Um mês se arrastou desde aquele sábado na chácara, um ciclo de semanas que parecia se fundir em uma eternidade distorcida para Júnior. A vida que ele conhecia havia se desmantelado como um castelo de cartas, e os pilares de sua antiga existência – o escritório próspero, o casamento, a respeitabilidade – jaziam em ruínas. A conversa com a esposa, feita presencialmente, com a voz embargada e a alma dilacerada naquele dia, havia selado seu destino.
Júnior havia retornado ao apartamento, as marcas dos tapas ainda vívidas, o cheiro de sujeira e urina da chácara impregnado em suas roupas. Encontrou sua esposa, que o aguardava com uma mistura de preocupação e irritação pela sua ausência prolongada. Seus olhos marejados, mas firmes em uma devoção que ela não poderia compreender, ele proferiu as palavras que iriam implodir seu mundo.
— Eu... eu não sou mais seu. Não posso ser. Minha vida... minha vida agora pertence a outro. Eu sou a propriedade dele.
A esposa, atônita, tentou entender. Sua mente racional não conseguia processar a insanidade daquelas frases. Houve gritos, lágrimas, uma mistura de revolta e descrença diante da figura de um Júnior irreconhecível. Ela não compreendeu as palavras desconexas de devoção a um "Dono", nem a ausência total de lógica em suas justificativas. O divórcio se seguiu rápido, impessoal, por meio de advogados que trataram o caso como mais uma separação litigiosa, sem nunca tocar na bizarra verdade por trás dela.
Júnior, agora, vivia a promessa de Gabriel: sua vida era 24 horas por dia, 7 dias por semana, a serviço de seu Mestre. O escritório de contabilidade, outrora seu orgulho, continuava a operar, mas agora sob o comando e controle total de Gabriel. Ele já não tinha mais celular próprio; o seu havia sido entregue a Gabriel, substituído por um aparelho pré-pago simples, que só recebia chamadas de um número: o de seu Dono. Ambos residiam agora na chácara, e Júnior dormia todas as noites aos pés da cama de Gabriel, no próprio quarto do Mestre, com a famosa meia suja como seu travesseiro – um troféu amargo de sua completa rendição. Em seu pescoço, uma coleira de couro preto, justa e discreta, ostentava um pequeno cadeado prateado. A chave, única, pertencia exclusivamente a Gabriel, que a prendia em seu chaveiro junto às chaves da BMW, um lembrete constante e tátil de sua posse.
Fisicamente, Júnior era uma sombra do homem que fora. Mais magro, os olhos afundados pela privação constante de sono, a pele ainda carregava algumas marcas teimosas de tapas e chutes, cicatrizes silenciosas de sua devoção. Mas, em seu olhar, havia uma estranha e perturbadora paz. Aquele desespero inicial, a luta contra a própria vontade, havia cedido lugar a uma aceitação quase zen. Ele não precisava mais fingir ser quem não era, não carregava mais o fardo das decisões, da responsabilidade. Sua mente, antes um turbilhão de cálculos e estratégias, agora tinha um único foco: a vontade de Gabriel.
A rotina de Júnior era uma coreografia de subserviência. Ele acordava antes do sol, preparado para a primeira ordem. Júnior não precisava mais enviar Pix diários, pois, de fato, ele não possuía mais dinheiro próprio; tudo, cada centavo que um dia fora seu, pertencia agora a Gabriel. Apenas fundos mínimos eram disponibilizados para a manutenção da chácara e da casa principal, sempre sob rigorosa fiscalização de Gabriel. Ele lavava, cozinhava, limpava, cuidava do jardim, do carro de Gabriel (a BMW de Júnior havia sido "reapropriada" por Gabriel para uso diário, virando a inveja dos amigos).
Certo dia, Gabriel chegou da partida de futebol, exausto, as chuteiras enlameadas e com um sorriso vitorioso no rosto. Júnior, que já o aguardava na porta, de joelhos, sentiu o cheiro de grama molhada e suor. Ele se adiantou, inclinou-se e beijou a chuteira enlameada de Gabriel, absorvendo o cheiro da vitória e da terra. Gabriel apenas o olhou, com um ar de desprezo.
Gabriel entrou na casa e se sentou no sofá, colocando os pés com as chuteiras sujas na mesa de centro.
— Venha aqui agora, cadela! — Gabriel comandou, gesticulando para as chuteiras enlameadas em seus pés. — E nem pensar em usar suas mãos sujas para tocar as minhas chuteiras. Limpe-as! Agora!
Júnior se levantou procurando um pano, mas Gabriel o interrompeu:
— Não. Não com um pano. Você é o meu trapo velho. Use sua boca. Quero ver essas chuteiras brilhando. Cada pedaço de sujeira tem que desaparecer. — Gabriel apontou para a sola. — Com sua língua. E depois, beije meus pés. Valendo.
Júnior sentiu o estômago revirar, mas a ordem era inegável. Ele se ajoelhou ao lado do sofá. Com o rosto próximo da sola da primeira chuteira, que repousava sobre a mesa de centro, pôs a língua para fora e começou a lamber a terra, a grama, a poeira. O gosto amargo e terroso invadiu sua boca, mas ele continuou, meticulosamente, sentindo cada centímetro da borracha e do plástico. Gabriel o observava, os braços cruzados, um sorriso sádico nos lábios. — Mais rápido, cadela! Não temos o dia todo! — zombou Gabriel. Júnior, com os olhos marejados, acelerou o movimento, lambendo com afinco, a coleira no pescoço quase tocando o calçado. Ao terminar a primeira, ele recuou levemente, passando para a segunda chuteira, que também estava sobre a mesa, e repetiu o processo, sentindo a língua dormente, mas o prazer perverso da obediência dominando-o. Quando ambas as chuteiras estavam impecáveis, reluzindo como novas, ele as depositou lado a lado. Então, com o rosto ainda sujo de terra, beijou os pés suados de seu Mestre, absorvendo o cheiro e o sabor, como se fosse a mais doce das recompensas. Gabriel o chutou de leve. — Muito bem. É assim que uma cadela serve. — E assim, aquele episódio de humilhação se tornou um ritual meticuloso que se repetia sempre que Gabriel retornava de uma partida de futebol.
Ele era o serviçal pessoal, o objeto de prazer, o saco de pancadas e o confidente silencioso.
Gabriel, por sua vez, estava no auge de seu poder. O dinheiro do escritório de Júnior, somado aos seus próprios rendimentos, bancava uma vida de luxo e ostentação. Novas roupas, jantares em restaurantes caros com os amigos, baladas, viagens de fim de semana – tudo pago com o suor (e a humilhação) de seu escravo. A faculdade era uma brincadeira; Júnior continuava a fazer todos os trabalhos, artigos e pesquisas, garantindo a Gabriel uma performance acadêmica impecável com o mínimo esforço. A BMW de Júnior era a cereja do bolo, um símbolo visível de sua conquista.
Os amigos de Gabriel eram testemunhas e cúmplices. A chácara havia se tornado o novo ponto de encontro, onde podiam desfrutar dos confortos e da "cadelinha pessoal" de Gabriel, que servia a todos com uma dedicação perturbadora.
Em uma tarde ensolarada, os latidos distantes de cães anunciaram a aproximação de mais um veículo. Júnior, que cuidava do jardim, sentiu um calafrio na espinha. Eram os amigos de Gabriel. Ele olhou para Gabriel, que estava na varanda, e o Mestre apenas sorriu, um brilho perverso nos olhos.
— Cadela! — Gabriel chamou, sem desviar o olhar do seu celular. — Prepare-se para receber meus amigos. Eles vêm de longe para ver você. Mostre a eles como uma cadela de verdade recebe visitas.
Júnior sentiu o coração disparar. "Como uma cadela de verdade". A frase ecoou em sua mente. Ele correu até o portão, que já estava aberto, e avistou o carro de João Victor, Thiago e João Guilherme se aproximando. Sem hesitar, ele se jogou no chão, assumindo a posição de quatro, e começou a latir, um som rouco e abafado que mal se assemelhava a um cão. Era a sua voz, mas controlada por uma nova natureza.
O carro parou e os amigos de Gabriel desceram, rindo ao ver Júnior em sua pose canina, latindo no chão empoeirado. João Guilherme se aproximou primeiro, com um sorriso debochado.
— Olha só! A cadela do Gabriel! — Ele chutou levemente o ombro de Júnior. — É assim que você recebe a gente agora?
Júnior cessou os latidos, mas permaneceu de quatro. Gabriel, que havia se aproximado, agora estava ao lado de Júnior, observando a cena com satisfação.
— Sim, ele aprendeu a se comportar. Agora, cadela, guia-os até a mim. E mostre a eles o devido respeito.
Júnior se levantou, ainda de quatro, e começou a engatinhar à frente dos amigos, guiando-os até a varanda, onde Gabriel estava. A cada passo, sentia os olhares divertidos e os murmúrios entre os amigos.
Ao chegar à varanda, Júnior parou diante de João Victor, que se sentou em uma cadeira.
— E aí, cadela? Vai ficar só olhando? — João Victor estendeu um pé, calçado em um tênis limpo, esperando. Júnior obedeceu prontamente. Ajoelhou-se e, com a ponta da língua, começou a lamber a bota de João Victor. Cada lambida era um ato de humilhação e subserviência. Ao terminar, moveu-se para Thiago, que, com um sorriso sádico, estendeu o próprio tênis. Júnior repetiu o ritual, sentindo o gosto da borracha e da poeira.
— Cara, isso é bizarro! — exclamou Thiago, rindo. — Mas é eficiente!
Por fim, Júnior rastejou até João Guilherme. Ele lambeu os sapatos, sentindo a língua dormente, mas a satisfação de agradar a todos era estranhamente gratificante. Depois de lamber os sapatos de João Guilherme, Júnior se ajoelhou e aguardou a próxima ordem.
Gabriel, observando tudo, balançou a cabeça em aprovação.
— Muito bem, cadela. Você os recebeu como mandei. — A partir daquele dia, esse ritual de boas-vindas se tornou uma rotina estabelecida. Toda vez que os amigos de Gabriel chegavam à chácara, Júnior já os aguardava no portão, de quatro, latindo um cumprimento abafado. Em seguida, ele os guiava até Gabriel, ainda em sua postura canina, e se ajoelhava diante de cada um, lambendo-lhes os sapatos ou beijando seus pés, como um sinal de boas-vindas e submissão.
Certa tarde, enquanto Gabriel e seus amigos jogavam videogame na sala, Júnior estava limpando a piscina, debaixo de um sol escaldante. Gabriel sentiu uma pontada de tédio.
— Cadela! — Gabriel chamou, sem sequer desviar os olhos da tela. — Meus pés estão sujos. Limpe-os. Com a sua língua. Agora.
Júnior, que estava com a mangueira na mão, largou-a imediatamente. Ele se aproximou de Gabriel, ajoelhando-se na frente dele. Com uma reverência quase febril, ele levou os lábios aos pés de Gabriel, que estavam sujos de terra e cloro. A ponta da língua de Júnior roçou a sola, sentindo a textura áspera da sujeira. Ele lambeu cada contorno, cada partícula de terra, até que os pés de Gabriel estivessem visivelmente limpos.
Gabriel o observava, entediado. Um dos amigos, Thiago, tirou o chinelo que estava usando.
— Ei, Júnior! Já que você está aí, que tal uma partida de busca? — Thiago jogou o chinelo para longe, perto de uma área enlameada. — Vai lá, cadela! E traga com a boca!
Júnior, sem questionar, engatinhou até o chinelo, latiu uma vez e o pegou com a boca, retornando ao local. O rosto coberto de lama, ele entregou o chinelo a Thiago. Gabriel riu, balançando a cabeça. João Victor, notando a coleira no pescoço de Júnior, perguntou: — Gabriel, essa coleira é de verdade? Ele realmente usa o tempo todo? Gabriel sorriu, um brilho perverso nos olhos. — Claro que é. É o lembrete constante de quem ele é. — Ele se inclinou e, com um leve puxão na coleira, fez Júnior se aproximar ainda mais, quase se curvando. — E funciona. Ele é meu. Totalmente meu. — Ele deu outro leve puxão, fazendo Júnior se reajustar no chão, como um cão bem treinado.
Gabriel riu, balançando a cabeça. — Perfeito. Mas sabe, cadela... — Ele olhou para Júnior, um sorriso perverso se formando. — Você já não tem mais casa, não tem mais família, não tem mais amigos, não tem mais dinheiro, não tem mais vontade própria. Não tem mais nada.
Júnior permaneceu de joelhos, o olhar fixo em Gabriel, esperando o desfecho.
— E é por isso que você é perfeito. — continuou Gabriel, a voz baixa, quase um sussurro, mas carregada de uma satisfação indescritível. — Você não é mais Júnior, o contador. Você é só a minha cadela. Meu escravo pessoal. E esse, meu caro Júnior, é o começo de sua nova vida. A sua verdadeira vida.
A vida de Júnior se tornou uma eterna performance de obediência. Gabriel e seus amigos tinham prazer em inventar novas formas de testar os limites do contador, que aceitava cada nova humilhação com uma estranha resignação.
Em uma tarde, Gabriel estava comendo uma maçã e, sem terminar, estendeu-a para Júnior. — Cadela, coma. E não deixe cair uma migalha. — Júnior, de joelhos, comeu a maçã das mãos de Gabriel, lambendo os dedos do Mestre para garantir que nenhum pedaço fosse desperdiçado.
Os amigos de Gabriel frequentemente usavam Júnior como um objeto. João Victor, entediado, mandou Júnior deitar no chão da sala, e usou suas costas como um apoio para os pés, enquanto jogava. — Que conforto, cadela! Melhor que qualquer pufe! — ele riu, sentindo a submissão de Júnior sob seus pés.
Thiago, sempre com um toque de crueldade, pediu para Júnior segurar seu celular enquanto ele assistia a um vídeo, sem usar as mãos. Júnior ficou imóvel, o braço estendido, o aparelho equilibrado em sua palma, enquanto Thiago assistia e ria, fazendo com que o braço de Júnior tremesse de exaustão.
Em outra ocasião, Gabriel decidiu que Júnior precisava "aprender" a ser um bom cão de guarda. Durante a noite, ele abria a porta do quarto e mandava Júnior latir e rosnar para qualquer barulho, real ou imaginário. — Mais alto, cadela! Quero que o vizinho ouça! — Gabriel ordenava, rindo da exaustão e da voz rouca de Júnior.
A meia suja, o símbolo de sua rendição, permanecia seu único "pertence" pessoal, sempre aos pés da cama de Gabriel, e se tornava o objeto de rituais diários. Pela manhã, antes de Gabriel se levantar, Júnior a beijava, limpava-a com a língua e a apresentava a Gabriel. À noite, a meia era novamente seu travesseiro, garantindo que ele não tivesse descanso total, mesmo no sono.
Júnior não reclamava mais. A dor física e a humilhação psicológica eram a moeda de sua nova existência. Não havia mais a duplicidade, a mentira, o peso de ser "o homem no comando". Ele era o escravo, a cadela de Gabriel, e essa anulação completa de si mesmo, essa entrega total, havia se tornado seu propósito e, paradoxalmente, sua libertação. O passado, com sua complexidade e suas exigências, havia se desfeito. O futuro era apenas a próxima ordem.
Aquele era o novo normal. O ciclo de poder e servidão se perpetuava, solidificando o domínio de Gabriel e a completa submissão de Júnior. O contador havia desaparecido, restando apenas a cadela, eternamente à disposição de seu Mestre, em uma vida onde a humilhação era a forma mais pura de devoção.
FIMObrigado pessoal, por ter acompanhado o conto até aqui!
Já tenho uma nova ideia e já estou escrevendo outros 30 capítulos de um novo Conto.
Espero que vocês também curtam.