Já era hora de voltar pra casa, e encarar a realidade que ali me esperava. Meu irmão, como sempre, já havia saído do apartamento, algo que ele sempre fazia, sair sem avisar. Apenas havia deixado um para que eu deixasse a chave com o recepcionista , e assim eu o fiz.
Acabei então pedindo um aplicativo e assim voltei para casa, refletindo sobre tudo o que eu fiz e tudo o que eu deixei pra trás ontem. Um verdadeiro turbilhão de coisas passavam na minha cabeça, mas o foco agora era ter alguma reação, ao menos uma que minha mente passou a bolar no taxi, enquanto voltei pra casa.
Estava de frente a minha casa, no quarteirão tranquilo em mais uma rua de Osaka. O cheiro de flores no jardim e do amanhecer subiram em minhas narinas. Abri a porta de casa devagar, com a chave ainda tremendo nos meus dedos. O clique ecoou alto no meu ouvido, como se tivesse aberto algo muito maior do que só uma porta. Entrei e a primeira coisa que vi foi Aoi. Ela estava deitada no sofá, completamente apagada. O celular dela tava jogado no chão, com a tela apagada, e a mão estendida pro lado, como se tivesse dormido segurando e ele tivesse escorregado.
— Aoi...
Por um momento, fiquei parado ali na entrada, olhando pra cena. Ela parecia tão cansada, tão vulnerável, que parte de mim quis simplesmente esquecer tudo. Fingir que nada daquilo tinha acontecido. Mas aí a lembrança dos vídeos voltou como um soco no estômago.
Caminhei até o banheiro em silêncio. Liguei a torneira, joguei água no rosto e fiquei encarando meu reflexo no espelho, o reflexo de um homem que estava perdido em meio aos seus pensamentos e descobertas. Os olhos fundos, vermelhos. Eu não parecia eu. Nem me reconhecia mais.
Depois fui até o quarto. A mesa estava vazia, os pedaços do notebook que deixei pra trás tinham sido varridos por Aoi, a cama estava arrumada. Sentei na cama e fiquei quieto, tentando respirar fundo.
Minutos se arrastaram até ouvir passos pelo corredor. Aoi apareceu na porta, os olhos ainda inchados de sono. Quando me viu, a surpresa tomou conta de sua face, como se tivesse vendo aquele qual desejava com todas as suas forças. E veio, correu na minha direção sem hesitar e me envolveu num abraço forte.
— Kouta-Kun… meu Deus, você voltou! — a voz dela tremia. — Eu fiquei desesperada, sem notícias, achando que…
O abraço, antes quente e aconchegante de Aoi dava lugar a algo frio, algo que eu não conseguia sentir. Era como se meu corpo fosse apenas uma casca, um corpo morto. Levantei quase no automático e abracei de volta, mas minha mente estava longe. O abraço parecia vazio, mecânico.
— Eu voltei sim.
Ela encostou o rosto no meu peito e perguntou baixinho:
— Onde você foi? O que aconteceu?
Pensei em tudo. No que eu tinha visto, no que tinha ouvido do meu irmão, nas decisões que estavam me corroendo por dentro. Era o momento de soltar a verdade pra ela, dizer o que aconteceu, confronta-la. Mas a única coisa que saiu foi uma mentira:
— Eu… não sei. Talvez pensamentos ruins. Só isso. Acabei surtando. Deve ser alguma sequela do coma, sei lá.
Ela afastou um pouco o rosto e me olhou nos olhos.
— Só isso mesmo? — perguntou, como se tentasse atravessar minhas defesas.
Assenti.
— É só isso, Aoi. Não tem mais outro motivo, tem?
Ela respirou fundo, parecia aliviada por um instante, e depois forçou um sorriso.
— Já que você voltou… deve estar cansado, com fome... Vem cá, eu quero fazer um café da manhã reforçado pra você. O que você gostaria de comer?
— Nada. — Respondi.
— Tem certeza, Kouta-Kun? Aposto que não resiste aos meus bolinhos.
Olhei pra ela, e as palavras que saíram da minha boca não foram sobre comida.
— A propósito... Quando você vai voltar a trabalhar?
A pergunta caiu como uma pedra entre nós. Ela baixou a cabeça, envergonhada.
— Bom, sobre isso... — Ela dizia, olhando para qualquer canto.
— Hum? — Continuei questionando.
— Eu não quero preocupar você, Kouta-Kun. Mas eu não trabalho mais lá a um tempo...
— Mas você disse que estava apenas afastada.
— Não é isso. — Ela disse, de cabeça baixa. — Na verdade, a minha produtividade tinha caído lá nas semanas que você entrou em coma. Não conseguia mais trabalhar, então fui afastada. Recebi alguns meses, até que fui desligada. Desculpe não ter te contado isso. Você me perdoa?
Só balancei a cabeça, concordando. Não quis falar nada. Me levantei devagar e disse:
— Eu preciso sair um pouco.
— Foi por causa disso? Espera... Pra onde você vai? — ela perguntou, apreensiva.
— Vou no meu antigo emprego. Quero ver se eles me aceitam de volta.
Ela arregalou os olhos.
— Mas você já tá com condição de trabalhar? Não é cedo demais?
— Eu tô bem. — respondi, tentando parecer firme. — Não voltarei agora, só quero ver como tudo ficou sem mim.
— Kouta-kun, quando volta?
Peguei minhas coisas e saí antes que ela insistisse mais.
Na rua, chamei um carro pelo celular. Enquanto esperava, respirei fundo e fiquei olhando pro nada. A tela do celular vibrou de repente. Era mais uma vez aquele maldito e-mail: “Descubra a verdade”.
Meu coração disparou. Apertei os dentes, senti raiva subindo pelo corpo. Sem nem pensar, deletei na hora. Mas ali pensei, será que a pessoa não sabe que eu já vi tais e-mails?
O carro chegou. Entrei no banco de trás, afundei no assento e só falei o endereço. Não era o do meu emprego, claro. Eu estava indo pra casa do Kuro.
O motorista puxou conversa, mas eu só respondia com monossílabos. Minha mente estava em outro lugar. Cada esquina que o carro virava parecia me levar mais fundo numa encruzilhada.
Eu sabia que tava mentindo pra Aoi. Sabia que tava fugindo de tudo, mas também sabia que precisava fazer algo a respeito, e a primeira pessoa seria ele. O elo mais fraco ali, acreditava eu.
Quando o carro parou, fiquei olhando a fachada da casa por alguns segundos antes de sair. Respirei fundo. Parte de mim queria simplesmente mandar o motorista continuar rodando, sumir dali, não enfrentar nada. Mas meus pés se moveram sozinhos. Sai do taxi, e me dirigi a casa de meu amigo, ou pra mim, ex amigo. Agora, meu alvo, o alvo da minha reação á minha própria ruína.
Kuro então abriu a porta, e assim me viu ali, parado em frente a sua casa. Esboçou surpresa, como se não esperasse, mas ao mesmo tempo, senti que era isso que ele queria.
— Kouta? Você já está andando por aí? — disse ele, abrindo mais a porta.
Sorri de leve, forçado.
— Tenho me empenhado bastante pra recuperar. Está tudo indo bem.
Ele riu, genuinamente.
— Cara, eu tô feliz por você! Vem, entra. Uma boa surpresa em te ver aqui.
Passei pela porta, fingindo amizade, e caminhei até a sala. Me senti entrando em terreno hostil, um terreno que antes eu me sentia confortável em visitar, mas hoje fico em alerta.
— Eu tava justamente me preparando pra sair, mas olha... — disse ele, jogando as chaves sobre a mesa — ver você aqui já valeu o atraso. O que te traz até minha casa?
Suspirei e fingi simplicidade.
— Sabe... acho que queria ver um rosto amigo. Esses dias de recuperação estão me deixando maluco, Kuro.
Ele se sentou no sofá e bateu com a mão no encosto, indicando que eu me acomodasse também.
— Eu imagino. Mas deixa eu te falar, o pessoal do trabalho não para de perguntar de você. Tá todo mundo ansioso pelo seu retorno, cara.
— Eu sinto falta... — respondi, olhando pro chão. — De me ocupar, de ter a mente em outro lugar. Só ficar em casa é sufocante.
— Você devia aproveitar e se recuperar, não é? Depois você da um jeito nisso.
Kuro inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos.
— E a Aoi-san? Como ela tá segurando tudo isso?
Ouvir ele falar o nome de Aoi, me deu uma mistura de asco e raiva. Senti meu punho se cerrando sozinho, escondi o gesto no braço da poltrona.
— Ela está bem. Está sendo difícil, mas vamos superar mais essa. — Encarei-o em seguida.
Ele não percebeu. Continuou a falar, sem filtro.
— Aquela mulher é incrível. Sofreu tanto durante sua recuperação, mas nunca arredou o pé. Eu admiro demais a fibra dela.
Assenti, sem mostrar reação. Ele não parava.
— Rapaz, a quanto tempo vocês estão juntos? Bastante tempo, né?
— É sim... — Respondi.
— Sabe, às vezes lembro daquela época... quando eu tentei chamar ela pra sair, lembra? — disse, rindo. — Tomei tantos foras que perdi a conta. Ela só tinha olhos pra você mesmo, ela e a Akemi, né? Hahaha.
Forçou uma risada. Eu apenas concordei com um aceno, mantendo meu rosto neutro.
— Você é um tremendo garanhão mesmo, hein? Tendo uma gostosa e dedicada só pra você.
— Kuro-san. — Disse. — Eu estou aqui, sabia?
O silêncio pairou por alguns segundos. Depois, ele respirou fundo e, mudando de assunto, largou:
— Ah, quase esqueci. Semana que vem eu volto pro Brasil rapidinho. Preciso resolver umas burocracias lá.
Levantei a cabeça devagar e forcei um sorriso, mas dessa vez cheio de outra intenção.
— Você vai pro Brasil então, é?
— Vou sim. — respondeu ele, rindo. — Mas é rápido, nada muito longo. Inclusive, pensei... na próxima vez, você e a Aoi podiam vir juntos. Ia ser ótimo.
Sorri de canto, disfarçando a raiva que queimava dentro de mim.
— Quem sabe. Mas olha, eu faço questão de ir te dar um abraço de despedida no aeroporto. Você sabe que é o melhor amigo que alguém poderia ter, Kuro. Eu jamais perderia isso.
Ele pareceu tocado, colocou a mão no meu ombro.
— A gente devia passar mais tempo junto, Kouta. Eu tenho uns planos pra nós dois, sabe?
Aquela malícia no olhar dele não me escapou. Engoli seco, disfarçando mais uma vez.
— Vou esperar por isso. — disse, levantando-me. — Mas agora eu preciso ir.
Kuro me acompanhou até a porta, ainda sorridente.
— Foi bom demais ver você, cara. Não some de novo.
— Você sabe onde eu moro... Só vir me visitar. — falei, virando as costas.
Enquanto caminhava para longe da casa dele, o nó no meu estômago apertava. Fingir amizade era fácil. Difícil era segurar o ódio que crescia a cada palavra que ele deixava escapar.
Saí da casa de Kuro com a cabeça fervendo. O ar da rua parecia pesado, como se estivesse carregado com as mentiras que precisei engolir. Tirei o celular do bolso e disquei o número do meu irmão.
— Kenta. — Eu disse.
— Kouta, tudo bem? Estava te esperando ligar. Me desculpe ter saído as pressas.
— Ele caiu. — falei, sem rodeios.
— Mas já foi fazer isso? — Ele perguntou.
— Não posso perder tempo. — Respondi.
Do outro lado, ouvi a respiração calma de Kenta.
— Então funcionou.
— Caiu direitinho. Nem desconfiou. — continuei. — Ele me contou uma coisa interessante, irmão. Ele vai viajar pro Brasil na semana que vem.
Houve uma pausa breve, seguida da voz firme de Kenta.
— Brasil, é? Hm. Mudança de planos, Kouta. Não vamos pegar ele na casa. Vamos pegar ele no aeroporto. Sabe que será muito pior pra ele, não é?
— Pior o quanto? — perguntei, olhando ao redor, enquanto seguia.
— Você vai ver irmãozinho. Preciso que me encontre então para passar pra você o que combinamos.
— Quando? — Perguntei, agora ansioso para vê-lo, e acabar com esse jogo.
— Amanhã. A gente se encontra amanhã. Eu vou te entregar o pacote. Depois disso, não desgruda dele. Entendeu?
Assenti sozinho na rua, apertando o celular contra o ouvido.
— Entendi.
— Não deixa ele escapar, Kouta. — disse Kenta, antes de desligar.
Guardei o celular, respirei fundo e chamei um carro para casa. O trajeto parecia mais longo do que realmente era, o peso na mente, as decisões que viriam, e principalmente ter que voltar e encarar Aoi, sem saber o que eu faria, ou como aborda-la. Eu estava mergulhado num mar de indecisão sobre ela.
O taxi cruzava as ruas de Osaka, enquanto minha mente estava longe, longe demais de onde meu corpo estava. Naquele momento, eu queria não ter sofrido o acidente, eu queria ter meus meses de volta, fiquei pensando onde estaria, o que estaria fazendo, como estaria, se tudo aquilo não fosse arrancado de mim.
Assim que o taxi estacionou em casa novamente, o paguei e desci do carro. Encarei a porta de nossa casa, enquanto a brisa da manhã ainda batia meu rosto. Podia sentir o cheiro gostoso vindo da cozinha, possivelmente Aoi já estava preparando nosso almoço. Eu sentia um misto de emoções quando pensava nela, pensava em tudo que ela fez.
Abri a porta de nossa casa, e sinto o peso de estar novamente ali me tomar por inteiro. Cada passo que dei, era como um passo em destino a encarar a realidade de tudo que aconteceu, e estava pensando se realmente queria isso.
Fui adentrando além da sala, e Aoi estava na cozinha, distraída em meio a panelas e segurando sua colher de pau, fazendo uma das coisas que mais ama: cozinhar. Entrei, e assim que me viu, sorriu.
— Kouta-Kun! Você voltou cedo, ainda nem terminei de cozinhar...
— É... O encontro foi rápido, não é? Mas conversei e está tudo resolvido.. — falei, encostando na parede da cozinha.
— E quando você volta a trabalhar, falaram alguma coisa? — Ela perguntou.
— Não falaram nada ainda. Possivelmente quando eu estiver 100%. — Respondi.
— Entendi, sei que deve estar sendo duro ficar muito tempo parado. Estamos um pouco apertados, amor, mas vamos conseguir!
— Vamos sim. — Disse, enquanto olhava para um lado e outro da cozinha.
Ela mexia uma panela, o cheiro de curry preenchendo a sala. De repente ela se virou pra mim. Um brilho no olhar que mexia completamente comigo, eu sentia que aquela era a Aoi que eu tanto amava, minha companheira.
— Pois hoje temos uma coisa para comemorar, amor. Preparei algo especial, inclusive. Você merece. — disse ela, animada.
— Curry, né? — sorri de leve, tentando corresponder. — Fazia tempo mesmo que não como, o seu é o melhor.
— O seu preferido. — respondeu, com orgulho.
— Obrigado, Aoi.
— Sabe, Kouta-Kun. A vida não é fácil, não é? Sei disso, sabemos disso. Estamos em um momento complicado, mas eu acredito que vai... Dar tudo certo, né? — Ela se virou novamente, e me olhou com um sorriso que conseguia me desmontar inteiro.
— Você é bem otimista, não é?
— Eu tento ser! Você me ensinou isso. Você me salvou...
Fui até a sala depois disso, enquanto a deixei terminar o jantar, enquanto tentava demonstrar normalidade. Sentei no sofá, liguei a televisão sem prestar atenção no que passava. Fingi interesse, mas minha mente estava em outro lugar. Até que a campainha tocou.
— Perai que eu atendo, deve ser o moço da entrega!
Aoi correu para atender e, logo, uma voz conhecida invadiu a sala.
— Aoi-chan! Boa tardee!
Era Akemi. Ela entrou como uma tempestade. Quando seus olhos encontraram os meus, abriu um sorriso e praticamente se jogou sobre mim.
— Kouta-Kun! — exclamou, abraçando-me forte.
Aoi, atrás dela, cruzou os braços.
— Eu tô bem aqui, viu? Hunf.
Akemi deu um salto para trás, rindo de nervoso.
— Ah, desculpa! Hahahaha! Que cabeça minha. É que... eu não esperava ver você aqui, Kouta-kun
— Pois é. Surpresa. — respondi, seco.
Ela ajeitou o cabelo, disfarçando, enquanto terminava de entrar.
— Akemi-san, tinha que ter avisado que viria, né? Eu tava fazendo almoço para dois!
— Mas não pretendo ficar, eu vim brevemente!
Aoi, ainda de braços cruzados, olhou pra ela, enquanto eu dividi a minha atenção para as duas.
— Eu tinha vindo convidar a Aoi pra sair comigo, fazer umas compras. Mas não esperava encontrar você de volta.
Aoi sorriu de leve, tentando manter a calma.
— Ele voltou há pouco tempo. Não é amor?
Assenti em resposta, enquanto olhava as duas.
Akemi então virou-se para mim, olhos curiosos.
— Mas me diz... por que você saiu correndo aquele dia?
Engoli seco, mantendo o olhar fixo.
— Eu ainda estava me recuperando do acidente. Acho que tive um surto momentâneo.
— Um surto... — ela repetiu, analisando-me. — Não foi algo que você viu, por acaso?
Ela lançou o olhar em direção à Aoi, que meio que baixava a cabeça. Será?
— Não lembro de nada. — respondi rápido. — Nem sei o que houve na hora.
Aoi interveio, irritada.
— Akemi, para de pressionar ele. Ele ainda não tá cem por cento, você sabe disso.
Akemi levantou as mãos em rendição.
— Tá, tá. Não quero causar. Só tô preocupada.
— Então não precisa. — disse Aoi, firme.
Akemi, mudando o tom, perguntou:
— Você não quer sair comigo, Aoi? Podíamos sair os dois, já que ele ta aqui agora.
— Não tô afim. — Respondi.
Aoi balançou a cabeça.
— Hoje não. Vou passar um tempo com o Kouta-kun.
Um sorriso discreto surgiu nos lábios de Akemi, mas logo ela disfarçou, desviando o olhar.
— Entendo. Bom, fica pra próxima, né?
— Desde quando você e a Aoi ficaram amigas assim de combinar de sair? — perguntei, achando estranho esse convite.
— Bom.. — Ela disse, tentando disfarçar, ficando vermelha. — Aoi está tensa com tudo que aconteceu, eu pensei ser gentil, somente isso.
— Akemi-san ficou comigo ontem, Kouta-kun. — Disse Aoi.
A visita se estendeu por algumas horas, mas enfim ela foi embora.
Aoi sentou-se ao meu lado, olhando para minhas pernas.
— Posso fazer uma massagem em você? Vai te ajudar a relaxar.
Assenti. Ela começou a massagear minhas pernas, delicada, enquanto falava sobre o passado.
— Lembra quando fomos ao monte Fuji e eu fiquei cansada demais subindo aquelas escadas e você acabou carregando as coisas por mim e por você?
Esbocei um sorriso vago.
— Lembro sim...
— E também da vez em que eu perdi meu pai? E que você me abraçou, e disse que se eu quisesse você poderia ser minha nova família?
— É sim. — Disse.
— Kouta-Kun. Você me salvou em cada um desses momentos, me salvou em momentos que você nem imagina. Você é meu herói.
Ela fazia massagem em minhas pernas enquanto me olhava com um brilho no olhar diferente de tudo que ela olhava nos ultimos tempos. Seu rosto parecia mais vivo, aquele velho rosto que eu me apaixonei.
Enquanto ela falava, o celular dela vibrou na mesa. Ela pegou, olhou o número e seu semblante mudou na hora. Repulsa.
— Não vai atender? — perguntei, curioso.
— Não. — disse ela, jogando o celular de lado. — O importante agora é cuidar de você. Do meu herói.
Continuei em silêncio, observando-a. Depois da massagem, ela se sentou ao meu lado e pegou minha mão.
— Eu amo você, Kouta. Mais do que tudo. Você me salvou.
Apenas assenti, sem palavras.
Ela me olhou fundo nos olhos.
— Se você quiser falar qualquer coisa, se qualquer coisa tiver ai dentro e você quiser falar, você pode. Tá bom?
Aquilo era quase como se ela soubesse que eu já sabia, e desejasse que eu a confrontasse. Naquele momento abri a minha boca pra falar, mas travei. Travei, talvez por estar encantado demais por aquele brilho no olhar dela que a meses eu não via. Resolvi esperar, primeiro, eu queria dar um jeito em Kuro.
— Eu entendo. Tudo bem, eu digo o mesmo de você. — respondi, de forma vaga.
Ela suspirou, mas não insistiu.
Os dias seguintes passaram lentamente, cada um arrastado por uma rotina falsa. Aoi continuava tentando me trazer de volta ao normal. Akemi rondava, sempre aparecendo de repente. Comecei a estranhar as visitas dela, e a repentina aproximação com Aoi. Ela sempre vivia um grude comigo, e de repente, estava ali, tentando fazer amizade com Aoi. E eu, por dentro, só pensava naquilo que estava por vir— Ahh! ahhh... — Um gemido ecoava em uma cama que estava ali, se movendo brutalmente em um quarto de motel, enquanto a cama se movia de um lado ao outro, mostrando a intensidade do sexo. Os lençóis eram bagunçados, enquanto um tapa era ouvido, ecoando o quarto, num choque entre a palma da mão e a bunda.
Ali estava Akemi, com suas mãos espalhadas na cama, agarrando o lençol, enquanto era fodida pelo seu algoz, que seguia dando tapas em sua bunda, enquanto a agarrou com suas mãos gordas e pesadas.
Akemi já tinha desistido de tentar lutar, seu rosto estava avermelhado, ela estava sendo violentamente fodida. Sua bunda estava ali recebendo tapas fortes, os hematomas que antes eram vermelhos já começavam a ficar com uma cor mais escura, em contraste com a cor de sua pele. O homem não sabia dar prazer, sabia apenas torturar.
— Akemi-chan precisa voltar a se lembrar da sensação de ser fodida pelo meu pau.
— Eu... Não quero.. — Ela dizia.
— Sei que não quer, por isso eu te dei dois desses comprimidos, foi um colega que arrumou pra mim, são muito bons mesmo! — Ele dizia, agora a fazendo se deitar na cama de bruços, enquanto esmagou-a com seu corpo gordo e escroto, passando então a socar forte nela, enquanto lambia sua orelha.
— Hahaha, que bucetinha deliciosa, Akemi-chan, pense no quanto o Kouta-kun vai poder gozar nela quando você fizer o que eu mandei.
— Eu... Não... — Ela tentou falar, sem sucesso. O efeito do comprimido, misturado com a excitação forçada, a impediam de raciocinar. O homem então ia tirando de sua bucetinha, e agora, mirava seu pau escroto em seu cu. Deu um cuspe nele, enquanto ele avançou sua boca, e começou a chupar o cuzinho dela.
— AAAHHH! — Gritou Akemi. — POR FAVOR, AI NÃO! EU NUNCA DEI AI!
— Por isso mesmo que eu quero comer! — Disse o produtor, voltando a linguar aquele anel, passando sua língua sobre ele, enquanto agarrava a bunda dela. Em seguida o seu pau se enterrou em seu cuzinho, sem colocar nada para amenizar a cabeça inchada, que começou a penetra-lo. Apesar de ter um pau menor que o comum, ele compensava na brutalidade.
— Eu... Vou morrer... — Dizia Akemi.
— Vai nada, piranha. Vai ainda dar muito prazer ao Kouta, é isso que você quer, não é? Basta só trazer a Aoi pra mim que eu dou um trato nela! hehehe...
Akemi tentou protestar mas era completamente inútil. Seus sentidos já estavam praticamente dominados e seu corpo era empurrado contra a cama enquanto o homem maior estava em cima dela, movimentando seu quadril com força e possuindo ela de todas as formas, não só física mas mentalmente. Ela já havia desistido de lutar, estava tomada talvez pela droga mas também por lembranças que começaram a tomar conta do seu corpo, pelos anos em que foi abusada em silêncio.
— Eu preciso fazer um filme com as duas ainda, já pensou que delícia será?
— Você é um monstr— Naquele momento, ele a calou. Subiu o corpo dela e começou a beijar seus lábios, enroscando sua língua asquerosa contra a dela enquanto passeava seus dedos em seu pequeno seio. O homem estava ali metendo o seu pau dentro do seu anel, enquanto ela choramingava, completamente rendida. O homem então falou:
— Você não pode falhar, Akemi-chan. Precisa levar Aoi pro nosso lugar combinado, ali eu irei rende-la e manter em cativeiro e treina-la até ela se render completamente e ser minha putinha submissa. Você terá o que você sonhou, o caminho livre pra ter seu Kouta-kun.
— Isso foi antes... Eu não quero mais isso. — Ela dizia, já dominada.
— Você é uma cuzona. Hehehehe, isso que da tesão.
Akemi sentiu uma mistura de remorso, tesão, medo e repulsa, tudo isso se misturando em sua mente. Ela de fato já desejou Aoi fora do seu caminho, mas, havia se arrependido. Tarde demais. Foi no meio daquela foda, que o telefone tocou.
— Porra, vai tomar no cu. Estou no meio de uma fodelança gostosa. Espere ai.
O Produtor então saiu de Akemi, enquanto ela chorava, estirada na cama. Ele então recebe uma ligação.
— Alô caralho. Espero que seja importante, pois eu tava num momento muito bom.
De repente, seu semblante confiante sumiu em um mais profundo desespero.
— O que? Porra, como isso aconteceu?
Ele ouviu mais, e agora, estava irritado.
— Vai tomar no cu, te vira. Não tenho nada a ver com isso.
Ele ouviu mais e logo pistolou.
— Abre a boca pra falar de mim pra você ver, seu merdinha. Eu tenho contatos perigosos, eu posso apagar você fácil igual eu posso apagar aquele merdinha do Kouta. Ele escapou do acidente antes, mas se essa porra aqui não fizer o que eu mandar, ele vai pra casa do caralho dessa vez. — Ele disse, rindo de forma sádica pra ela.
Ele desliga o telefone. Akemi questiona o que ele quis dizer com isso, e leva um tapa na cara, onde ele a manda calar a boca, e continua fodendo. Foi naquele momento, que algo em Akemi mudou. A queda havia começado.
Horas antesKouta havia feito questão de levar Kuro para o aeroporto. Kuro, que achava seu amigo um idiota completo, nem desconfiou do que estaria reservado pra ele naquele dia. Dentro do táxi, Kuro ajeitou a camisa e deu um leve tapa no joelho, como quem tenta dissipar a ansiedade. Ao lado dele, Kouta observava em silêncio, escondendo atrás de um semblante neutro a tempestade que fervilhava dentro de si.
— Poxa amigo, obrigado por ter me acompanhado hoje. Achei bacana vindo de você.
— Você sabe que amigos servem pra isso. Você deu muita força pra Aoi quando eu estava internado.
Kuro olhou com um sorriso sarcástico naquele momento e disse:
— Modéstia á parte, era só o meu dever como amigo.
O veículo parou em frente ao aeroporto internacional de Kansai. Kuro abriu a porta, puxou sua mala preta e a bolsa pequena azul, jogando-as no ombro com desenvoltura.
— Bom, é isso. — disse ele, forçando um sorriso. — Vou sentir falta, Kouta. Mas não demora, logo eu volto.
Kouta também sorriu, mas seu olhar tinha algo de sombrio, difícil de perceber.
— A gente vai se ver em breve. Faz o que precisa fazer no Brasil. Eu logo volto a trabalhar, e guardo sua vaga lá.
Kuro assentiu, erguendo a mão em despedida.
— Quando eu voltar, tenho planos grandes pra gente. Não esquece disso.
— Não vou esquecer. — respondeu Kouta. — Boa viagem.
Os dois se encararam por alguns segundos. Um momento que, para Kuro, soava como amizade verdadeira. Para Kouta, era o prelúdio de sua ruína.
Kuro então virou-se, caminhando até a entrada do aeroporto. O barulho dos alto-falantes anunciava voos, pessoas arrastavam malas apressadas, crianças corriam. Ele respirou fundo e seguiu até o balcão de check-in. Entregou seu passaporte, recebeu o bilhete carimbado e, após os procedimentos, dirigiu-se até a sala de embarque.
Sentou-se em uma poltrona próxima ao portão, a bolsa azul repousando em seus pés. Puxou o celular, checou mensagens e suspirou. Tudo parecia tranquilo.
Até que dois homens de terno se aproximaram. Policiais da alfândega.
— Senhor Kuro, poderia nos acompanhar, por favor? — disse um deles, educado, mas firme.
Kuro franziu o cenho.
— Aconteceu alguma coisa?
— Apenas um procedimento de rotina. Nada com o que se preocupar. — respondeu o outro.
Desconfiado, mas sem alternativa, Kuro se levantou, pegou sua mala e a bolsa azul, e os seguiu até uma sala reservada. Lá dentro, pediram que ele colocasse a bagagem sobre a mesa.
— Vamos precisar revistar. — disse o policial.
— Revistar? Mas eu já passei pelo raio-X. — reclamou Kuro. — Não tem nada aqui além de roupas e meus equipamentos de trabalho.
— É só protocolo. — insistiu o agente.
Resignado, Kuro cruzou os braços e observou enquanto eles abriam a mala. Nada além do esperado: roupas dobradas, alguns papéis, fones de ouvido. Um alívio. Mas então passaram para a bolsa azul.
Ao abrir o zíper, o som do tecido ecoou no silêncio da sala. Kuro se inclinou para frente, curioso, mas logo seu rosto empalideceu.
Pacotes plásticos transparentes apareceram, cuidadosamente organizados. Seringas cheias de heroína. Tubos cilíndricos de cocaína. Pelo menos cinquenta unidades.
— Mas... o quê?! — Kuro deu um passo para trás. — Isso não pode ser! Isso não é meu!
O policial segurou um dos pacotes, erguendo-o contra a luz.
— Já ouvimos isso muitas vezes.
— Eu juro! — gritou Kuro, desesperado. — Essa bolsa não tinha nada disso! Era só equipamento de trabalho!
Outro agente riu, sem humor.
— Sempre tem um comediante tentando nos enganar.
Kuro passou as mãos pelos cabelos, suando frio.
— Vocês têm que acreditar em mim! Eu não trouxe isso! Eu nunca mexi com drogas!
Foi então que um dos policiais, pegou seu celular, e assim, mostrou a Kuro um vídeo de seu passado. Era um dos vídeos de seu "canal erótico", onde drogava uma modelo com uma pílula como aquela.
— Recebemos uma denúncia que você droga mulheres e as obriga a fazer sexo, e além disso, é um traficante de drogas, e pretendia levar isso ao Brasil. Você nunca mexeu com drogas mesmo?
A porta se abriu, e policiais japoneses entraram, chamados para reforço. Um deles, sério, anunciou:
— Kuro-san, está preso sob suspeita de tráfico internacional de entorpecentes.
— Preso? — Kuro quase caiu de joelhos. — Não! Vocês estão cometendo um erro!
As algemas frias se fecharam em seus pulsos. Ele lutou, mas foi contido facilmente.
— Por favor! — implorou. — Me deixem ligar para alguém!
Um dos policiais empurrou um celular para perto de sua boca, mantendo-o controlado. Kuro deu um número e o policial digitou rapidamente e fez a ligação.
— Alô? — sua voz tremia. — Eu... eu fui preso! Eles encontraram droga na minha bolsa! Eu preciso de ajuda! Me tirem daqui! Se não me ajudarem, eu vou falar! Eu vou falar tudo!
A ligação foi interrompida bruscamente. O silêncio do desligar ecoou mais alto que qualquer grito.
Kuro sentiu a garganta secar.
— Não... não pode ser...
Foi puxado para fora da sala, conduzido pelo corredor central do aeroporto, agora algemado, diante dos olhares curiosos e assustados das pessoas.
Quando atravessou as portas automáticas para fora, a luz forte do sol o cegou por um instante. Mas logo seu olhar encontrou algo que gelou seu sangue.
Kouta estava ali. Parado, mãos nos bolsos, encarando-o. Um sorriso frio, triunfante, estampado no rosto.
Kuro arregalou os olhos, respirando ofegante.
— Foi você! — gritou, tentando se soltar das algemas. — Ele! Ele é o dono da bolsa! Esse homem aí!
Apontou com todas as forças para Kouta. Os policiais viraram-se na direção que ele indicava.
Mas não havia ninguém.
Para eles, Kouta não estava ali.
Kuro começou a se debater.
— Ele estava aqui! Vocês têm que acreditar! Era ele! Era ele!
Os policiais o seguraram com firmeza, empurrando-o para dentro da viatura.
Kouta, invisível para aqueles olhos, apenas continuava sorrindo.
E enquanto Kuro era levado, sua vida ruía.
— Deu certo, irmão. Ele caiu. — Disse Kouta, do outro lado, com o telefone na mão e um sorriso triunfante.
— Eu disse que daria. — Respondeu Kenta. — Foi bom que você grudou nele e fez o que eu falei. Agora ele vai pagar caro pelo que fez com você, não é?
— Vai sim. Só faltam— Disse Kouta.
— Bom, preciso desligar agora. Até mais. — Kenta desligava o telefone, e logo em seguida, ele viu uma figura se aproximar, enquanto ele estava sentado em um banco do parque, com o jornal na mão.
— Eu vim... — Disse ela. Aoi.
— Eu pensei que não viria, depois de tudo que envolve nós dois. — Respondeu Kenta.
— É sobre isso que eu resolvi te procurar, Kenta-san.
Os dois se encaravam ali, e naquela altura, o passado e o presente iriam se confrontar, enquanto do outro lado, Kouta estava feliz por sua primeira vitória. Mas mal ele sabia, que o seu algoz estava mais próximo do que ele imaginava.