23 – if (filha == minha)
Dois dias depois, o celular vibrou logo cedo. Era uma mensagem do Wilfredo:
"Consegui. Amanhã, 10h. O Laboratório é no endereço que tá no link que vou te passar abaixo. É só chegar com a Beatriz, eu estarei lá esperando. Vai estar tudo pronto. Preço está fechado, o laudo sai em até uma semana. Só precisamos das amostras. Discrição total."
Li a mensagem três vezes. Sabia que era isso que eu queria, mas mesmo assim, quando chegou... senti o estômago afundar. Como se agora não tivesse mais volta.
Amanhã!
Ou seja, hoje à noite eu teria que bolar alguma desculpa convincente pra tirar a Beatriz de casa sem levantar suspeita. Algo leve, que não chamasse atenção da Simone.
Apaguei o histórico da conversa com Wilfredo. Só por precaução. E tava ali pensando em qual mentira pareceria menos mentirosa quando o celular vibrou de novo. Dessa vez, Sônia.
"Anderson, acabei de confirmar. O Gabriel tá temporariamente sob responsabilidade do Conselho Tutelar de lá. Mas o Marcos já viajou pra Florianópolis.”
Fechei os olhos. Respirei fundo.
"Ou seja" — continuava a mensagem — "tudo indica que ele e a futura esposa, Suzy, vão ficar com a guarda definitiva do Gabriel. Qualquer coisa te aviso."
Demorei um pouco pra responder. Fiquei só olhando a tela do celular como se ela fosse me dar uma resposta maior do que aquelas palavras frias. Marcos e Suzy. Aqueles dois. Estavam prestes a criar uma criança que talvez fosse meu filho.
Meu filho.
Duas situações em paralelo: uma filha que talvez não fosse minha. Um filho que talvez fosse — mas estava prestes a ser levado por Suzy.
E eu, parado no meio, com as mãos vazias.
Chega de talvez.
Eu ia fazer o teste com a Beatriz. E depois disso... Gabriel.
Se o Gabriel for mesmo meu filho, ninguém vai tirá-lo de mim. Nem Marcos, nem Suzy.
Agora, a verdade era questão de sobrevivência.
Ainda estava digerindo a notícia quando chegou outra mensagem da Sônia. Mais curta. Mas muito mais pesada.
— Anderson... a morte da Camila está sendo tratada como suspeita. A polícia abriu uma investigação. Alguns convidados da festa já estão na mira dos investigadores. Te mandei o link da matéria que acabou de sair.
Meu coração disparou. Abri o link com a mão trêmula.
Era uma daquelas reportagens carregadas de insinuações, com mais meias-verdades do que fatos. Mas o título era direto o bastante para me dar um nó no estômago:
"Polícia trata morte de viúva milionária como suspeita."
Li devagar, mastigando cada palavra como se pudesse extrair alguma certeza delas. A matéria dizia que a festa havia reunido vários ex-modelos, amigos de longa data da Camila, e que depoimentos contraditórios — especialmente do ex-namorado — haviam levantado suspeitas. Quatro pessoas estavam sob investigação: o ex-namorado, um parente dela e dois amigos do passado, também ex-modelos.
Nenhum nome havia sido divulgado. Mas uma imagem acompanhava o texto.
Um rapaz saía de uma delegacia, escondendo o rosto sob o capuz de um moletom. O rosto parcialmente coberto, mas inconfundível.
Parecia o Alex.
O sangue sumiu do meu rosto.
Mesmo tentando se esconder, havia traços que eu reconheceria de longe: o sorriso torto, o olhar debochado de quem nunca leva nada a sério. Era ele. Tinha que ser ele.
Eles trabalharam juntos, ele e Camila, na mesma agência de modelos, anos atrás. E agora, talvez, ele fosse mais que uma lembrança — talvez fosse um dos suspeitos de um crime.
Talvez não tenha sido overdose. Talvez tenha sido assassinato.
Minha cabeça girava. O coração martelava, pesado, como se fosse explodir dentro do peito.
Aquilo mudava tudo.
Se foi crime... se Camila foi assassinada...
E se Gabriel for mesmo meu filho.
Peguei o celular e digitei rápido:
"Sônia, me avisa de qualquer novidade. Preciso de tudo que você conseguir sobre essa investigação. Tudo. Se tiver acesso ao inquérito, qualquer detalhe... me passa. Por favor."
Enviei e fiquei olhando pra tela. Não conseguia me acalmar.
O número do Marcos ainda estava salvo da época em que ele entrou como cliente na NeoThread. Fiquei encarando a tela por uns segundos, coração batendo no modo alarme. Liguei.
— Anderson? — Ele atendeu na terceira chamada. A voz vinha gasta, arrastada, como de alguém que não dorme há dias. — Fala.
Eu precisava saber do Gabriel, mas não podia soar invasivo.
— Soube da Camila… Sinto muito. Estão dizendo que você tá em Floripa. Precisa de algo? E o Gabriel?
Um silêncio curto. Depois:
— Ele sente tudo, mesmo sem entender nada. — Disse emocionado — Estou pedindo a guarda. Ele é meu meio irmão. Na prática… vou criar como filho. Garantir estudo, casa, proteção. Isso eu posso dar.
— A família dela não entra nisso?
— Mãe e um irmão. Histórias velhas, mágoas. Eles não querem. Também não poderiam. — Uma aspereza contida. — Deixa comigo.
— Entendo…
— Vou dar um enterro digno a Camila. Pelo menos isso. — A respiração dele mudou.
— Mas não vou romantizar: ela tentou dar o golpe do baú. Sabia jogar.- Concluiu
Aquilo veio como tapa.
— Marcos… talvez ela…
— Anderson, não precisa defendê-la. Ela engravidou do meu pai pra se aproximar do patrimônio do Gabriel. E já tava se reaproximando do Tiago, antigo namorado, que agora é suspeito da morte dela.
Fiquei sem chão.
— Se precisar, me chama.
— Vou lembrar disso. Valeu.
Desliguei. Marcos vai cuidar bem do Gabriel. Mas, ironicamente, quem vai acabar fazendo o papel de mãe do menino é a Suzy.
Depois me levantei, fui até o quarto da Beatriz, e a vi dormindo, totalmente alheia àquela confusão.
Amanhã seria o dia do teste.
Acordei mais cedo do que de costume. Beatriz ainda dormia no bercinho, respirando tranquila, alheia ao furacão que rodava dentro de mim. Virei o rosto e encarei Simone por alguns segundos. Ela estava linda, como sempre, mas havia algo nela — um silêncio recente, um olhar que desviava — que não me deixava em paz.
Fingi que tudo estava bem. Beijei sua testa e murmurei que ia levar Beatriz para um passeio rápido, só para tomar um pouco de ar fresco. Simone abriu os olhos por um segundo, sonolenta, e só balançou a cabeça, confiando em mim. Essa confiança doía.
Peguei Beatriz com todo o cuidado, enrolei-a na manta cor-de-rosa com o desenho de coelhinhos e saí.
Wilfredo já me esperava na frente da clínica. Estava com a expressão séria, as mãos no bolso do jaleco branco, como se estivesse prestes a cometer um crime — o que, de certa forma, não era tão longe da verdade.
— Pronto? — ele perguntou, olhando para o bebê em meus braços.
Assenti com a cabeça. — Vamos acabar logo com isso.
Entramos pelos fundos da clínica, como ele havia combinado com o tal amigo. Tudo estava preparado. Apenas nós três ali — eu, Wilfredo, e Beatriz, sem culpa, sem saber o que estava em jogo.
Wilfredo guiava tudo com naturalidade, como se já tivesse feito aquilo outras vezes, embora eu soubesse que ele estava tão tenso quanto eu.
A funcionária apareceu logo depois, uma mulher de meia-idade com óculos na ponta do nariz e um jaleco limpo, impessoal. Nos cumprimentou com um aceno seco, pegou o formulário, olhou para Wilfredo como se buscasse um sinal, e ele apenas assentiu.
Eu estava concentrado em manter Beatriz calma. Ela já começava a se agitar um pouco nos meus braços, resmungando. A funcionária se aproximou, pediu que eu entregasse Beatriz ao Wilfredo e em seguida colheu meu material genético com uma espécie de bastão que parecia um cotonete. guardou o material num tubo rotulado.
— O resultado deve ficar pronto em até sete dias.
Em seguida se voltou para Beatriz, e com muito mais simpatia, começou a conversar com ela:
- Bia , como você tá linda! Não vai doer nada, igual todas as vezes que nós coletamos material genético de crianças, com todo o cuidado!
O cotonete apareceu de novo, com delicadeza foi colocado na boquinha de Beatriz. O material foi coletado e ela selou o tubo e etiquetou
Saímos logo depois, agora não tinha volta. Caminhamos juntos até o carro, e por alguns metros, ninguém disse nada. Só o som dos nossos passos e o leve murmúrio de Beatriz, ainda aninhada nos meus braços.
Wilfredo foi o primeiro a quebrar o silêncio.
— Anderson... você sabe o que penso sobre tudo isso, né?
Assenti, sem encará-lo.
— Eu confio na Simone — ele continuou, com a voz baixa. — Sempre confiei. Mas... também entendo que você precise de paz. E se é esse exame que vai te dar isso, então fiz o que podia.
Respirei fundo, olhando para Beatriz. Os olhinhos dela estavam fechados, inocentes, completamente alheios ao peso que seu DNA carregava.
— Obrigado, cara. De verdade.
Wilfredo parou ao lado do carro. — Quando for buscar o resultado, quer que eu vá com você? Posso sair mais cedo do plantão.
Eu balancei a cabeça, quase sorrindo pela preocupação dele.
— Não precisa. Já te incomodei demais com isso. É melhor eu ir sozinho.
Ele hesitou por um instante, como se quisesse insistir, mas então apenas assentiu.
— Tá bom. Mas me avisa quando tiver com o envelope na mão, tá?
— Pode deixar.
Apertei sua mão com força, agradecido e, ao mesmo tempo, com uma angústia estranha por dentro. Saber dói, mas não saber — essa dúvida constante — estava me corroendo.
Wilfredo se afastou. Eu entrei no carro e olhei mais uma vez pelo retrovisor, vendo-o desaparecer atrás da esquina.
Agora era só esperar.
Alguns dias para descobrir se a vida que eu estava vivendo era real… ou uma mentira bem montada.
O caminho de volta pra casa foi silencioso. Beatriz dormia, e eu, por dentro, parecia estar sendo corroído em silêncio. Cada olhar para aquele rostinho pequeno me fazia querer estar errado — mais do que tudo.
Quando cheguei ao apartamento, empurrei a porta devagar, com Beatriz ainda nos braços. Assim que entrei, meus olhos foram agraciados por uma visão que roubou meu fôlego. Devia ter uns dezoito anos. Muito bonita, com traços marcantes e a pele escura que parecia brilhar com a luz do fim da manhã. Ela me olhou com um sorriso espontâneo, leve, como se me esperasse a horas. Ela me olhou como se já me conhecesse. Um sorriso largo se abriu em seu rosto.
— Oi! Você deve ser o Dr. Anderson! Eu sou a Alicinha.
Fiquei ali, parado, tentando entender. Alicinha?
Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, Simone apareceu no corredor, amarrando o cabelo, como se tivesse saído apressada do banho.
— Amor... — ela disse, ofegante — eu ia te avisar hoje. Mas com a correria da esqueci completamente. Essa é a Alicinha, a nova babá da Beatriz.
Ela se aproximou e pegou Beatriz dos meus braços com naturalidade.
— Achei que já estava na hora de ter alguém pra me ajudar um pouco — continuou, com aquele tom leve, como se tudo estivesse sob controle. — Eu vou ter de ajudar bastante neste início da nova unidade e... bom, ela veio por indicação da Antônia, lembra? Minha secretária.
Alicinha esticou os braços com cuidado, e Simone entregou Beatriz como se aquilo fosse absolutamente normal. Beatriz olhou para a menina e, pra minha surpresa, abriu um sorrisinho bobo, daqueles que raramente dava pra qualquer um.
— Viu só? Ela já gostou de mim — Alicinha disse, olhando para mim com aquele mesmo sorriso desinibido.
Simone me deu um beijo rápido na bochecha.
— A gente conversa depois, tá? Vou tomar um café.
E então ela desapareceu, deixando Alicinha e Beatriz na sala, comigo ali... como um estranho na própria casa.
Fiquei ali por alguns segundos, calado, com as chaves ainda na mão, observando aquela cena que, até dois minutos atrás, eu nem sabia que existia. Alicinha segurava Beatriz com uma segurança quase natural, como se já a conhecesse há dias.
Meu olhar, involuntário, percorreu a figura dela. Era uma jovem linda — não havia como negar. Tinha a pele escura, de um tom quente e uniforme, que refletia a luz do apartamento. O rosto era delicado e marcante ao mesmo tempo: maçãs do rosto levemente altas, nariz fino e arredondado, os lábios cheios, bem desenhados, que davam a impressão de que ela sorria até quando estava séria.
Vestia um short jeans casual, simples, que valorizava as pernas longas e firmes, com curvas que me deixavam hipnotizado. A blusa de alcinhas deixava os ombros à mostra — ombros largos, bonitos, e um colo que chamava atenção sem esforço. Nada na maneira como se vestia era provocativo, mas tudo nela exalava vitalidade.
Mas o que mais me encantou foi o jeito dela. O sorriso, ainda que tímido, me cativou. Ela possuía uma magia rara. Seu rosto era um quadro pintado com a mais fina arte: olhos que transmitiam doçura e que pareciam guardar um universo de encantos.
Eu não devia reparar nisso. Mas reparei.
Talvez fosse o contraste entre o cansaço que eu sentia e a energia que ela emanava. Talvez fosse só o fato de que, depois de dias em que tudo parecia girar em torno de dúvidas e suspeitas, aquela presença nova surgia ali, inesperada, ocupando um espaço que até então era só meu e de Simone.
Alicinha me olhou de volta por um breve instante, e naquele olhar não havia flerte — apenas naturalidade, talvez até curiosidade. E ainda assim, me senti pego no flagra.
Desviei o olhar e fui até a cozinha atrás de Simone. Precisava entender mais do que estava acontecendo... com a casa, com a minha cabeça, e agora, aparentemente, comigo mesmo.
Fechei a porta da cozinha com cuidado, tentando manter o tom da conversa o mais controlado possível. Simone estava junto à pia, preparando um café com a leveza de quem não via problema algum no que acabara de acontecer.
— Simone, a gente precisa conversar. Sério.
Ela virou o rosto e arqueou uma sobrancelha, ainda mexendo o café. — Sobre a babá?
Assenti.
— Olha... Eu sei que precisamos de ajuda com Beatriz, mas... — respirei fundo — você colocou uma mulher jovem, bonita, aqui dentro de casa. Assim, do nada. Sem me dizer nada.
Simone apoiou as mãos na bancada, encarando-me. — Você tá dizendo que não confia em você mesmo?
— Não é isso — respondi, firme. — É que você me conhece. Você é médica, sabe como o cérebro masculino funciona. Sabe como os hormônios agem. Eu sou um homem casado, sim, com orgulho. Tenho uma filha, uma família. Mas não sou de pedra. Ter uma garota como a Alicinha andando por aqui, o tempo todo, com aquele jeitinho leve, aquele corpo…
Ela me interrompeu, já tensa: — Anderson...
— Me escuta — insisti. — Eu não tô dizendo que ela está fazendo algo errado. Mas ela é uma tentação, Simone. Eu não quero me colocar em uma situação dessas. Não quero viver pisando em ovos dentro da minha própria casa. Não quero ser aquele homem que tropeça porque foi orgulhoso demais pra admitir que certas situações testam a gente.
Ela me olhou em silêncio por um instante. Depois respirou fundo.
— A Alicinha é sobrinha da Antônia. Veio de uma cidade pequena, ela é bem espontânea e tem jeito com criança. Vai começar o curso de enfermagem mês que vem. Em três meses vai abrir uma vaga no hospital e ela vai assumir. Eu só queria ajudá-la nesse tempo.
— Mas você é filha do dono do hospital, Simone. Você pode colocá-la lá agora se quiser. Dá um jeito. E, se for o caso, eu pago o salário dela por fora nesses três meses. Ela não precisa ser babá da nossa filha.
Simone fechou os olhos por um instante, pressionando as têmporas com os dedos.
— Você tem razão. Não vou dizer que não pensei nisso, mas achei que não seria um problema.
— Não estou tentando soar machista, Simone. Eu só... tô sendo honesto com você. Isso é desconfortável. Você não é ingênua. Você sabe o que é isso.
Ela assentiu lentamente.
— Tudo bem. Vou falar com meu pai e ver com a chefia se conseguimos encaixar a Alicinha no hospital antes desses três meses. Não vai ser difícil. Ela pode ir pegando o ritmo aos poucos.
Parei por um segundo, aliviado.
— E a babá?
— Eu contrato outra — respondeu, seca. — Menos... atraente.
Fiquei em silêncio. Não queria que ela se magoasse, mas sentia que, pela primeira vez em semanas, eu tinha feito o que era certo.
— Obrigado.
Ela apenas assentiu, olhando para o café como se precisasse de alguns segundos a sós consigo mesma.
Fiquei alguns minutos na cozinha depois que Simone saiu. Ela tinha dito que ia resolver tudo, que ia colocar Alicinha no hospital, que contrataria outra babá. Ela não gritou, não brigou — mas havia um silêncio diferente no ar, o tipo de silêncio que fica quando alguém engole um orgulho por amor, e não por falta de razão.
E isso me incomodava.
Eu me sentia mal. Por ter sido tão direto com Simone. Por ter colocado em palavras aquilo que talvez muitos homens pensassem, mas poucos tivessem coragem — ou falta de tato — de dizer.
Mas, mais do que isso, me sentia mal porque Alicinha, apesar de tudo, tinha jeito. Tinha uma calma com a Beatriz que era rara. Um carinho leve, instintivo, como se fosse irmã mais velha, não uma estranha recém-chegada. E Beatriz... ela respondeu de um jeito imediato. Como se tivesse reconhecido algo nela.
Droga, pensei. Talvez essa garota tivesse mesmo vindo pra ajudar. Mas eu não podia correr o risco. E eu sabia disso.
Foi nesse momento que meu celular vibrou. Uma notificação no WhatsApp.
[Sônia – 11:32]
"Oi, Anderson. Segue anexo a minuta do contrato de cessão da sua parte na startup para a Suzy e a Madalena. Dá uma olhada com calma e me avisa se tiver alguma dúvida antes de eu enviar pra elas assinar."
Cliquei no PDF. Li rápido, mas com atenção. Sônia era uma advogada precisa — não deixava margem. Tudo estava claro: cláusulas de transição, pagamentos futuros, a liberação de responsabilidade jurídica. O tipo de coisa que só alguém com a experiência dela saberia estruturar daquele jeito.
Respondi na hora:
[Anderson – 11:39]
"Li sim. Está tudo certo, Sônia. Confio em você. Pode seguir com o envio para elas."
Guardei o celular e encostei na parede da cozinha por um instante, sentindo o peso de tudo aquilo.
Vida profissional, vida pessoal, tudo acontecendo ao mesmo tempo, se cruzando, se enroscando. E, no meio disso tudo, eu só queria conseguir manter a cabeça fria.
Mas cada vez mais, começava a parecer que as coisas estavam caminhando pra um ponto de ruptura. E que quando chegasse lá… não teria mais como voltar.
O celular vibrou novamente. Era Sônia de novo.
[Sônia – 11:46]
"Obrigada, Anderson. Vou dar continuidade com Suzy e Madalena ainda hoje."
Agradeci Sonia e encerrei a conversa.
Olhei para o corredor. Simone estava no quarto com Beatriz. E Alicinha... ainda ali, num cômodo da casa que já parecia pequeno demais pra tanta história mal resolvida.
E eu… já não sabia mais de onde vinha a próxima surpresa.
Peguei o café que Simone havia deixado na xícara, já morno. Dei um gole, tentando ignorar a sensação cada vez mais familiar de que as peças do tabuleiro estavam se mexendo… e que, cedo ou tarde, alguém ia cair.
Foram três dias de espera que pareceram anos. Eu tentei manter a cabeça no lugar, mas a ansiedade era um peso que não me largava, nem nos minutos mais tranquilos. Finalmente, o laboratório me avisa:
— Senhor Anderson, seu exame está pronto. Pode vir buscá-lo quando quiser.
A voz calma da funcionária mal ajudou a aliviar a tensão que eu sentia no peito.
Peguei as chaves do carro, respirei fundo e dirigi até o laboratório. O volante parecia mais pesado do que nunca, e o trânsito um emaranhado de pensamentos confusos na minha cabeça.
Quando estacionei e entrei no laboratório, meu coração já batia tão forte que parecia que ia explodir. Cada passo me parecia um sacrifício. Tentei controlar a respiração, mas era como se eu estivesse prestes a ter um ataque cardíaco.
A funcionária me recebeu com o costumeiro sorriso profissional.
— Seu exame está aqui. Vou buscar o resultado para o senhor.
Os segundos que se seguiram foram uma eternidade. Eu olhava para o relógio, para a porta, para o vazio, tentando afastar o medo que me dominava.
Ela voltou e me entregou um envelope lacrado, grosso, sério.
Segurei o envelope nas mãos, os dedos trêmulos. Antes de abrir, me peguei pensando em tudo o que viria depois.
Se a Beatriz não fosse minha filha... eu não sei o que faria. Mas de uma coisa eu tinha certeza: eu a amaria do mesmo jeito. Ela já é minha filha — não importam os genes.
E se for verdade? Se ela não for minha? Será que conseguiria perdoar Simone? E a mim mesmo? Eu que, durante nosso casamento, também cometi erros… também fui tentado.
Mas eu precisava saber. Preciso da verdade.
Com as mãos quase sem força, rasguei o selo e abri o envelope.
O papel estava ali, simples, seco, impessoal.
Levei os olhos para o resultado, o coração quase saltando pela boca.
Continua ...