Às vezes, nos piores momentos da vida, surgem coisas boas que fazem valer a pena o sofrimento que você passou. A covardia que Hugo me fez foi algo terrível; quase perdi minha vida e levei meses para me recuperar. Mas foi por causa disso que conheci duas pessoas muito especiais na minha vida: Mickaela e Laís. Eu já devia muito a elas, devia minha vida. Se hoje estou respirando, é por causa da coragem delas. Mas não foi só isso, com o passar do tempo elas se tornaram duas pessoas muito especiais para mim.
Desde que soube do que elas fizeram por mim, eu quis vê-las para poder agradecer pessoalmente por tudo que fizeram por mim. Mas isso acabou demorando muito mais do que eu queria. Quando as vi pela primeira vez no fórum da cidade, eu já as conhecia por fotos, graças ao advogado que estava cuidando do nosso caso, tivemos acesso aos nomes delas e, com isso, conseguimos encontrar suas redes sociais. Eu queria ter entrado em contato com elas, mas Sabrina preferiu não fazer isso antes dos depoimentos no fórum, e acabei concordando com ela.
No dia da segunda audiência no fórum, eu as vi pessoalmente pela primeira vez, e depois de todas nós sermos ouvidas pelo juiz, finalmente tivemos um encontro rápido. Eu acabei me emocionando quando fui agradecer a elas pelo que fizeram por mim. O que mais gostei foi ouvir das duas que, elas também queriam muito me ver pessoalmente, que já tinham visto fotos nossas no Instagram da Sabrina e achavam que éramos um casal muito bonito. As duas tinham aquele entusiasmo de garotas da idade delas, e mesmo com algumas lágrimas no rosto, eu sorri junto com elas no pouco tempo que conversamos.
Infelizmente, elas tinham que ir embora com a mãe da Mickaela, que estava às acompanhando, mas combinamos de manter contato e marcar um encontro para nos conhecermos melhor. Fiquei com medo que elas sumirem; mesmo Sabrina falando que elas gostaram de mim, fiquei com medo de não conseguir ter uma conversa mais longa com elas. Mas, graças a Deus, Sabrina estava certa, e antes mesmo de chegarmos ao nosso apartamentos, recebi uma mensagem de Laís dizendo que adorou me conhecer. Achei muito fofo e respondi dizendo que também amei conhecê-las. Ela disse que as duas estariam livres no final de semana, e se eu quisesse, poderíamos marcar algo. Antes de eu responder, Sabrina, que estava ao meu lado lendo tudo, disse que deveria ser no domingo, porque ela também queria participar do encontro. Sugeri um almoço no domingo em nosso apartamento, e depois de algum tempo, Laís disse que para elas estava tudo bem. Só me pediu para eu mandar o endereço e confirmar o horário para ela depois.
Os dias demoraram a passar, mas finalmente o domingo chegou, e logo depois das onze da manhã, elas chegaram. Logo de cara, percebi algumas diferenças entre as duas. Mickaela usava roupas mais caras e tinha um jeito mais patricinha: roupas coloridas, acessórios chamativos; seu cabelo loiro todo arrumado, e seus olhos azuis ajudavam a passar essa impressão. Laís já era diferente: usava roupas mais humildes e discretas. Só tinha dois piercings na orelha como acessórios, cabelo preto, curto e repicado. A maquiagem era bem básica e até seu sorriso era mais contido.
Chamei-as para entrar e ficar à vontade. Elas se sentaram no sofá, e logo Sabrina apareceu para cumprimentá-las. Pedi para Sabrina fazer companhia a elas enquanto eu terminava o almoço. Já estava quase pronto, então finalizei rápido, preparei a mesa da copa e fui chamar elas para almoçar. Assim que nos sentamos, Sabrina me deu uma ótima notícia: elas não eram amigas, mas sim namoradas. Eu realmente não tinha percebido, não tinha visto fotos ou algo que indicasse isso. As fotos e legendas nas redes sociais delas eram como as de boas amigas que se gostam muito. Mickaela confirmou a informação de Sabrina, dizendo que estavam juntas há mais de dois anos. Embora não fosse um segredo, elas também não espalhavam isso nas redes sociais para evitar comentários idiotas e mais problemas com o padrasto da Laís.
Fernanda— Seu padrasto não aceita que você namore uma garota, Laís?
Laís— Não, ele não admite isso. Isso já causou algumas brigas entre nós e dele com minha mãe. Por isso, eu evito expor nosso namoro para pessoas que o conhecem. Sei que ele sabe que estamos juntas, mas parece que se ele não ver ou ninguém falar nada sobre isso com ele, tudo bem. É uma situação meio complicada.
Sabrina— Mas ele nem é seu pai, ele não tem o direito de se meter; e sua mãe não te defende?
Laís— Esse é o problema, ela tem o direito de se meter sim. Ele me criou desde os doze anos. Sempre se esforçou para não deixar faltar nada em casa, me ajuda muito nos estudos. Na verdade, ele é uma ótima pessoa para mim e para minha mãe, bem melhor que meu pai, que nos abandonou. Nossa relação era ótima até eu contar para eles que eu era lésbica. Minha mãe aceitou numa boa, mesmo sendo evangélica. Mas ele não; nossa relação piorou muito depois disso e começaram as discussões. Minha mãe ia me defender, e os dois acabavam brigando. Ele nunca levantou a mão para mim ou para minha mãe, e nunca me ofendeu com palavras, mas mesmo assim, ficava aquele clima ruim toda vez que discutíamos. Eu sei que minha mãe o ama e, na verdade, eu também o amo como um pai. Porém, não posso deixar de ser quem sou; não existe um botão que se aperta e muda sua orientação sexual.
Sabrina— Acho que entendi, o problema dele é só não aceitar que você namore outra mulher.
Laís— Exatamente, se não fosse isso, ele seria um padrasto perfeito, mas infelizmente existe esse enorme problema. Então resolvi ser mais discreta com meu namoro, sei que não é o essencial, principalmente para a Mickaela, que até parou de frequentar minha casa para evitar esses conflitos.
Mickaela— Para mim não tem problema; claro que poderia ser melhor, mas enquanto a Laís morar lá, eu aguento sem problemas. Vale a pena esse pequeno sacrifício.
Fernanda— Então você pensa em sair de casa, Laís?
Laís— Penso, até já falei com minha mãe, e ela concorda que talvez seja a melhor solução, mesmo não querendo ficar longe de mim. Ela também deixou claro que eu só saio se eu quiser e tiver condições de me manter. Se for para eu passar dificuldades, ela não aceita que eu saia.
Fernanda— Situação muito complicada essa sua, Laís. Mas e você, Mickaela? Seus pais sabem do namoro de vocês?
Mickaela— Sabem sim, decidimos contar para nossos pais no mesmo dia. No meu caso, foi tudo tranquilo; meu pai é bem mente aberta e aceitou numa boa. Minha mãe também, já que ela já até namorou uma mulher antes de conhecer meu pai. Minha família é bem moderna; às vezes acho que até demais.
Sabrina— Como assim, moderna até demais?
Mickaela— Uma vez peguei meu pai e minha mãe falando sobre uma casa de swing aqui da cidade. Eles têm um casal de amigos que sempre viaja com eles nas férias. Às vezes, acho que eles têm intimidade demais com esse casal. Eu nunca perguntei nada; a vida é deles e, por sinal, eles são muito felizes juntos. Porém, acho que eles são liberais.
Fernanda— Se eles são felizes, é o que importa. Mas não me vejo em uma relação assim; para mim, isso é modernidade demais.
Sabrina— Ainda bem, porque eu sou ciumenta, e muito.
Fernanda— É estranho ouvir isso da minha namorada, que é amiga íntima da minha ex. Kkkk
Sabrina— Você tem razão, é estranho mesmo. Mas não sinto ciúmes da Ingrid, até porque confio nela e principalmente em você.
Mickaela— Como assim? Você é amiga da ex dela? Como isso aconteceu?
Sabrina— É uma história longa, mas vou te contar. Porém, antes, quero continuar no assunto que estávamos. Laís, quando você pretende sair de casa? Se é que você ainda pensa em fazer isso.
Laís— Eu penso em sair e quero muito, mas não tenho condições. Eu não tenho para onde ir, então, se eu sair, vou ter que pagar aluguel, me bancar, e ainda tem a faculdade que acabei de entrar. Só pago metade das mensalidades porque ganhei uma bolsa, mas não é integral. Eu trabalho só meio período e ganho meio salário. Não tem como eu sobreviver sozinha. A Mickaela não tem motivos para sair de casa e nem quer isso. Ela também não pode ajudar muito com dinheiro, e ir para a casa dela eu não quero; seria aproveitar demais da boa vontade dos pais dela, que já nos ajudam muito. Resumindo, eu não faço ideia de quando vou conseguir sair de casa.
Fernanda— Eu saí de casa cedo; não pagava aluguel, meus pais pagavam meus estudos e às vezes me ajudavam com as despesas básicas. E mesmo assim, passava aperto às vezes. Só melhorou depois que me formei e arrumei um bom emprego. Morar sozinha é bem complicado.
Laís— Eu acho que só vou conseguir ter meu canto quando me formar também.
Sabrina— Vai dar tudo certo, Laís; tenha paciência. O importante é que vocês estão juntas, uma apoiando a outra. Mas agora vamos comer antes que a comida esfrie.
Mickaela— Tudo bem, vamos, mas quero saber sobre esse lance da amizade com a ex depois. Também quero saber da história de amor de vocês; já aviso que sou curiosa.
Almoçamos e, durante a refeição, contamos nossa história para as meninas. Quando terminamos, ficamos um bom tempo na mesa conversando. Depois, fomos para a sala e elas contaram sua história, que era bem clichê. Se conheceram no colégio, viraram amigas e se apaixonaram. A amizade virou namoro e estão juntas até hoje; apesar de algumas brigas e do problema do padrasto da Laís, elas estão felizes juntas, pelo que disseram.
Fomos para a sala depois, e a conversa rendeu. Sabrina contou sobre Ingrid e foi engraçado ver a reação delas em cada parte da história. Nem percebemos o dia passar, e logo o sol já estava se pondo. Elas tinham que ir embora, se despediram, mas antes de sair, combinamos de nos encontrar mais vezes. Eu adorei as duas, e pelo jeito, Sabrina também. Eu tinha certeza de que ali haviam nascido boas amizades que fariam parte da vidas de ambas dali em diante.
Assim que as garotas saíram, Sabrina disse que ficou com muita pena da Laís e queria poder ajudar de alguma forma. Ela disse que iria conversar com ela depois, com calma. Se desse certo, arrumaria um trabalho para ela na boate, para que ela pudesse ganhar um pouco melhor. Eu achei legal da parte da Sabrina e pensei em como poderia ajudar; então tive uma ótima ideia. Porém, eu precisava conhecer melhor as garotas. Sei que elas salvaram minha vida e que pareciam ser boas pessoas, mas eu levo um tempinho para confiar completamente em alguém. Para fazer o que pensei, eu precisava confiar bastante na Laís.
Não foram só as garotas que trouxeram algo de bom por causa daquele dia trágico. Provavelmente, se Hugo não tivesse me atacado, Sabrina teria muita raiva da Ingrid; o encontro delas no hospital provavelmente mudou tudo. Hoje, elas são boas amigas; na verdade, parece que sempre foram melhores amigas. Elas se dão super bem, e com isso, a presença da Ingrid na nossa vida se tornou constante. No início, eu tinha uma certa reserva com essa amizade e com o retorno de Ingrid à minha vida. Mas o tempo mostrou que foi algo bom, que acrescentou boas conversas, ótimos passeios aos domingos e duas boas amizades, já que Joyce agora estava mais colada em Ingrid do que antes. No fim, até eu cedi e comecei a tratar Ingrid como uma boa amiga, assim como Joyce, até porque as duas se provaram ser boas pessoas.
O tempo foi passando, a amizade com as garotas aumentando, e depois que eu e Sabrina resolvemos nos casar, esse laço só cresceu. Passamos muito tempo juntas planejando o casamento, e isso acabou unindo muito todas nós. Eu fiquei feliz demais ao ver as garotas dizendo que queriam se casar também, que na vez delas, queriam a gente junto em todo planejamento e como madrinhas. Algo que eu amei também nesses dias foi ver Ingrid toda feliz e entusiasmada ajudando em tudo. Era nítido que ela estava feliz por nós e, principalmente, por mim, já que ela sabia o quanto eu sonhei com isso quando namorávamos. Mesmo não sendo com ela meu casamento, ela estava ali, fazendo parte disso e visivelmente muito feliz. Acho que, depois disso, se ainda existia qualquer tipo de resquício de algum sentimento ruim em mim em relação a ela, isso sumiu de vez.
Laís já estava trabalhando na boate, já ganhava três vezes mais do que ganhava trabalhando meio período, sem contar as gorjetas que recebia no bar da boate, trabalhando como garçonete. Ela estava toda animada porque agora conseguia guardar um pouco todo mês para realizar seu sonho. No último dia de reunião das ajudantes do casamento no nosso apartamento, pedi para Laís e Mickaela ficarem um pouco mais, porque eu precisava falar com elas. Já tinha decidido colocar minha ideia em prática; já confiava nas garotas o suficiente para isso. Sabrina adorou minha ideia e me deu todo apoio. Então, logo que as outras se foram, nos sentamos no sofá da sala, e eu falei com Laís.
Fernanda— Laís, como anda seus planos para sair de casa?
Laís— Ainda na mesma. Por mais que eu esteja ganhando melhor na boate, graças ao trabalho que Sabrina me arrumou, ainda é um sonho distante para mim. Por quê?
Fernanda— Só por curiosidade. Se você tivesse um lugar para morar de graça, já mobiliado, você acha que conseguiria se manter com o salário que ganha?
Laís— Eu não sei, mas provavelmente sim. Eu quase não fico em casa; água e luz seriam baratos. Me alimento pouco em casa também, já que janto três dias na boate e, no final de semana, geralmente almoço e janto na casa dos outros. Eu até teria que fazer umas contas, mas tenho quase certeza que conseguiria.
Mickaela— Tenho certeza de que sim, até porque eu posso te ajudar. Eu ganho uma boa mesada dos meus pais e acho que também me beneficiaria se você tivesse um canto só seu. A gente poderia curtir mais tempo juntas e viver nosso relacionamento sem nenhuma reserva.
Laís— Isso seria ótimo!
Fernanda— Bom, faça suas contas. Se você tiver certeza de que consegue, vou arrumar um lugar para você morar.
Sabrina— Pode pegar a chave e entregar para ela. Se precisar, eu ajudo com as contas. Quando ela se formar e tiver um bom emprego, ela me paga.
Laís— Como assim você vai arrumar um lugar para eu morar? É sério isso?
Fernanda— Eu tenho um apartamento mobiliado que está sem morador. Em vez de você pagar aluguel, você vai cuidar dele e das minhas coisas para mim. Eu vou continuar pagando o condomínio, porque de qualquer jeito já estou pagando, então você só vai pagar água e luz. Tem tudo lá; até roupa de cama tem. Eu só trouxe minhas roupas e objetos pessoais quando vim morar com Sabrina. Então, se você quiser, vou pegar a chave para você.
Laís— Eu não sei nem o que dizer, Fernanda.
Fernanda— Não precisa dizer nada. Vocês duas salvaram minha vida; eu queria poder fazer muito mais, infelizmente não posso, mas te juro que o que eu puder, vou fazer de coração.
Laís ficou muito feliz e me agradeceu muito. Peguei a chave e a entreguei a ela, dizendo que iria ligar e avisar o porteiro que ela iria se mudar para lá. Depois disso, era só ela levar suas coisas. Ela me deu um abraço muito apertado; apesar de eu não sentir mais nada por causa das fraturas, naquele dia minhas costelas chegaram a doer.
Com tudo resolvido, Laís passou a morar no meu apartamento, já trabalhava com Sabrina e seria minha madrinha no casamento, junto com Mickaela. As garotas que salvaram minha vida agora faziam parte dela, e eu fiquei muito feliz com isso.
A vida seguiu, e finalmente chegou o dia do meu casamento. Eu estava bem nervosa e muito ansiosa para o momento de trocar alianças com meu amor. Mas assim que a vi vestida com um lindo vestido de noiva, esqueci todo o nervosismo e a ansiedade. Meu coração se encheu de felicidade, e tive certeza de que aquele seria o dia mais feliz da minha vida, porque finalmente eu estava me casando com a mulher que eu amava mais do que tudo nessa vida!
Continua...
Criação— Forrest_gump
Revisão— Whisper