O sol do meio-dia castigava o gramado da chácara, mas para Júnior, o calor físico era apenas um complemento ao fogo da humilhação que o consumia. Prostrado na grama, após a partida de futebol, ele sentia o peso de cada risada e cada ordem. Levantou-se com dificuldade, os músculos protestando, e arrastou-se até o grupo de homens que agora se preparava para o almoço.
Gabriel, com um copo de bebida na mão, sorriu ao vê-lo.
— Cadela! Que bom que resolveu se juntar a nós. — disse Gabriel, um brilho de sarcasmo nos olhos. — A diversão ainda não acabou. Meus amigos e eu estamos com sede. E a comida não se serve sozinha.
Júnior assentiu. Ele havia preparado o almoço enquanto eles jogavam, e agora era a hora de servi-lo. Ele se ajoelhava a cada um, oferecendo os pratos fumegantes com ambas as mãos, a cabeça baixa, enquanto os amigos de Gabriel mal o olhavam, imersos em sua conversa e na comida.
— E, cadela — continuou Gabriel —, o campo de futebol está uma bagunça. Suas roupas suadas, as garrafas vazias, a bola jogada... Vá limpar tudo. E rápido.
Júnior obedeceu. O contador, que em sua vida "normal" jamais pegaria uma vassoura, agora se arrastava pelo gramado, recolhendo as garrafas de cerveja, as toalhas sujas, os chinelos largados. Ele limpava o suor da bola, organizava as cadeiras, sentindo o arrepio do asfalto frio em suas mãos. Cada movimento era um ato de autoanulação, uma forma de provar a si mesmo que sua vontade não existia.
Quando retornou, os homens já estavam fartamente servidos. Júnior permaneceu de pé, em um canto, observando.
— O que foi, cadela? Vai ficar parado aí, babando? — zombou João Victor, com a boca cheia. — Vai comer?
Júnior olhou para Gabriel, que negou com a cabeça.
— Não. — disse Gabriel, com um sorriso cruel. — A cadela já comeu hoje. E cadelas comem o que o dono permite. E hoje eu não permito. Ele vai ficar ali, observando.
Júnior sentiu o baque. A humilhação da fome era intensa, talvez mais dolorosa que os tapas físicos. Ele via os pratos se esvaziando, o cheiro da comida fresca torturando seu estômago. A cada garfada que Gabriel dava, Júnior sentia uma pontada de desespero. Não posso comer. Não mereço. Sou a cadela dele. Ele me anula. Ele me liberta. Era uma verdade perversa, mas para ele, viciante.
Em certo momento, Gabriel terminou de mastigar um pedaço de carne, e com um sorriso de escárnio, aproximou o rosto do de Júnior. Com um som gutural e alto, arrotou diretamente na face do contador. O cheiro da comida recém-ingerida, misturado ao hálito quente de Gabriel, invadiu o nariz de Júnior. Os amigos explodiram em gargalhadas.
— Essa foi pra você, cadela! — zombou Thiago. — O cheiro da sua refeição!
Júnior se encolheu, mas não reagiu, o rosto impassível, aceitando mais aquela humilhação.
Após o almoço, os amigos de Gabriel estavam saciados e descontraídos. Júnior continuou com as aplicações de protetor solar, certificando-se de que a pele dos seus mestres permanecesse intacta sob o sol inclemente.
João Victor se levantou.
— Que tal uma sinuca para animar? — sugeriu, apontando para a mesa de bilhar coberta, no salão de jogos da chácara.
Gabriel sorriu, satisfeito.
— Excelente ideia, João Victor. Cadela! — chamou, e Júnior se aproximou imediatamente. — Prepare a mesa de bilhar. E você será nosso... mordomo da sinuca.
Júnior obedeceu. Com presteza, ele removeu a capa da mesa, revelando o feltro verde impecável. Organizou as bolas, limpou os tacos, e posicionou o giz. Durante o jogo, ele servia as bebidas, sempre se ajoelhando para oferecer cada copo. Corria para buscar os tacos, limpava as bolas, passava giz nas pontas dos tacos para cada jogador, sempre com uma reverência, uma atenção que beirava a adoração.
Os amigos de Gabriel se dividiram em duas duplas: Gabriel jogava com João Guilherme, enquanto Thiago e João Victor formavam a outra equipe. A partida era animada, cheia de provocações e risadas. Júnior observava tudo com uma atenção quase patológica, antecipando cada necessidade, cada movimento dos jogadores. Sua mente, antes turbulenta com seus próprios conflitos, encontrava um estranho alívio na simplicidade de apenas servir, de não ter que decidir, de ser apenas uma ferramenta nas mãos de seus mestres.
Cada vez que um jogador se preparava para uma tacada crucial, Júnior estava lá, segurando um taco limpo, o giz na mão, pronto para atender.
— Giz, cadela! — pedia Thiago, e Júnior prontamente aplicava o pó azul na ponta do taco.
O jogo se estendeu por horas. Com a última bola caindo na caçapa, Gabriel e João Guilherme venceram.
— Ganhamos! — exclamou Gabriel, com um sorriso vitorioso. — Mas ainda falta um último teste de habilidade. Uma demonstração de pontaria para encerrar a tarde.
Júnior, que já começava a recolher os tacos, sentiu um arrepio. Ele conhecia aquela voz, aquele tom.
— Cadela! — chamou Gabriel. — Suba na mesa de bilhar.
Júnior hesitou por um instante, a surpresa em seu rosto. Subir na mesa? Era o santuário do jogo, intocado. Mas o olhar de Gabriel não deixava margem para questionamento. Com esforço, Júnior subiu na mesa, sentindo a maciez do feltro sob seus pés.
— Agora, sente-se. — ordenou Gabriel. — Com as pernas bem abertas. Isso.
Júnior obedeceu, o coração martelando no peito. Ele estava de frente para Gabriel e seus amigos, suas pernas esticadas, expondo a virilha e a vulnerabilidade de seu corpo aos olhos de todos. As bolas de bilhar, antes instrumentos de jogo, agora pareciam ameaças esféricas.
Gabriel pegou uma bola branca, a ponta de um taco. Um sorriso cruel se espalhou por seus lábios.
— Meus amigos. Esta é a cadela. E hoje vamos testar nossa precisão. O alvo... — ele gesticulou em direção à área entre as pernas de Júnior. — É bem claro.
Os amigos de Gabriel riram, um riso misto de choque e excitação.
— Gabriel, você é um monstro! — exclamou Thiago, mas seus olhos brilhavam com diversão.
Júnior sentiu o sangue gelar. Ele permaneceu imóvel, o suor escorrendo pela sua testa, os olhos arregalados de terror. Ele podia sentir o olhar pesado de cada um, sua intimidade exposta.
Gabriel se posicionou, mirando. A ponta do taco recuou e avançou. A bola branca deslizou suavemente pelo feltro e atingiu Júnior em cheio na virilha. A dor lancinante fez Júnior soltar um gemido abafado, contorcendo-se ligeiramente. Os amigos de Gabriel explodiram em gargalhadas.
— Ah, essa foi perfeita! Bem no alvo! — exclamou João Guilherme, rindo.
Um a um, os amigos de Gabriel se revezavam. Cada tacada era uma tortura silenciosa para Júnior. As bolas atingiam seu corpo, um misto de dor física e humilhação profunda. Ele tremia, os dentes cerrados, tentando conter cada gemido. A cada tacada, a respiração de Júnior engasgava, e ele sentia o ar do ambiente rarefeito. O som do clique da bola, o deslizamento sobre o feltro, o silêncio tenso antes do impacto – tudo era amplificado pelo seu pavor.
— Quase lá, cadela! — zombou João Guilherme, quando uma bola atingiu sua coxa com força, deixando uma marca vermelha.
A dor era real, a humilhação, o terror da expectativa, a anulação completa de sua dignidade, eram palpáveis. Ele era apenas um alvo, um objeto para o divertimento de seus mestres.
Após várias rodadas, com as bolas de bilhar zunindo ao redor de Júnior, Gabriel parou o jogo.
— Bom. Já deu. — disse Gabriel, rindo. — Vocês precisam treinar mais essa pontaria. Mas valeu o show, cadela. Isso foi um lembrete do seu lugar.
Júnior desceu da mesa, as pernas trêmulas, sentindo-se esvaziado, mas estranhamente purificado pela intensidade da humilhação.