OTÁVIO: Presente
Meu Deus! Esse negócio de sair para beber varando a madrugada, não é para mim, mas o Pepper ficou dizendo: “Prova esse que é docinho”. Porra de docinho, esse gosto na minha boca é tudo, menos doce. Agora aqui estou eu, às seis e meia da manhã, encarando o meu reflexo no espelho: um Otavio completamente destruído. O meu cabelo, que ontem ao sair da recepção estava com uns cachos bem arrumados, se encontravam todos amassados, igual a minha cara. Os olhos castanhos, herança de meu pai, estavam vermelhos pelo pouco tempo dormido. Deixei essa comparação de ontem e hoje pra depois e comecei o meu dia. Fui logo tomar um banho e me arrumar, porque hoje dia vai ser puxado. Durante o banho percebi que a minha pele estava bem escura, por conta do sol que eu vinha pegando direto na arrumação da pousada, e agora, com o primeiro dia de julho começando, a tendência era pegar ainda mais sol.
Com banho tomado e devidamente arrumado para o trabalho, saí do meu quarto em direção à cozinha. No corredor já sentia aquele cheiro de café. O café feito pela minha mãe podia ser sentido longe, a Cris, quando chegava cedo, vinha só pelo cheiro pedir uma xícara dele. Ao entrar na cozinha, eu a vi coando o café na pia, ela já estava arrumada para o trabalho. Seu cabelo estava preso num coque perfeito; usava um short folgado e a blusa da pousada. Tentei puxar a cadeira da mesa sem fazer barulho, mas mesmo sem ele, ela sentia minha presença. Se o homem-aranha tinha o sentido aranha, minha mãe tinha a sua própria versão dele.
— Posso perguntar que horas o bonito chegou essa madrugada? Porque antes da meia-noite, não foi — Ela falou sem se virar para mim. Minha mãe era uma mulher baixa, muito simpática, a não ser que pisassem no pé dela.
— Ai, mãe, nem era tão tarde assim… – Comecei um argumento, mas ela só se virou para mim, com aquela cara de quem diz: “você vai mesmo tentar?” – Ah mãe, eram três e meia. Eu nem fiz barulho, Pepper e Cris é ficaram insistindo. Briga com eles.
— Otávio meu filho, eu não me importo que você saia com os seus amigos — Falou se sentando à mesa, colocando a cafeteira nela, e me entregando uma xícara — Sirva-se primeiro. Meu filho, a minha única preocupação é a sua saúde. Você sabe que hoje os hóspedes vão começar a chegar, e isso quer dizer não para um segundo, achas que tu vais conseguir?
— Eu vou mãe, com sono mas vou — Falei rindo para descontrair, mas o olhar que ela me deu me fez parar de sorrir na hora — Desculpe, mãe.
— Eu conheço a sua capacidade, mas não gosto quando você exige demais dela — Ela deu um suspiro cansado — Ontem eu mesma conferi tudo com as meninas — Mudou de assunto, sabendo que acabaríamos brigando. Ela sempre diz que eu me dedico demais à pousada, que eu devo tirar um tempo para viver, pois misturar as coisas com trabalho só me faz mal. Faz 8 anos que o meu pai morreu, e eu assumi o comando da pousada junto com minha mãe. Essa pousada se tornou a minha vida.
A morte do meu pai foi um evento muito marcante pra mim. Meu mundo, que já não estava bom depois da conversa com o Marcos, veio ao chão de vez. Quando eu cheguei na casa do meu tio, ele me contou o que tinha acontecido com meu pai. Ele era um homem muito animado, amava a vida no interior, e a pousada era a sua paixão. Naquele mesmo dia mais cedo, um galho de uma árvore que ficava ao lado do casarão caiu sobre o telhado. Minha mãe falou para ele esperar que ela iria chamar um dos meninos que trabalhavam na pousada para ajudá-lo. Mas ele quis fazer tudo sozinho. Antes de chegar ao topo da escada, ele se desequilibrou e caiu. Minha mãe correu e gritou por ajuda. Colocaram ele na caminhonete da pousada, e o levaram para o hospital mais próximo, mas ele não resistiu. Os médicos disseram que ele tinha tido um AVC, e se não fosse por isso, ele teria tido mais chances. Mas com o impacto da queda e a demora para chegar ao hospital que ficava na cidade vizinha, não houve como resistir. Naquela mesma noite, depois de chorar no abraço do meu tio, arrumei as minhas coisas. Meu tio e eu viemos para Ponta Negra. Na saída de casa, não tinha como não olhar para o prédio em frente. O prédio do Marcos. Eu precisava tanto do abraço dele. Das piadas fora de hora. Mas depois da nossa conversa, não tinha como ir atrás dele. Nesse momento era com a minha mãe com quem eu devia ficar. Chegamos no final da madrugada, minha mãe estava desolada, eu tive que cuidar de tudo. Foi uma semana muito difícil. Mas com o tempo nos reerguemos.
Depois da conversa com a minha mãe na mesa do café, o dia realmente começou. Eu não parei nem um segundo. Além de ser o início das férias, ainda era final de semana, o deck e o restaurante do lago estavam a todo vapor. Eu era o gerente da pousada. Depois que o meu pai morreu e eu assumi o lugar dele, tive que aprender a administrar o negócio da marra, mas deu tudo certo. Hoje a pousada conta com cinco chalés, numa área mais privada do lago, além de um deck maior e um restaurante, tudo à beira do lago. Tive a ideia de aumentar a renda da pousada, abrindo-a ao público aos finais de semana. Essa propriedade é bem grande, praticamente do tamanho de três campos de futebol, cercada por uma vegetação fechada. A minha mãe cuidava dos restaurantes, supervisionando e ajudando as cozinheiras, enquanto eu cuidava de todo o resto. Trabalhar aqui foi muito difícil no começo, mas o meu pai deixou tudo bem encaminhado. A construção dos chalés e do segundo restaurante foi ideia dele, eu só adicionei o aumento do deck de uso coletivo. Faz cinco anos que tudo ficou pronto, conseguir investidores foi a parte difícil, mas quando vejo a pousada cheia desse jeito, sinto um orgulho e um acolhimento imensos. É como diz no letreiro na entrada da pousada: “Pousada Ponta da Família: Aqui Você é Acolhido.“
Antes de abrir os portões, tive uma conversa com os trabalhadores da pousada, uma equipe de 30 pessoas, sendo que muitos eram contratados somente durante o mês de férias. Avisei como iria funcionar o serviço, que era para terem paciência com os hóspedes mais velhos, e vigilância redobrada com as crianças, pois no ano retrasado houve casos de afogamento. Atentos eles me escutaram e partiram para o seu serviço. O trabalho com o público em geral é sempre complicado, principalmente com a terceira idade, durante uma parte da manhã, eu fiquei supervisionando a entrada dos banhistas, quando dava eu levava um casal ou outro até os seus aposentos. Meu corpo pedia uns dez minutinhos de sono, eu estava esgotado da noite passada. Quando eu finalmente encontrei um canto para fechar os meus olhos, por uns poucos segundos, escutei a voz da mamãe.
— Meu filho, pensei que tu tinhas dito que iria conseguir segurar o dia puxado da pousada! — O sarcasmo e ironia eram algumas de suas armas — Vamos levante! Vá para recepção ajudar a Eduarda que não está encontrando o cadastro de hóspedes que acabaram de chegar. Aquele troço está travando, por isso que falo para anotar no caderno mas vocês preferem esses computadores.
— Estou indo mãe, aquele computador sempre trava, é melhor ser trocado logo — Comecei a me levantar e me espreguiçar — Ai meu Deus, que sono! Mãe eu prometo que nunca mais bebo!
— Tá, Otávio, vamos fingir que é verdade. Vai logo lá ajudar a Duda! — Ela falou me empurrando na direção da recepção.
Minha vida aqui durante as férias é muito corrida, sempre com um problema para resolver. Quando eu era criança sempre via os meus pais cuidando de tudo, ficava imaginando que era tão fácil, mas estava muito enganado. Quando estava chegando perto da recepção já conseguia ver a confusão. A Duda estava completamente perdida, tendo que mexer no computador, enquanto um senhor de aproximadamente 60 anos falava alto, bastante estressado.
— Olha mocinha, eu estou desde às cinco da manhã na estrada, só quero a chave do meu quarto para descansar! — Dizia ele bem alto, chamando a atenção de todos.
— Calma querido, ela está tendo problemas com o computador — Falou uma mulher que estava ao seu lado, imaginei que fosse sua esposa.
— Bom dia senhores, qual o problema? — Perguntei assim que cheguei perto deles.
— Olha aqui rapaz, o dia já não tá muito bom não — O senhor a quem a Duda estava atendendo se direcionou a mim. O atendimento com pessoas mais velha era sempre complicado, o entendimento deles era pouco e a paciência era menos ainda — Essa moça, já está a mais de uma hora procurando a minha reserva, e não acha! o que teria de bom nisso?
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