Na manhã seguinte, o despertador quase passou despercebido. Carlos se espreguiçou, corpo ainda pesado e satisfeito, murmurando:
— A noite foi… cansativa.
Ele permaneceu na cama, rendido à preguiça e à satisfação. Vera, ainda sonolenta, mas com o olhar brilhante, levantou-se para se arrumar. A Escola Dominical a aguardava.
Embora a noite tivesse sido ótima, Vera acordou naquele domingo com o corpo pesado e a mente inquieta.
Fazia muito tempo que ele não faltava ao culto dominical, pensou, sentindo uma pontada de estranheza misturada à preocupação. Ela suspirou, vestiu-se silenciosamente e se preparou para cumprir a rotina: escola dominical e culto, funções que antes lhe davam prazer, agora pesando como obrigação.
Na sala de aula, Vera se esforçou para sorrir e manter a postura de sempre, mas as palavras saíam sem brilho. Quando algum aluno comentava sobre a ausência de Carlos, ela rapidamente inventava uma desculpa: “Ele está indisposto hoje.” Cada frase saía automática, mas o peso da mentira pequena apertava seu peito. A mente de Vera vagava para longe do quadro-negro, contando mentalmente os minutos até dar o horário. Depois da aula ainda teve o culto
Quando o culto terminou, seu corpo parecia ainda mais cansado, mas uma pontada de ansiedade tomou conta. Ainda no estacionamento da Igreja, com movimentos quase automáticos, pegou o celular. Cada toque na tela acelerava seu coração: precisava ver se Casanova havia postado algo novo. Era um ritual silencioso, um instante de fuga da rigidez das obrigações, e ela se sentiu simultaneamente culpada e fascinada. Enquanto deslizou os dedos pela tela, percebeu que parte dela já não pertencia totalmente àquela manhã ensolarada, à igreja. Havia um outro mundo ali, pequeno e brilhante, que a prendia de um jeito que nada mais conseguia.
Dentro do carro, no estacionamento da Igreja, seu olhar quase grudado na tela do celular esperava por um novo conto de Casanova.
Mas, para sua surpresa, quem publicou um novo texto foi XShana Love.
Conhecida por seus romances intensos entre mulheres.
Ela havia publicado uma nova história: “Trisal com a Ruiva e a Japonesa”
No conto, a protagonista Sarah se muda para uma cidade diferente e passa a dividir o apartamento com duas amigas: Ginger, uma ruiva voluptuosa e cheia de atitude, e Yumi, uma japonesa lindíssima que guardava muitos mistérios.
{[ SARAH TINHA CONSEGUIDO A TÃO SONHADA VAGA NA FACULDADE, E AGORA O PRÓXIMO PASSO ERA ENCONTRAR UM LUGAR PARA CHAMAR DE LAR.
DURANTE ALGUNS DIAS, PASSOU DE UM CANTO A OUTRO COM OS OLHOS ATENTOS AOS QUADROS DE AVISOS, AOS GRUPOS ONLINE E ATÉ ÀS CONVERSAS ALEATÓRIAS EM FILAS DE LANCHONETES. QUASE SEMPRE ESBARRAVA EM LUGARES CAROS DEMAIS OU QUARTOS MINÚSCULOS E MAL ILUMINADOS. JÁ COMEÇAVA A COGITAR A POSSIBILIDADE DE DIVIDIR UM QUARTO COM TRÊS DESCONHECIDOS QUANDO VIU A MENSAGEM QUE MUDARIA TUDO: “APARTAMENTO 3 QUARTOS – 2 MORADORAS PROCURANDO A TERCEIRA. AMBIENTE TRANQUILO, PERTO DA FACULDADE.”
SARAH ANOTOU O NÚMERO E LIGOU NO MESMO INSTANTE.
NO DIA SEGUINTE, SUBIA AS ESCADAS DE UM PRÉDIO SIMPLES, MAS BEM CUIDADO, COM UMA MISTURA DE ANSIEDADE E ESPERANÇA. FOI RECEBIDA POR DUAS JOVENS COM SORRISOS FÁCEIS: YUMI, UMA LINDA JAPONESA, ESTUDANTE DE ARQUITETURA, E GINGER, UMA RUIVA ESTUDANTE DE ECONOMIA. AS DUAS PARECIAM JÁ AMIGAS DE LONGA DATA, E SARAH LOGO SE VIU RINDO JUNTO DELAS, COMO SE JÁ FIZESSE PARTE DALI.
DEPOIS DE UMA RÁPIDA CONVERSA, UMA OLHADA NO QUARTO VAGO E UM CAFÉ IMPROVISADO NA COZINHA, A DECISÃO FOI QUASE NATURAL.
— SE VOCÊS ME ACEITAREM… — DISSE SARAH, UM POUCO TÍMIDA, MAS ANIMADA.
YUMI E GINGER SE ENTREOLHARAM E SORRIRAM.
— A GENTE JÁ ACEITOU — RESPONDEU YUMI — BEM-VINDA AO LAR.
NAQUELA NOITE, SARAH ESTAVA NO SOFÁ DA SALA, O LAPTOP SOBRE AS PERNAS, FINALIZANDO UM TRABALHO DA FACULDADE. A TELA BRILHAVA À SUA FRENTE, MAS SUA ATENÇÃO FOI DESVIADA PELO SOM SUAVE DE PASSOS DESCALÇOS.
YUMI ATRAVESSAVA O AMBIENTE COM UMA CALMA ENCANTADORA. USAVA UM PIJAMA DE CETIM LEVE, ESTAMPADO COM PÉTALAS DE SAKURA. O TECIDO DESLIZAVA SOBRE SUA PELE COM DELICADEZA, DESTACANDO CADA MOVIMENTO SEU. SUAS PERNAS, LONGAS E BEM DEFINIDAS, TINHAM UM BRONZEADO DOURADO, UNIFORME E RADIANTE.
CADA PASSO DESCALÇO PARECIA ENSAIADO, EMBORA VIESSE DE UMA NATURALIDADE INATA. YUMI CARREGAVA UMA SENSUALIDADE TRANQUILA, ENVOLVENTE, E UM CARISMA SILENCIOSO QUE FAZIA COM QUE O OLHAR DE SARAH A SEGUISSE.
SARAH A OBSERVAVA SEM DIZER NADA. YUMI REPAROU E REVELOU UM MEIO SORRISO, ENQUANTO MEXIA NOS CABELOS ESCUROS, LONGOS E BRILHANTES, QUE CAÍAM COM GRAÇA SOBRE OS OMBROS. O CONTATO VISUAL ENTRE ELAS DUAS ERA CONTÍNUO, PROVOCANTE.
FOI ENTÃO QUE GINGER ENTROU NA SALA. ELA SEGUIU ATÉ UMA CADEIRA, EM UMA MESA QUE FICA PRÓXIMA AO SOFÁ, E SE SENTOU, TRANQUILA. SEM PALAVRAS, BATEU LEVEMENTE COM A PALMA NA PRÓPRIA COXA, EM UM GESTO QUE PARECIA UM CONVITE.
YUMI ENTENDEU IMEDIATAMENTE. CAMINHOU ATÉ ELA, LENTA E CONFIANTE, SEM DESVIAR O OLHAR DE SARAH. ENTÃO SE ACOMODOU EM SEU COLO COM NATURALIDADE. AS DUAS TROCARAM UM SORRISO CÚMPLICE, ÍNTIMO, COMO QUEM COMPARTILHA UM SEGREDO.
YUMI SE MOVEU COM DELICADEZA, AJUSTANDO-SE COM CONFORTO, COMEÇOU A REBOLAR NO SEU COLO E A ESFREGAR A BUNDA.
GINGER, COM AS MÃOS APOIADAS SUAVEMENTE EM SUA CINTURA, ENCOSTOU O ROSTO EM SEU OMBRO, FECHOU OS OLHOS POR UM MOMENTO, E COMEÇOU A BEIJAR SEU PESCOÇO.
E DURANTE ESSE TEMPO, AS DUAS MANTINHAM O OLHAR FIXO EM SARAH — COMO SE AQUELA CENA FOSSE, DE ALGUMA FORMA, PENSADA PARA ELA.”
Vera estava lendo o texto com atenção, fascinada pela narrativa e pela química entre as personagens, quando ouviu alguém batendo na janela de seu carro: Era a irmã Rute, a esposa do pastor.
- Irmã Vera, soube que seu marido não está bem hoje. Precisa de alguma ajuda?
- Não irmã, obrigada. Ela só ... bem ... não conseguiu dormir bem a noite. Está indisposto.
Vera saiu apressada do estacionamento da igreja, quase sem notar os fiéis que ainda se cumprimentavam no pátio. O motor do carro ecoava seu coração acelerado — havia algo de ansioso em sua pressa de voltar para casa.
Quando abriu a porta do apartamento, encontrou o aroma do almoço já pronto. Carlos e o filho, Paulo, estavam à mesa, esperando por ela.
— O carro está na oficina — contou Paulo, entre uma garfada e outra. — Precisei vir de Uber.
Conversaram um pouco mais, e logo os pratos foram esvaziados. Paulo se levantou, ajudou a mãe com a louça e separou uma marmita. Preparava-se para sair quando Carlos, já pegando as chaves, se ofereceu:
— Eu te levo, filho.
Em poucos minutos, o apartamento ficou em silêncio. Apenas Vera permaneceu. Aproveitou o raro momento de solidão para se refugiar em seu segredo: abriu o notebook e entrou no site onde acompanhava os contos que tanto a prendiam. Pretendia terminar o texto de Xshana-Love, mas algo chamou sua atenção imediatamente — uma nova publicação de Casanova. O aviso piscava fresco, publicado naquela mesma manhã.
Seu coração acelerou, os dedos tremendo ligeiramente enquanto ela clicava para abrir a página.
No site, o título do novo conto brilhava na tela: “Comi a vizinha gostosa no elevador”.
Vera abriu o texto quase sem respirar.
Casanova narrava que, no prédio onde morava, uma vizinha linda chamada Sheila havia se mudado. No primeiro dia, em um elevador lotado, seus corpos haviam se tocado — um breve encontro que ficou marcado na memória dele.
A vizinha gostosa tinha aproveitado que o elevador estava cheio e encostou e esfregou a bunda no corpo de Casanova.
Mas no dia seguinte, o elevador estava só com os dois. Quando a cabine parou por um defeito, ficaram presos juntos, isolados do resto do mundo.
E foi nesse momento, com a câmera do elevador coberta por ele, que Sheila abaixou as calças de Casanova e o presenteou com um boquete.
Em seguida Casanova e a vizinha, que no conto recebeu o nome de “Sheila” fizeram sexo selvagem no elevador.
De acordo com Casanova o sexo foi inesperado, intenso, impossível de esquecer.
Enquanto lia, Vera sentiu o coração acelerar. Cada palavra, cada detalhe, era a sua vida ali, retratada — só que com nomes diferentes e algumas adaptações.
Vera ficou sentada à mesa, cada palavra lida tinha despedaçado a última barreira da dúvida.
Carlos era Casanova.
Ele usava a própria vida como matéria-prima para seus contos, transformando fatos em ficção, misturando realidade e fantasia numa teia que agora ela enxergava claramente.
Um sorriso tênue, quase imperceptível, surgiu em seus lábios.
Havia algo admirável naquela coragem, naquela criatividade. Mas junto com a admiração, uma pontada de medo crescia.
O que ela deveria fazer agora? Confrontar? Guardar o segredo? Ou deixar que ele continuasse a escrever, brincando com suas vidas?
Vera sentiu o peso da responsabilidade e, ao mesmo tempo, um estranho alívio por finalmente ter a verdade diante dos olhos.
Vera esperou Carlos chegar em casa. Estava sentada à mesa da sala, o notebook aberto, mas os olhos fixos na tela de espera.
Carlos entrou como sempre, leve, distraído, jogando as chaves na mesinha de canto.
— Oi, meu amor — disse ele, caminhando até a sala. — Tá tudo bem?
— A vizinha do elevador é bonita? — Vera perguntou, sem se virar.
Ele parou na hora.
— O quê?
Ela girou a tela do notebook em sua direção. Aberta, a página com o conto mais recente de Casanova.
Carlos empalideceu. Ficou paralisado por alguns segundos — os olhos presos ao texto, o coração disparado.
— Como... você...?
— Eu leio há meses. — Cortou ela, firme. — Sou leitora assídua do Casanova. Comentei uma vez. Com o apelido de “Musa”.
Carlos recuou um passo, atônito.
— “Musa”? — repetiu, num sussurro.
— Sim. Porque você me chamava assim, lembra?
Carlos passou a mão no rosto, perplexo.
— Eu não fazia ideia... Meu Deus. Você é a Musa. A Musa. A leitora que comentou recentemente — ele engoliu em seco. — Eu não tinha ideia de que era você.
— Pois é. E eu nunca soube que “nós” só existíamos até a hora que você se sentava pra escrever.
Carlos balançou a cabeça, ainda sem conseguir digerir tudo.
— Isso tá me deixando... completamente desnorteado. Eu achava que esse site era meu espaço anônimo. Que era onde eu podia ser... só o Casanova.
— E é. — ela respondeu. — O Casanova que sente desejo pelas vizinhas. Que come as atendentes de loja. Que escreve sobre encontros que parecem reais demais pra serem só invenção.
— Vera... — ele se aproximou, quase tropeçando nas próprias palavras. — Isso é ficção. É um personagem. Eu criei um cara solteiro, livre, que vive situações que prendem o leitor. Era pra ser só isso. Um jogo de escrita. Os leitores não querem contos sobre maridos fiéis e jantares de quarta-feira. Eles querem o proibido. O quente. O quase-impossível.
— Mas, por que usar o nosso momento íntimo no elevador? — ela o cortou. — Por que pegar aquela lembrança só nossa e colocar no texto, como se fosse com outra?
Carlos ficou em silêncio.
— Eu não queria te expor — murmurou ele, por fim. — Era íntimo. Eu achei que se fosse com “outra”, ninguém saberia que era você. Que era a gente. Que era real.
— Mas eu sei. — ela disse. — E ler aquilo foi pior do que se fosse só ficção. Porque você me apagou. Substituiu. Fingiu que era outra. Até quando era eu.
Ele sentou-se devagar, como se o peso do mundo tivesse caído sobre ele.
— Eu nunca imaginei que você um dia iria ler. Com o nome que eu te dei...
Carlos olhou para ela, os olhos marejados, devastado pela ironia cruel de tudo aquilo.
— Você é a Musa.
Vera cruzou os braços, triste, mas firme.
— Você me chamava de Musa. Mas no fim, quem você queria encantar era o público. E pra isso, eu tive que desaparecer das histórias. Até dos meus próprios momentos.
Carlos ficou em silêncio, tomado por um vazio que nem Casanova saberia escrever.
— Se quer continuar escrevendo como Casanova, tudo bem. — disse Vera, já se afastando. — Mas pelo menos você poderia ter contado. Poderíamos ter dividido isso. Mas eu soube por esses contos... por essas personagens que são pedaços da nossa vida.
A tensão encheu o ar .
Carlos respirou fundo e finalmente falou, com a voz baixa:
— Vera, eu... eu não sabia como contar. Era minha forma de lidar com tudo. Mas você tem razão. Tudo é real, ou pelo menos, uma versão da verdade.
Ela encarou Carlos, firme.
— Diga a verdade, você teve algum contato íntimo com essa mulher? E com a vendedora? Aquela da loja de roupas?
Carlos engoliu seco, a respiração acelerada.
— Vera, eu... não, não aconteceu nada disso. Eu uso essas situações como inspiração, é só ficção. As relações do Casanova com essas mulheres são inventadas.
— Mas por que inventar? — Vera perguntou, olhos faiscando — Por que usar pessoas para criar essas histórias?
Carlos desviou o olhar, visivelmente incomodado, tenso.
— Porquê… porque é a maneira que eu encontro para lidar com minhas ideias, minhas dúvidas… É um refúgio. Eu não queria magoar você.
Vera sentiu a mistura de raiva, decepção e ainda um resquício de amor.
— Eu não sei se acredito em você, Carlos. Preciso mais que palavras.
Carlos fechou os olhos.
— Vera… escuta, por favor — implorou, aproximando-se dela, as mãos estendidas, quase suplicantes. — Eu nunca encostei um dedo nessas mulheres. Nunca. Nem na Rosileine, nem na vizinha nova. Eu só… pego o cenário, as situações reais, e transformo em algo literário. Eu exagero, invento… Mas tudo isso é ficção.
Vera cruzou os braços, sem baixar o olhar. Sua voz saiu firme, mas trêmula no fundo:
— Você inventou... que fez sexo no elevador com uma mulher que ficou colada em você no dia anterior. Você inventou... uma atendente de loja que te conhece pelo nome, que entrega uma calça ajustada como se você fosse cliente íntimo.
Ele se aproximou um pouco mais, com cuidado, como se temesse que ela quebrasse.
— Sim, eu me inspirei em tudo isso. É verdade. Mas a Janaina mal falou comigo. A Rosileine só me atendeu uma vez antes. Eu reparei nos detalhes, e os detalhes... viraram contos. Só isso. Nada aconteceu de verdade.
Vera baixou os olhos por um momento. A dúvida latejava dentro dela como um tambor surdo.
— Você cobriu a câmera do elevador — murmurou, quase num sussurro. — Exatamente como no conto.
Carlos arregalou os olhos.
— Eu escrevi depois, Vera! Foi você que me chupou ali, presa comigo! Aquilo me inspirou. Eu fiquei... em choque! E ao mesmo tempo, fascinado! Mas eu juro, por tudo, eu não traí você. Eu nunca faria isso.
O silêncio caiu pesado entre eles.
Vera se afastou, respirando fundo, os olhos marejados, mas a expressão ainda dura.
— Eu preciso pensar.
Carlos assentiu, derrotado, os ombros caídos.
— Eu entendo.
Ela foi para o quarto e fechou a porta com calma.
Carlos ficou ali, parado no meio da sala, o coração disparado, se perguntando se seus contos, mesmo sendo ficção, tinham criado rachaduras demais na realidade.
Continua ...