A Vaca e a Fera ☆ Capítulo 9

Da série A Vaca e a Fera
Um conto erótico de Tiago Silva
Categoria: Homossexual
Contém 1629 palavras
Data: 05/08/2025 09:01:32
Assuntos: Fantasia, Gay, Homossexual

Um grito gutural, primevo, rasgou o silêncio opressivo do castelo; uma onda sonora tão poderosa que fez vibrar o mármore polido sob meus pés e chacoalhar a armadura vazia no corredor.

Era um som que não pertencia a este mundo, uma mistura de fúria, dor e comando absoluto que congelou o sangue em minhas veias e ancorou meu corpo ao chão em puro pavor.

Antes que eu pudesse sequer processar a natureza daquele rugido bestial, as portas duplas do salão se escancararam com um rangido e uma procissão inacreditável desfilou diante dos meus olhos. Não eram guardas humanos, nem criaturas grotescas como o tirano. Para meu absoluto espanto, vi um candelabro de prata deslizar pelo chão com uma graça fluida, suas velas acesas sem qualquer vestígio de cera derretida; um robusto relógio de pêndulo caminhava de modo pomposo e apressado, e um espanador de penas flutuava no ar como um beija-flor agitado.

Minha mente se recusava a acreditar no que via — um delírio febril nascido do medo — mas a realidade deles era inegável.

Apesar da minha perplexidade e do terror que ainda me paralisava, os servos encantados se aproximaram com uma gentileza desconcertante. O candelabro, cujas chamas dançavam como olhos curiosos, inclinou um de seus braços de prata numa reverência elegante.

“Não tema, meu caro rapaz”, disse ele, a voz um barítono suave e acolhedor com um sotaque estranhamente sofisticado. “Sou Lúcio, o anfitrião deste castelo. A seu dispor!”

Ao seu lado, o relógio de pêndulo fez um “tique-taque” mais enfático antes de falar, com um tom rígido e preocupado.

“E eu sou Horácio, o mordomo. É um… prazer… tê-lo conosco, suponho, dadas as circunstâncias.”

Por fim, o espanador de penas roçou meu braço, um toque surpreendentemente macio.

“Pode me chamar de Penélope, querido. Não se preocupe, cuidaremos bem de você”, sussurrou ela, a voz doce e amigável.

Olhei de um para o outro, do metal reluzente ao relógio ambulante, e senti a vertigem me tomar. Era tudo real, e eles me tratavam não como um prisioneiro, mas como um convidado.

“Com todo o respeito…”, comecei, a voz trêmula e rouca. De longe, o monstro nos observava, sua silhueta imponente contra a luz de uma janela alta. “Se vocês são tão… prestativos, por que simplesmente não matam essa aberração? Um pouco de veneno na comida e todos estaríamos livres.”

A reação deles foi imediata e uníssona: um suspiro coletivo de tristeza. Foi Lúcio quem respondeu, suas chamas vacilando por um instante.

“Meu jovem… as coisas não são tão simples. O Mestre, a ‘Fera’, como ele insiste em ser chamado… nem sempre foi assim.”

“Houve um tempo em que este castelo era cheio de luz e risos”, acrescentou Penélope, a voz embargada de uma compaixão que eu não conseguia compreender. “Apesar de sua aparência e de sua personalidade fria e tempestuosa, ainda acreditamos que, em seu âmago, o coração dele é bom.”

“Coração bom? Me poupe!”, murmurei com desdém, o cinismo sendo minha única defesa contra a insanidade que me cercava. “Uma besta que acorrentou meu pai e nos forçou à separação não poderia ter um pingo de bondade!”

Minhas palavras, no entanto, não ofenderam os servos. Eles apenas trocaram olhares melancólicos antes de me guiarem para fora do salão principal.

“O Mestre ordenou que preparássemos um quarto para o senhor”, disse Horácio, liderando o caminho pela escadaria majestosa. “Acreditamos que o encontrará… adequado.”

“Adequado” era um eufemismo colossal. Levaram-me a um aposento que superava em luxo qualquer coisa que eu já tivesse visto, até mesmo nos livros de história: uma cama gigantesca com dossel de veludo carmesim, uma lareira de mármore já crepitando alegremente, tapeçarias riquíssimas cobrindo as paredes e uma varanda particular com vista para um jardim sombrio e invernal. Era o quarto de um rei, mas para mim, não passava de uma jaula dourada.

Os servos me deixaram a sós com a promessa de que voltariam mais tarde. A primeira coisa que fiz foi me dirigir ao banheiro anexo, uma câmara de mármore e ouro que parecia pertencer a um imperador romano. Eu estava imundo, coberto de lama da floresta e do suor frio do medo, e a visão da banheira com pés de garra, já cheia com água morna, foi um convite irrecusável.

Enquanto o líquido envolvia meu corpo cansado e dolorido, dissolvendo a sujeira e aliviando a tensão dos meus músculos, minha fortaleza de cinismo começou a ruir. A água morna trouxe as lágrimas.

Pensei no meu pai, na memória de seu rosto enrugado de dor quando nos separaram. A certeza de que eu nunca mais o veria, de que morreria neste lugar encantado e maldito, atingiu-me com a força de um soco no estômago. E chorei silenciosamente, minhas lágrimas se misturando à água perfumada da banheira.

Depois do banho, que limpou meu corpo, mas não minha alma, enrolei-me num roupão felpudo que encontrei pendurado. Caminhei até um imponente armário de carvalho maciço que ocupava quase metade da parede do quarto e abri suas portas pesadas, esperando encontrar roupas. Para minha surpresa, estava completamente vazio.

“Procurando algo para vestir, fofinho?”, uma voz teatral e retumbante ecoou de dentro, quase me fazendo saltar para trás. A própria mobília estava falando comigo. “Não se acanhe! Diga-me o que deseja, e eu o criarei. Seda? Veludo? Algodão egípcio? Sou um mestre da alfaiataria instantânea!”

Estupefato, gaguejei a primeira coisa que me veio à mente: “Eu… eu só queria algo quente e confortável”. Num piscar de olhos, o interior do armário brilhou, e um conjunto de roupas perfeitamente dobrado materializou-se numa prateleira. Vesti uma calça de lã macia, uma camisa de seda que mal parecia tocar minha pele e um suéter de caxemira de um azul profundo. Tudo se ajustava perfeitamente ao meu corpo avantajado, um luxo que eu raramente conhecera.

Vestido com mais elegância do que em toda a minha vida, deitei-me na cama macia, sentindo o peso do dia me esmagar. Meus olhos pousaram numa tela escura e retangular na parede oposta, uma televisão de tela plana que parecia completamente fora de lugar naquele ambiente de conto de fadas. Peguei o controle remoto da mesa de cabeceira e a liguei, esperando que o ruído de algum programa pudesse me distrair. Imagens coloridas e sons familiares de um mundo que já não era o meu preencheram o quarto, mas não conseguiram prender minha atenção. Desliguei-a.

O silêncio que se seguiu era mais honesto. Refleti sobre a mudança drástica na minha vida: horas atrás, eu estava em minha modesta casa, preocupado com a tempestade e com meu pai; agora, era prisioneiro de um monstro, servido por objetos falantes e vestindo roupas mágicas. A magia, que eu sempre julguei ser apenas ficção, uma fantasia para entreter crianças e sonhadores, era real. E era aterrorizante.

Mais tarde, quando a fome já me roía o estômago, uma batida forte soou na porta — não uma batida educada, mas uma ordem. A porta se abriu antes que eu pudesse responder, e o tirano entrou, sua presença massiva preenchendo o ambiente. Ele estava impecavelmente vestido com um casaco de veludo bordado a ouro e calças de alfaiataria, uma visão bizarra de elegância e brutalidade.

“Você”, rosnou ele, sua voz um trovão contido, “jantará comigo. Agora!”

O cheiro de comida deliciosa que vinha do corredor quase me fez ceder, mas a imagem do meu pai e o orgulho ferido falaram mais alto.

“Prefiro morrer de fome a dividir a mesa com um monstro como você!”, cuspi as palavras, encarando seus olhos que brilhavam com uma luz dourada e selvagem.

A máscara de civilidade da besta se estilhaçou. Com um rugido de pura fúria, ela avançou sobre mim, suas garras enormes estendidas, prontas para me rasgar em pedaços.

No instante em que a criatura se lançou em minha direção, um borrão de prata e um lampejo de penas se interpuseram entre nós. Lúcio estendeu seus braços de candelabro, bloqueando o caminho, enquanto Penélope voava freneticamente ao redor do rosto do tirano.

“Mestre Fera, por favor! Controle-se!”, implorou Lúcio, sua voz firme apesar do perigo.

Horácio, que havia entrado logo atrás, acrescentou com seu tique-taque nervoso: “A violência não resolverá nada, senhor! Lembre-se do que está em jogo!”

O monstro parou a centímetros de mim, seu peito arfando de raiva, o rosnado baixo vibrando por todo o quarto. Frustrado e contido por seus próprios servos, ele recuou um passo, os olhos ardendo de ódio.

“Pois bem!”, trovejou ele, apontando uma garra para mim. “Fique aí e pereça de fome! Mas saiba disto: quando ela se tornar insuportável, você virá até mim, se arrastará de joelhos e implorará por uma migalha de pão da minha mesa!”

Com isso, ele se virou e saiu, batendo a porta com uma força que abalou as paredes.

Quando o som dos passos pesados da criatura desapareceu no corredor, os servos se viraram para mim, seus semblantes uma mistura de alívio e repreensão.

“Você precisa ser mais prudente, rapaz”, disse Horácio, ajustando seu pêndulo. “Provocá-lo dessa maneira é suicídio. Ele poderia tê-lo matado!”

Eu me encolhi na cama, o terror daquele momento ainda reverberando em meu corpo, mas a dor em meu coração era mais forte. “E o que importa?”, respondi, com a voz embargada. “Nunca mais vou ver meu pai. Minha vida acabou no momento em que me despedi dele. O monstro pode me matar se quiser!”

Foi Penélope quem se aproximou, pousando suavemente em meu ombro. “Não diga isso, querido”, sussurrou ela. “Ainda há esperança! Se, com paciência e coragem, você conseguir alcançar a humanidade que existe por trás dessa fúria e trazer à tona o lado bom do Mestre, talvez ele não só o liberte, mas também se liberte desta terrível amargura.”

Suas palavras pairaram no ar, uma centelha de esperança impossível em meio à escuridão da minha cela dourada.

Continua…

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