Na manhã seguinte àquela primeira noite inquietante em Nhambane, acordei com o sol filtrando-se pelas ripas da persiana, o calor já pesando no ar, mesmo sendo cedo. O ventilador de pedestal zumbia incansavelmente, mas não aliviava o suor que grudava minha camiseta nas costas. Levantei-me, lavei o rosto na pia pequena do quarto e desci para o café da manhã, tentando apagar as imagens vívidas da noite anterior – os gemidos de Amara, o corpo musculoso de Doge, o ritmo frenético que ainda ecoava na minha cabeça. Meu rosto queimava de vergonha, mas também de algo mais, uma curiosidade que eu tentava reprimir.
Na sala de jantar, uma mesa de madeira rústica estava posta com pães frescos, manteiga, uma jarra de suco de manga e café preto fumegante. Amara entrou trazendo uma cesta de pães caseiros, o cheiro de farinha quente misturando-se ao perfume de lavanda que parecia ser sua marca registrada. Ela usava uma regata preta de alcinhas, que deixava os braços tonificados à mostra, e uma calça branca justa, tão fina que a calcinha rosa por baixo era visível, delineando as curvas generosas de suas coxas e da bunda avantajada. Desviei o olhar por respeito, fixando-me na xícara de café, mas minha mente, traiçoeira, imaginava cenas brutais e sexuais, imagens que me faziam cerrar os dentes de culpa. Amara parecia alheia, ou talvez fingisse não notar, enquanto colocava a cesta na mesa, o sorriso largo iluminando o rosto. “Dormiu bem, Mayer?” perguntou, a voz melodiosa, com um sotaque suave que misturava português e algo local.
“Sim, obrigado,” respondi, a voz rouca, mantendo os olhos na mesa. Minha mãe, Rose, já estava sentada, impecável como sempre, com uma blusa polo branca e calças cáqui, o cabelo loiro preso num coque profissional. Ela mexia no celular, franzindo a testa, provavelmente lidando com e-mails da GeoMinas. “Doge, a internet aqui é péssima,” ela disse, sem levantar os olhos. “Mal consigo abrir os relatórios.” Doge, sentado à cabeceira, tomava café em goles lentos, a camiseta polo azul-escura esticada contra os ombros largos. Ele riu, um som grave e descontraído. “É, aqui é assim, Rose. Mas tem uma loja em Inhambane, a cidade vizinha, que vende equipamentos. Meu filho, Faraji, chega hoje do curso em Maputo. Ele pode levar o Mayer lá pra comprar um roteador ou algo assim.”
Rose assentiu, aliviada. “Ótimo. Mayer, você pode cuidar disso? Se precisar, posso liberar o sinal da empresa. É o único lugar com internet decente por aqui.” Concordei, sentindo uma pontada de alívio por ter algo prático para fazer, algo que me distraísse dos pensamentos que me atormentavam. Após o café, Doge e Rose saíram para a obra, ela com uma pasta cheia de papéis e ele com as chaves do jipe, discutindo prazos e fornecedores. Fiquei na sala, afundado no sofá de tecido gasto, o calor subindo pela janela aberta, o som de galinhas cacarejando ao fundo.
Amara começou a limpar a casa, movendo-se com uma energia quase coreografada. Ela varria o chão, o cabo da vassoura firme nas mãos, a calça branca marcando cada curva enquanto se abaixava para pegar algo no chão. Passava por mim com frequência, sempre perguntando: “Precisa de algo, Mayer? Água? Suco?” O tom era gentil, mas havia algo nos olhos dela, um brilho que parecia me observar, como se testasse minhas reações. Eu balançava a cabeça, tentando focar no celular, mas meus olhos traíam, seguindo o balançar dos quadris dela, a bunda que parecia desafiar a gravidade. Numa dessas vezes, ela parou, limpando a mesa de centro, e percebi que me encarava pelo canto do olho. Riu baixo, um som quase inaudível, e eu desviei o olhar, o rosto quente, disfarçando com um pigarro. Ela sabia que eu estava olhando, e eu sabia que ela sabia, mas nenhum de nós disse nada.No fim da tarde, Faraji me chamou para sair. “Vamos num bar aqui perto, relaxar um pouco.” Concordei, precisando de uma distração. Pegamos a moto novamente, o céu alaranjado anunciando o pôr do sol. O bar era uma construção improvisada, com paredes de madeira, mesas de plástico e luzes neon piscando. O cheiro de cerveja e frituras enchia o ar, e o som de música kizomba ecoava num alto-falante velho. O que me chamou atenção foi que só havia mulheres atendendo – moças negras, jovens, com roupas curtas e sorrisos ensaiados. Eu, loiro, de olhos azuis, era uma anomalia no ambiente, e os olhares delas me seguiam, alguns curiosos, outros descaradamente interessados. “Você chama atenção, hein,” Faraji brincou, pedindo duas cervejas.
As moças pareciam disputar quem nos atendia, aproximando-se com bandejas e sorrisos. Faraji, à vontade, chamou uma delas, uma garota de uns 20 anos, magra, com tranças longas e um vestido justo. “Essa é a Nia, minha amiga,” ele disse, me apresentando. Cumprimentei-a, educado, mas então vi Faraji enfiar a mão por baixo da saia dela, acariciando-a descaradamente. Ela riu, rebolando contra a mão dele, sem constrangimento, e saiu dançando. “Já comi ela várias vezes,” ele disse, com uma naturalidade que me chocou. “Se quiser, pode pegar qualquer uma. É só falar.” Olhei ao redor, percebendo o que aquele lugar era: um prostíbulo disfarçado de bar. As moças, com olhares famintos, pareciam carregar a necessidade da vila nos ombros.
“Quanto é o programa?” perguntei, meio sem jeito. Faraji riu, citando um valor em meticais que, no meu cálculo, dava cerca de 10 reais. Ri, incrédulo, mas não comentei. Ele insistiu, apontando para as garotas. Meu olhar caiu numa mulher de uns 25 anos, negra, com cabelos lisos até os ombros, um vestido vermelho colado ao corpo curvilíneo. Tinha olhos grandes, lábios carnudos e uma postura confiante, quase desafiadora. Apontei para ela. “Quero aquela.” Faraji sorriu, chamou-a com um gesto, e ela veio, o quadril balançando a cada passo. “Sou a Zuri,” ela disse, a voz grave, com um sotaque que carregava o peso da vila. “Vamos?”Seguimos para um quarto nos fundos do bar, uma salinha abafada com uma cama estreita, lençóis desbotados e uma lâmpada fluorescente piscando no teto. O cheiro era uma mistura de perfume barato, suor e desinfetante. Zuri fechou a porta, trancando-a com um clique, e se virou para mim, os olhos me avaliando de cima a baixo. “Nunca dei pra um branco,” ela disse, um sorriso malicioso nos lábios. “Dizem que pau branco é pequeno, mas vamos ver.” Tirei a camiseta, revelando o peito definido, e ela arqueou uma sobrancelha, impressionada. Quando abri a calça, deixando-a cair, o volume na cueca boxer fez os olhos dela brilharem. “Porra, isso é pau de preto,” ela riu, aproximando-se, as unhas pintadas de vermelho deslizando pelo meu abdômen.
Ela me empurrou na cama, o colchão rangendo sob meu peso, e subiu em cima de mim, as coxas grossas apertando meus quadris. “Você acha que manda aqui, loirinho?” provocou, a voz rouca, enquanto tirava o vestido, revelando seios cheios e uma calcinha preta de renda que contrastava com a pele escura. Antes que eu respondesse, ela segurou meus pulsos, prendendo-os contra a cama, o peso do corpo dela me imobilizando. A força dela era surpreendente, e o brilho nos olhos mostrava que ela gostava do controle. Mas eu não ia ceder tão fácil. Com um movimento rápido, inverti as posições, rolando-a para baixo, meu corpo agora sobre o dela. “Acho que quem manda sou eu,” retruquei, segurando os braços dela acima da cabeça, minhas mãos firmes nos pulsos delicados.
Zuri riu, um som gutural, e mordeu o lábio inferior, os olhos desafiadores. “Então mostra, branco.” Soltei um dos pulsos dela, descendo a mão para arrancar a calcinha, o tecido rasgando com um som seco. Ela arqueou as costas, um gemido baixo escapando, mas logo contra-atacou, cravando as unhas nas minhas costas, arranhando com força suficiente para arder. “Mais forte,” ela ordenou, a voz carregada de desejo e provocação. Eu obedeci, segurando seus quadris e puxando-a para mim, entrando com um movimento firme que a fez gritar, um som que misturava prazer e surpresa. “Caralho, isso é grande,” ela murmurou, as pernas se abrindo mais, os pés apoiados no colchão.
O ritmo era intenso, quase uma batalha. Cada estocada era acompanhada por um tapa dela na minha coxa, ou por ela puxando meu cabelo, forçando-me a olhar nos olhos dela. “Você aguenta, loirinho?” ela provocava, rebolando contra mim, os quadris movendo-se em círculos que me faziam perder o fôlego. Eu respondia com mais força, segurando a bunda dela com as mãos, as unhas cravando na pele macia, deixando marcas vermelhas. O som da cama rangendo, o colchão velho protestando, misturava-se aos gemidos dela, altos e descontrolados, e aos meus grunhidos, o suor escorrendo pelo meu peito e pingando nela. O cheiro do quarto – sexo, perfume, calor – era intoxicante, e a luz piscante jogava sombras dançantes nas paredes, como se fôssemos figuras num teatro de desejos proibidos.
Zuri não cedia. Quando tentei prendê-la novamente, ela me empurrou, montando em mim com uma agilidade felina. “Minha vez,” disse, os olhos brilhando de triunfo, enquanto cavalgava, as mãos apoiadas no meu peito, as unhas cravando na pele. Cada movimento dela era calculado, intenso, o corpo subindo e descendo com uma precisão que me deixava à beira do colapso. “Gosta assim, né?” ela perguntou, inclinando-se para morder meu pescoço, os dentes marcando a pele sem romper. Eu agarrei os quadris dela, guiando o ritmo, mas ela batia na minha mão, como se dissesse que o controle era dela. “Mais rápido,” ordenei, e ela obedeceu, rindo, o cabelo liso balançando, o suor brilhando na testa.
A disputa continuou, uma dança de poder e desejo. Eu a puxei para baixo, deitando-a de bruços, e entrei por trás, segurando o cabelo dela como uma rédea, o que a fez gemer mais alto, pedindo mais. “Isso, branco, me fode,” ela disse, a voz entrecortada, o corpo tremendo a cada estocada. O som dos nossos corpos colidindo, o tapa ocasional na bunda dela, os gemidos dela – tudo se misturava num frenesi que parecia durar uma eternidade. Quando senti o clímax se aproximando, acelerei, e ela gritou, o corpo convulsionando, as mãos agarrando o lençol com força. Eu gozei logo depois dentro da camisinha um jato quente que quase estourou e a fez gemer novamente, o corpo relaxando contra o colchão, exausto, mas com um sorriso satisfeito.
Ficamos ali por um momento, ofegantes, o silêncio do quarto interrompido apenas pela respiração pesada e pelo zumbido da lâmpada. Zuri se levantou, pegando o vestido do chão, o corpo ainda brilhando de suor. “Você é bom, loirinho,” ela disse, rindo, enquanto vestia a calcinha rasgada. “Mas da próxima, eu ganho.” Pisquei, sem saber se ria ou ficava envergonhado, e me vesti, o corpo dolorido, mas estranhamente leve. Saí do quarto com Zuri, que voltou ao salão do bar, já atendendo outro cliente com o mesmo sorriso profissional. Faraji me esperava na mesa, uma cerveja na mão, o sorriso largo. “E aí, curtiu?” perguntou, batendo no meu ombro. “Caralho, Faraji, você não avisa?” retruquei, rindo, a cabeça leve por causa das cervejas. Ele gargalhou. “Bem-vindo a Nhambane, meu amigo.” Pagamos a conta – o programa saiu por 10 reais, como ele disse – e voltamos para casa na moto, o vento quente da noite aliviando o calor. Estávamos bêbados, rindo alto, a adrenalina da noite ainda correndo nas veias.
Chegando em casa, a luz da sala estava acesa, mas Rose e Doge ainda não tinham voltado. Amara estava na cozinha, lavando louça, agora com um short largo e uma camiseta folgada, o cabelo trançado preso num coque. Ela nos olhou, arqueando uma sobrancelha. “Vocês dois parecem que aprontaram,” disse, com um tom que misturava censura e diversão. Faraji riu, abraçando a mãe, e eu subi para o quarto.
Naquela noite, o calor em Nhambane parecia ainda mais opressivo, o ar úmido grudando na pele como uma segunda camada. Após o jantar, um ensopado de galinha com molho apimentado preparado por Amara, subi para meu quarto, a cabeça ainda girando com as memórias do bar e da noite anterior. O ventilador de pedestal zumbia incansavelmente, mas o som não abafava os pensamentos que me perseguiam – os gemidos de Amara, o corpo dela se movendo sob Doge, a intensidade de Zuri no quarto abafado do bar. Tentei me distrair com o MacBook novo, navegando em sites lentos por causa da conexão instável, mas minha mente voltava à grade de ventilação na parede, aquela abertura traiçoeira que conectava meu quarto ao deles.
Por volta das dez, ouvi o som familiar da porta do quarto principal se fechando, seguido pelo murmúrio grave de Doge e a risada melodiosa de Amara. Meu coração disparoucom a curiosidade mórbida me puxando para a parede. Tentei resistir, ligando os fones de ouvido e colocando uma playlist de rock no volume máximo, mas os gemidos dela começaram a vazar pela grade, suaves no início, como um convite sussurrado. Desliguei a música, o silêncio do quarto amplificando cada som. Levantei-me, os pés descalços tocando o chão frio de cerâmica, e me aproximei da grade, o corpo tremendo de antecipação e vergonha.
A luz amarelada do quarto deles iluminava a cena com clareza. Amara estava deitada na cama, nua, o corpo brilhando de suor, as pernas abertas enquanto Doge, também nu, se posicionava entre elas. O físico robusto dele dominava o espaço, os músculos das costas flexionando a cada movimento. O pau dele, descomunal como eu lembrava, entrava e saía dela com um ritmo lento, quase torturante, cada estocada acompanhada por um gemido baixo dela, que ecoava pelo quarto e atravessava a grade. “Isso, amor, devagar,” ela murmurava, a voz rouca, as mãos agarrando os ombros largos dele, as unhas cravando na pele escura. O cabelo trançado dela estava solto, espalhado no travesseiro, e os seios cheios balançavam suavemente, o suor pingando entre eles.
Eu sabia que era errado, uma invasão imperdoável, mas meu corpo reagia antes que minha mente pudesse protestar. Minha mão deslizou para dentro da cueca, movendo-se no ritmo dos gemidos dela, cada som dela guiando o movimento, como se fosse uma dança proibida. Quando Doge acelerou, os gemidos de Amara ficaram mais altos, mais urgentes, e eu acompanhei, o coração batendo tão rápido que parecia que ia explodir. “Mais forte, Doge,” ela pediu, arqueando as costas, os quadris subindo para encontrar os dele. Ele obedeceu, o som da cama rangendo misturando-se aos tapas que ele dava na bunda dela, cada um seguido por um grito abafado dela. O cheiro – suor, perfume de lavanda, sexo – chegava até mim, intoxicante, e eu me perdi no ritmo, a culpa se dissolvendo no desejo. Quando ela gritou, o corpo convulsionando em um orgasmo, eu gozei, o prazer misturado com uma onda de vergonha que me fez cambalear para trás, caindo na cama, o peito ofegante, as mãos trêmulas.
Fiquei deitado, encarando o teto, o ventilador girando preguiçosamente. O quarto deles ficou em silêncio, exceto pelo som da respiração pesada e do zumbido do ventilador deles. Ouvi Doge rir baixo, dizendo algo que não entendi, e Amara respondeu com uma risada cansada. Fechei os olhos, tentando apagar as imagens, mas elas estavam gravadas – o corpo dela, os gemidos, a intensidade crua da cena. Odiava a mim mesmo por ceder, mas a tentação era mais forte que minha força de vontade. Na manhã seguinte, acordei com o sol batendo no rosto, o calor já insuportável. Desci para o café, o corpo pesado de exaustão e culpa. Amara estava na cozinha, preparando café, vestindo um short jeans curto que mal cobria as coxas grossas e uma regata rosa colada ao corpo, os mamilos visíveis sob o tecido fino. O cabelo trançado estava preso num coque frouxo, e ela se movia com uma graça provocadora, como se soubesse o efeito que causava. Quando se abaixou para pegar uma xícara no armário, o short subiu, revelando a curva da bunda, e eu desviei o olhar, o rosto quente, sentando-me à mesa com uma xícara de café.
Minha mãe já tinha saído com Doge para a obra, e Faraji anunciou que precisava ir a Inhambane para resolver algo no curso. “Volto à noite,” ele disse, pegando a mochila e saindo na moto. Fiquei sozinho com Amara, o que intensificou a tensão no ar. Ela se aproximou, colocando uma cesta de pães na mesa, o perfume de lavanda invadindo meu espaço. “E aí, Mayer, como foi no bar com o Faraji ontem?” perguntou, o sorriso malicioso, os olhos me avaliando. Fiquei sem jeito, o rosto queimando. “Foi… divertido,” murmurei, mexendo o café com mais força que o necessário.
Ela riu, um som grave e provocador. “Pode falar, menino, eu sei de tudo. Meu filho não sai daquele lugar.” Inclinou-se sobre a mesa, o decote da regata revelando mais do que eu queria ver, e meu coração disparou. “Foi legal,” disse, tentando soar casual, mas minha voz falhou. Amara riu novamente, virando-se para limpar a bancada, o quadril balançando de um jeito que parecia deliberado. “Você é tímido, hein? Não precisa,” ela disse, e saiu da cozinha, rebolando, o short marcando cada curva. Fiquei ali, o café esfriando, a mente girando com imagens dela – na cozinha, na cama, na minha imaginação.
Precisando de ar, decidi caminhar pela vila. O sol castigava, e as ruas de terra vermelha estavam cheias de crianças brincando e mulheres carregando baldes d’água. Caminhava distraído, pensando em Amara e na noite anterior, quando esbarrei numa moça, derrubando a sacola plástica que ela carregava. Tomates e cebolas rolaram pelo chão, e eu me abaixei, apressado, para ajudar. “Desculpa, foi sem querer,” disse, entregando-lhe os itens. Ela não respondeu de imediato, apenas me olhou com olhos grandes e castanhos, o rosto bonito, mas com um semblante triste. Era negra, com cabelo liso preso numa trança, e usava um vestido azul simples que abraçava um corpo curvilíneo, com seios fartos e quadris largos. “Tudo bem,” ela disse, finalmente, a voz baixa. “Me deixa te ajudar a levar isso,” ofereci, sentindo-me culpado. Ela hesitou, mas assentiu.
Seguimos até uma casa pequena, de alvenaria crua, com telhado de zinco enferrujado. No quintal, uma mulher mais velha, meio gordinha, mas ainda em forma, lavava pratos numa bacia. Ela se assustou ao me ver, alisando o vestido florido e ajeitando o cabelo cacheado. “Nossa, um visita!” disse, sorrindo, e se apresentou como Fátima, a mãe da moça. O pai, um homem magro e debilitado, estava sentado num sofá velho, os olhos fundos fixos no chão. “Esse é o João,” Fátima disse, apontando para ele, que apenas acenou, sem força. A moça, que se apresentou como Beyya, mas era chamada de Beyoncé pelos amigos por causa da aparência, ficou em silêncio, arrumando as compras na cozinha minúscula. Tinha um rosto marcante, com traços delicados e um corpo que rivalizava com o de Amara, mas havia uma tristeza nos olhos que me incomodava.
Fátima era conversadeira, contando que o marido tinha uma doença nos ossos que o impedia de trabalhar. “Nossa filha mais velha, Zuri, é quem sustenta a casa,” ela disse, orgulhosa, mas com um tom de preocupação. “Eu e Beyoncé cuidamos dele e da casa.” Beyya voltou do quintal, onde lavava roupas, e apenas assentiu, sem entrar na conversa. Fátima me convidou para jantar aquela noite, insistindo com um entusiasmo que me pegou desprevenido. “Você é nosso convidado, Mayer!” Beyya pareceu desconfortável, mas não contradisse a mãe. Agradeci, prometendo voltar, e saí, a cabeça cheia de pensamentos. De volta à casa de Doge, encontrei Faraji, que tinha acabado de chegar de Inhambane. Contei sobre o encontro com Beyya, e ele riu, recostado no sofá. “Beyoncé, né? Todo mundo quer ela, cara. É a menina mais cobiçada da vila, mas é chata pra caralho. Não dá mole pra ninguém.” Ele tomou um gole de cerveja, continuando: “O pai dela tá com um pé na cova. Quando ele morrer, ela vai acabar na zona, igual a irmã.” Meu estômago revirou. “Irmã?” perguntei, já suspeitando. “É, a Zuri. Você deve ter visto ela no bar ontem. É a que sustenta a família.” Ele riu, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Fiquei em silêncio, as peças se encaixando. Zuri, a mulher do bar, era irmã de Beyya. A semelhança física fazia sentido – o mesmo rosto marcante, o mesmo corpo curvilíneo. Mas enquanto Zuri exsibia confiança e provocação, Beyya carregava uma melancolia que pesava no peito. Pensei no jantar daquela noite, no convite de Fátima, na tristeza de Beyya, e na revelação de Faraji. A vila, com suas ruas de terra e segredos, parecia mais complexa do que eu imaginava, e eu, perdido entre desejo, culpa e empatia, não sabia como navegar por ela. O sol já se punha em Nhambane, tingindo o céu de tons alaranjados e roxos, quando saí da casa de Doge rumo ao jantar na casa de Fátima, Beyya e João. O calor do dia dava lugar a uma brisa morna, carregada com o cheiro de terra seca e fumaça de lenha que pairava na vila. Antes de ir, decidi comprar algo para levar – um gesto de cortesia que minha mãe, Rose, sempre me ensinou. Caminhei pelas ruas de terra, passando por barracas improvisadas e lojas que pareciam estar caindo aos pedaços, com fachadas de madeira apodrecida e telhados tortos. A maioria oferecia apenas itens básicos: arroz, feijão, sabão em pó. Finalmente, encontrei um mercadinho mais arrumado, com uma vitrine de vidro empoeirada e prateleiras organizadas. Escolhi o vinho mais caro que encontrei – um tinto sul-africano de qualidade duvidosa, mas que custava o equivalente a 50 reais no câmbio – e uma garrafa de refrigerante de guaraná, um toque brasileiro que achei que poderia agradar.
Cheguei à casa de Fátima com a sacola na mão, o coração batendo um pouco mais rápido do que o normal. A casa, simples, com paredes de alvenaria crua e telhado de zinco enferrujado, parecia ainda mais humilde sob a luz fraca do poste da rua. Bati na porta, e Fátima abriu com um sorriso tão caloroso que quase me desarmou. “Mayer, que bom que veio!” exclamou, os olhos brilhando, enquanto alisava o cabelo cacheado, preso num coque improvisado. Ela usava uma regata preta que destacava os braços roliços, mas ainda tonificados, e uma saia curta, mas não vulgar, que caía até os joelhos. A energia dela era contagiante, mas havia uma sombra de tristeza nos olhos castanhos, como se carregasse um peso invisível.
Beyya estava ao lado, tímida, vestindo um vestido florido de mangas longas, comportado, que abraçava suas curvas sem exagero. O cabelo liso estava solto, caindo sobre os ombros, e os olhos grandes, com cílios longos, evitavam os meus, fixando-se no chão. João, o pai, estava no sofá velho da sala, o corpo magro curvado, o rosto marcado pela doença que Fátima mencionara. Ele tentou sorrir, os lábios tremendo num esforço que partiu meu coração, mas não se levantou para a mesa. Fátima insistiu para que eu me sentasse, colocando uma travessa de inhame cozido com molho de peixe na mesa, o cheiro picante enchendo o ar. Entreguei o vinho e o refrigerante, e Fátima bateu palmas, encantada. “Você não precisava, menino!” disse, mas aceitou com gratidão, servindo o refrigerante em copos de vidro rachados.
O jantar foi simples, mas acolhedor. Fátima falava sem parar, contando histórias da vila, da juventude dela em Maputo, e de como João, antes da doença, era um pescador respeitado. “Ele contava cada história do mar,” ela disse, rindo, mas a voz tremia nas bordas, e seus olhos se voltavam para ele, que ouvia em silêncio, o rosto iluminado por um sorriso fraco. Beyya comia devagar, respondendo apenas quando perguntada, a voz baixa, quase um sussurro. João, do sofá, tentava falar, mas as palavras saíam como sons roucos, e Fátima traduzia com carinho: “Ele tá dizendo que gostou de você.” Sorri, sem saber como responder, o peito apertado pela vulnerabilidade deles.
Durante a conversa, Fátima mencionou um remédio que ajudava João a sentir menos dor e melhorar a mobilidade, mas que era caro demais para eles. “É uma fortuna,” ela disse, suspirando, os olhos marejados. “Sem ele, ele sofre muito.” Perguntei o preço, esperando algo exorbitante, mas ela citou um valor em meticais que, no câmbio, equivalia a cerca de 100 reais. Fiquei em silêncio, a informação girando na minha cabeça. Após o jantar, agradeci e disse que precisava sair rapidamente, mas prometi voltar. Fátima e Beyya trocaram olhares, como se desconfiassem que eu não retornaria, mas insisti: “Prometo que volto, juro.”
Saí correndo pela vila, o céu agora escuro, pontilhado de estrelas. Encontrei uma farmácia pequena, com uma vitrine cheia de caixas de remédios empoeiradas. Comprei um frasco com 150 comprimidos do remédio que Fátima mencionara – três por dia, o que daria quase dois meses de alívio para João. O preço, como ela disse, era irrisório para mim, mas para eles era uma barreira intransponível. Voltei à casa, o frasco na mão, o coração acelerado. Quando Fátima abriu a porta e viu o que eu segurava, seus olhos se arregalaram, e antes que eu pudesse falar, ela me puxou num abraço apertado, os seios grandes pressionando contra meu peito de um jeito que me deixou vermelho de vergonha. “Mayer, meu Deus, como você fez isso?” ela exclamou, as lágrimas escorrendo pelo rosto, a voz embargada.
Beyya, que estava na cozinha, apareceu e franziu a testa, percebendo o abraço. “Mãe, cuidado, ele não tá gostando,” disse, meio séria, meio brincando. “Tudo bem,” respondi, rindo, tentando aliviar a tensão. Fátima, sem soltar o frasco, correu para João, que estava no sofá, e começou a preparar o remédio com uma urgência quase infantil. Fiquei na sala, agora sozinho com Beyya, que me olhava com uma mistura de curiosidade e cautela. “Você não precisava fazer isso,” ela disse, a voz baixa, os olhos fixos nos meus pela primeira vez. “Eu sei, mas quis ajudar,” respondi, sentindo o peso do olhar dela, que parecia enxergar além da minha fachada de estrangeiro desajeitado.Beyya sugeriu que saíssemos para tomar um ar, e aceitei, precisando escapar do peso emocional da casa. Caminhamos pelas ruas escuras da vila, o som dos grilos e o latido distante de cães preenchendo o silêncio. Parei numa barraca que vendia sorvetes caseiros, comprando um de manga para cada um. “Não precisava,” ela disse, hesitando, mas pegou o sorvete quando insisti, lambendo-o devagar, o gesto simples, mas estranhamente íntimo. “Vou te pagar pelo remédio,” ela disse, séria, enquanto caminhávamos. “Não quero que você pague,” respondi, firme. “Foi um presente.” Ela não respondeu, mas o silêncio entre nós era confortável, como se estivéssemos começando a nos entender.
Beyya era diferente de qualquer garota que eu já tinha conhecido. Era linda, com um rosto que misturava delicadeza e força, os olhos castanhos carregando uma tristeza que parecia mais profunda que a situação da família. O vestido florido balançava enquanto caminhávamos, e o corpo dela, curvilíneo, mas gracioso, parecia dançar com cada passo. Aos poucos, ela se soltou, contando que gostava de ler romances antigos, que encontrava em feiras de Maputo, e que sonhava em estudar enfermagem, mas não tinha dinheiro. “A Zuri tá tentando juntar pra me ajudar,” ela disse, mencionando a irmã, e meu estômago revirou ao lembrar da noite no bar. Não comentei, mas a conexão entre elas pesava na minha mente.
Voltamos à casa, e Fátima agradeceu novamente, os olhos ainda vermelhos de emoção. “Você é uma bênção, Mayer,” disse, segurando minhas mãos com força. Beyya ficou ao lado, quieta, mas com um leve sorriso. Antes de sair, Fátima mencionou que precisava de ajuda com algo no dia seguinte, às oito da manhã. “É só uma coisinha,” ela disse, animada. Beyya revirou os olhos. “Mãe, para de abusar do menino.” Ri, garantindo: “Estarei aqui às oito, prometo.” No dia seguinte, acordei cedo, o sol mal nascendo, o ar fresco pela primeira vez desde que cheguei a Nhambane. Tomei um banho rápido, vesti uma camiseta cinza e jeans, e caminhei até a casa de Fátima, o coração leve, mas curioso. Bati na porta, e Fátima abriu, vestindo uma camisola leve, quase transparente, que revelava as curvas do corpo roliço. Fiquei vermelho, desviando o olhar, e ela riu, despreocupada. “Entra, Mayer, não liga pra minha roupa. Aqui em casa é assim de manhã.” Hesitei, mas entrei, o cheiro de café coado enchendo a sala.
Perguntei o que ela precisava, esperando algo como consertar uma torneira ou carregar algo pesado. Fátima, no entanto, sorriu, os olhos marejados, e apontou para a porta do quarto. João estava lá, de pé, apoiado numa bengala improvisada, o corpo magro tremendo com o esforço. Ele não estava mais curvado no sofá, e, embora seus passos fossem lentos e dolorosos, havia uma luz nos olhos que eu não vira antes. “Mayer,” ele disse, a voz rouca, mas clara, pela primeira vez, “obrigado.” Cada palavra parecia custar um esforço imenso, mas o sorriso dele, fraco, mas genuíno, cortou meu peito como uma faca. Fátima segurou o braço dele, lágrimas escorrendo pelo rosto, e disse: “Não era ajuda que eu queria. Era só te mostrar ele. O remédio… ele tá andando, Mayer. Tá sentindo menos dor. Você não sabe o que isso significa pra nós.”
Fiquei parado, o peito apertado, sem saber o que dizer. João estendeu a mão trêmula, e eu a apertei, sentindo a fraqueza dos dedos, mas também a força de uma gratidão que não precisava de palavras. Fátima se aproximou, abraçando-me novamente, o corpo quente contra o meu, e dessa vez não havia vergonha, apenas uma conexão humana que transcendia a barreira do idioma, da cultura, da vila. “Você é um anjo,” ela sussurrou, a voz embargada, e eu senti meus olhos arderem, a emoção subindo como uma onda. Beyya apareceu na porta, observando em silêncio, e pela primeira vez vi um brilho diferente nos olhos dela – não tristeza, mas algo próximo de esperança.
Saí da casa com o coração pesado, mas leve ao mesmo tempo, como se tivesse encontrado um propósito que eu não sabia que buscava. A vila, com suas ruas de terra e seus segredos, estava me transformando, e a imagem de João, de pé, com um sorriso fraco, ficou gravada na minha mente, tão vívida quanto os gemidos de Amara ou a intensidade de Zuri. Nhambane não era só um lugar de desejos e tentações; era um lugar de pessoas, de dores, de lutas, e eu, um estrangeiro loiro de olhos azuis, estava começando a entender isso.