Capítulo 13 – A Mulher no Espelho
As duas semanas que se seguiram à traição foram pesadas, principalmente para Nayra. A culpa parecia andar ao seu lado por toda parte: no banho, no espelho, nas horas mortas, nas madrugadas insones. Evitava se olhar muito tempo, talvez com medo de enxergar o que havia feito. Ou pior: o que havia sentido.
No banho, a água quente escorria pelas costas, mas não lavava nada por dentro. “Mulher direita se valoriza.” — a voz da mãe cortava como navalha. E então, contra sua vontade, o flash de um arrepio entre os lençóis do hotel. As mãos de Léo. A respiração dele no seu pescoço. A vergonha vinha depois, como um tapa. “Você não é mulher pra esse tipo de coisa, Nayra. Você foi criada pra ter decência.”
Tentava agir normalmente, mas os gestos denunciavam. A maneira como demorava mais no banheiro. Como deixava a toalha escorrer até o chão e ficava parada, olhando para o próprio reflexo como quem esperava ver uma resposta. Como se o espelho pudesse dizer se ela ainda era a mesma.
Jeffi, por outro lado, observava tudo de forma fria, analítica. Sabia que aquele era um passo que mexia com ele de forma perigosa e excitante. Não era apenas sobre o fetiche em si. Era sobre levá-la para aquele lugar mental — e ela ter ido por conta própria. Aquilo o encantava mais do que ele gostaria de admitir.
Ela voltava a sorrir às vezes, ainda que nem sempre de verdade. Respondia com mais leveza, mas o olhar seguia distante. Vestia-se com mais cuidado, talvez para convencer a si mesma de que estava tudo bem. Chegou a cogitar largar o trabalho, como se aquilo pudesse devolver uma pureza perdida.
“Homem nenhum respeita mulher que se oferece.” Mas ela se ofereceu. Não foi forçada. Não foi seduzida. Ela quis.
O silêncio entre os dois foi sendo preenchido por pequenos gestos, rotinas resgatadas, afagos que tentavam parecer espontâneos. Mas Nayra ainda carregava um medo de olhar Jeffi nos olhos por tempo demais. Sentia que ele poderia ver tudo o que ela mesma não conseguia esconder.
Talvez porque, no fundo, uma parte dela soubesse que o arrependimento não era pelo prazer... mas por ter gostado tanto de algo que a fazia se sentir errada. Como se o corpo dissesse "sim", enquanto a consciência gritava "não".
Mas ele sabia que não podia estragar tudo. Forçar agora seria como cuspir no prato gourmet que o destino tinha servido. Não era sobre quebrar Nayra — ele não queria os cacos, queria a escultura. Queria moldá-la com o tempo, com o toque certo, com a culpa certa. Era preciso esperar. Deixar a poeira baixar. Deixar que ela voltasse a sorrir por conta própria. Quando a mente dela parasse de se debater contra os muros da moral, ele estaria lá. Ele já estava lá.
Numa dessas noites, deitados na cama em silêncio, Jeffi quebrou a barreira com delicadeza:
— Você quer me contar?
Nayra demorou a responder. O tempo entre a pergunta e a resposta foi preenchido por uma respiração pesada.
— Foi um cara da clínica... o Léo. Doutor Léo.
Jeffi assentiu, como se já tivesse suspeitado. Ficou em silêncio por um momento antes de continuar.
— Onde foi?
— Foi... Foi num hotel.
— Vocês se protegeram?
Ela virou o rosto, constrangida.
— Sim.
Ele respirou fundo.
— Você... gozou?
Ela fechou os olhos.
— Por que você quer saber disso, Jefferson? Que tipo de prazer você tira dessas perguntas?
Ele tocou a mão dela, com calma.
— Porque eu quero entender o que você sentiu. Não é pra te julgar. Eu só... preciso saber quem é você agora.
Ela demorou, mas respondeu com a voz baixa:
— Sim... eu gozei. E de novo o estalo da memória. A curva do quadril no espelho do banheiro do hotel. A forma como Léo a segurou pela nuca. E ao fundo, quase como uma interferência: “Uma mulher casada tem que se dar o respeito, Nayra.”
— Logo depois me senti nojenta. Não por ele... ou pelo que fizemos. Mas por ter sentido tanto prazer. Por ter desejado aquilo. Fez uma pausa, como se estivesse reorganizando os próprios sentimentos em voz alta. — Me arrependi de não ter te contado antes. Eu sabia que tinha algo ali... um flerte. Eu devia ter falado com você, mas... eu quis ver no que dava. E depois, quando tudo passou, eu me odiei. Não pelo que vivi, mas pelo que aquilo revelou sobre mim.
Jeffi continuou ouvindo. Não demonstrava prazer, nem repulsa. Só escutava. Quando ela terminou, ele apenas disse:
— Obrigado por me contar. De verdade.
Ela chorou em silêncio, e ele não falou mais nada. Apenas a puxou devagar e a envolveu num abraço longo. Sentiu o corpo dela tremer. Não era desejo. Era peso. Era vergonha. Beijou-a devagar, sem pressa, como se dissesse: “eu tô aqui”. Quando se deitaram, não foi como antes. Foi terno. Foi silencioso. Como se ambos soubessem que algo tinha mudado, mas ainda não sabiam o quê.
Ela chorou. Não sabia se era culpa, alívio, ou só cansaço. Mas chorou. E dormiu ali, ainda perdida, sem saber se estava se libertando... ou se afundando.