Ela se aproximou devagar, na penumbra do quarto. Parou na porta e me olhou.
Seu corpo desenhado contra a luz fraca do corredor.
Vestia uma camisa fina, quase transparente, e um short curto. Estava descalça, o cabelo ainda úmido do banho.
— Posso entrar? — perguntou com a voz baixa.
Assenti com a cabeça.
Ela entrou e fechou a porta atrás de si. Sentou-se na beirada da cama, olhando pro chão.
— Eu precisava falar com você…
Desde aquele dia... não saio mais de mim.
É como se tudo tivesse mudado, mesmo a gente tentando fingir que não.
Fiquei calado. Meu coração já acelerava só com a presença dela tão perto.
Ela continuou:
— Lembra daquele caderno de poemas que sua vó achou?
Depois que ele apareceu, suas tias começaram a comentar...
Fizeram até aposta. Diziam que você era gay.
Diziam que você escrevia com muita emoção, muita sensibilidade…
E que ninguém tão calado, tão introspectivo, podia ser "normal".
Ela sorriu, mas com tristeza.
— Eu... eu não aceitava essa ideia.
E isso despertou algo estranho. Tive a ideia de te fazer gostar de mulher ou ter a prova que você gostava ou não.
Talvez porque eu sentisse que você olhava diferente, mas ao mesmo tempo se escondia.
Foi por isso que comecei a te provocar.
Entrava no banheiro quando você estava lá.
Trocava de roupa na sua frente.
Passava perto demais…
Mas você sempre desviava o olhar, fechava os olhos, ficava quieto.
— Era medo — falei, com a voz trêmula.
Ela me olhou, surpresa.
— Medo?
Assenti.
— Medo de demonstrar o que eu sentia.
Medo de você perceber.
Medo de fazer algo errado e te perder.
Eu sempre te desejei, Tia.
Desde os meus 12, 13 anos.
Mas como é que eu ia dizer isso?
Eu era só um moleque, você era a mulher mais linda que eu já tinha visto.
E eu pensava: “Ela me trata bem porque me vê como um sobrinho, como uma criança… Não posso confundir as coisas.”
Então eu escondia. Me calava. Me trancava.
Ela respirou fundo, os olhos marejando. Passou os dedos devagar pelo meu braço.
— E agora?
— Agora... eu não consigo mais esconder.
Quando te toquei pela primeira vez… não foi impulso.
Foi tudo o que eu guardei por anos.
Eu te olhava e desejava.
Mas me sentia errado por isso.
Ela se aproximou. Encostou a testa na minha.
— Eu achava que estava te testando, te provocando…
Mas a verdade é que você mexia comigo desde o início.
Mesmo calado.
Ficamos assim, de olhos fechados, sentindo a respiração um do outro.
— Promete que não vai mudar comigo? — ela sussurrou.
— Prometo.
— E se eu não te procurar?
— Eu espero. Sempre esperei.
Ela sorriu, beijou minha boca com ternura.
Naquela noite, não fizemos amor.
Ela só deitou do meu lado, abraçada em silêncio.
E mesmo sem corpo, só com alma, nos pertencemos como nunca antes.