Chegou o dia de ver meu velho amigo Carlos. Ele parecia um pouco pior; eu até senti pena. Recebeu-me com o sorriso que eu conhecia: alegria de ver alguém.
— Entre, por favor. Sente-se no sofá, que eu já venho.
Não demorou: ele desceu com Maria ajudando a conduzi-lo, um livro e papéis nas mãos. Maria me deu um sorriso de cumplicidade.
— Bom dia, autor.
— Bom dia, Maria.
— Maria, poderia nos deixar a sós? — pediu Carlos. — Preciso confidenciar algo a um velho amigo, é muito difícil para mim e não queria que ficasse com a ideia errada do seu pai.
— Claro, pai. Se precisar de alguma coisa, é só me chamar.
Deu vontade de rir: ele era só um pouco mais velho do que eu e se chamava de “velho”, enquanto eu comia a sua filha. O mundo dá voltas, pensei.
Ele demorou a falar, folheando o livro. Eu, na verdade, só estava ali por causa de Maria; queria vê-la, sentia necessidade de estar com ela. Então ele tossiu e começou:
— Antes de tudo, preciso que saiba que a culpa foi minha. Eu sentia ciúmes do que vocês tinham… — a voz embargou —. Eu a manipulei para te trair e me sinto asqueroso por isso. Talvez seja o fim da minha vida.
Senti algo estranho — raiva, mas também alívio. Não sei explicar. Não podia atacar aquele homem definhando, embora vontade não me faltasse.
— Sei que deve estar pensando mil coisas, mas me deixe terminar, antes que a vida termine sem que eu conte tudo.
— Depois daquele dia, Eva passou dias te esperando. Ia ao apartamento vazio na esperança de que você voltasse. Os dias viraram semanas; as semanas, meses, até que consegui tirá-la de lá e começamos a namorar. Como ela havia parado de se cuidar, engravidou logo na primeira vez, e Maria deu a Eva um motivo para viver e seguir em frente.
— E, apesar de ter se casado comigo, de sermos felizes, Eva nunca foi minha. O coração dela era seu — eu sabia e sentia. Passei a vida à sua sombra. Tudo o que ela escrevia tinha você como pano de fundo e eu, que era o amigo e o marido, tornei-me o cara que acabou com o sonho dela e com a vida dela, literalmente.
— Eva morreu de câncer por causa da hepatite que eu transmiti a ela. Era outro mundo, não tínhamos tantas informações como hoje, e o que começou como dores abdominais a levou embora. E, pela cor da minha pele, acho que você sabe o motivo pelo qual vou morrer.
Eu estava em choque, sem reação. Do nada, comecei a chorar, e o choro se tornou incontrolável. Maria apareceu, assustada, tentando entender o que acontecia, mas o pai pediu que me deixasse assimilar tudo.
— Meu velho amigo — disse ele —, eu até te daria a chance de se vingar, mas a vida já fez isso por você. Não vale a pena matar um moribundo.
Entre soluços, levantei, os olhos vermelhos, lembrando da velha livraria onde nos conhecemos.
— Eu a amei mais que tudo, mais que a mim mesmo. Amei tanto que vê-la doía, e, por não suportar essa dor, me afastei. Não a vi brilhar, não participei da sua vida. Grande idiota eu fui. Grande idiota.
— Ela leu todos os seus livros — disse Maria.
— E eu li os dela — respondi —, e os seus, Carlos. Por que você nunca terminou a última saga?
— Porque Eva morreu. Ela era o fenômeno, e a editora publicava meus livros como condição dela para publicar os dela.
- Eu sempre fui um escritor mediano, acontece que meu pai era amigo intimo da emissora que nos contratou a época, e o diretor bolou uma ideia de contratar três escritores para que eu crescesse, eu não precisava, sempre fui rico, mas sempre gostei muito de ler e queria escrever meus livros.
Me dei conta que nunca falamos do nosso passado, a química entre nós três era tão boa que não fazia sentido perguntar como chegamos ali, eu quis rir, mas respeitei a dor dele naquele momento.
-Eu fui acostumado a ter tudo o que queria, e eu quis o que você tinha, apesar de ter ficado com Eva, eu sei que nunca a tive e te puni por isso, te afastando dela, me perdoe um dia, se puder.
- Eu não sei o que quer que eu diga.
Olhei e Maria estava com o rosto triste, parece com raiva do pai
- O “manuscrito” (Livro dele) está escrito. Quer ler?
— Gostaria, sim.
— Que tal fazer uns apontamentos e me devolver?
Dei de ombros:
— Por que não?
Ele então me entregou Elysios, o livro da Eva que, eu supunha, ela não havia concluído.
— Ela terminou. E é sobre você. Leia e faça o que quiser.
Durante a semana, fiz os apontamentos do livro, enquanto Maria me visitava; tínhamos encontros casuais. Pelo menos, dessa vez, eu não era o corno, pensei. Feito isso, fui ler o livro de Eva — e era brilhante. Ela havia concluído o final: a personagem esperava o amado em outra vida, condenada ao limbo enquanto o aguardava. O dia chegava, e eles se reencontravam.
O homem se chamava Ivo, mais maduro e sereno; ela, ainda jovem e bonita, chamava-se Joana.
— Eu te aguardei todos esses anos.
Ele não respondeu.
— Para ir a Elysios, preciso de você. Você é a minha redenção. Os dias foram cruéis comigo. Sentei aqui e pensei no amor que perdi — o seu amor. Sei que não posso te pedir perdão, e não pedirei; pedir seria cruel demais da minha parte. Só desejei que você, enfim, me perdoasse. Quero que saiba que fui muito feliz quando estive contigo; vibrei com suas conquistas e te amei dia após dia, noite após noite. Nada me fez esquecer. Agora estou entregue à própria sorte — e ela não costuma me sorrir.
No final do diálogo, o homem não a perdoa. Ela é rebaixada ao Hades, e ele permanece no limbo, esperando um amor que talvez nunca venha visitá-lo, pois a condenou ao submundo.
Pela segunda vez, tive um ataque de choro. Deitei-me em posição fetal, como um filho no útero da mãe, procurando acolhimento.
Senti os braços de Maria me envolver e me apertar juntando seu corpo ao meu, chorei baixinho e adormeci, acordei com Maria dormindo ainda, de baby-doll, algumas roupas dela já ocupavam a minha casa, e parte da sua buceta estava amostra.
Beijei seu pescoço fazendo ela despertar
- Para, estou com bafo
- Eu queria era beijar outros lábios
- Então me espera que preciso mijar
Ela foi ao banheiro e se lavou, lambia sua buceta enquanto enfiava um dedo, do jeito que Eva gostava e ela também
- Caralhooooo essa sua língua é a melhor do mundo
- Já experimentou muitas?
- Não tanto quanto eu gostaria, mas depois da sua, nenhuma importa
Fiz ela gozar e subi para encravar a pica enquanto olhava seus olhos meio puxados. Ela me puxou para um beijo entre gemidos e no meu ouvido disse.
- Eu sou sua Autor, me fode com força
Coloquei as pernas delas nos meus ombros e os sons dos nossos corpos se encontrando-se misturavam com nosso gemido até o ápice do gozo intenso e cumplice.
Passou uma semana sem que Maria aparecesse. A saudade apertou e resolvi ir à casa de Carlos com a desculpa de entregar os livros. Cheguei e ele estava de cama; Maria não estava.
— Os livros estão aqui. Queria pedir permissão para publicá-los.
Ele retirou a máscara de oxigênio para falar:
— Claro. Eu agradeço.
— Onde está a Maria?
Ele franziu a testa e respirou fundo:
— Saiu do estado para a nossa casa de praia. Descobriu que está grávida. Não posso julgar. Fui pai jovem. Só espero que o Caio assuma o filho como homem.
Havia, é claro, a possibilidade de o filho ser meu. Eu precisava ver Maria para saber a verdade, mas como pedir o endereço sem parecer suspeito?
— Onde é essa casa? Sempre quis comprar uma. O local é bom?
— É ótimo. Faz o seguinte: pede para a Maria te apresentar a cidade. Vou te passar o endereço.
Foi mais fácil do que eu imaginava. Peguei o endereço e corri para lá. Quando cheguei, Caio estava em casa, e o clima ficou estranho.
— O que está fazendo aqui, autor?
— Seu pai me pediu para vir.
— Você já sabe, né?
Olhei para Caio; não sabia se podia falar das nossas transas. Maria riu da situação, que para mim era constrangedora.
— Pode falar, autor. Ele sabe de tudo.
— E ele aceita?
— Aceito.
Os dois começaram a rir e eu sentei, sem entender nada do que acontecia. Maria sentou no meu colo e eu fiquei desconcertado.
— Calma. Ele é gay e nosso relacionamento é só fachada.
— Como assim? — interrompi.
— Minha família é muito católica e não aceita homossexuais. Então minha melhor amiga finge ser minha namorada; ela sai com você, e eu saio com outros rapazes. E, se quiser, saio com você também.
— Não, senhora. A senhora pode tirando o olho do meu homem — disse Maria, rindo.
Respirei aliviado — por pouco tempo. Afinal, ela estava grávida e agora ficava claro: o filho era meu.
— Então esse filho é…
— Sim, seu. E o Caio está disposto a assumir. Você não precisa carregar esse peso.
— Você tá louca? — respondi, tirando-a do meu colo. — Maria, você é a coisa mais importante da minha vida desde o dia em que conheci a Eva na livraria. Eu acordo pensando em você, sinto seu cheiro na minha cama, me pego sorrindo à toa de novo, escrevo sobre você. E, se você não me quiser por causa da diferença de idade, me deixe pelo menos ser o pai do seu filho — do nosso filho — para me lembrar eternamente desse amor.
Maria chorava de um lado; Caio, do outro.
— Ai, amiga, se você não quiser, eu quero…
— Se controla, bicha — disse Maria.
— Me deu até vontade de engravidar dele, e eu nem posso…
Nós três rimos da situação. Ela me abraçou num beijo intenso e inesquecível.
— Preciso contar ao meu pai. Ele sabe que o filho não é do Caio.
— Seu Carlos sabe que sou gay e nunca me julgou. Nem ele nem a tia Eva.
— Posso te levar para falar com ele?
— Melhor eu contar sozinha.
Fiquei do lado de fora do quarto. Eles começaram a discutir e consegui ouvir partes como: “Ele fez isso para me punir; eu roubei a mulher dele e ele quer roubar minha filha”, seguidas de muitas ofensas. Maria saiu chorando e se jogou na cama.
— Me fala a verdade, autor: meu pai tem razão? Isso foi vingança?
Eu não queria mentir mais, não queria construir um relacionamento de meias verdades.
— No início, foi. Eu queria me vingar. Mas depois evoluiu para o que temos. Eu te juro: é por você, inteira. Mais ninguém.
— Me deixa sozinha, por favor. Preciso pensar.
— Tá bom. Mas precisa acreditar em mim.
Deixei Maria chorando naquele quarto com o coração apertado, eu não suportaria perder outro amor. Dei espaço a ela e pedi à editora para publicar os livros. Foram dias tentando contato sem sucesso, então eu tive uma ideia que ela veria de qualquer jeito.
Como parte da divulgação, eu teria que dar uma entrevista. Fazia vinte dias que eu não tinha notícias de Maria.
— Esses livros são do casal Carlos e Eva? — perguntou a apresentadora.
— São, sim. Eu gostei e pedi para publicarem.
— Sei que se conheceram na juventude e agora voltaram a se falar.
— Depois da morte da Eva, o Carlos me procurou e me mostrou os livros. Então quis publicá-los.
Foram muitas perguntas até a última.
— O que você tem a dizer para os fãs? Deixe um recado.
— Eu quero falar para uma pessoa de quem eu sou fã. Espero que esteja assistindo a esta entrevista. A vida é uma merda, com alguns momentos de alegria que desejamos eternos — mas eles não são. Eles terminam, e a gente se pergunta por quê. Não existe resposta. Você inverteu essa lógica cruel: estar contigo não é mais um momento findo; é eternidade, até onde ela dure. Eu não estou disposto a perder isso, porque seria perder também a vida. Não me deixe nos Elysios te esperando, por favor. Eu não sei mais viver a eterna espera do que está aqui, ao meu toque. Uma vez eu fugi; agora eu vou atrás todos os dias — nesta ou em qualquer outra vida que exista.
O estúdio ficou em silêncio. Gente atrás das câmeras chorava; a apresentadora, emocionada, encerrou o programa.
— João, aceita tomar um café comigo? — perguntou ela.
— Não, ele não aceita.
Era a Maria — linda, ciumenta —, que me beijou entre choro e amor.
- Como chegou aqui tão rápido
- Eu já estava aqui para a gente conversar, mas você não precisa dizer mais nada
- Preciso sim Maria, você aceita casar comigo e ser o motivo das minhas poesias, a musa dos meus livros e a razão pelo qual eu voltei a sorrir e acreditar no amor?
- Aceito, se você aceitar que o Caio seja o padrinho
- Não poderia pensar em ninguém melhor.
Carlos não quis nos ver. Caio foi expulso de casa. Então passamos a morar os três juntos. Compramos uma casa maior: Caio na frente e nós ao fundo, porque havia um quarto para o bebê.
Saiu o livro de Eva. O que Carlos não sabia era que eu havia mudado o final: nele, o grande amor de Joana não era o homem que nunca a perdoou, mas o grande amigo que ficou ao lado dela até o fim; e ambos foram para os Elysios.
Carlos nos chamou em sua casa e nos deu a bênção. No leito de morte, me despedi:
— Por favor, velho amigo, avise à Eva que eu a perdoei — ela e você.
Ele me olhou; uma única lágrima escorreu. Com o último resto de força que ele tinha, apertou minha mão e partiu.
Tivemos um casal de filhos — Eva Maria e João Carlos, em homenagem aos avós. O tio Caio vem nos visitar no verão. E eu escrevi meu último verso, lido por Eva no meu funeral:
“Não fiquem tristes por mim.
Eu parti de um jeito que poucos homens terão a oportunidade de partir…
Feliz.”
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