O Sol sequer surgira no horizonte, mas, assim que consegui me levantar, soube que não havia tempo a perder. Avaliei rapidamente o ambiente: uma praia extensa, contornada por rochas e florestas, ambas mergulhadas no breu da noite que meus olhos já decifravam. Minha visão se adaptava bem a essas condições, mas, mesmo assim, precisei tatear com os pés enquanto avançava da areia macia para o coração da mata fechada, sentindo a textura do chão e o cheiro da terra úmida, como se a natureza e eu, a muito próximos, mas separados eventualmente por um tempo, nos conhecêssemos intimamente.
Lancei um último olhar ao céu antes de me aprofundar entre as árvores. Apenas o brilho da lua e das estrelas iluminava vagamente o caminho, refletindo sobre troncos, folhas e pedras, concedendo-me uma percepção agora mais suficiente. Pela posição estranha das constelações, soube de imediato que estava longe, muito longe de casa.
Eric saberia onde estávamos. Agarrei-me a essa esperança, sabendo que, se quisesse vê-lo novamente, teria de ser forte. Sobreviver custasse o que custasse, como ele mesmo me demonstrara poucas horas atrás.
Segui tateando a escuridão até encontrar algumas pedras com o tamanho e a textura exatos que procurava. Minhas mãos, acostumadas a sentir cada nuance da floresta, reconheceram imediatamente a forma ideal. Bati uma pedra na outra com precisão, moldando uma delas até que se tornasse pontiaguda e afiada. Em minutos, tinha em mãos a faca de pedra lascada que seria minha aliada na sobrevivência. Para uma paradiyhó, tal habilidade se aprende antes mesmo de pronunciar as primeiras palavras. E eu, embora há muito não manipulasse esses instrumentos, não sentia que estava enferrujada. Se queria sobreviver, não podia mais ser uma garota da cidade grande. Precisava ser, e seria, uma guerreira da floresta.
Embora ainda escuro, fazer fogo não era minha prioridade no momento, mas sim encontrar a fonte de toda a vida: água. Assim, prossegui a longa caminhada extenuante para meus pés, sem, é claro, deixar também de trabalhar com minhas mãos. Assim, usei minha faca improvisada para cortar alguns pedaços de cipó, trançando-o junto a algumas folhas até produzir algo para usar. Menos de duas horas se passaram desde que cheguei e já estava dignamente vestida.
A saia e sutiã de folhas, sabia, não duraria muito. Posteriormente, precisaria substituir tais roupas improvisadas por outro material. Abater algum animal e adquirir couro ou pele estava na minha lista de objetivos posteriores, no entanto, para fins de não andar totalmente pelada naquele local, o que fiz já parecia suficiente no momento. Ao menos assim, pensei, estaria apresentável caso encontrasse Eric ou algum outro colega de minha classe.
Durante a caminhada, também me certifiquei de encontrar a melhor vareta curva de madeira que pude e, usando ela e alguns cipós, construí também o arco que me acompanharia durante todo aquele dia. Afiei finos e longo galhos até fazer algumas flechas. Assim, se avistasse alguma carne distraída no meio da mata, não precisaria gastar tanto de minha já escassa energia para matar. Andei por muito tempo, pensando, se rumasse a norte durante horas, encontraria ao menos alguém ou o outro lado daquela ilha. Não foi o caso. O local era mesmo enorme, e, muito provavelmente, desabitado como suspeitei assim que cheguei.
Ainda assim, triangulei em minha cabeça cada ponto alto por onde passei, formando o mapa mental do ambiente ainda a ser desbravado. Cada pedra, cada trilha, cada sombra lançada pelas árvores parecia se gravar em mim, como se a própria ilha sussurrasse suas formas, permitindo que eu me movimentasse como se já pertencesse àquele espaço. Quando cansei de andar na mesma direção, parei para descansar um pouco. Minhas mãos nunca paravam de construir ou coletar material, sendo que, em algumas horas, montei minha primeira armadilha, uma rede enorme sob a qual repousava um punhado pequeno de frutinhas silvestres e insetos mortos.
Parecia exagerado, mas realmente não podia deixar margem para perder uma refeição apenas pelo fato de ser muito pesada e forte. Quando o Sol começou a nascer, rumei a Oeste, pretendendo voltar a aquele local de noite para verificar se tinha capturado alguma coisa. No caminho, preparei mais uma armadilha, dessa vez menor, e consideravelmente menos capaz de apanhar uma presa grande. Retornaria a aquele local também assim que pudesse.
Vi várias coisas que, no futuro, me poderiam ser úteis. Aquele local, embora soubesse ser um ilha no meio do oceano pacífico, era bem maior do que esperava. Andando tanto, coletei algumas frutas, como amoras selvagens que sabia serem comestíveis. Elas seriam a escassa fonte de água e nutrientes que me dariam energia para prosseguir a caminhada até que encontrasse um rio ou coisa do tipo. Também escavei o solo em busca de raízes tuberosas que pudesse preparar depois, amarrando tudo em cipós e carregando junto a meu arco nos ombros. O ambiente continha vegetações de muitos tipos, paisagens diversas com planícies, montanhas, florestas tropicais densas e penhascos enormes os quais, quando explorasse, teria de tomar bastante cuidado.
Também observei alguns pássaros de pequeno porte e insetos grandes, tais como louva-deuses, besouros, lacraias e gafanhotos. As aves, até para mim, seriam muito difíceis de capturar antes que conseguisse construir uma arapuca, já os insetos, pareciam uma opção mais fácil. Os trataria como último recurso caso não obtivesse sucesso com outras fontes de proteína. O bixo paradiyhó não tem nojo da natureza, mas a consome, dela vive e morre, retornando ao ciclo da selva o que lhe foi dado pela terra.
Achei que meu condicionamento físico estivesse, como sempre, em seu auge, mas, não sabia porque, senti cansaço bem antes do que imaginei acontecer. Estava levemente tonta, com boca seca e esperienciava até um pouco de enxaqueca. O Sol castigava forte naquele início de tarde, mesmo eu estando no meio da mata fechada, fresca e úmida. Era de água o que precisava, soube de imediato, sentindo uma sede insaciável enquanto buscava a fonte da vida. Andei e coloquei na boca quaisquer frutas não-venenosa que encontrasse, chupando-as até o caroço, sedenta por líquidos.
Lembrei de Eric lá no avião. Ele me fez beber uma garrafa de água inteira antes do sequestro. Talvez suspeitasse que precisaria de hidratação para suportar o que estava por vir. No entanto, não sabia ainda porque sentia tanta sede. Em minha cabeça, sendo uma sobrevivente nata, uma filha da floresta, duraria vários dias naquele local antes de achar uma fonte de água potável e, se não encontrasse um corpo hídrico, me sustentaria o quanto fosse necessário com polpa de frutas e umidade das plantas até que uma chuva caísse. Não era o caso, sentia em todas as partes do meu corpo. Meus músculos pediam descanso enquanto caminhava, mas não parei, indo passo após passo a Oeste até que achei o que tanto procurava.
Era uma pequena nascente, discreta e quase escondida. A pequena cachoeira saia do meio de duas rochas de cerca de dois metros de altura, incrustadas em um morro coberto de folhagem e lodo. Dali, jorrava água com força constante, como o fluxo de uma torneira que nunca cessava. Tanto líquido desaguava entre rochas menores que desapareciam em um pequeno mangue onde cresciam raízes aéreas sobre o solo úmido sombreado por árvores mais grossas. Era suficiente para mim. Peguei aquela água cristalina, moldando as mãos em forma de concha, e tomei tantos goles quanto pude até que fiquei totalmente satisfeita.
Talvez devesse fazer recipientes para carregar água comigo. Se achasse barro para fazer potes ou bambús para fabricar copos, não teria de me preocupar em voltar a aquele local tão frequentemente quando sentisse sede.
Notei que algumas plantas rasteiras cresciam naquele local, sobrevivendo como podiam da fonte de água sutil, mas aparentemente inesgotável. Dentre elas, vi um pé tão estranho quanto familiar. O pequeno vegetal tinha folhas escuras, caule segmentado e frágil, portando pequenos cachos de frutinhas de casca verde de onde se projetavam pequenos e numerosos pelinhos avermelhados. Era diferente do urucum que conhecia, talvez sua variação selvagem, mas, ainda assim, se parecia muito com a planta tão comum no local de onde vi.
Amassei aqueles pequenos frutos com pedras, misturei suas sementes trituradas com água nas mãos e, ao ver o corante vermelho tingir minhas palmas, pintei o rosto. De onde vim, chamávamos urucum de sangue da mata, da mesma forma, todo paradiyhó, acreditávamos, também era feito de urucum.
O sinal vermelho sob minhas palpebras, mascara que cobria meu rosto de orelha a orelha passando pela ponte de meu nariz podia parecer esquisito para o olhar desavisado, mas, para mim e meu povo, era um símbolo muito importante. Como uma pintura de guerra, ali estava, tão nítido quanto poderia ser, minha decisão. Eu estava de volta. Conectada com a natureza, não esqueceria de minhas origens as quais, sem elas, não teria conseguido sobreviver até então. Sem mais choros, sem mais temor. Me sentia capaz como nunca antes.
Com o rabo de olho, vi ao longe, a vegetação rasteira farfalhar. Assim que visualizei o pelo marrom surgir, um milésimo de segundo foi necessário para que tirasse o arco do ombro e atirasse uma flecha com a precisão perfeita de uma arqueira competente.
Acertei! Percebi de imediato e corri até o javali que se debatia e gritava, atravessado pela afiada vareta que lhe acertou o pescoço. O animal era pequeno, provavelmente jovem e inconsequente o suficiente para chegar perto de mim com tanto descuido. Seus 10kg de carne me sustentariam por um tempo, talvez mais se sua mãe estivesse por perto e quisesse me desafiar também. Com um golpe rápido da minha faca de pedra lascada no coração, encerrei seu sofrimento e, de imediato, ali mesmo no chão de pedras e arbustos, comecei a eviscerar o animal. O sangue da mata não sente pena. Pois pena não é o que se sente pela natureza, por algo que se respeita, por algo que se é.
Tinha de ser rápida na limpeza. Naquele clima quente, se não esfolar o javali, tirasse suas vísceras, salgasse e defumasse sua carne, dentro de poucas horas, sua carcaça começaria a apodrecer. Meu povo sabia que, quando se matava algo, a morte começava rapidamente a clamar a caça. Se não fosse suficientemente ágil, a terra me venceria e comeria a carne do animal antes de mim. Estava concentrada no que fazia, espalhando a bagunça vermelha no chão sem dar atenção aos meus arredores.
— Taywan? — Ouvi uma voz familiar e assustada me chamar. Quando olhei, vi Rivel em pé saindo do meio das folhas.
Sua fisionomia era típica, cabelos lisos, curtos e escuros, bem como o aparelho de metal nos dentes parecia ser o único resquício da cidade que sobrava em seu rosto sujo. Tudo já conhecia, exceto pelas vestimentas rudimentares e ítens que carregava. Rivel usava apenas uma saia de palha seca e seus óculos não se faziam presentes em seus olhos. Provavelmente afundaram junto daquele avião. Seu corpo, percebia agora como nunca, era bastate mais franzino que o de Eric. Rivel tinha a pele pálida, pernas finas e trêmulas como seus braços que se abraçavam em uma cabaça marrom grande com capacidade, supunha, para armazenar 4 litros. Era exatamente o que precisava, um recipiente para transportar água.
Me levantei e olhei para a figura. Ele parecia com muito medo e deveria ter mesmo. Minhas mãos estavam manchadas de sangue até os cotovelos. Lancei-lhe um olhar sério e desconfiado, examinando o torço nada atlético exposto, marcado pelos mamilos rosados e pequenos, bem como ossos de sua caixa toráxica que apareciam em seu corpo magro e raquítico. Não me importava com o tipo de besteira típica das garotas da cidade, ser uma moça e estar fazendo algo considerado tão pouco feminino na frente dele. Não era e nem queria ser uma garota frágil da cidade grande. Era bom que Rivel visse que eu era perigosa, afinal, na mata, não se podia confiar em sombras.
— O que foi? — Perguntei. Ele estremeceu. No fundo, estava feliz por encontrar um colega de classe são e salvo naquele local, mas não podia demonstrar, portanto, não perdi tempo com comprimentos. Afinal, não sabia ainda se Rivel era confiável. Pela forma como olhava para meu corpo, não parecia. Seu porte era inofensivo, mas suas intenções não. Sabia sua fama lá na escola. Nerd, incel e objetificador de mulheres. Se aquele garoto tivesse alguma força, certamente tentaria algo comigo ali no meio do mato.
— V-você está bem? — Ele disse, olhando para o vermelho em minha pele morena.
— Sim. — Respondi secamente e com desconfiança. Aprendi aquilo com Eric. Desestabilizava qualquer um. Rivel deu um passo para trás, intimidado. Amarrei a carcaça do javali com cipós pelo pescoço o estendi sobre os ombros. Faltava tirar a pele do animal, mas, agora, eviscerado, era bem mais leve de carregar. Assim, conseguiria sair dali com facilidade sem ter de entregar minha presa.
— Eu… Eu só vim pegar água. — Ele disse com postura que não oferecia ameaça.
Caminhei até a nascente e lavei minhas mãos até que visse a cor de minha pele de novo. Não tirei os olhos de Rivel por um instante sequer. Ele estava desarmado, carregando apenas aquele recipiente. Descobriria onde ele arrumou aquilo.
— Pegue então, ora essa. — Disse-lhe tentando soar impaciente.
— O-ok! — Ele exclamou gaguejando e andou a passos largos até a pequena fonte. Eu me afastei, atenta aos meus arredores e sem me virar de costas.
Realmente parecia não oferecer perigo algum. Percebi me perguntando se não estava sendo paranoica demais. Enquanto Rivel enchia a cabaça de água, percebi como suas costelas apareciam sobre a pele. Ele devia ter uns 50kg apenas, tão leve quanto eu, embora fosse homem e devesse ser mais forte. Era bom que ele, mesmo que não gostasse muito daquele garoto, tivesse também acesso a água potável. Não sobreviveria muito se tivesse de procurar como procurei. Sua sorte certamente era maior que seus músculos.
— Onde conseguiu isso? — O questionei vendo-o terminar de encher o recipiente oco improvisado. Rivel me olhou, ainda portanto sua patética expressão de medo no rosto.
— Lá na praia com o pessoal. Tem várias dessas coisas jogadas por lá. — Ele respondeu, olhos fixos em meus seios cobertos por folhas. Agradeci internamente a natureza que me rodeava por ter optado por fazer vestimentas antes de topar com aquele tarado no meio do mato.
Pessoal? Então mais de nossos colegas sobreviveram? Pensei na informação que lhe escapou os lábios. Fiquei feliz em saber e, agora, só tinha uma coisa para perguntar.
— O pessoal está bem? Quem está com você? — Questionei.
— Sim. — Ele respondeu de imediato. — Todo mundo está tentando sobreviver e conseguir ajuda. Eric e Edward me pediram para pegar água. — Ele explicou. Meus olhos se abriram bem com a informação.
Lacrimejei um pouco, mas disfarcei com competência. Eu sabia que ele estava bem! Eu devia ter esperado que, se achasse uma das únicas fontes de água daquele lugar, logo encontraria Eric. Ele era esperto e, provavelmente deve ter guiado seu grupo para aquela nascente. Queria vê-lo imediatamente!
— Todo mundo? — O questionei por mais detalhes.
— Sim! A turma inteira está lá na praia. — Ele respondeu. Fiquei chocada. Era um milagre que todos os meus outros 29 colegas estivessem a salvo e que tenham se reencontrado. Será que todos já tinham comida e abrigo? Me perguntei. Os ajudaria com isso certamente.
Rivel terminou de encher sua cabaça com água. Ele se afastou da nascente e foi em direção ao mesmo local de onde tinha saído. Com dificuldade, andava carregando todo aquele peso da planta oca agora cheia de líquido por dentro.
— Onde vocês estão? — O questionei, desarmando um pouco aquela atitude séria e desconfiada que ostentava.
— Para lá. — Ele apontou. Era Oeste. — É bem perto daqui. Você vem? — Disse-me apressadamente. Eu acenei com a cabeça e começamos a andar lado a lado.
Não trocamos muitas palavras pelo caminho no meio da mata que durou cerca de 20min a pé. Rivel era muito fraco e andava com uma lentidão que me atrasava. Certamente Eric não tinha decidido que alguém como ele fosse buscar água, talvez Edward, na falta de alguém mais forte no momento para tal tarefa, ou para não deixar que o garoto soubesse que era tão inútil para aquele ambiente. Era bem de seu feitio algo assim. Afinal, Edward era um cara gentil e politicamente muito astuto. Como na escola, presumi que todos estivessem, com harmonia, seguindo as direções do presidente do grêmio estudantil e mal podia esperar para encontrar toda a turma reunída e a salvo depois de algo tão terrível nos acontecer. Me sentaria com Eric e todos ao lado da fogueira, onde compartilharemos aquele javalí que carregava para o reencontro.
Como esperado, chegamos à praia. Era bastante menor que aquela em que tinha acordado hoje de manhã, de areia branca e encerrada lateralmente por um paredão composto por duas rochas escuras de mais de 10 metros, bem como vegetação que a cobria por toda parte. Algumas árvores se faziam presentes na paisagem, como coqueiros e cabaceiras, bem como arbustos que ocultavam parte do local. Rivel me guiou por um caminho repleto de plantas na abertura entre as pedras, escalando com dificuldade algumas rochas. O ajudei a levar a água pelo local que se tornava estreito e depois se ampliava em mais segmentos daquela praia. Ele sumiu no meio de algumas árvores retorcidas enquanto andava atrás dele.
— Porra Rivel, você demorou! — Ouvi Oliver gritar do outro lado assim que o garoto chegou lá. — Tava fazendo o que? Batendo uma no mato? — Prosseguiu brigando. Corri para encontrar outro rosto conhecido.
O rapaz alto, forte e de pele negra estava ali em pé. Seus olhos se arregalaram quando surgi do meio da mata na frente dele. Oliver era um homem bonito, bastante popular e sempre acompanhado pelos garotos de nossa sala que praticavam esportes, principalmente Marcos, seu melhor amigo. Seu físico era espetacular, alto, peitoral trincado, braços fortes e pernas musculosas. Sua voz era grossa e bastante imponente. Se minha cabeça não tivesse mudado tanto sobre essas coisas recentemente, veria nele um homem perfeito para mim. Nós mulheres paradiyhó só temos olhos para força, afinal. Em Eric, descobri que essa palavra tinha muitos significados.
Oliver usava, na cintura, uma saia de folhas verde escuras para cobrir suas vergonhas. A veste ia até quase os joelhos. Rivel encolheu com o esporro, mas estufou o peito e argumentou:
— Vai se fuder Oliver! Encontrei a Taywan, por isso demorei.
Era mentira. Sua lentidão não tinha nada haver comigo e sim com sua fraqueza, todavia, não o contrariei. Estava feliz em ver uma cena como aquela, dois garotos de nossa sala jogando insultos um ao outro como de costume. Aqueles dois nunca se entenderam bem e era bom saber que tentavam trabalhar juntos. Oliver me olhou de cima a baixo. Deixei escapar um sorriso.
— Porra, Taywan! — Ele falou e desviou o olhar, talvez por timidez. Pudera, nós não nos conhecíamos bem e acabei de ouvi-lo dizer algo como aquilo. Achei engraçado ver um cara que parecia tão bruto envergonhado daquele jeito. Coisa de garotos, só podia presumir.
— Oi. — Comprimentei. — Cadê todo mundo? — Questionei em seguida. Queria que eles me guiassem até Eric. Mal podia esperar para reencontrá-lo.
— É Taywan mesmo? — Ouvi passos correndo e a voz feminina se aproximando.
Tomei um susto quando Sophia apareceu. Ela estava sentada logo ao lado sobre o tronco caído de uma árvore na areia, mas não notei sua presença de imediato. A garota ruiva de cabelos longos muito cheios e ondulados se aproximou. Corei quando percebi seu estado.
O sol iluminava seu corpo, todas as partes, até aquelas que jamais pensei ver. Sophia estava totalmente nua! Seus seios eram redondos e empinados, com aréolas rosadas que apontavam para mim. O tom suave também se apresentava nos lábios de baixo. Ela não era ruiva de verdade. Constatei ao ver seus escassos e aparados pelos pubianos castanhos ali. Desviei o rosto instintivamente.
— Uau! Taywan conseguiu tudo isso sozinha na mata? — Ela exclamou surpresa. Sua voz, como de costume era doce e bastante delicada.
Ela não conseguiu sequer fazer roupas para si? Me perguntei aflita e indignada com tamanha falta de capacidade daquela garota de cidade grande. Como podia ficar pelada na frente dos garotos daquele jeito? Também me questionava, impressionada pelo desprendimento de Sofia que sequer cobria o corpo, mesmo tendo Rivel e Oliver com os olhos colados em suas partes tão íntimas.
Na escola, ela não era assim. Sophia, embora uma garota popular por sua beleza e extroversão, era tímida e recatada. Eu até ouvi falar que ela era uma moça religiosa e tradicional. O que estava acontecendo? Me questionei atônita.
Meu povo costumava dizer que a floresta trazia o que está oculto nas pessoas. Para Sophia, não parecia ser diferente. Pensei com constrangimento e até um pouco de divertimento, espantando a vergonha alheia que sentia pela garota. Minha prioridade era me reencontrar com Eric. Aquela exibicionista doida não ia me desvirtuar daquilo.
Oliver apanhou a cabaça cheia de água que Rivel trouxe de suas mãos. O que o garoto magro e baixo precisava de dois braços para carregar, Oliver o fez com um apenas, apoiando o recipiente enorme nos ombros.
— Vamos nos reunir com os outros. — Ele disse e se virou, colocando-se a andar. Sophia o seguiu, expondo para mim sua bunda redonda que foi alvejada pelo olhar de Rivel instantaneamente.
— Vamos! — Rivel exclamou e o senti agarrar meu braço. Quando me puxou para que seguisse aqueles dois, fiquei desarmada brevemente, mas, no segundo seguinte, o afastei e comecei a andar normalmente, sem seus toques.
Passamos por mais um caminho estreito no meio da vegetação rasteira e rochas. Quando do outro lado do segundo paredão de pedras, finalmente vi a praia principal que Rivel me falou. Algumas pessoas andavam e carregavam objetos, trabalhando constantemente com toras de madeira para construir um abrigo. Examinei todos os rostos, mas ainda não encontrei Eric. Ali, mais ou menos no meio da praia, vi uma pequena tenda, estendida por troncos e coberta por folhas. Todos, eu inclusa, fomos em direção a construção. Parecia que todos os meus colegas paravam tudo o que estavam fazendo para me receber.
Deixei a carcaça do javali cair no chão assim que fiquei de frente para a tenda. Ao meu lado, Isaac se aproximou e me olhou de cima a baixo. Ele era alto, não mais do que Oliver, cabelo preto e curto e rosto redondo tal qual o resto de seu corpo. O rapaz gordo e forte usava uma saia de palha tal qual a de Rivel. Yumi, uma garota asiática de nossa sala, também se aproximou. Tomei outro susto. Ela também não usava nada!
Tive de olhar de novo para acreditar. Os cabelos pretos e longos como os meus lhe escorriam pelos ombros, ocultando parcialmente seus seios pequenos. Ela era mais peluda que Sophia em seu sexo também exposto, magra e mal fazia contato visual. O que está acontecendo? Me questionei. Pelo que sabia, Yumi também era uma garota tímida, de criação tradicional dada por seus pais rígidos que, nesse momento, sequer deviam imaginar que a filha estava nua na presença de todos aqueles garotos em uma praia.
Na tenda, o teto chegava a cerca de 2 metros de altura. Ali, uma cadeira improvisada de pedras ocupava posição central dentro do vão triangular que era o teto. Sentado nela, uma figura masculina tomava sombra, rosto ocultado pela escuridão que lhe protegia do Sol. Ao seu lado, um acento menor, feito de folhas, era ocupado por Maria. Ela era a garota mais popular da escola e assim que me viu, lançou-me um sorriso bem aberto. Assim que vi seu estado, levei minha mão ao arco em meu ombro, no entanto, senti o forte golpe em meu braço e as mãos grandes e grossas me segurarem pelos pulsos.
Ela está nua também! Notei o que, desde que cheguei, estava me incomodando naquele local.
Era Isaac! Tentei me debater, gritei por ajuda, mas vi ali, meus colegas imóveis apenas olhando enquanto era rendida por aquele cara. Ele passou um fio de cipó por meu punhos, amarrando meus braços atrás de minhas costas. Eu era forte e ágil, disso tinha certeza, mas sem uma arma, era difícil que conseguisse ganhar uma luta com tanta pouca distância de um cara tão maior que eu e que me surpreendeu daquela forma.
— O que está fazendo? — Gritei com ele enquanto tentava chutá-lo, mas sem sucesso. Isaac era um cara pelo qual nossa sala até mantinha alguma estima. Ele não era tão recluso ou cultivava reputação ruim como Rivel, embora soubesse que os dois conversavam eventualmente. Nunca esperei que teria a audácia de me agredir. Sua força superava muito a minha e, portanto, ofegante e cansada, fui dominada enquanto lançava a Rivel, ali parado a pouco metros, um olhar mortal.
— Ora ora, acho que não é surpresa para ninguém que a puta indígena sobreviveu nesse lugar. — Maria disse com desdém. Olhei para ela. Como se atrevia a se dirigir a mim assim naquele estado? Maria era quem estava pelada, seios grandes à mostra e pernas bem abertas mostrando sua buceta raspada para todos.
Não acreditei no que estava acontecendo. Porque estão fazendo isso? Nós somos colegas de classe! Pensei enquanto olhava para todos nos olhos, imóveis, alguns cabisbaixos e outros que sequer desviavam o olhar da cena, parecendo ignorar o fato de Isaac ter feito aquilo comigo.
— Qual o problema de vocês? — Gritei indignada. Não obtive qualquer resposta. — Me solta! — Protestei de novo, arranhando minha garganta de tão alto.
E então, vi ele se levantar do que parecia ser seu trono de pedras. Mais de 2 metros de homem ascenderam diante de mim. Ele fazia parecer pequena aquela tenda improvisada. O peitoral musculoso e estufado surgiu, com alguns pelos dourados que brilhavam ao pôr do sol. Seu peito se elevava mais alto que minha cabeça. Seus braços tinham bíceps tão grossos quanto as minhas coxas e, sobre suas pernas torneadas, uma saia de folhas lhe cobria as partes, começando abaixo do tanquinho de 6 gomos duros e encerrando-se um pouco acima dos joelhos. Era como se o próprio poder se materializasse na forma daquele cara, tão forte como, nunca pensei, um homem pudesse ser.
Imponente como sempre, o homem mais forte de nossa sala, talvez o mais popular da escola, me olhou com seus olhos azuis ameaçadores. Marcos era lider do clube de boxe, pentacampeão estadual em sua modalidade esportiva e tetracampeão nacional. Seu rosto quadrado, onde crescia uma barba por fazer, era sério. Os cabelos loiros bem cortados, quase raspados, marcavam sua aparência bem conhecida. Perto dele, Oliver, também muito forte, parecia pequeno.
Engoli o seco e decidi ficar em silêncio, o encarando de volta com expressão tão pouco amigável quanto poderia na face. Não sabia o que estava acontecendo, o porque de todo mundo estar agindo tão estranhamente assim, portanto, era melhor colher informações ao invés de me desesperar.
E então, Marcos sorriu, me olhando de cima a baixo, dentes brancos e um olhar carregado de maldade. Meu coração disparou como nunca. Não entendia nada, mas agora sabia, estava em apuros.
*****
- Não se esqueça de avaliar e comentar o capítulo :D -
Olá leitores(as). Para comemorar o retorno da história e o recebimento de tantos comentários no último capítulo, decidi lançar essa parte que vocês acabaram de ler antecipadamente. Como disse anteriormente, a escrita tem fluido muito bem, o que torna possível esse tipo de coisa.
Os próximos dois capítulos estão quase prontos, então, se quiserem agilidade na postagem, deixe seu incentivo aí nos comentários. Eles são os últimos, por enquanto, ainda sob o ponto de vista de Taywan antes de voltarmos ao núcleo principal da história. Me falem aí o que estão achando dessa breve troca de ares necessária para apresentar personagens novos que acontecem de vez em quando no enredo.
Obrigado a todos(as) que têm engajado na história e um abraço!