Depois de uma madrugada intensa na filial, passei em uma padaria perto de casa e comprei uma cesta de café da manhã e um bolo para Kaique. Era aniversário dele e de Milena, mas, pela primeira vez, eles iriam comemorar separados, sem direito nem a um abracinho.
Tentamos de tudo, mas não houve jeito de reunir os dois na data. Isso entristeceu não apenas nossos filhos, mas também a mim e a Júlia. A logística já era complicada e a pandemia só aumentou os obstáculos, impedindo que realizássemos o simples desejo de ficarmos juntos por, ao menos, trinta minutos.
Quando subi as escadas de casa, ouvi a voz de Milena vindo do quarto de Kaká: — É o pior aniversário do mundo!
Meu coração se partiu naquele instante. Ainda era cedo, mas os dois já estavam em chamada de vídeo, compartilhando a frustração de passar longe uma data sempre tão especial e comemorada.
Tomei um banho refletindo sobre o que poderia dizer naquele momento, mas quanto mais pensava, mais percebia que nenhuma palavra teria força suficiente para aliviar o que todos nós estávamos sentindo. O vazio que existia, a falta que sentíamos não se preenchia com explicações ou tentativas de consolo, porque, no fundo, sabíamos que nada substituiria a presença, o abraço e o carinho. Eu poderia dizer frases bonitas e tentar suavizar a situação, mas seria em vão. No fim, só me restava ser realista: não era a realidade que desejávamos, contudo, era a que tínhamos diante de nós, a única que poderíamos viver.
Deitei ao lado de Juh por um momento e ela, ainda de olhos fechados, se agarrou a mim e depositou um beijo em meu pescoço.
— Eles já estão acordados... E tristes — Comentei.
— Já? Que horas são? — Juh perguntou.
— Não sei, mas ainda é cedo — Respondi, em um tom desanimado.
— Nunca mais a gente deixa isso acontecer — Júlia disse, após algum tempo de silêncio entre nós duas.
Ela foi tomar banho e logo depois fomos até o quarto do nosso filho, ele estava encolhido embaixo do cobertor, com seus olhinhos vibrantes nos fitando na porta.
— Parabéns, rapazinho... Você é oficialmente um adolescente segundo o ECA — Falei, me jogando em cima dele.
— Sempre será o nosso neném. Feliz aniversário, meu amooooor! — Juh completou, se juntando ao abraço.
— Obrigado, mamães! — Ele respondeu, tentando parecer animado.
— Vamos descer, tem algo lá te esperando... Não é da maneira que nós gostaríamos, mas vamos fazer de tudo para que tenha todo nosso carinho e todo nosso amor em casa gesto no dia de hoje — Falei, acariciando seu cabelo.
— E de lá nós ligamos para Milena — Juh sugeriu.
— Falei com ela há pouco tempo... Mih também tá um pouquinho triste... Mas a gente entende... — Kaká nos disse, baixinho.
— Eu sei... Infelizmente, esse ano será um pouco diferente, porém vamos nos esforçar para a gente ter uma boa lembrança. É aniversário de vocês, tem que ser um dia feliz... — Disse-lhe e meu filho acenou positivamente com a cabeça.
— Nem Lore, nem eu gostamos de comemorar o nosso próprio aniversário, mas nem por isso deixamos ser um dia triste... A gente encontrou a nossa maneira de fazer dar certo e vamos encontrar um jeito de transformar o dia de hoje em um dia feliz, tá? — Juh falou.
— Vai ser feliz, só não vai ser completo — Ele enfatizou, levantando-se.
Ao chegar na cozinha, nosso filho abriu um sorriso tímido ao ver a mesa posta. A cesta de café da manhã estava repleta de coisas que ele adora e, espalhados entre as xícaras e os pratos, pequenos envelopes coloridos guardavam os gift cards que Milena e ele tanto queriam.
—Obrigado.. — Kaká murmurou, rindo de canto, enquanto passava as mãos pelos envelopes.
Nós duas trocamos um olhar cúmplice, satisfeitas por arrancar dele aquele lampejo de alegria. Ele nos abraçou com força antes de se sentar à mesa. O clima, ainda que não fosse o ideal, começava a se aquecer.
Peguei o celular e liguei para Milena, assim que a tela acendeu e o rosto dela apareceu, os dois se iluminaram.
— Olha o que a gente ganhou! — Kaique disse, animado.
— Caaaalma, primeiro eu quero da parabéns pra minha princesinha — Falei, voltando o celular para mim novamente.
Juh se juntou a mim e juntas desejamos um feliz aniversário para nossa filha, ela estava visivelmente tristinha, mas se esforçando para não transparecer.
Falei que aquilo nunca mais iria se repetir e nesse momento pude notar que ela deu um sorrisinho de leve, acredito que por sentir que a sua dor era importante e nem Juh, nem eu iríamos ignorar.
— Estou com muita saudade de tudo — Foi a primeira coisa que minha filha disse, antes de nós agradecer.
— Estamos com muita saudade de você aqui — Juh disse.
Milena nos mostrou o seu café da manhã e juntos fizemos a nossa refeição.
O clima mudou, a gente foi conversando, brincando. Eles sondaram e acabaram descobrindo que íamos comprar o PS5 no final do ano como eles haviam pedido e depois disso foi só papo de jogos.
— Vocês nasceram para ser irmão um do outro — Falei, enquanto eles faziam a maior resenha.
— Eu amo ser seu irmão — Kaká disse e eles deram o sorriso mais lindo do dia.
~ Bom... Até então... 👀
Eu fui descansar um pouco e acordei com uma visão inesperada. A minha cama havia sido invadida por dois bebês extremamente fofos. Tiago dormia nos braços de Kaique e Alice brincava com Juh.
Fiquei um bom tempo observando os quatro, Kaká ria do sono pesado do priminho, enquanto Alice se divertia energicamente com o cabelo de Júlia. Ela puxava e a titia fazia caras e bocas, como se estivesse doendo, e minha sobrinha gargalhava.
— Olha, a sua tia acordou — Juh falou, apontando para mim.
— Mãe, repara, ele não acorda de maneira alguma — Kaique me mostrou, rindo.
— Soninho bão — Comentei, acarinhando as costas do pequeno.
— Loren foi ao médico e eu pedi para deixar eles aqui um pouquinho — Juh explicou.
— Despertei com uma surpresa maravilhosa — Falei, ainda apreciando a cena.
De repente, Alice começou a ficar inquieta e Júlia foi tentando acalma-la.
— Acho que é fome, vou pegar o leitinho dela — Ela constatou e eu levantei para pegar minha sobrinha no colo.
Fiquei na varanda balançando-a de um lado para o outro e Alice ia se distraindo, mas ainda demonstrava um certo desconforto de vez em quando e choramingava.
— Prontinho — Juh disse e se aproximou com a mamadeira.
Eu devolvi para os braços dela porque percebi que a gatinha queria ter aquela experiência. Fiz questão de continuar ali, atrás dela, vendo cada movimento de perto.
A animação d Júlia chamava a minha atenção, me fazia ficar vidrada. Alice também parecia atraída, já que seus olhos não desviavam dos olhos de Juh, que sorria alegremente enquanto fazia uma voz infantil, conversando com a neném.
— Ela é muito fofinha, meu Deus! — A gatinha exclamou.
Sem pensar, inclinei um pouco o meu corpo e depositei diversos beijinhos em seu pescoço.
Era uma visão bem concepcional.
Eu estava completamente derretida, perdida nos meus próprios pensamentos. As imagens iam se formando na minha cabeça: Júlia grávida novamente, a reação das crianças, a gente se organizando, preparando a casa, escolhendo roupinhas. A simples possibilidade de existir uma pessoinha parecida com ela sempre mexeu comigo. E vê-la ali, tão naturalmente cuidando de um bebê, com toda delicadeza, atenção e brincadeiras fofas, tocou em um lugar dentro de mim que eu nem sabia que ainda existia.
O futuro não estava nas minhas mãos. O desfecho de mais uma tentativa não dependia de mim.
Eu não era alguém que buscava sofrimento, minha postura era a mais racional possível. O medo do que poderia acontecer sempre pesava quando pensava em Juh grávida outra vez. Mas, ao mesmo tempo, havia a chance de a felicidade reinar, de a nossa família crescer e de realizar mais um sonho ao lado da mulher que eu amo.
Naquele momento tudo parecia simples: eu já tinha o “sim”, e seria loucura não me lançar de cabeça naquele mar de amor.
Ela foi tão paciente, tão empática, tão… Júlia Oliver. Desde o instante em que Juh mudou de ideia, passou a se comunicar comigo de forma clara, sempre me mantendo a par do que estava sentindo, preocupada com o impacto que tudo teria em mim e no nosso relacionamento.
Minha gatinha amadureceu tanto… e eu aprendi e sigo aprendendo com ela todos os dias. Das coisas mais pequenas às mais complexas, sei que sempre terei sua mão entrelaçada na minha.
Meus pensamentos foram interrompidos pela voz dela.
— A gente acorda o Tiago pra ele tomar leitinho também? — Juh perguntou.
Enquanto eu ainda tentava reorganizar minhas ideias para responder, Júlia tomou a palavra de novo:
— Do que você está rindo, amor? — Questionou, curiosa.
Foi só então que percebi: eu estava sorrindo fazia tempo, sem nem me dar conta.
Olhei para o céu, que estava em um tom de azul muito específico aqui de Salvador, e pedi mentalmente: "Por favor, faz ser diferente dessa vez."
— Amor… Nós vamos ter mais um bebê — Falei, ao fitá-la novamente.
— Quê? — Juh disse, sem acreditar — Não brinca! — Ela enfatizou, me acompanhando com um largo sorriso.
— Não estou brincando, quero tentar novamente. Você quer? — Perguntei, já sabendo a resposta.
— Meu Deus, Meu Deus, Meu Deus... Não acredito... — Juh sussurrava.
— E então? — Perguntei para me certificar.
— Claro que quero, você sabe que sim... Mas por quê? Do nada assim... — Juh dizia, sem me entender.
Eu sorri novamente, sem conseguir explicar a imensidão de eventos dentro de mim e a penas a beijei por um longo período.
— Alice, não conta pra ninguém ainda, tá? — Falei para minha sobrinha e nós rimos.
— Eu não estou acreditando ainda... Mas estou muito feliz... — Juh disse, erguendo a cabeça para mais um beijinho.
Levei Alice e pedi que Kaique colocasse ela para arrotar, enquanto Tiago seguia dormindo. Achei melhor deixa-lo mais um tempinho descansando, as vezes o bebê tá cansado da dura vida que leva.
Voltei para minha gatinha e coloquei sentada na sacada para um abraço.
— Ver você se divertindo cuidando dos nossos sobrinhos me fez imaginar muitas situações que eu quero viver ao seu lado... E como a gente já vinha conversando bastante sobre, achei que era a decisão correta a se tomar. Eu quero que o final seja diferente e nós vamos fazer de tudo para que seja — Falei, me agarrando ainda mais nela.
— Eu não esperava por nada disso, de verdade... Seremos mamães de três, amooooor! — Juh comemorou, baixinho.
— Eles vão pirar quando souberem — Falei, rindo.
— Quero contar logo, vamos contar? Só para eles dois... — Juh pediu.
Fiquei um pouco na dúvida, geralmente eu gosto de dar essas notícias quando já temos algo concreto ou caminhando para que não haja frustração de mais pessoas. Porém não era um dia comum, era aniversário de Milena e de Kaique e um aniversário incomum, com a gente sentindo bastante por não estarmos juntos.
— Vamos! — Exclamei, erguendo minha gatinha pela cintura.
Pedi para Kaká ligar para Mih com a desculpa de que ela precisava ver os primos. Ele disse que já tinha mandado fotos, mas insisti na chamada. Depois de alguns segundos, a telinha iluminou-se com o rostinho ansioso da nossa menina.
Troquei um olhar rápido com Júlia, já tínhamos combinado o que diríamos e meu coração batia acelerado.
— Na verdade, a chamada tem um motivo especial... Anunciei.
— O quê? — Kaique arqueou a sobrancelha, desconfiado.
— Alice já sabe, mas prometeu não dizer nada a respeito — Juh brincou e nós rimos.
— Conta, mãe! — Milena pediu, ansiosa.
Nós duas respiramos fundo e falamos juntas, sorrindo largo:
— Vocês vão ganhar um irmãozinho ou irmãzinha!
Por alguns segundos, reinou um silêncio de pura surpresa. Os dois arregalaram os olhos, tentando processar a informação.
Ambos são bem expressivos, isso torna as surpresas muito cômicas.
— Mãe... É sério? Não brinca! — Kaique foi o primeiro a dizer.
— Por que todo mundo acha que estou brincando? — Perguntei, rindo.
— Meu Deus... Eu não acredito... — Ouvi Milena dizer.
— É verdade... Ainda não tem nada certo, acabamos de decidir e achamos que vocês iam gostar de saber, ainda mais hoje — Juh falou e eu dei um beijinho nela.
Kaká cuidadosamente colocou a prima ao lado do primo e se levantou num salto, pulou em cima de mim e de Juh ao mesmo tempo, abraçando-nos com força até quase nos derrubar da cadeira.
— Meu filho, calma! — Juh riu, tentando amortecer o impacto com o corpo, enquanto eu o envolvia pelos ombros
Ele ria alto, e seus olhos brilhavam de alegria.
Do outro lado da tela, Milena colocava as mãos no rosto, eu conseguia ver os seus dedos trêmulos e quando seus olhos se abriram novamente, veio um soluço que misturava riso e choro.
— Não acredito — ela murmurou, a voz falhando.
E então se jogou contra a cama, agarrando o seu travesseiro como se fosse abraçar a gente.
— É sério, meu amor — Juh confirmou, mais uma vez.
Milena enxugou as lágrimas com a ponta dos dedos e sussurrou: — Eu amo vocês... Eu estava tão tristinha hoje, mas agora é o melhor presente do mundo...
— E com certeza não é o pior aniversário do mundo — Kaká constatou.
— Com certeza, não — Milena concordou.
Loren e Victor, infelizmente, levaram Alice e Tiago para casa e passamos o restante do dia na piscina fazendo um churrasco. O aniversariante pediu para comandar a churrasqueira e esse comentário certeza foi um dos melhores investimentos que já fiz.
O clima entre Juh e eu estava ainda mais gostoso, ela estava radiante e eu também. Tudo era motivo para um abraço mais demorado, um beijo mais caprichado e os carinhos eram cada vez mais frequente.
Estávamos nos preparando para deitar quando em um ímpeto de animação, a gatinha pulou em mim e eu a segurei, nos jogando na cama.
— Vamos no Porto da Barra? Preciso muito ver o mar — Ela pediu, me sacudindo pelos ombros.
— Amor... Tá doida? — Perguntei, rindo.
— Vamos, vamos, vamos — Ela repetia.
— Tá bom... Bem rapidinho, vai que nos prendem... — Brinquei.
Entramos no carro e fomos, as ruas estavam completamente vazias. Estacionei o mais perto que pude e abri os vidros para ouvirmos o mar. Imediatamente Júlia veio parar no meu colo, me enchendo de beijinhos.
Estava bem calmo e ficamos por vários minutos apenas contemplando e fazendo carinho uma na outra.
— Como você prefere que seja... O método? — Perguntei, após algum tempo.
— Quando você acha seguro a gente começar a tentar? — Ela me questionou.
— Olha... Estamos em um momento bem complicado, saindo de um pico. Não é uma queda rápido, mas em algum momento virá o ponto mais baixo e provavelmente a segunda onda... Não tenho como prever, porém podemos aproveitar esse pequeno período — Falei.
— Confio em você para me avisar quando esse momento chegar — Juh pontuou, voltando a beijar minha boca.
— Quer tentar a inseminação caseira? — Perguntei.
— Não sei, você acha que podemos tentar? — Júlia questionou de volta.
— Acho que podemos conversar com Sabrina e ver o que ela nos aconselha — Falei e Juh acenou positivamente.
— Vamos ter um neném! — Ela comemorou, animada e me beijou.
— Vamos dar um mergulho — Falei, abrindo a porta do carro.
Não precisei sugerir novamente. Júlia correu em direção ao mar e eu a segui. A água estava fresca, envolvendo nossos corpos, e em poucos instantes estávamos completamente entregues ao momento. A abracei forte, sentindo seu coração bater acelerado contra o meu, e ela ria, jogando água para cima. Ficamos ali, simplesmente existindo uma para a outra, com o som das ondas como trilha sonora perfeita para quase todos os melhores momentos das nossas vidas.
Quando nos afastamos um pouco, apenas o suficiente para nos encarar, nossas mãos se entrelaçaram automaticamente. O vento balançava o cabelo dela, e eu não conseguia deixar de pensar como cada detalhe daquele instante seria guardado na memória para sempre. Sem precisar de palavras, sabíamos que estávamos começando mais um capítulo da nossa história, com esperança, amor e a promessa de realizar o nosso novo e antigo sonhos.
