Capítulo 12 – O Quebrar Silencioso
Dois meses haviam se passado desde que Jeffi percebeu o flerte do Dr. Leo com Nayra. Desde então, algo havia mudado. A rotina seguia a mesma: Nayra ia trabalhar todas as tardes na clínica, voltava no início da noite, cuidava de Isa, trocava poucas palavras com Jeffi e dormia. Mas por trás dessa normalidade havia um descompasso. Nayra estava distante. Os toques sumiram, as conversas íntimas rarearam, e o sexo — que até vinha acontecendo com alguma frequência desde que ela voltara a trabalhar — agora estava quase extinto.
Jeffi notava tudo isso com clareza, mas não cobrava. Ainda acreditava que fazia parte do processo. A novidade do ambiente profissional, o ajuste à nova rotina... tudo era novidade pra Nayra. Mas a ausência do sexo incomodava. Não só pelo desejo físico, mas porque ele sentia que alguma coisa estava se desfazendo devagar — e doía. Por mais que tentasse racionalizar, algo dentro dele dizia: tem coisa aí.
Até que, numa quinta-feira qualquer, tudo desabou.
Nayra deveria ter chegado por volta das 19h30. Às 20h, Jeffi achou estranho, mas achou que ela podia ter ficado resolvendo algo na clínica. Às 21h, começou a inquietação. Ligou. Chamou até cair na caixa postal. Às 21h30, ligou de novo. Nada. Isa já dormia, e ele não conseguia mais fingir que tava tudo bem. O coração disparava, e a mente rodava: acidente? assalto? hospital?
Às 23h30, ele começou a se vestir pra sair. Iria até a clínica. Ou pro hospital mais próximo. A cabeça fervia. O medo já era o comandante. Aquele medo primitivo de perder quem se ama.
Às 23h53, ouviu a chave girar na porta.
Jeffi correu pra sala. Nayra entrou. Estava com a bolsa atravessada no ombro, os cabelos levemente bagunçados e o olhar colado no chão. Ele foi abraçá-la num impulso de puro alívio.
— Amor! Graças a Deus! Eu tava desesperado!
Mas Nayra desviou o corpo. Não disse nada. Passou direto por ele como se fosse um estranho. Cabeça baixa, passos apressados. Jeffi congelou. Aquilo não era só estranho — era um sinal de emergência.
Ele a seguiu até o quarto. Nayra entrou no banheiro e trancou a porta. Outro comportamento totalmente fora do padrão. E o banho... demorou. Muito. Jeffi sentou na beira da cama, com a cabeça entre as mãos. O peito apertava. A inquietação já tinha nome, só faltava coragem pra dizer.
Quando ela saiu, já era quase uma da manhã. Vestia uma camisola nova. Curta, de alcinha, revelando as coxas — não de forma intencional, Jeffi percebeu. Era só mais uma peça do novo guarda-roupa, mais ousado. Mas o que pegou mesmo foi o rosto dela. Derrotado. Os olhos vermelhos não deixavam dúvida: ela tinha chorado. Muito.
— Você... tava chorando? — Jeffi se aproximou, cauteloso. — O que tá acontecendo, Meu Amor?
Essas últimas palavras quebraram a represa. Nayra desmoronou. Um soluço seco rasgou o ar, seguido por um choro convulsivo. Jeffi ainda não entendia, mas já sentia. Segurou os ombros dela com firmeza e delicadeza.
— Nayra... fala comigo. O que foi?
Ela tentou, mas só soluçava. Jeffi a abraçou forte. Nayra se agarrou nele como quem tenta não afundar. Entre lágrimas, as palavras vieram rasgadas:
— Eu... eu te traí, Jeffi...
Silêncio.
O tempo desacelerou. Mas não veio raiva. Veio um gelo. Um nó que subiu do estômago até a garganta. Ele se afastou um pouco, encarou os olhos dela. Nayra abaixou o olhar, esmagada pela vergonha.
— Eu não sei o que deu em mim... — disse entre soluços. — Eu não planejei... eu só... aconteceu. Foi horrível... eu me sinto suja... nojenta...
Jeffi respirou fundo. Rápido demais pra uma crise, sua mente já ligava os pontos. A mulher na frente dele não era uma adúltera fria. Era a Nayra dele. A recatada, a moralista, a carinhosa. Aquilo não era só culpa conjugal — era um abalo na alma. Ela tinha traído não só o marido, mas os próprios princípios.
— Nayra... olha pra mim. — Ele segurou o rosto dela com as duas mãos. — Você não é nojenta. Nem suja. Tá me ouvindo?
Ela balançou a cabeça em negação.
— Você não entende... eu traí os nossos votos... você não merece isso... você é bom demais... e eu sou... uma vagabunda...
— Ei! — ele a cortou, firme. — Não fala assim. Isso é o medo falando. O desespero. Mas eu tô aqui. Eu conheço você, Nayra. Sei quem você é de verdade.
Ela caiu de joelhos no chão, cobrindo o rosto. O choro aumentou. Jeffi ajoelhou junto, abraçando-a.
— Eu achei que você fosse me odiar... me deixar...
— Você não me traiu por falta de amor. Você buscou prazer. Só isso. E eu não vou te odiar por sentir. Eu ainda tô aqui. Eu te amo, Nayra. Isso não muda.
Aos poucos, o choro cedeu. Exausta, Nayra se deixou guiar até a cama. Deitou-se encolhida. Jeffi se deitou atrás dela, em silêncio, abraçando seu corpo ainda trêmulo.
Na mente dele, mil perguntas. Mas aquele não era o momento. Não importava com quem foi, nem como. Importava só ela. Aquela Nayra que, mesmo em ruínas, ainda era a mulher pela qual ele tinha se apaixonado. A mãe dedicada de Isa. Agora, uma mulher quebrada, tentando entender que prazer não é pecado. Que desejo não é sujeira. Que viver não é uma ofensa.
Mas isso... era pra depois.
Por ora, sua missão era clara: ficar ali. Com ela. Até que ela mesma conseguisse se perdoar.
E enquanto Nayra dormia, finalmente, nos braços dele, Jeffi olhou pro teto escuro e pensou: ela tá quebrada... mas é agora que eu preciso ser mais inteiro. Se eu não soltar, ela volta. E quando voltar, vai ser diferente.