07___50 REAIS

Um conto erótico de Thomas Britto
Categoria: Heterossexual
Contém 2754 palavras
Data: 05/08/2025 08:31:34
Assuntos: Heterossexual

50 REAIS

O sol ardia forte quando Bya saltou do ônibus. Tudo ainda a incomodava: o peso das sacolas afundando na pele das mãos, o calor que grudava nas costas por causa da mochila, o vexame da calcinha molhada, o barulho dos próprios passos ecoando dentro da cabeça, misturados às cenas de vexame no carro com Diogo.

Agora, não havia mais tempo para pensar nisso. Estava quase chegando em casa, e algo dentro dela já avisava que não seria fácil.

Assim que atravessou o portão barulhento, passou rapidamente com as sacolas pelo corredor e tentou jogá-las pela janela do quarto. Mas ouviu a voz grossa do tio:

— Ô, menina, o sol derreteu sua cabeça, foi? Você não tinha saído pra procurar serviço?

Por um segundo, Bya sentiu-se mal com a própria mentira — sentiu o rosto arder enquanto lembrava do fez dentro do carro e de tudo que tivera que engolir. Aquilo agora parecia tão errado.

— Que que é isso, Bya? O que você andou aprontando? — disse a tia.

Ela parou, com as sacolas nas mãos. Tentou sorrir, sem coragem de responder:

— Mas isso não é compra, não, gente... é...

Tentou pensar rápido. Não podia falar do Diogo. Não podia dizer de onde vinham as roupas, nem quanto recebeu — não exatamente.

— Não é nada demais, tia. É que... eu vi aquele dia, lá no açougue, que estavam precisando de alguém pra lavar umas roupas, e eu me ofereci.

O tio caiu na risada, debochado:

— No açougue? Você só pode estar de brincadeira... Se meter com aquele tipo? E quanto te pagaram pra isso?

Bya sentiu-se encurralada. Na cabeça dela, dobrar o valor que Diogo havia pago parecia um bom negócio, além de tirá-la daquele apuro e acabar com a discussão. Num impulso, respondeu:

— Foi cinquenta reais. Vinte e cinco pra cada sacola. — Mentiu.

— Cinquenta?! — o tio repetiu, indignado. — Pra usar água, sabão, a máquina, o ferro de passar — tudo daqui de casa — por cinquenta reais? Tá achando que isso aqui é lavanderia?

A tia balançava a cabeça, visivelmente abalada, e perguntou:

— Que história é essa de lavar roupa de homem que você não conhece, minha filha?

— É que eu pensei que podia ser uma boa, sabe?... Ganhar uma graninha enquanto não aparece um serviço sério.

E acabou contando parte da verdade para acabar com o assunto logo:

— Pelo que eu entendi, não vai ser sempre, não... Parece que a mulher que lava está doente, então é só por uns dias.

— Valdirene, essa menina tá passando dos limites. Só tá dando despesa aqui... Precisa aprender que isso aqui não é hotel, não.

A tia interveio:

— Me dá aqui os cinquenta reais pra cobrir as despesas.

Bya gaguejou, tentando improvisar:

— É que ele... ainda vai me pagar... só quando eu entregar tudo lavado.

A expressão do tio foi de puro desprezo:

— Você é muito boba mesmo, Beatriz. Isso aí é golpe, tá ouvindo? Vai levar calote daquele sujeito. Vai lavar a roupa, usar as coisas aqui da casa, e depois vai levar é um pé na bunda.

A tia suspirou fundo, quase num tom de pena:

— Você não tem juízo, Maria Beatriz. Você não lava nem sua roupa... Aqui é sua casa agora, você precisa ajudar.

Bya só conseguia acenar que sim com a cabeça. As sacolas pareciam mais pesadas do que nunca. A garganta travada era pior do que a lembrança com Diogo.

— Claro, tia... Vocês estão certos... Eu vou ajudar mais aqui e cuidar das minhas coisas. E, se você quiser, então eu não aceito mais.

Depois do banho, Bya se trancou no quarto. Ela estava exausta: a ressaca moral do encontro com Diogo, o calor, a discussão com os tios, a confusão com as roupas — tudo parecia sugar a energia que ainda restava do dia. Enrolou os cabelos com a toalha e sentou-se à beira da cama, abraçando as pernas ainda úmidas, pensando em como ia resolver a situação.

Ao lado, as sacolas e a mochila com as roupas sujas. Ainda não tinha coragem de encarar o tanque. De alguma forma, era muito íntimo e também muito estranho que ele estivesse ali, dentro daquelas sacolas, tão próximo, tão ao alcance dela. Isso mexia com algo que não conseguia entender.

Num gesto impensado, pegou a mochila, queria abraçar aquelas roupas. Ao abrir o zíper, uma onda de cheiro forte subiu, morna, como o bafo vindo do colo dele ainda há pouco. Ela fechou e correu para o tanque nos fundos da casa antes que Clara voltasse para o quarto.

Jogou tudo dentro do tanque com água e sabão. As mãos afundavam as peças como se ela estivesse afogando a memória azeda e curtida da humilhação daquela tarde.

Numa das sacolas, mais camisetas, shorts – tudo embolado sem o menor cuidado... junto com algumas meias e cuecas. Separou uma branca e percebeu algumas manchas discretas. Era tão explícito e, ao mesmo tempo, tão secreto. Sentiu-se estranha por notar aquilo com tanta atenção. Quando tocava o tecido, era como se tocasse nele.

Sem nem perceber, aproximou uma das peças do rosto. Era curiosidade e desejo com efeito imediato: o cheiro familiar invadiu seu corpo. O suor, um fundo de urina misturado ao perfume vencido do amaciante de alguém. Aquilo era Diogo, real, sujo, vivo. Sentia-se estranha sem saber.

Voltou para o quarto em silêncio, trazendo uma das camisetas debaixo da blusa. Não queria que Clara percebesse. Escondeu-a debaixo do travesseiro e se deitou sobre ele, olhando o ventilador girar enquanto a cabeça repetia o roteiro daquele dia.

Eram quase onze da noite quando o celular de Bya vibrou com uma notificação. Uma única mensagem. Era dele.

O coração disparou antes mesmo de tocar na tela.

Foto.

A imagem era borrada, tirada sem muito cuidado: uma mesa de bar, copos usados, latas de cerveja, uma bandeja de isopor com restos de carne, um cinzeiro lotado e as garrafas já pela metade. Ao fundo, dava para ver parte de um braço tatuado, alguém segurando um controle de caixa de som. O ambiente era de boteco caseiro, improvisado.

Abaixo da imagem, só uma frase:

— Sextou. Bom findi.

Só isso? Sério? Como assim?

Ela olhou para a tela como quem espera um recado oculto. Mas não tinha nada, só o emoji com as duas canecas de chope brindando.

Ela respondeu com leveza:

— Nossa, delícia! Queria muito ter ido também.

Visualizado.

Nada.

O vazio ficou ali como pedra pesada no peito. Bya abraçou de novo a camiseta dele e deixou o celular de lado, mas não conseguia dormir direito. Lembrava da foto: a mesa, os copos, a cerveja, a música e os risos de quem estava fora da imagem... Aquilo era o mundo dele — e ela não estava lá.

No sábado, quase três da tarde, ele retomou a conversa:

— É que essa festinha aí foi só com os brothers da facul... tô na maior ressaca ainda kkkkk.

Bya estava confusa enquanto ele digitava:

— E eu nem consegui viajar... depois que falamos ontem, o carro começou a dar problema. Dei sorte de chegar na oficina antes de pifar. Larguei o carro lá, chamei o Murilo na hora porque o carro era dele e ele conhece bem o mecânico.

Bya respondeu rápido, tentando manter a conversa leve:

— Poxa, mas seu carro é tão novo... e você na maior correria ontem pra viajar, né?

— É, pois é. Também falei isso pro Murilo... Acabei voltando de carona com ele, mas nem fui na aula porque ia ter churrasco na república. Aí já era... de noite foi só zoeira.

Bya perguntou, interessada, ignorando a pontada de ciúmes:

— Mas já deu tempo de arrumar? Porque hoje é sábado, né... o que vai fazer?

Demorou uns minutos. A notificação subiu, mas o tempo parecia congelado até a próxima mensagem chegar:

— Nada... mecânico vai ver só na segunda. Vai passar o orçamento. Dá até medo, porque o Murilo falou que as peças desse carro são caras. Mas vamos ver. Acho que até quarta-feira tá em ordem.

Ela sentiu o baque como quem leva um soco no estômago. Leu de novo e não acreditava.

Quarta-feira só? Ainda era sábado... Quase cinco dias sem vê-lo.

Ela queria dar um jeito:

— Mas então você nem vem pra cidade esses dias?

— Não sei ainda... talvez segunda-feira, se tiver que ir na oficina. Senão volto só pra buscar o carro.

— Ah, sim... que pena... Porque se já tivesse arrumado a gente podia ir passear hoje de novo.

A resposta veio seca, quase indiferente:

— Passear, mas eu achei que você nem tinha curtido o rolê. Do jeito que ficou reclamando do meu cheiro ontem...

O chão sumiu debaixo dos pés dela. Ela engoliu em seco. A frase foi como jogar sal numa ferida aberta.

Sentiu-se muito mal - e pensando bem ela merecia. Ele tinha motivo de sobra pra ter ficado ofendido com aquilo...

Mesmo assim, tentou não demonstrar. Tentou parecer tranquila. Tentou segurar a chance:

— Imagina, lindo. Eu curti sim... lógico que eu quero sair com você de novo.

E agora, ali estava ela: se sentindo culpada pelo que disse, tentando se redimir como uma pecadora católica:

— Mas sabe, a gente podia se encontrar mesmo assim, a pé, enquanto o carro não fica pronto. Se você vier pra cidade na segunda, posso ir na academia, mas te espero lá fora, se você quiser... Ou a gente pode ir andando até o posto. Já faz uma caminhada, né?

Estava desesperada, queria consertar urgente a situação e diminuir o estrago pelo que havia causado.

— Por mim, eu topo qualquer coisa. A gente não precisa nem gastar nada também. Eu pago a minha parte. Ou posso ir aí na sua casa...

Visualizado.

Nenhuma resposta por horas.

Ela ficou ali, olhando para o teto do quarto, sentindo-se exposta e pequena. Um misto de arrependimento, remorso e entrega sem fim... como se quisesse entregar o coração — numa bandeja.

Bya relia as últimas mensagens, percebendo o quanto tinha sido exagerada tentando compensar o comentário atrapalhado que havia feito sobre ele. Parece que ela nunca sabia muito bem a hora de parar.

E, mais uma vez, pensou que, de alguma forma, acabava sempre encontrando a humilhação por conta própria.

Talvez ele não tenha respondido porque ainda estava de ressaca, ou estivesse ocupado, ou preocupado com o carro... cansado, distante.

A mente dela costurava desculpas com a mesma habilidade com que enrolava os fios soltos de uma esperança quase infantil. Mas ela sabia que uma hora ele iria responder.

Bya não dormiu bem naquela noite, claro. Rolava na cama de um lado para o outro, ainda abraçada com a camiseta dele, tentando entender onde tinha errado.

Rezou, tentando encontrar sua paz — mas com uma lista de egoísmos sem fim.

Uma ansiedade a fez despertar quando ainda era alta madrugada de domingo. Saiu em silêncio do quarto, sonolenta, com o telefone na mão. Sentou-se no vaso do banheiro e viu que tinha mensagem dele:

— Então tá bom, se der certo, eu te falo.

E, fim...

Ela lembrou das roupas no varal e repetia mentalmente, feito um mantra: "se der certo, eu te falo" — "se der certo, eu te falo" — enquanto caminhava na ponta dos pés rumo ao quintal, onde as roupas estavam estendidas.

Como se fosse uma resposta ao mantra, o calor da noite havia secado silenciosamente todas as peças. Bya sentiu-se bem de repente... era como se mais da metade dos seus problemas em casa já estivessem resolvidos.

Retirou tudo do varal, dobrou as roupas ali mesmo, saiu do escuro e voltou para dentro como se fosse uma ladra. Estava aliviada. Pelo menos a tia ia poder usar a lavanderia, se precisasse — e domingo era o dia em que ela sempre fazia alguma faxina.

Entrando em casa, guardou as roupas debaixo da própria cama. Bya voltou à cozinha e ficou relendo todas as mensagens desde o primeiro dia na academia, quando trocaram telefone.

Pegou um café de ontem e decidiu: não enviaria mais mensagens até que ele a procurasse de novo. Ela sabia que logo ele faria isso — afinal, ela estava com as roupas dele — e, de repente, isso a tranquilizava mais que ansiolítico.

Também decidiu ficar na dela, pois viu que ele tava chateado com o comentário que ela fez. Além disso, ele agora também tinha o problema do carro quebrado. Por um instante Bya, ficou satisfeita com a decisão, ela achava que havia acordado com boas ideias — talvez por ser ainda madrugada — e sentiu-se mais calma. Agora, seria mais fácil dormir.

Ao se deitar, a sacola plástica com roupa debaixo da cama a fez lembrar da outra parte do problema...E se acalmou lembrando que já tinha mais da metade das roupas limpas. Depois ela pensaria no que fazer com o restante.

Mas o dinheiro que precisava pagar para a tia a deixava descompassada. Fez as contas na cabeça: os trinta que ganhou, os dez que gastou, os vinte que sobraram... e os trinta que faltavam para completar os cinquenta reais que devia.

Sentia-se uma fraude. A ideia de subir o preço, no fim das contas, foi uma péssima ideia. Pensava enquanto dizia mentalmente para si mesma: a mentira não vale a pena!

Usar do próprio dinheiro para pagar a tia era a opção mais rápida e fácil — e a mais injusta. Ela estaria literalmente pagando para lavar roupas dele. Não, isso não fazia sentido. Precisava arrumar um jeito de conseguir mais dinheiro para continuar pagando a tia ou então descobrir quando aquela senhorinha voltaria a lavar.

Pensou que a solução seria lavar a roupa dela junto com a dele... Embora fosse arriscado poderia dar certo, já que prometeu para a tia que ia ajudar mais e lavar a própria roupa. Então era uma saída... O problema seria na hora de secar... Mas isso ela decidiu pensar depois.

Tudo parecia bem agora. Exausta, apagou no sono, agarrada à camiseta dele.

Durante o almoço, era o tédio. A comida simples do domingo estava deliciosa — carne de panela. Mas o tio não deixava por menos, comentando que a carne daquele açougue não prestava... Que nada do que vinha de lá era coisa boa. Jogando indireta:

— Essa hora os maconheiro tão tudo lá na calçada fazendo churrasquinho e ouvindo funk, mas na igreja ninguém vai, não é Beatriz.?

Bya, ouviu aquilo sem saber o que pensar ou responder... Mas numa associação rápida, teve outra ideia: quando os tios fossem para o culto, no final da tarde, ela ia aproveitar para lavar o resto das roupas. E pendurar no varal como havia feito antes — embora fosse demorar mais pra secar lavando antes daria tempo.

Por sorte, a área de serviço ficava lá atrás da casa. Não era caminho pra nada. Junto ao tanque, só havia um quartinho de bagunça com ferramentas da época em que o companheiro da tia trabalhava. Uma antiga oficina onde ela nunca entrou.

No domingo, nenhuma mensagem. Na segunda-feira, nada também.

Na terça, já estava convencida de que tinha estragado tudo. Se questionava por que tinha insistido. Se olhava no espelho e via só uma menina esforçada demais, talvez oferecida demais, invisível.

Mas no fim da tarde da terça, quase seis e meia, o celular vibrou.

Diogo:

“Acabei de saber que o carro ficou pronto . Vamos dar um rolê amanhã?”

A mensagem era curta. Seca. Sem emoji, sem saudade, sem referência a tudo que ela tinha dito antes. Como se ele tivesse acabado de lembrar que ela existia.

Mas pra Bya, foi como respirar de novo.

Ela respondeu em segundos:

“Siiim! Onde a gente vai? Você quer me buscar?” Perguntou meio alucinada.

Ele demorou:

“Não, na real, pensei em algo simples. Tipo aquele rolê no posto. Pode ser? Você se arruma e me espera lá de novo?”

Mais uma vez, ele jogava o plano com frieza. Como quem convida um colega qualquer, e não a garota que passou dias esperando por um sinal. Mas Bya engoliu a mágoa.

“Claro! Eu vou lá sim. Você vai que horas?”

“Então, ainda não sei porque pelo jeito vou ter que ir andando. Murilo tá bravo porque não quer me ajudar a pagar o conserto e terminou com a namorada de novo... já vi que não dá pra contar com ele pra carona... Mas eu te aviso depois.”

Ela só conseguiu responder:

“Ah que pena... mas vou sim.

E completou, como quem se entrega por completo:

Tava com saudade...

Diogo demorou pra responder. Mas quando veio, a resposta seca foi como veneno doce:

“Ah é? deu saudade, foi? então guarda pra amanhã... tô muito precisando de outro beijo daquele”

Ela não sabia entender aquela resposta, mas um arrepio correu por dentro. Sentiu-se feliz, desejada — mas também... exposta.

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