Minha vida sempre teve mudanças rápidas e significativas. O término com Ingrid, o início do namoro com Sabrina, e agora as alterações no meu status de relacionamento, a proposta de um novo cargo e a mudança de moradia. Em apenas 15 dias, passei de solteira para casada, de moradora de apartamento para moradora de uma casa, e de analista de dados para diretora temporária de uma das maiores empresas da cidade.
Mudar meu status de relacionamento foi fácil; na verdade, foi uma das escolhas mais fáceis que já fiz na vida. A mudança de casa foi um pouco mais complicada. Primeiro, não esperava isso tão rápido. Segundo, deu muito trabalho, mesmo com Sabrina contratando uma ótima empresa de mudanças. Arrumar tudo é cansativo e sempre há a dificuldade de encontrar certas coisas que antes estavam em lugares conhecidos. Mas gostei da casa; era do tamanho ideal para nós duas e ainda tinha dois quartos de hóspedes. Sabia que, com o tempo, me acostumaria com tudo ali.
Por outro lado, a mudança de cargo foi uma decisão bem mais complicada. Eu conhecia minhas qualidades e conhecimentos, estava na empresa há alguns anos e entendia os negócios, muitos dos quais foram indicados por mim. Como analista de dados, eu sabia onde e quanto investir, quais negócios eram mais arriscados e quais eram mais seguros. Além disso, entendia bem como atrair novos investidores, o valor de investir no marketing social media, algo que a empresa não trabalhou bem efetivamente nos últimos anos. A tecnologia evoluiu muito e a empresa ficou um pouco para trás nesse aspecto. Meu trabalho sempre foi identificar novos investimentos, mas eu não assumia responsabilidades diretas, apenas passava informações para o alto escalão, que tomava as decisões. Se eu fosse para o alto escalão, teria muito mais responsabilidades, o que me assustava um pouco.
Depois de conversar sobre isso com Sabrina, senti-me mais segura e parei de pensar que Henrique só me escolheu por eu ser da família. Isso não fazia muito sentido, já que conversamos várias vezes sobre negócios, e ele sempre elogiou minhas ideias, considerando-as boas e modernas. Agora, percebo que as muitas perguntas que ele me fazia sobre áreas de investimento eram um teste que eu não percebi.
Pensei sobre o assunto por dois dias, mas foi uma visita do meu sogro que me fez tomar uma decisão. Ele me explicou por que sua primeira escolha foi Talita, e eu disse a ele que entendia perfeitamente; ela tinha todas as qualidades que eu tinha e talvez até mais, além de ser muito mais experiente e ter mais tempo na empresa. Ele ressaltou que não estava me explicando por achar que eu não entenderia, mas porque queria que eu soubesse que não era uma questão de duvidar de mim. Ele acreditava que eu tinha capacidade suficiente para assumir essa responsabilidade e que me daria todo o apoio possível para ter sucesso no novo cargo. Mesmo após sua saída da empresa, estaria disponível para consultas sobre qualquer assunto e ficaria muito feliz se eu aceitasse.
Meu sogro sempre foi incrível comigo, facilitou muito as coisas para mim e Sabrina no início do nosso namoro. O apoio dele foi fundamental, e devo muito a ele. O apoio dele foi essencial para que eu fosse até a sala do Henrique no dia seguinte e aceitasse a proposta. Henrique ficou entusiasmado com minha decisão, e eu, de certa forma, animada para o novo desafio. Faltava um mês para eu assumir o cargo de diretora temporária, mas desde que aceitei, comecei a estudar mais sobre os negócios da empresa, especialmente em relação à captação de investimentos e parcerias com empresários. Essas seriam as duas áreas em que eu teria mais responsabilidade. A empresa era praticamente uma corretora de investimentos, ela trabalhava em outras áreas, mas o foco central era esse. Eu me comprometi comigo mesma, a me esforçar o máximo desde que aceitei o cargo. Se tudo desse certo, após seis meses ou até antes, eu assumiria a vice-presidência e trabalharia junto com Henrique.
Sabrina ficou muito feliz por eu ter aceitado o cargo; achei que ela estava empolgada até demais. Com o tempo, entendi o motivo de sua empolgação: era por causa do meu novo salário. Não que ela estivesse interessada no dinheiro, mas porque eu não teria mais como usar a desculpa de que precisava me estabelecer economicamente antes de pensar em ter um filho. Isso ficou claro quando ela começou a tocar no assunto, ficava direto pesquisando sobre tratamentos e até sugeriu que Diego seria um doador perfeito.
Eu não era contra termos um filho, mas não queria apressar as coisas. Queria que tivéssemos mais tempo para conversar sobre o assunto, organizar melhor as coisas e principalmente nos preparar psicologicamente bem para encarar uma maternidade e todos os problemas que vem com ela. Criar uma criança não seria fácil, e o tratamento também não era simples, além do gasto financeiro, era algo que poderia efetae muito a gente de várias maneiras. Mas Sabrina parecia ver apenas o lado positivo e sempre desconversava quando eu tentava abordar as dificuldades e os desafios que isso poderia trazer para nossas vidas. Nunca fui pessimista, mas sempre fui pé no chão. Talvez as dificuldades e decepções que enfrentei na vida, me fizeram ser assim.
Passaram dois meses desde que assumi o novo cargo e as coisas estavam indo bem. Dei sorte, pois a equipe que trabalhava com Henrique me acolheu muito bem e me ajudou bastante no início. Minhas ideias foram bem aceitas pelos outros diretores, o que me deu mais confiança. Quando a gente se sente confiante, mas age com cautela, tudo flui melhor. No entanto, Sabrina ainda me dava indiretas quase todos os dias sobre ter um filho. Depois ela começou a ser direta mesmo, ela queria muito ter esse filho logo e usava todas as armas que podia para me convencer. Na verdade, eu não estava totalmente segura, mas, por amá-la demais, resolvi embarcar naquele sonho que era nosso, mas no momento, era muito mais só dela. Eu acreditava que era um pouco cedo e não estávamos preparadas adequadamente, mas às vezes o coração fala mais alto.
Decidimos fazer a fertilização in vitro. Sabrina já estava totalmente preparada, sabia onde e com qual especialista fazer. Ela tinha tudo planejado; com certeza, passou os últimos meses se preparando para o meu sinal positivo. Contudo, tirei uma ideia da cabeça dela: eu não queria um doador conhecido. Primeiro, porque não contar à criança sobre seu pai biológico, se ele fosse um conhecido, não me parecia certo. Segundo, se a criança soubesse e o pai também, isso poderia nos trazer problemas futuros. Não queria ninguém se metendo nas decisões sobre como eu e Sabrina iríamos criar e educar nosso filho. Diego é uma pessoa incrível, um amigo que conheci por causa de Sabrina e que aprendi a gostar muito, mas ele convivia conosco quase diariamente, o que poderia ser um problema.
Achei que Sabrina não iria gostar, mas ela concordou que um doador anônimo seria melhor. Depois de tudo resolvido, decidimos colocar o plano em prática. Foi aí que surgiram os primeiros problemas. Eu não tinha tempo livre para ir à clínica; estava em um cargo novo, com horários diferentes, participando de reuniões que, às vezes, não tinham hora para acabar, e eu não podia faltar ao trabalho. Não naquele momento.
Ingrid, com a melhor das intenções, se ofereceu para ajudar. Ela fez medicina, era pediatra e era a pessoa perfeita para acompanhar Sabrina. O problema era que eu também queria participar de cada etapa, mas não foi possível. Não consegui estar presente em todas as consultas, mas fui a algumas antes de o tratamento começar e ajudei a escolher o doador. Quando começou o tratamento, Sabrina sofreu com mudanças de humor por causa das injeções de hormônio, e eu também sofri junto. Às vezes, ela tinha crises de choro do nada ou ficava irritada com tudo. Parecia que ela estava tudo dia de tpm, muitas vezes eu chegava em casa exausta e ainda precisava ter paciência com ela. Sinceramente, era cansativo, mas aguentei firme.
Foram quase 20 dias assim, e quando ela foi à clínica para retirar os óvulos, não pude ir devido a uma reunião importante com empresários de São Paulo. Não tinha como não estar presente nessa reunião, e ela demorou bastante. Mais uma vez, Ingrid foi no meu lugar e fez o que eu deveria fazer. Na verdade, ela até fazia isso melhor, pois entendia melhor tudo que o médico especialista explicava. Eu não tinha ciúmes de Ingrid ir com Sabrina, nem nenhum tipo de problema dela ajudar, na verdade eu só tinha a agradecer a ela. No entanto, eu me sentia um pouco frustrada por não poder estar junto com Sabrina nesses momentos importantes. Felizmente no dia da transferência dos embriões eu consegui sair mais cedo com a autorização do Henrique e pode ir com Sabrina.
Os dias seguintes foram repletos de ansiedade. Sabrina estava uma pilha de nervos. Com 10 dias, já queria fazer o teste de gravidez. Com muito custo, consegui convencê-la a esperar mais cinco dias, para ela não passar por frustrações à toa. Era melhor ter certeza de um sim ou um não de uma vez, do que sofrer todos os dias. Finalmente, chegou o grande dia do teste. Sabrina comprou três testes de farmácia de marcas diferentes para fazer três testes simultaneamente. Eu não sabia se ria ou chorava com o desespero dela. Combinamos de fazer o teste juntas assim que eu chegasse em casa.
O dia passou devagar e, na hora do almoço, Sabrina ligou perguntando se não podia sair mais cedo. Eu disse que provavelmente não, mas que iria para casa assim que possível e pedi para ela ter só mais um pouquinho de paciência. Saí da empresa às 17 horas, o que era raro depois que assumi a diretoria. Quando cheguei, Sabrina veio correndo me abraçar, dizendo que tinha dado positivo. Ela segurava os três testes na mão e seus olhos brilhavam de felicidade. Fiquei muito feliz com a notícia, mas totalmente decepcionada por ela não ter me esperado. As frustrações por não ter participado de todas as etapas, somadas à decepção de ter sido excluída de um momento tão importante, me deixaram chateada, e isso ficou nítido em meu rosto.
Sabrina— Amor, o que houve? Você não parece feliz com a notícia.
Fernanda— Estou muito feliz, não duvide disso. Mas por que você não me esperou?
Sabrina— Me desculpa amor, eu estava muito ansiosa e não aguentei esperar mais. Mas acabei de fazer o teste, só tem uns 20 minutos que saiu os resultados.
Fernanda— Vinte minutos!?! O tempo que me separou de mais uma etapa da sua gravidez.
Sabrina— Olha, me perdoe amor, e não é só minha gravidez, é nossa.
Fernanda— Não parece ser nossa, já que você não pode me esperar para fazer parte desse momento único. Mas tudo bem, talvez quando nascer, você deixe a criança me chamar de mãe e eu ainda possa fazer parte da vida dela.
O brilho nos olhos de Sabrina e o sorriso em seu rosto sumiram. Virei as costas e fui para o quarto, joguei minha bolsa em cima da cama e segui para o banheiro. Assim que me livrei das roupas e entrei no chuveiro, comecei a chorar, não era um choro contido; eu chorava de soluçar. Não era só pela frustração, havia uma dor que me rasgava o peito e eu não sabia bem o porquê. Acho que juntou as minhas frustrações de não poder ser participativa em todo o processo, a pressão do trabalho, e claro; o que ela tinha acabado de tirar de mim. Encostei meu corpo na parede do banheiro e deslizei até o chão, fiquei ali com a cabeça entre os joelhos, vendo minhas lágrimas caírem no piso molhado.
Quando meu choro começou a diminuir, senti as mãos de Sabrina em meus braços. Não tive coragem de olhar para ela, mas ouvi seu choro baixinho e seu pedido de desculpas. Disse que estava tudo bem, e ela se ajoelhou à minha frente, colocando os braços sobre meu pescoço e apoiando sua testa na minha cabeça.
Sabrina— Me perdoe, meu amor. Não percebi o quão egoísta fui ao decidir não te esperar. Sinto muito mesmo.
Fernanda— Está tudo bem, e me desculpe pelo que disse. Eu estava chateada, não só por hoje, mas por não poder te acompanhar em todas as consultas. Quando cheguei e vi que perdi mais um momento importante, surtei e acabei descontando em você. Você não teve culpa pelas outras vezes, e certamente não merecia ouvir o que ouviu.
Sabrina— Mas eu tenho culpa por hoje; eram só mais vinte minutos, mas deixei minha ansiedade tomar conta e fui egoísta.
Levantei a cabeça, ela me olhou, dei um beijo nela e a abracei. Estávamos passando por muita coisa juntas e eu havia perdido um pouco a linha com ela. Prometi que iria me policiar para não deixar essas coisas atrapalharem mais e tentar aproveitar ao máximo aquele momento mágico que estava começando. Sabrina estava grávida e íamos ter um filho; isso era o que mais importava.
Continua…
Criação— Forrest_gump
Revisão— Whisper