No trote do peão - 13

Um conto erótico de Hollister
Categoria: Gay
Contém 5375 palavras
Data: 06/08/2025 20:35:33
Assuntos: Amor, Fazenda, Gay, peão, Romance

Depois do beijo na entrada da casa, com todo mundo vendo e a noite se desenrolando em tons dourados e risos abafados, Francisco se inclinou próximo ao meu ouvido. A respiração dele ainda estava acelerada, como se aquele momento também o tivesse desarmado.

— Me desculpa… — ele sussurrou. — Por sumir. Por não aparecer quando eu disse que viria. Eu tava tentando resolver tudo na fazenda… mas também tava tentando achar o presente perfeito pra você.

Eu olhei pra ele. Os olhos castanhos, agora serenos, ainda carregavam o cansaço de quem vinha de dias longos, mas também tinham a nitidez de quem finalmente sabia o que queria. E estava ali, diante de mim.

Ele me entregou uma chave.

Uma chave com um pequeno chaveiro de couro, discreto, com a letra “S” gravada. Ao lado, estacionado na frente da casa, o carro mais bonito que eu já tinha visto ao vivo: um hatch esporte preto, elegante, forte — com a cara dele, mas com meu nome.

— Achei que um carro podia encurtar a distância — ele disse, com aquele sorriso torto. — Assim você vai até mim quando eu não conseguir vir até você. Ou a gente vai até onde quiser.

Fiquei mudo. Um presente daqueles… era mais do que qualquer coisa material. Era um gesto de compromisso. De presença. De querer.

Mas ele ainda não tinha terminado.

Francisco enfiou a mão no bolso do paletó e tirou uma pequena caixinha de veludo. Aquilo me deu um frio na barriga. Meus olhos foram do rosto dele pra caixa e de volta pro rosto.

Ele abriu devagar.

Dentro, duas alianças de prata, simples, mas brilhando como promessa. Ele pegou uma delas, sem pressa, e olhou pra mim como se estivesse dizendo aquilo pela primeira vez.

— Eu quero que você use isso pra lembrar que, mesmo longe, eu tô com você. Mesmo quando eu falhar, eu volto. Mesmo quando parecer difícil, eu fico. Porque agora… nada — ele respirou fundo — nem ninguém, vai separar a gente. Nem a distância. Eu vou fazer com que ela fique cada vez menor… até sumir.

Minha garganta travou. O mundo pareceu parar por alguns segundos. Só consegui assentir, com os olhos já marejados, enquanto ele colocava a aliança no meu dedo com mãos firmes.

— Feliz aniversário, meu amor — ele disse.

Ainda com os olhos molhados e o coração batendo no ritmo de quem finalmente respira depois de dias de espera, olhei o carro mais de perto, vendo cada cantinho dele. Desci com a chave nas mãos e o gosto do beijo do Francisco ainda na boca. Ele me olhava com aquele sorriso torto, tímido, que só aparecia quando ele se permitia ser de verdade. Eu queria congelar aquele momento.

Minha mãe, Helena, se aproximou de longe, sorrindo, e eu vi algumas pessoas cochichando, outras sorrindo, algumas meio sem saber o que fazer. Mas nada daquilo importava. O Francisco estava ali. Por mim. E isso valia mais do que qualquer fala atravessada.

Enquanto ele cumprimentava as pessoas, tentando parecer à vontade, percebi o movimento ao fundo. Antônio. Surgiu como uma sombra ao lado do Francisco, e o aperto no meu estômago voltou no mesmo instante.

— Que palhaçada é essa? — ele soltou, ríspido. — Desde quando você é gay? E ainda por cima... com o seu irmão?

Minha mãe, percebendo o clima, agiu rápido. Chamou Bárbara com o olhar e fez um sinal sutil para ela reunir o pessoal dentro da casa.

— Vamos cortar o bolo! — Bárbara disse em voz alta, sorrindo, enquanto empurrava gentilmente as visitas para dentro.

Ficamos ali: eu, Francisco, minha mãe e aquele olhar carregado de julgamento do Antônio.

Francisco respirou fundo. Não desviou. Não tremeu. E disse:

— Nós não somos irmãos. Nunca fomos. E o senhor ter sido um pai ausente a vida inteira não te dá o direito de opinar sobre quem eu amo.

O silêncio que se seguiu doeu mais do que qualquer grito. Antônio arregalou os olhos, visivelmente surpreso com a coragem do filho. Olhou para minha mãe, esperando uma reação, alguma reprovação.

— Olha como você fala, moleque — Antônio esbravejou.

— Se tem uma coisa que eu não sou é moleque, senhor Antônio. Sou homem, não dependo de você, não dependo do seu dinheiro e, acho melhor você parar por aqui, ou vou perder o pouco do respeito que recuperamos a semanas atrás — Francisco o encarou de frente, firme.

— Você sabia disso? — Antônio perguntou a minha mãe.

Mas ela não recuou.

— Eu sabia. E não, você não tem o direito de se meter. Ele ama o meu filho — ela respondeu, firme. — E é recíproco.

Antônio bufou, descrente, os olhos passeando entre nós três como se procurasse um jeito de desfazer aquilo. Mas não havia nada a desfazer. Aquilo era real. Era amor.

Sem dizer mais uma palavra, ele virou as costas e entrou na casa, os passos pesados ecoando no chão.

Fiquei ali, em silêncio, tentando organizar tudo dentro de mim. Francisco estava firme. Minha mãe, do meu lado. Mas aquela cena... aquela cena ia ficar marcada pra sempre.

Francisco se aproximou, me olhando como se dissesse “eu tô aqui”. Eu encostei a testa no peito dele e respirei fundo.

Era o meu aniversário. E talvez fosse também o começo de uma nova vida. Mesmo com os tropeços. Mesmo com a resistência. Mesmo com a dor.

Depois que a porta se fechou atrás do Antônio, senti o peso voltar aos meus ombros. Era como se, mesmo com tudo o que Francisco tinha feito — o carro, a aliança, a coragem — uma parte do meu peito ainda carregasse a culpa por ter criado aquele racha entre minha mãe e o marido dela.

— Mãe… me desculpa por ter causado esse clima. No seu casamento.

Ela parou, olhou pra mim com aquele olhar que só mãe tem, cheio de firmeza e ternura ao mesmo tempo.

— Samuel… o Antônio é um homem difícil. Cheio de amarras. Mas ele me escuta. Às vezes demora, às vezes ele resiste… mas ele me escuta. Vamos conversar mais tarde, e tudo vai ficar bem. Confia em mim.

Assenti, sem dizer nada. O nó na garganta apertou, mas também se dissolveu um pouco com aquela certeza que só ela sabia dar.

Entramos juntos e, Antônio não estava mais lá. Talvez tivesse ido respirar, ou organizar as próprias ideias.

Francisco, por outro lado, parecia mais leve. Cumprimentava as pessoas, sorria, trocava palavras curtas com os convidados como quem finalmente começava a se sentir confortável em um lugar onde, até ontem, teria passado reto.

Me aproximei da Bárbara, que estava com uma taça na mão e um sorriso travesso nos lábios.

— Seu macho causou, hein? — ela brincou, me dando um leve empurrão no ombro. — Mas vai por mim: tudo vai se encaixar. Agora vai curtir teu aniversário. E o teu macho, claro.

Não deu nem tempo de responder e já vieram Sarah e mais duas amigas da Bárbara se aproximando, com os olhos brilhando de curiosidade e risadinhas soltas no canto da boca.

— Agora tudo faz sentido! — Sarah disse, apontando pra mim com a taça na mão. — A gente achando que o Francisco não dava bola pra nenhuma de nós porque era difícil… mas ele só tinha olhos pro irmão!

— Irmão postiço, tá? — outra corrigiu, e todas riram.

Sorri, mas com aquela pontada de acidez na língua que às vezes escapava sem freio.

— Talvez ele só não deu bola porque tem bom gosto. Vai ver ele prefere pessoas com mais conteúdo que silicone.

A risada que veio da Bárbara foi alta o bastante pra atrair a atenção de Francisco, que olhou pra gente do outro lado da sala com aquele sorrisinho de canto, do tipo “o que foi agora?”.

Bárbara quase se engasgou de rir, abraçada a mim.

— Ai, Samuel, você é um veneno. Um veneno apaixonado.

— E bem resolvido, o que é melhor ainda — rebati, erguendo o copo numa espécie de brinde improvisado — Ah, e não somos irmãos, somos namorados, amantes.

O clima ficou mais leve. A música de fundo voltava a preencher os espaços com alegria, e, por alguns minutos, tudo parecia certo. Mesmo com os buracos. Mesmo com os conflitos. O amor, ali, era mais alto que o barulho. E mais forte que o medo.

Depois que a Sarah e a amiga da Bárbara se afastaram, ainda rindo do meu comentário, vi Rafael e Francisco se aproximando com aquele ar de quem tinha acabado de cochichar alguma coisa comprometedora um pro outro. Rafael vinha com o sorrisinho maroto no rosto. Francisco, com a expressão mais contida, mas os olhos brilhando como quem tentava disfarçar o orgulho.

Francisco me abraçou de lado, encaixando o braço na minha cintura com a naturalidade de quem já conhecia o caminho. Senti o toque firme da mão dele nas minhas costas e, mesmo com toda a confusão do dia, aquilo ainda me deixava com o coração descompassado.

— Então é isso? Ganhou carro, aliança… e seu homem com um ataquezinho de ciúmes só porque você ganhou um urso de pelúcia? — Rafael provocou, cruzando os braços e me olhando com uma sobrancelha arqueada.

— Eu não fiquei com ciúmes do urso. Fiquei com ciúmes do Lucas — Francisco rebateu, seco, mas sem tirar o braço de mim. — E continuo sem confiar nele.

— Ah, Francisco… — Rafael deu uma risadinha, se aproximando mais. — Fica tranquilo. Você já ganhou o coração do nosso Samuelzinho. E, por sinal, pode parar de se preocupar com o Lucas. Porque eu já tô de olho — ele fez uma pausa dramática, me olhando e depois lançando um olhar direto em direção ao Lucas — e pretendo pegar ele pra mim.

Arregalei os olhos e dei uma risada abafada.

— Você não presta.

— Nunca prometi que prestaria — Rafael respondeu, rindo, antes de dar um gole na bebida.

Francisco bufou de leve, mas não disse nada. Apertou meu corpo contra o dele, mais como aviso do que como carinho.

— Se ele topar, é todo seu — falei, sorrindo, mas com um tom sutil de provocação.

— Ah, ele vai topar. Gente inteligente gosta de outros inteligentes. E modestos também — Rafael completou, erguendo a taça num brinde solitário.

Lucas, lá do outro lado, riu de algo que Elisa disse, completamente alheio ao que a gente conversava.

— Vamos cortar logo esse bolo? — Francisco murmurou perto do meu ouvido, com aquele sorrisinho safado que ele sabia muito bem usar quando queria me arrastar pra qualquer lugar. — Quero aproveitar você por inteiro essa noite.

O calor subiu pelo meu pescoço como se ele tivesse me tocado ali. Assenti, ainda meio sem palavras, e fomos juntos até a mesa.

O parabéns foi animado, cheio de aplausos e flashes, mas minha cabeça já não estava mais ali. Estava no quarto reservado, no perfume do Francisco, nas mãos dele me apertando com saudade acumulada. Cortamos o bolo, brindamos mais uma vez, nos despedimos dos convidados e, sem alarde, fomos embora no carro preto que agora também era meu presente.

O hotel era um daqueles lugares de revista. A suíte cheirava a jasmim e lençóis caros. Francisco me jogou na cama como quem joga tudo pra cima. E foi isso que fizemos: jogamos o mundo fora por algumas horas.

Fizemos amor quatro vezes. Quatro. Com beijos demorados, mordidas, risos abafados no travesseiro, palavras sujas e confissões entre um suspiro e outro. Meu cu estava mais sensível que das outras vezes, ele fez questão de me encher com seu leite duas vezes seguidas sem tirar de dentro.

Depois do banho, já deitados, meus músculos moles de tanto gozo e carinho, comentei rindo:

— Você se superou. Quatro vezes? Tá tentando quebrar algum recorde?

— Eu te avisei que ia encurtar a distância. Tô só começando. — ele disse, me puxando mais pra perto, nu e ainda com a pele úmida.

Sorri contra o peito dele, traçando desenhos invisíveis com o dedo. Meu peito apertou.

— E quando você vai embora de novo?

Ele ficou em silêncio por um segundo. Um segundo longo demais.

— Vou ficar a semana inteira com você. Só volto pra fazenda na sexta. Tenho que concluir um projeto com o Rafael. Mas, quando voltar… trago mais surpresas.

— Surpresas? — repeti, com o coração batendo forte.

Eu me ajeitei no peito dele, sentindo o calor da pele e o compasso calmo da respiração. A noite já tinha virado madrugada, e as luzes do hotel desenhavam sombras suaves no quarto.

— Ainda não decidi de vez — ele começou, a voz rouca, arrastada pelo cansaço gostoso de quem viveu tudo em uma noite só. — Mas tô organizando as coisas pra deixar alguém de confiança tomando conta da fazenda. Assim, consigo administrar de longe.

Levantei o rosto devagar, apoiando o queixo no peito dele.

— Você tá mesmo fazendo isso?

— Tô. Quero estar mais perto de você, amor. Já faz um mês que eu tô procurando uma casa aqui na cidade. E acho que encontrei uma que tem a nossa cara.

Meu coração tropeçou no peito.

— Nossa cara?

Ele assentiu, passando o polegar devagar pelo meu maxilar.

— Com quintal pra um cachorro, uma rede pra gente cochilar nos domingos e espaço o bastante pra você escrever e eu... te atrapalhar enquanto finge que trabalho.

— Espera aí — falei, levantando um pouco a cabeça do peito dele, com um sorriso malandro. — Você tá querendo me pedir em casamento no mesmo dia em que me pediu em namoro? Igual casal de lésbicas que muda no segundo encontro?

Francisco tossiu, surpreso, meio sem saber se ria ou se se defendia.

— Não é bem assim, não — rebateu, coçando a nuca, mesmo deitado. — Eu só… pensei que seria bom a gente ter um espaço nosso. Pra viver isso de verdade, com calma. Sem esconderijo, sem distância. Mas casamento? Ainda não pensei nisso, não.

Não resisti e ri, me afundando no peito dele.

— Relaxa, eu achei fofo. Romântico até. Mas acho bom mesmo a gente ir devagar. Eu ainda tô entendendo o que é acordar com você todo dia. Imagina planejar uma festa de casamento?

— Você ia querer festa?

— Claro que sim. Com direito a banda, comida boa e você de chapéu de vaqueiro combinando com terno.

Ele fez uma careta.

— Se você me botar de chapéu, eu boto você pra dançar forró a noite inteira. Descalço.

— Aí a gente vai ter que fazer aula de dança, porque eu sou péssimo.

— Melhor ainda. Vai ter desculpa pra ficar agarrado em mim toda semana.

Sorri. Esse era o Francisco que eu amava: entre a timidez e o desejo, entre o pé no chão e o coração escancarado. Aquele homem moreno de alma torta e mãos firmes que, no fundo, só queria amar e ser amado — mesmo que ainda estivesse aprendendo como.

Francisco dormiu comigo em seus braços, cochilei por um longo período e quando acordei em um movimento, vi que ele estava de pau duro e com a respiração pesada. Meu rabo foi esfolado por quatro vezes e ainda assim estava piscando ao ver aquela jeba grande e grossa em riste.

Levantei, peguei o lubrificante do chão e lambuzei seu pau. Sentei devagar, sentindo meu cu arder e se abrir em torno dele. Fui descendo devagar até minha bunda encostar na virilha do meu homem.

Fui subindo e descendo devagar e aos poucos ele passou a alisar as minhas coxas. Francisco segurou na minha cintura e me ajudou a rebolar na sua vara.

— Eu quero ser acordado assim todos os dias — gemeu manhoso, meio cansado — Se continuar assim, vai ganhar mais leite

— Só despejar. É tudo seu. Sou todo seu, meu amor.

Francisco me virou na cama, como se tivesse levado um choque, levantou as minhas pernas, colocando-as em seu ombro e intercalando entre beijar a minha boca e lamber o meu pescoço, ele fodeu meu rabo mais uma vez até seu leite escorrer pra dentro de mim.

Ali eu capotei, aninhado a seus braços em uma conchinha quente e gostosa, em uma noite cuja brisa anunciava que os dias frios estavam quase chegando ao fim.

Chegamos em casa depois do meio-dia, ainda com o cheiro do hotel grudado na pele, o corpo mole e um sorrisinho idiota no rosto que a gente não conseguia disfarçar. O sol batia forte, o som da água da piscina chegava até a entrada. E lá estavam eles: Rafael e Bárbara estirados nas espreguiçadeiras, e — pra surpresa do Francisco — Lucas e Elisa também.

— Olha só quem resolveu voltar pra casa — Bárbara disse, levantando os óculos escuros e olhando direto pro meu pescoço. — Irmão, essa sua marca registrada tá saindo do controle. Já virou vandalismo.

— Vai cuidar da tua vida, Bárbara — Francisco rebateu, rindo, enquanto me puxava pela cintura.

Rafael, que nunca deixava passar uma oportunidade, estalou os dedos na direção de Lucas e disse alto o suficiente pra todo mundo ouvir:

— E eu aqui, só esperando a chance de deixar uma marca também num certo gatinho de óculos...

Lucas rolou os olhos, rindo, mas não disfarçou o sorriso. Elisa gargalhou alto e eu senti que, por mais bagunçado que estivesse, aquele era o tipo de confusão que aquecia o peito.

A leveza durou até Helena surgir na porta de vidro da cozinha.

— Samuel, Francisco... posso falar com vocês um instante?

Ela estava séria, mas não brava. Era aquele tom de mãe que a gente reconhece de longe: firme, preocupado, amoroso. Seguimos até a sala, e ela esperou a porta se fechar antes de se sentar.

— O Antônio está incomodado com tudo isso. Não está conseguindo lidar com a ideia de vocês dois. Pra ele, vocês são uma família. Nunca imaginou que o Francisco namoraria um homem, ainda mais... — ela hesitou — ...que aconteceria aqui diante dos olhos dele.

Respirei fundo. O que mais me doía não era a surpresa, mas a resistência. A ideia de que a nossa felicidade era um problema.

— Mãe, eu entendo. Juro que entendo. Mas eu não vou abrir mão da minha felicidade pra preservar a tranquilidade do Antônio. Já fiz isso por tempo demais e por muitas pessoas — olhei pra Francisco, que apertava minha mão. — A gente se ama. E isso não vai mudar.

Helena assentiu devagar, como quem compreendia, mesmo que ainda tivesse medo. Ela estendeu a mão e tocou o rosto de Francisco.

— Só cuidem um do outro. E sejam fortes. Amor de verdade assusta, mas também transforma.

Francisco respirou fundo ao lado da minha mãe, o olhar firme, como quem finalmente sabia o que queria e não tinha mais disposição pra fugir.

— Dona Helena... — ele começou, com a voz mais suave do que eu esperava. — Obrigado por me ouvir, por respeitar a gente. Eu... eu vou ter uma última conversa com o Antônio. Não pra pedir permissão, mas pra deixar claro o que tá acontecendo.

Ela assentiu, tocando o ombro dele com carinho.

— O amor de vocês é bonito demais pra ser escondido. Só peço que não percam a ternura no processo.

Francisco sorriu de lado, aquele sorriso tímido que eu já sabia de cor, e disse:

— Eu não tenho mais medo de assumir o que eu sinto. Se ele quiser aceitar, ótimo. Se não, que pelo menos respeite.

Subimos pro quarto e nos trocamos rápido depois daquela conversa. Coloquei uma sunga estampada qualquer e uma regata leve. Francisco optou por uma sunga preta e uma camisa aberta por cima. O suficiente pra me tirar o foco sempre que o olhar escorregava.

Descemos juntos e voltamos à piscina, onde o sol ainda queimava e as risadas ecoavam como se nada pudesse dar errado.

Mas eu sentia o peso do olhar de Francisco o tempo todo. Ele fingia estar relaxado, mas cada vez que Lucas se aproximava — mesmo nas interações mais inocentes — era como se uma antena interna dele se erguesse.

Lucas, do jeito dele, continuava natural. Me oferecia bebida, me jogava água, ria alto. Não havia malícia, mas havia memória. E Francisco sabia disso. Sabia que havia história ali.

A tensão pairava só pra quem conseguia perceber. E eu percebia.

Vi quando Francisco apertou a mandíbula ao me ver rindo de um comentário que Lucas fez. Quando disfarçadamente se aproximou de mim na água e passou o braço pela minha cintura. Quando seus dedos roçaram meu quadril num gesto que não era só carinho — era aviso.

Eu o conhecia. Conhecia cada camada daquele homem e, apesar do ciúme ser silencioso, era denso.

Sorri, tentando aliviar. Mas algo me dizia que a conversa com o pai dele não seria o único confronto que o Francisco teria naquele dia.

O fim da tarde trouxe uma brisa leve, o sol já se escondendo atrás das árvores do quintal, tingindo o céu de um laranja quente. A piscina ainda refletia os últimos raios, e os risos aos poucos foram se transformando em conversas mais baixas, mergulhadas num tom preguiçoso de domingo.

Eu estava sentado à beira, com as pernas dentro da água, observando tudo em silêncio. Francisco havia se levantado minutos antes para buscar uma cerveja. Lucas permaneceu do meu lado, jogando a cabeça pra trás, cabelo molhado, os olhos escondidos atrás dos óculos escuros.

Foi então que vi, de longe, Francisco retornando. Ele olhava direto para nós dois, e dessa vez, não disfarçou.

Lucas percebeu também.

Ele se virou e ajeitou os óculos com um sorriso leve.

— Seu namorado vai me matar com esse olhar, hein — disse, em tom de brincadeira, mas com aquela ponta afiada de verdade.

— Ele não vai te matar — sorri, balançando a cabeça — mas talvez esteja pronto pra te morder.

Lucas riu e levantou-se, saindo da água com um movimento fluido, como se estivesse se preparando pra uma cena.

Francisco veio vindo, firme, e os dois se encontraram no caminho entre a piscina e a casa, num ponto cego pros outros, mas não pra mim.

— Você devia entender quando perdeu, Lucas — disse Francisco, sem desviar o olhar.

Lucas sorriu, tirando os óculos.

— Quem disse que eu perdi? — rebateu, direto. — Só acho curioso que você aparece de verdade quando percebe que tem alguém disposto a cuidar dele. Mesmo que como amigo.

— Cuidar? — Francisco deu uma risada baixa, seca. — Você teve sua chance. O que teve com ele não foi amor, foi carência. E já acabou.

Lucas cruzou os braços, ainda calmo.

— O que eu tive com o Samuel não te diz respeito. Mas já que quer falar de amor... tenta cuidar pra não sumir de novo. Porque da próxima vez que você deixar um espaço, eu não vou só preencher — ele se inclinou um pouco, o tom mais baixo, mas cheio de convicção — eu vou ficar.

Francisco não respondeu de imediato. Apenas ficou ali, com o maxilar travado, os olhos fixos em Lucas, como se engolisse cada palavra, uma por uma.

— Se você encostar nele com outras intenções, Lucas, não vai ser só com palavras que a gente vai resolver.

Lucas deu dois tapinhas no ombro de Francisco e se afastou, indo até a espreguiçadeira onde Rafael estava distraído, tomando uma água de coco.

Francisco veio até mim logo depois. Sentou ao meu lado, os pés também na água, mas o silêncio entre nós pesava.

Depois do jantar leve e da piscina agitada, a casa parecia enfim respirar mais tranquila. Eu subi com Francisco pra tomar banho, mas fiquei com a mente meio distante, ainda sentindo o peso da tensão entre ele e Lucas. Apesar de confiar no Francisco, sabia que o orgulho dele era grande — e Lucas sabia cutucar exatamente onde doía.

Deitamos tranquilos para dormir, Francisco virou de lado um pouco emburrado e eu sabia o motivo. Ele estava pensando, pensando nos seus próximos passos.

***

O cheiro de café fresco preenchia o espaço. Eu estava sentado ao lado de Bárbara, ainda com os cabelos úmidos do banho, quando notei que Francisco e Antônio estavam se encarando em silêncio do outro lado da mesa.

Era uma imagem quase surreal.

Pai e filho, frente a frente, compartilhando o mesmo café da manhã depois de anos de silêncio. Mas ali, mais do que o aroma do café, o que pairava no ar era um clima denso, cheio de palavras não ditas e feridas mal cicatrizadas.

Bárbara, sempre impulsiva, sempre verdadeira, foi a primeira a romper aquela tensão:

— Eu tô de saco cheio — disse, colocando a xícara sobre a mesa com firmeza. — Sério. De verdade. Esse clima de merda ronda essa casa faz anos, e agora que as coisas estão começando a melhorar... vocês dois resolvem estragar tudo?

Antônio olhou pra ela com uma expressão cansada, enquanto Francisco desviou os olhos e soltou um suspiro abafado.

— Eu só queria tomar meu café em paz, filha — o pai murmurou, num tom ríspido.

— Não é só café, pai — ela rebateu. — É o jeito como você olha pro Francisco como se ele fosse um estranho. E você, Francisco — virou o rosto para o irmão — com esse orgulho todo entalado na garganta, fingindo que não liga. Mas liga. E muito.

Eu me mantive calado, mas sentia o coração disparado. Ver minha amiga, minha quase-irmã, ali entre os dois, tentando costurar uma ponte com as mãos nuas, me fazia perceber o quanto aquela família precisava mais de afeto do que razão.

— Eu nunca quis esse afastamento — disse Francisco, num tom mais baixo. — Mas também não sou mais um moleque. Não vou implorar por espaço.

— E eu nunca quis um filho gay — Antônio retrucou, com a voz firme, mas com os olhos marejando. — Mas ele continua sendo meu filho.

Francisco o encarou de novo, dessa vez sem abaixar os olhos. E havia dor ali, mas também uma pontinha de esperança. Como se aquele momento, por mais tenso que fosse, estivesse prestes a desmontar o muro de anos entre os dois.

— E eu continuo sendo — ele disse. — Só não tô mais disposto a ser invisível pra você.

Bárbara se levantou, puxando minha mochila da cadeira:

— Vambora, Samuca. Antes que eu jogue esse café na cara dos dois.

Tentei conter o riso, mas confesso que foi um alívio seguir com ela até a porta. Antes de sairmos, olhei pra trás. Antônio encarava a xícara, como se tentasse encontrar nela as palavras que sempre teve medo de dizer.

E Francisco... Francisco olhava pela janela, quieto, mas com os ombros um pouco menos pesados.

Talvez, só talvez, aquele fosse o começo de uma trégua.

A aula parecia se arrastar como se o tempo tivesse preguiça de andar. Eu olhava para o relógio a cada cinco minutos, sentindo as palavras do professor ecoarem sem muito sentido na minha cabeça. Tudo o que eu queria era encontrar a Elisa e tomar um café forte o suficiente pra me trazer de volta à Terra.

Assim que a aula terminou, eu atravessei o corredor apressado, mas fui interceptado pelo professor Celso, aquele que sempre parecia saber das coisas antes mesmo de acontecerem.

— Samuel — ele me chamou, ajustando os óculos no rosto. — Estava mesmo te procurando.

Parei de súbito.

— O que houve, professor?

— Indiquei você para uma vaga na Lumen. É uma agência de publicidade com foco em storytelling e identidade de marca. A coordenadora do curso me pediu nomes e você foi o primeiro que me veio à cabeça.

Meus olhos arregalaram.

— Lumen? A Lumen mesmo? — Quase gaguejei. — Eles trabalham com campanhas nacionais... e até prêmios já ganharam.

Ele assentiu com um pequeno sorriso.

— Acho que a escrita criativa que você mostra nos seus projetos merece espaço além da sala de aula. Eles vão te chamar pra uma entrevista.

— Uau... Obrigado, professor. De verdade. Nem sei o que dizer.

— Diga “sim” quando a oportunidade bater. Só isso.

Segui meu caminho com o coração acelerado. Quando encontrei Elisa perto da saída, ainda sorria como um bobo.

— Que cara é essa? — ela perguntou, erguendo uma sobrancelha. — Ganhou na loteria ou o Francisco te pediu em casamento?

— Quase isso — respondi, com uma risada. — O professor Celso me indicou pra uma vaga na Lumen.

— Aaaah, eu amei! Você vai brilhar ali — ela disse, empolgada. — E vai arrasar com aqueles textos lindos... e com o visual também, né? Porque vamos combinar, Samuel, você é uma graça.

— Boba.

— Mas falando em beleza... — ela se inclinou, abaixando o tom da voz. — O Francisco é o homem, viu? Que cara gato. Sexy daquele jeito, meio brucutu mas com um coração fofo... Se eu não te respeitasse, ia até tentar alguma coisa!

Eu ri alto, tentando conter o sorriso. Elisa era dessas: direta, espontânea e impossível de não gostar.

— Vai com calma, que ele é todo ogro por fora, mas por dentro é mais sensível que poeta romântico.

— Ai, me apaixonei mais agora.

Estávamos prestes a atravessar o portão da faculdade quando uma voz familiar ecoou atrás da gente:

— Vocês dois sempre conspirando alguma coisa? Ou tão falando de mim?

Viramos ao mesmo tempo e lá estava Lucas, com os óculos escuros sobre o rosto e aquele sorriso que parecia saber de tudo.

— Adivinha? — Elisa respondeu, cruzando os braços e sorrindo de volta.

— Se for sobre o Francisco, quero detalhes. Se for sobre o Samuel, aceito fofocas. E se for sobre mim... bom, melhor ainda.

— Era sobre o Francisco, mas com a sua entrada dramática, acho que o foco mudou — brinquei.

— Ótimo. Então vamos tomar esse café e fofocar civilizadamente — Lucas. disse, pegando o braço da Elisa com intimidade. — Porque eu sinto que hoje vai render.

O café estava tranquilo naquela tarde. As mesas de madeira ocupadas por grupos ruidosos de estudantes, os raios de sol filtrando pelas janelas altas, e o cheiro de pão na chapa invadindo tudo. Elisa ria de alguma história do Lucas, e eu tentava não me perder entre os cafés na mesa e meus pensamentos que sempre voltavam pra ele.

Aproveitei que Elisa foi atender a uma ligação e virei pra Lucas.

— Posso te perguntar uma coisa?

Ele assentiu, mexendo o canudo no copo gelado.

— Por que você ainda tá criando essas intrigas com o Francisco? — perguntei, direto. — A gente combinou que seríamos amigos. E tem horas que parece que você ainda quer medir forças com ele.

Lucas me olhou por alguns segundos, como se avaliasse se valia a pena dizer o que estava preso.

— Eu não tô tentando te afastar dele, Samuel — respondeu, calmo. — Mas também não vou fingir que ele me convence fácil.

— Isso não é mais problema seu — retruquei, um pouco seco.

Ele ergueu as mãos, como se me pedisse calma.

— Eu sei. Mas eu provoquei o Francisco de propósito. Queria ver até onde ele ia por você. Se ele tava mesmo disposto a bancar o que sente ou se era só fogo do momento.

Fiquei em silêncio, digerindo aquilo. Não esperava uma resposta tão honesta.

— E o que você concluiu?

Ele sorriu de canto.

— Que ele te ama. Que tá tentando. Mas ainda tem medo. E se ele vacilar de novo, não vou estar longe. Mas não pra tomar o lugar dele. Só pra garantir que você vai continuar inteiro.

Suspirei. Lucas sempre teve esse jeito desconcertante de dizer as coisas que me desmontavam aos poucos.

— Eu só quero ver você feliz — ele completou. — Mesmo que seja com o cowboy cabeça-dura.

Deixei escapar um sorriso.

— Ele não é tão cabeça-dura assim. Só... lerdinho emocional.

— Lerdinho com um corpo de parar quarteirão, né? — ele riu.

Soltei uma risada baixa, encostando o cotovelo na mesa e encarando o Lucas com aquele olhar de “você não presta”.

— Ele realmente é um gostoso — confessei, quase como se fosse um segredo. — E na cama… bom, digamos que eu tenho tido ótimos problemas.

Lucas arqueou uma sobrancelha, já abrindo um sorriso maroto.

— Problemas, é? Do tipo insaciável?

— Insaciável e nada pequeno — respondi, tomando um gole do meu café como quem dizia: “tire suas próprias conclusões”.

Lucas deu uma gargalhada gostosa, daquela que chamava atenção de quem estava por perto.

— Sabia! Ele tem muita cara de ser dotado. Quieto, todo misterioso… é sempre os quietos — disse, abanando o rosto, fingindo calor. — Mas fico feliz, de verdade. Você tá com aquele brilho nos olhos, mesmo com os perrengues todos.

Assenti, agora mais sério.

— Tem sido intenso, Lucas. Mas, sim... eu tô feliz. A gente tá construindo alguma coisa real, apesar dos tropeços.

Ele sorriu com sinceridade dessa vez, sem piada.

— Só não deixa ele te sufocar com insegurança. Amor bom é o que te dá espaço, não o que te prende.

— Eu sei — respondi. — Mas dessa vez, ele tá tentando do jeito certo.

Lucas assentiu e levantou o copo de café.

— Então, um brinde silencioso a isso. Ao cowboy gostoso, ao brilho no teu olho e aos problemas que todo mundo aqui queria ter.

— Seu comentário é muito importante. Deixa ele aqui.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 15 estrelas.
Incentive Hollister a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários

Foto de perfil genérica

Acompanhando desde o primeiro capítulo! Muito bom!!! Espero que não demore muito a postar, pq a ansiedade mata!!!!!

❤️❤️❤️❤️

0 0
Foto de perfil de Jota_

Finalmente a entrega! Hehehe

Queria ter esse problema do Samuca! Hehehe

0 0