cima. Para baixo. Profundo. Cada mergulho era uma afirmação, cada retirada uma promessa de mais.
A madeira da mesa protestava sob o peso e o movimento deles, rangendo em uníssono com a respiração ofegante que agora dominava o pequeno escritório. O cheiro dele, suor e algo mais terroso e essencial, encheu suas narinas. O dela, o perfume caro agora misturado com o aroma salgado do esforço, era a única fragrância que importava.
Ela se curvou sobre ele, uma barreira de controle, seus seios balançando perto do seu rosto. Seu cabelo caiu como uma cortina, fechando o mundo exterior, criando uma cúpula onde só existiam os dois.
— É esse o controle que você quer, Getúlio? — Ela sussurrou, sua voz um fio rouco de ar, enquanto seus quadris não cediam, não davam trégua. — Ver a esposa do corno bilionário e otário empalada nessa pica grossa?
Seus olhos se encontraram. Havia admiração feroz, uma aceitação voraz do jogo dela. Suas mãos subiram das suas ancas, passaram pelas suas costas, até se perderem no seu cabelo. Ele não puxou. Apenas segurou, as pontas dos dedos pressionando seu couro cabeludo, um ponto de contato intenso e ardente.
— Você … não esqueceu nada … me conhece bem demais. — Ele conseguiu dizer entre os embates dos seus corpos, cada palavra saindo entrecortada pelo impacto. — Você só … lembrou do que realmente somos.
A afirmação dele, a compreensão crua na sua voz, foi como gasolina no fogo que ela alimentava. Seus movimentos se aceleraram, tornando-se mais curtos, mais urgentes, mais profundos ... Ela buscou um ângulo diferente, girando os quadris, e o efeito foi elétrico. Um gemido longo e trêmulo saiu dela, involuntário, uma admissão sonora do prazer que ele provocava.
Ele viu. Ele ouviu. E ele respondeu.
Seu próprio corpo, que até então recebia a fúria dela, contra-atacou. Seus quadris elevaram-se da mesa para encontrá-la no meio do caminho, aumentando a força de cada colisão. As mãos dele saíram do seu cabelo e desceram, agarrando as nádegas dela com uma firmeza que faria marcas roxas, mas que agora só servia para aprofundar sua conexão, para mantê-la exatamente onde ele precisava que ela estivesse.
O poder não era mais dele ou dela. Era deles. Uma tempestade perfeita de vontades igualmente determinadas. A distinção entre quem dominava e quem se submetia dissolveu-se no suor que unia suas peles, no som úmido da sua união, nas palavras sussurradas que não eram mais provocações, mas sim confissões.
— Nazaré … — O nome dela era um pedido. Uma oração. Uma maldição.
Ela respondeu com um movimento final, afundando-se nele até o fim, prendendo-o dentro de si, parando abruptamente. O silêncio foi mais alto que qualquer música. O único movimento era a pulsação violenta e compartilhada que os unia, a sensação de estarem à beira do abismo, juntos.
Seus olhos se fecharam. Sua testa tocou a dele. A respiração dos dois era um só organismo, ofegante e caótico. O carnaval do lado de fora atingiu um clímax de baterias e gritos, mas era apenas um eco abafado do carnaval privado que se desenrolava naquela sala.
— Agora … tô gozando … Ahhhh … vem comigo …
E ele foi. Dois corpos explodindo em êxtase simultâneo, compartilhado, transcendental. Ficaram ali por alguns minutos, recuperando o fôlego, saciados, mas sabiam que precisavam voltar. Não podiam demorar mais.
Nazaré ajeitou o vestido diante do espelho da sala administrativa, passando as mãos pelo tecido como se nada tivesse acontecido. Nem precisou tirá-lo. Getúlio, ao lado, fechava o zíper da calça com movimentos práticos, ajeitando o paletó até que o caimento voltasse a ser impecável.
Trocaram um último olhar cúmplice, silencioso, antes de abrir a porta. Desceram juntos as escadas laterais, furtivos, atentos para não cruzar com ninguém. No salão, a bateria abafava qualquer suspeita. Quando reapareceram, misturando-se novamente aos convidados, pareciam nunca ter deixado seus lugares.
{…}
O salão fervilhava de samba e vozes, mas, de repente, algo mudou. A porta principal se abriu, e por ela entrou uma figura que parecia deslocada daquele ambiente de máscaras calculadas e sorrisos ensaiados.
Antes de atravessar o limiar, Monalisa encostou a mão no totem de reconhecimento biométrico, como todos os funcionários deviam fazer. A luz verde acendeu com um bip discreto, registrando sua presença sem chamar atenção. Apenas mais um nome na lista, mais uma funcionária confirmada no baile.
Mas quando ela deu o primeiro passo dentro do salão, já não era “mais uma”. O vestido em tons de azul-claro e prata cintilava sob os refletores improvisados, como se cada pedra bordada tivesse capturado um pedaço das estrelas. Os sapatos prateados refletiam o chão polido, dando a impressão de que ela flutuava ao invés de caminhar.
A máscara delicada, bordada em pedrarias discretas, escondia parte do rosto, mas realçava ainda mais o brilho dos olhos negros, os lábios bem desenhados e a simetria das bochechas. E mesmo que não houvesse coroa, nem joias verdadeiras, havia algo nela que nenhuma fantasia cara poderia imitar: uma aura de encanto que silenciava conversas e prendia olhares.
As mulheres jovens, até então ocupadas em disputar a atenção de Fernando, ficaram fascinadas. Algumas se entreolharam, outras cochicharam, mas nenhuma ousava tirar os olhos da desconhecida. Era como se uma nova estrela tivesse surgido no salão, roubando o brilho de todas as outras.
Fernando, porém, não a percebeu de imediato. Estava preso entre empresários e parceiros importantes, aceitando cumprimentos, ouvindo histórias repetitivas, sustentando um sorriso cansado. Não viu a porta se abrir, não sentiu o ar do salão mudar. Mas todos os outros sim.
Homens pararam de falar no meio das frases. Mulheres viraram os rostos, encantadas e, em alguns casos, invejosas. Até os garçons que circulavam com bandejas ergueram discretamente os olhos para acompanhar a visão que se aproximava.
Monalisa, alheia ao impacto que causava, caminhava como quem não pertencia àquele lugar. E talvez por isso mesmo fosse impossível ignorá-la.
Ela avançava devagar pelo salão, receosa, tentando se manter às margens da festa. Não queria chamar atenção, embora fosse impossível passar despercebida. Aceitou uma taça das mãos de um garçom que circulava com bandejas e bebeu um gole rápido, sentindo o frescor do espumante descer pela garganta seca.
O som da bateria, vibrando no palco central, arrepiava sua pele. Sem perceber, deixou o corpo balançar no ritmo, como se fosse um reflexo antigo, gravado em seus músculos desde os tempos de passista. Passou ao lado de duas colegas da fábrica, vizinhas na comunidade, que riam animadas em suas fantasias, mas nenhuma das duas pareceu reconhecê-la por trás da máscara cintilante.
O anonimato a fez sorrir. Animada pela bebida, arriscou sambar, só para sentir a cadência lhe percorrer as pernas. Mas logo conteve o impulso, lembrando-se do valor da fantasia. Não podia arriscar um arranhão nos sapatos prateados ou um rasgo no vestido emprestado.
Bebeu, comeu, conversou timidamente com uma ou outra mulher que tentou se aproximar, mas se manteve distante, misteriosa, por quase todo o tempo.
Seguiu então para uma ala lateral, menos iluminada, local em que a música chegava abafada e corria uma brisa que refrescava a noite. Precisava respirar. Foi naquele instante que o destino resolveu agir.
Fernando já estava ali, afastado da multidão, encostado na mureta com uma garrafa de água na mão. O príncipe relutante havia fugido do calor sufocante dos cumprimentos e elogios falsos. Quando ergueu o olhar distraído, seus olhos azuis cruzaram com os dela. Por um segundo, o tempo pareceu parar.
Endireitou o corpo, como se uma força invisível o tivesse puxado em direção àquela mulher mascarada. A garrafa de água gelada suava em sua mão, mas era ele quem sentia o calor subir pelo corpo.
— Você … — Começou, hesitante, mas com os olhos fixos nela. — Quem é você?
Monalisa, sem jeito, baixou o olhar e fez menção de se afastar, mas ele se adiantou, oferecendo um sorriso desarmado.
— Sabe … acho curioso. Eu vim ridiculamente fantasiado de príncipe e, de repente, encontro uma princesa. — O tom brincalhão arrancou dela um sorriso tímido, que brilhou mais do que qualquer pedraria do vestido.
— É só coincidência … — Monalisa respondeu, com a voz suave, quase um sussurro.
Fernando deu um passo para mais perto, fascinado.
— Tem certeza de que não nos conhecemos? Há algo em você … não sei explicar. É como se eu já tivesse visto esse olhar em algum lugar.
Ela respirou fundo, escondendo a ansiedade atrás da máscara. Conhecia a fama dele, a rotina de fofocas nas redes sociais.
— Sou apenas uma qualquer … só mais uma funcionária entre tantas. Não vale a pena tentar adivinhar.
Fernando franziu a testa, descrente. Deixou o olhar percorrer a fantasia impecável, os detalhes delicados do bordado, a queda perfeita da saia.
— Não, isso não pode ser. Essa roupa é cara demais, bem-feita demais, para ser de alguém comum.
As palavras escaparam antes que pudesse contê-las. Assim que viu a expressão dela se retrair, percebeu o quanto soara elitista.
— Perdão … — Apressou-se em corrigir, erguendo as mãos e dando um passo atrás. — Eu não quis dizer desse jeito. Só que … muitos funcionários da empresa moram na comunidade ao lado, trabalham no barracão da escola de samba para fazer um extra. Não seria incomum conseguir uma fantasia tão perfeita assim.
Monalisa ergueu os olhos, avaliando-o em silêncio. Ainda havia uma ponta de desconfiança, mas o esforço dele em se corrigir a fez relaxar um pouco.
Fernando aproveitou o silêncio, sentindo o coração acelerar. Naquele momento, ao lado dela, não era o herdeiro exibido num balcão de negócios. Era apenas um homem, tentando descobrir quem era aquela mulher mascarada que lhe tirava o ar.
A música da bateria mudou, diminuindo o ritmo frenético. Os tambores cadenciaram, os surdos marcaram compassos mais lentos, e a melodia se transformou em um samba suave, quase romântico, convidando os casais a ocupar a pista.
Fernando estendeu a mão, o olhar firme, mas cheio de gentileza.
— Me concede uma dança?
Monalisa hesitou. A respiração acelerada, o coração batendo no compasso dos repiques, tudo dentro dela dizia que não deveria. Mas, como se o corpo tivesse vontade própria, aceitou a mão dele.
Foram para o centro do salão. Ele a guiava com segurança, mas sem arrogância. Os passos eram simples, adaptados ao ritmo, e logo Monalisa se deixou levar. O vestido cintilava sob as luzes, a máscara escondia sua identidade, mas não havia como esconder o brilho dos olhos que teimavam em se encontrar com os dele. Se perdia naquele azul profundo e atraente.
Aos poucos, o burburinho diminuiu. Olhares se voltaram. Alguns sorrisos se abriram, outros franziram as sobrancelhas. Jovens mulheres mascaradas, até então disputando a atenção de Fernando, agora assistiam à cena em silêncio, engolindo a derrota diante da beleza da desconhecida.
Do canto do salão, uma das funcionárias da fábrica, uma das vizinhas da comunidade, arregalou os olhos. Reconheceu o olhar, o sorriso contido, a forma de se mover. Era impossível … será que era ela?
— Monalisa? — Murmurou, incrédula. — Não pode ser … ela jamais estaria aqui, não com Vinícius no pé dela …
Tentou se aproximar, mas parou no meio do caminho, perdida entre a dúvida e a descrença.
— Claro que não. Ela é submissa demais para isso. — A mulher desistiu.
Enquanto isso, Monalisa e Fernando continuavam dançando. Ele se inclinava de leve para falar ao ouvido dela, o calor da voz misturado à música. Ela respondia com frases curtas, tímidas, mas o sorriso escapava, traindo a alegria que não conseguia esconder.
No salão, não havia mais ninguém. Para os dois, só existiam o compasso da música, os olhares trocados e a sensação de que, por uma noite, eram exatamente o que pareciam: um príncipe e sua princesa.
O samba cadenciado embalava cada passo, mas o que deixava Monalisa mais atordoada era a forma como Fernando a olhava. Não havia julgamento, nem superioridade. Apenas curiosidade e algo que ela não conseguia decifrar.
— Posso te confessar uma coisa? — Ele disse, com um sorriso nervoso, a voz próxima ao ouvido dela. — Meu pai está usando esse baile para que eu escolha uma pretendente.
Monalisa arqueou as sobrancelhas sob a máscara, surpresa.
— É verdade mesmo?
Fernando riu, mas a risada soou amarga.
— É ridículo, não acha? Me sinto uma mercadoria sendo negociada, incapaz de fazer minhas próprias escolhas.
Por um instante, Monalisa parou de dançar. O olhar dela se perdeu, como se tivesse esquecido onde estava. As palavras escaparam antes que pudesse contê-las:
— Pelo menos, você tem escolhas. Algumas pessoas nem isso têm. São apenas reféns da escolha de outros.
O comentário pairou entre eles, carregado de algo que Fernando não entendeu de imediato. Ele abriu a boca para perguntar, mas naquele exato instante Monalisa se sobressaltou.
— A hora … — Murmurou, aflita.
Soltou a mão dele, recuando com passos apressados. Fernando tentou alcançá-la, confuso.
— Espere, o que foi?
Ela não respondeu. Atravessou o salão quase correndo, a saia azul-prateada rodando em volta de si, enquanto os convidados se entreolhavam surpresos. O coração batia descompassado quando agarrou o braço da primeira pessoa que viu.
— Por favor, que horas são?
O homem olhou o relógio de pulso e respondeu com naturalidade:
— Faltam cinco minutos para a meia-noite.
O sangue gelou em suas veias. Monalisa disparou para a saída, ignorando os olhares, os murmúrios, até mesmo o chamado distante de Fernando.
Na entrada da empresa, o carro laranja metálico a esperava como uma centelha improvável na noite. O motorista acenou com impaciência.
— Vamos logo, garota! — Gritou, abrindo a porta. — Já passamos da hora.
Sem olhar para trás, Monalisa entrou às pressas, e o veículo arrancou pela avenida iluminada, deixando para trás o baile, a música, e um príncipe sem entender o que acabara de acontecer.
Fernando ficou parado, a respiração acelerada, como se tivesse levado um soco invisível. Olhava para as portas por onde a desconhecida desaparecera, sentindo o coração bater mais rápido do que jamais lembrava.
As conversas ao redor recomeçaram, os convidados voltaram à dança, mas para ele nada fazia sentido. Só havia aquela pergunta martelando em sua cabeça: “quem era ela?”.
Deu alguns passos na direção da saída, ainda em transe, quando algo brilhou no chão polido. Abaixou-se e encontrou um cordão fino, com uma pequena aliança presa a ele. Simples, gasto pelo tempo, mas carregado de significado.
Fernando segurou a peça com cuidado, como se fosse frágil demais para ser tocada.
— É dela … — Murmurou para si mesmo.
Não tinha dúvidas. Aquela mulher misteriosa deixara para trás não apenas um encanto, mas também uma lembrança concreta, uma pista de quem era.
Guardou o cordão no bolso interno do gibão, apertando-o contra o peito. O olhar azul se ergueu novamente para a entrada, agora vazia.
— Nós vamos nos encontrar novamente. — Disse em voz baixa, como um voto silencioso. — Eu prometo.
E, enquanto o baile continuava em cores, música e máscaras, Fernando sabia que sua vida havia mudado para sempre.
Continua …
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