Meu coração batia forte.
Eu tremia — de raiva. De tristeza.
Me joguei na cama e comecei a pensar em todo o inferno que minha vida estava virando.
Aos poucos, com o lençol levemente úmido — e com o cheiro dela impregnado ali — comecei a perder a concentração.
Não sabia mais pra onde levar meus pensamentos.
O estresse era tanto que tomei uma decisão:
Não ficaria ali, jogada no quarto, chorando, sendo uma coitada…
Enquanto ela entrava na minha casa e ficava à vontade. Sem problema algum.
Não queria lhe causar problemas.
Mas também não ia me intimidar.
Desliguei meu abajur.
Saí do quarto.
Em direção à cozinha. Descalça mesmo.
Caminhei lentamente pelo corredor.
Passei pela sala — escura, só com as luzes e sons da televisão ligada.
Minha prima estava no sofá. Atirada.
Uma perna sobre ele. A outra caída pro chão.
Cabelo levemente bagunçado.
E um leve brilho — de suor, ou talvez de creme — nos ombros. Nas coxas.
Passei por ali.
Segui.
Na cozinha, liguei só uma das luzes.
Sentei na cadeira.
Apoiei os cotovelos na mesa.
Punhos fechados sobre o queixo.
Inquieta, levantei.
Fui até a geladeira.
Passei os olhos rápido por tudo que tinha lá.
Nada me chamou a atenção.
Nada que fosse de comer.
Só uma garrafa de vinho. Pela metade.
Certamente aberta pelos meus pais durante a semana.
Não era exatamente o que eu gostava.
Mas era o que eu precisava.
Peguei a garrafa. Uma taça.
Voltei pra mesa.
Meio copo foi o que decidi beber.
Entre goles e pensamentos, logo senti os efeitos do álcool.
Quase nunca bebo.
Acho que me pegou mais rápido.
No amargo que minha vida estava… o gosto do vinho nos meus lábios era a única coisa doce no momento.
Ouvi passos.
Minha prima vinha em direção à cozinha.
Não me importei.
Continuei ali.
Ela entrou. Com um copo na mão.
Parou na hora. Me olhou.
— O que você faz com minha garrafa de vinho?
Abaixei o rosto.
Depois, olhei pra ela.
— Desculpa. Achei que era do papai.
— E desde quando você começou a beber? — perguntou, rindo, se aproximando de mim.
— Desde hoje. Só pra esquecer os problemas.
Não queria estar respondendo tão naturalmente.
Mas as palavras só saíam da minha boca — como se eu não pensasse. Como se não pudesse controlar.
Ela ficou me olhando. Como quem analisa.
Eu abaixei a cabeça. Fiquei olhando pra minha taça. Esperando que ela saísse de perto.
Mas ela não saiu.
Pegou uma cadeira. Sentou ao meu lado. Quase encostando em mim.
Afastei minha cadeira um pouco pro lado.
— Tá se afastando? Tá com medo de mim? — perguntou, com um brilho nos olhos.
Como quem também estava levemente sob o efeito do vinho.
— Só não quero contato. Só quero que a gente passe por isso com o mínimo de confusão.
Terminei de beber o que ainda tinha na taça.
— Me dá essa garrafa. Antes que você fique bêbada com uma taça.
Ela esticou a mão em direção à garrafa.
Impedi.
Coloquei minha mão sobre a dela.
E, involuntariamente… apertei.
Sua pele quente — arrepiou. Instantaneamente.
— O que foi? Quer afogar as mágoas, é? Tudo bem. Só não vem chorando e vomitando pela casa depois — pra eu ter que cuidar de você.
Ela falou enquanto se levantava e ia em direção à pia — pra lavar sua taça.
— Você cuidar de mim? — respondi, enchendo mais meia taça de vinho. — Esqueceu como se faz isso tem mais de dois anos.
Ela nem havia ligado a torneira ainda.
Voltou. Sentou de novo.
E encheu meia taça também.
— Você vai querer tocar nesse assunto? — disse, olhando pra taça. — Fiz coisas que nunca imaginei fazer. Coisas que odeio. Tudo pra te proteger.
E olha como você me retribuiu.
A cada gole que bebia… minha timidez. Meu medo de falar.
Pareciam descer — junto com o vinho — pela minha garganta.
— Beijar meu primeiro amor da escola… — minha voz saiu firme, pela primeira vez — você considera proteger? Cuidar? Amar?
Eu chamaria de inveja.
Ou sei lá… qualquer coisa que seja ruim.
Ela revirou os olhos.
De um jeito que, mesmo com raiva dela… eu não pude deixar de achar fofo.
— É por isso que brigamos. Você é infantil. Não entende.
— Acha que estaria com ele até hoje? Que ele te amaria e faria por você tudo que eu fiz?
— Mesmo distante. Brigada. Ferida.
Eu não deixei de pensar em você. De querer seu bem. De perguntar pros tios como você estava.
Acha que ele seria assim contigo?
Me escapou um riso.
Mas não de alegria.
De incredulidade.
— E daí? Isso não mudaria nada entre nós.
Ainda poderíamos ter continuado como sempre fomos.
Nenhuma outra amizade. Nenhum namorado. Substituiria você.
— Você não pode agir como se fosse minha mãe. Meu pai.
Ou sei lá… como minha namorada.
Nessa hora, encarei ela nos olhos.
Tentei mostrar — sem palavras — tudo o que eu sentia.
E vi.
Ela ficou nervosa.
Engoliu seco.
Boca seca.
— Você não pode ter ciúmes de mim como se… sei lá… — minha voz vacilou — eu não sei o que passa na sua cabeça.
Ela ficou visivelmente triste. E irritada.
Pegou a taça.
Levantou.
Saiu.
Sem falar nada.
Voltou pra sala.
Fiquei sozinha na cozinha.
Com o vinho.
Com o silêncio.
Com a culpa.
E murmurei, baixinho — pra mim mesma:
— Tá vendo? Depois eu é que sou a infantil.
Irritada. Alcoolizada. Fragilizada.
Logo depois, levantei — e fui até ela.
Não sei se queria só brigar.
Resolver.
Nos ferir mais.
Ou… tudo junto.
— Olha só, Nathália, isso não pode… — parei de falar.
Ela estava sentada no sofá.
Braços cruzados, apoiados nas coxas.
Rosto enterrado entre eles.
Chorando. Baixinho.
Aquilo me quebrou.
Por mais que eu tivesse todos os motivos do mundo pra não ligar — pra deixá-la ali, sofrendo sozinha — eu não consegui.
Ela ainda era minha prima.
Eu ainda a amava.
Mesmo querendo negar.
— Sai daqui — disse ela, voz triste. Insegura.
Eu deveria.
Não quis.
Não pude.
Caminhei até ela.
Agachei na sua frente.
Apoiei minha cabeça — devagar — sobre a dela.
E com as mãos, comecei a fazer carinho em seus braços.
Como quem consola.
Como quem pede perdão.
Como quem ainda lembra como era.
Ela levantou a cabeça — rápido.
Pegou a taça com o resto do vinho.
E jogou — com força — no chão.
— Sai! Eu mandei você sair! — gritou.
Voz misturada: choro, frustração, raia.
Assustada, levantei rápido.
Dei um passo pra trás.
Descalça.
Na mesma hora — me cortei.
Em um dos milhares de cacos de vidro espalhados ao nosso redor.
Um corte pequeno.
Mas dolorido.
E, com tudo que estava acontecendo… na mesma hora, dei um grito de dor — e caí no choro.
Saí mancando — leve, mas visível — em direção ao banheiro.
— Camille, você tá bem? — perguntou ela.
Ignorei.
Só segui.
Bati com força a porta do banheiro — como se ela tivesse a culpa de tudo aquilo.
Peguei um pano molhado.
Comecei a limpar ao redor do corte.
Tirando o sangue que escorria — lento, teimoso.
Depois, mais um curativo chegava ao meu corpo.
Agora, pra proteger o corte no pé.
Ainda doía. Ardia. Machucava.
Mas, cansada, ignorei.
Saí dali. Fui pro meu quarto.
Escorei a porta.
Tirei a calça — com medo de ter algum estilhaço de vidro grudado.
Coloquei o primeiro short que encontrei no guarda-roupa.
E, lentamente, me deitei na cama.
Só queria paz.
Fechei os olhos.
Tudo girava — leve, insistente.
Mas permaneci assim.
Permaneci… até ouvir passos.
E a porta do quarto se abrindo.
Minha prima.
— Sua taça. Você esqueceu lá — disse, entrando — mesmo sem ser convidada.
— Não quero. Sai daqui.
— Toma. Vai relaxar. Acalmar você. — pausa — Machucou muito? Desculpa… eu não queria te machucar.
Peguei a taça.
Sem forças. Sem vontade de brigar — nem por beber, nem por nada.
— Você nunca quer me machucar… — minha voz saiu cansada — mas é só o que você faz, de uns tempos pra cá.
Ela sentiu.
Ficou quieta.
Virou as costas. Saiu.
Um minuto depois, estava de volta.
Agora com uma taça pra ela numa mão.
E, na outra — uma agulha. Um novo curativo. Um vidro com álcool.
Não falei nada.
Só observei.
Cada movimento.
Pra ver até onde ela iria… fingindo que tudo estava normal.
Ela sentou aos pés da minha cama.
Ficou me olhando.
Com aquele rosto angelical — que mascara tão bem todas as loucuras que ela faz.
— Deixa eu cuidar disso pra você. Foi culpa minha — disse, largando a taça no chão.
— Não precisa. Eu mesma já fiz o curativo — respondi, virando o pé pra mostrar.
Ela riu ao ver meu curativo.
Eu não.
Só a encarei — fria.
— Qual a graça? — perguntei.
— Nenhuma — disse, colocando a mão — cuidadosamente — sobre a parte de cima do meu pé. Fazendo carinho.
Fechei os olhos.
Não queria ceder.
Ao carinho.
Ao arrependimento.
Depois de tudo.
Mas eu já havia sofrido tanto…
Merecia um pouco de carinho.
Eu precisava daquele momento.
Depois… eu fingiria que não tinha cedido.
Voltaria a odiá-la.
A ficar de mal.
Senti seu dedo — lentamente — subindo e descendo.
Um toque simples.
Mas que acalmava meus ânimos.
Meus pensamentos.
E acelerava — devagar — minha respiração.
Ela foi, cuidadosamente, levando a mão até o machucado.
Na parte de baixo do pé.
Pra tirar o curativo.
Como quem ama.
E devagar… vai acalmando a outra.
Pra não sofrer. Pra não machucar.
Mordi a boca.
Soltei um gemido — de dor — quando ela encostou no corte, por cima do curativo.
— Shh… fica quietinha — disse, voz baixa. Doce.
— Não mexe… tá doendo — respondi, voz dengosa, abrindo os olhos, encarando-a.
— Mille… deixa eu cuidar de ti — sussurrou.
Não respondi.
Só fechei os olhos.
Ela, lentamente, foi retirando o curativo.
E avisou:
— Vai doer. Mas vai melhorar depois. Confia em mim.
Nem tive tempo de falar.
Nem de abrir os olhos.
Só senti.
O álcool sendo despejado sobre o corte.
Um gemido — baixo, longo — escapou da minha boca.
— Calma… calma — disse ela, enquanto eu sentia sua respiração se aproximando do meu pé.
Pouco a pouco, comecei a sentir o ar da boca dela.
Assoprando. Devagarinho. Sobre o corte.
A dor foi passando.
E o contraste — entre o sopro gelado dela e minha pele quente — foi me trazendo uma sensação… boa.
Cada vez maior.
Na medida em que ela aproximava mais a boca.
Colocou o curativo.
Continuou soprando.
Eu permanecia de olhos fechados.
Sem olhar pra ela.
Mas, na minha mente… conseguia vê-la.
E logo — sentir.
Sua boca estava tão próxima…
Assoprando…
Que, pouco a pouco, começou a encostar.
Seus lábios — tocaram a parte de cima do meu pé.
E naquele instante — um arrepio percorreu meu corpo todo.
Um beijo. Tímido. Devagar. Carinhoso.
De quem sabia… que, pouco a pouco, estava me acalmando.
Me desarmando.
Me hipnotizando.
Me conquistando — como prima — de novo.
Timidamente, ela pegou minha mão direita com uma das suas.
E começou a acariciar.
Eu estava relaxada.
Mas no controle.
De tudo que acontecia.
Me permitia o carinho.
Da prima que eu amava.
E odiava.
Naquele exato momento.
O carinho na mão… começou a dar lugar a um leve arranhão — com as unhas dela.
E era… ainda melhor.
Os beijos tímidos… começaram a ser trocados por toques mais pesados.
Da boca dela.
No meu pé.
Pé? Não.
Ela já havia — manhosamente — subido.
E estava… quase na minha coxa.
Quando percebi… me assustei.
Mas permaneci de olhos fechados.
Por quê? Nem eu sei.
Tentava… mas já não conseguia controlar minha respiração.
Ela percebeu.
Seguiu.
Apertou forte minha coxa — cravando levemente as unhas.
E deu um beijo.
Na parte interna.
Descoberta pelo short.
Mordi a boca.
Soltei um gemido.
Abri os olhos.
Assustada. Brava. Ou… querendo estar.
— O que você tá fazendo? — perguntei, voz falhando, respiração ofegante.
Ela não respondeu.
Me olhou nos olhos.
De um jeito… que eu não pude desviar.
E lentamente… começou a passar a língua na minha coxa.
Subindo.
Em direção à virilha.
Fechei os olhos.
Soltei um gemido.
Mordi a boca.