Sempre fui calado.
Desde pequeno, me chamavam de “o menino do canto”. Não brigava, não fazia bagunça, não falava alto. Era mais de observar, ouvir, pensar. Na adolescência, essa quietude só aumentou. Enquanto os outros meninos da família se envolviam em namoros barulhentos e brincadeiras sem graça, eu me recolhia — pra dentro da cabeça, do quarto, dos meus cadernos.
E foi justamente um desses cadernos que causou a confusão.
Era um caderno preto, sem capa, com folhas amareladas nas bordas. Lá, eu escrevia tudo: minhas angústias, meus sonhos, meus desejos e... minha sensibilidade. Poemas. Textos. Coisas que ninguém jamais deveria ler.
Mas leram.
Uma das tias — daquelas que acham que podem mexer em tudo — encontrou o caderno escondido embaixo da minha cama na casa da vó. Leu. E não satisfeita, chamou as outras.
— “Menino escreve feito mulher apaixonada.”
— “Sensível demais… eu sempre desconfiei.”
— “Olha esse aqui... é praticamente uma declaração pra um homem.”
— “Ele é gay. Só não sabe ainda.”
E então, veio a tal aposta. Cada uma deu um prazo. “Até o fim do ano.” “Até o Carnaval.” “Antes dos 20, certeza.”
Mas Tia Aline… foi diferente.
Tinha 44 anos. Sempre doce comigo, cuidadosa, protetora. Me defendia dos apelidos, me fazia bolo, me tratava como alguém especial.
Ela não disse que acreditava ou não. Só ficou em silêncio. E naquele silêncio… cresceu uma vontade. Uma curiosidade misturada com desejo. Ela começou a me olhar diferente. E eu, mesmo calado, percebia.
A noite que tudo mudou foi depois de um show. Cheguei por volta das duas da manhã, meio alto, o corpo quente e o coração batendo solto. Entrei pela casa da vó, atravessando a cozinha pra ir até o quintal dos fundos, onde eu morava. Mas percebi algo.
A luz do quarto da vó estava acesa.
Parei. O silêncio da casa era absoluto. Caminhei até a porta do quarto com passos lentos. A porta estava só encostada, deixei os olhos espiar pela fresta.
Tia Aline.
Deitada na cama da vó, com uma camisola clara e curta. As pernas dobradas, o corpo meio virado pro lado, o cabelo solto sobre o travesseiro. Os olhos abertos, olhando pro teto. Ela parecia estar ali, só esperando o destino bater na porta.
Senti o coração acelerar. Por um instante, continuei andando até quase a saída da casa.
Mas parei.
Voltei os passos. Me aproximei da porta do quarto, firme, mas com o sangue pulsando nos ouvidos.
Apoiei a mão no batente da porta. Ela virou o rosto. Me viu. Os olhos se encontraram.
Não disse nada.
Estendi a mão pra ela, devagar, os dedos abertos, a palma esperando. O gesto mais simples que já fiz na vida... e o mais poderoso.
Ela ficou me olhando. Talvez surpresa, talvez confusa. Mas depois de um breve silêncio — aquele que separa a dúvida da decisão — ela levantou-se da cama e colocou a mão na minha.
Sem palavras. Só aquele toque quente, leve, cúmplice.
Levei comigo pela casa escura, guiando até os fundos. O portão rangeu. A luz da cozinha estava acesa. Entrei. Fechei a porta. O mundo lá fora já não existia.
Sem soltar sua mão, a puxei com firmeza e a sentei sobre a mesa da cozinha.
Ela não disse uma palavra. Apenas olhava, com os olhos arregalados, como se tudo estivesse acontecendo dentro de um sonho.
Segurei firme sua cintura. Puxei devagar o short da camisola que usava. A pele dela arrepiou. O silêncio era denso, carregado de tensão e desejo.
Apenas a olhei.
E então a penetrei.
Fundo. De uma vez. Verdadeiro.
Ela soltou um suspiro engasgado, os olhos vidrados nos meus, como se procurasse uma resposta, uma explicação, um “por quê?”. Mas não havia palavras naquele momento. Só o som dos corpos. Só o calor entre nós.
Meus olhos não desgrudavam dos dela. Não era apenas luxúria. Era amor, raiva contida, ternura, entrega, e aquele desejo que se esconde por tanto tempo que quando explode... arde.
Ela me envolvia com as pernas, me puxava com as mãos, sem pedir, sem questionar. Apenas sentia.
Ali, na mesa da cozinha, não existia aposta, julgamento, rótulo, nem passado.
Existia só ela.
E eu.
E o momento que calou tudo.