A tempestade que se abatia sobre nossa pequena vila não era apenas chuva; era uma fúria bíblica, um dilúvio determinado a afogar o mundo e purificá-lo com a artilharia divina de raios e trovões.
Cada relâmpago que rasgava o céu arroxeado e doentio iluminava meu rosto ansioso, um fantasma pálido refletido na vidraça suada da janela, e a cada clarão, o nó em meu estômago se apertava. O tempo se arrastava, e a ausência de meu pai era um grito silencioso que ecoava mais alto que a própria tormenta.
Meu corpo era um peso morto no sofá, uma âncora de angústia que me prendia àquele cômodo escuro, incapaz de qualquer ação senão esperar, roendo as unhas e sentindo o suor frio escorrer pela espinha.
Então, rompendo a escuridão do meu desespero, a tela do meu telefone brilhou com uma vida artificial e fria. A luz azulada era um farol profano no breu da sala, e meu coração saltou na garganta. Era uma mensagem dele, as palavras curtas e diretas contrastando brutalmente com a eloquência caótica da natureza lá fora: a caminhonete velha, nossa fiel companheira de tantos anos, finalmente sucumbira ao tempo e à fúria da água.
Ele, encharcado até os ossos e sem opções, buscaria refúgio no único ponto de referência naquela estrada desolada e engolida pela floresta: o castelo, uma silhueta agourenta que todos conhecíamos pelas histórias, mas da qual ninguém, em sã consciência, se aproximava. Minha ansiedade não diminuiu com a promessa de um teto sobre a cabeça dele; pelo contrário, metamorfoseou-se, passando de preocupação a um medo mais profundo, antigo e irracional, um terror com cheiro de pedra úmida e lendas esquecidas.
Mesmo com a lógica sussurrando que qualquer abrigo era melhor que a tempestade, minhas reflexões sobre o castelo eram um labirinto de pavor. A estrutura era uma anomalia em nossa paisagem, uma aberração de pedra escura e torres pontiagudas que se erguia do meio do bosque como um dente podre na boca verdejante da terra. Histórias corriam pela vila como o próprio vento: um nobre recluso amaldiçoado, um excêntrico esquecido pelo tempo ou, talvez, a mais assustadora das possibilidades, absolutamente ninguém.
Uma hora se arrastou como uma eternidade, e o telefone tocou, o som estridente cortando o ar pesado.
“Pai, o que aconteceu?”, perguntei, a voz um fio trêmulo.
A resposta veio entrecortada pela estática e por um pavor que eu nunca ouvira em sua voz forte. “Tiago… tem um… um monstro aqui! Me perdoe por tudo, meu filho. Eu te amo… amo muito! Viva por mim!”
Antes que eu pudesse gritar seu nome, ouvi um urro pavoroso, um som que não pertencia a este mundo, seguido pelo silêncio mortal de uma chamada encerrada.
O desespero tomou conta de mim não como uma onda, mas como uma explosão. A adrenalina incendiou meu sangue, arrancando meu corpo pesado do sofá e me atirando porta afora, direto para o abraço violento da tempestade. O choque da chuva gelada foi como um tapa no rosto, mas eu mal o senti.
Corri como nunca, a vila passando como um borrão escuro, minhas pernas bombeando com uma energia nascida do pânico puro. Adentrei a floresta, onde o chão lamacento tentava engolir meus pés a cada passo, galhos quase chicoteavam meu rosto e a chuva contínua, misturada às minhas próprias lágrimas, cegava-me.
Escorreguei e caí na lama fria, a dor irradiando pelos ossos, mas me levantei, impulsionado pela lembrança do último adeus de meu pai. Continuei até que, enfim, os portões de ferro do castelo se materializaram à minha frente, imponentes e enferrujados como a boca de um leviatã.
Empurrei os portões com toda a força que meu corpo avantajado podia reunir, o metal rangendo em protesto, e adentrei um saguão imenso, cujo esplendor decadente era iluminado pela luz trêmula de candelabros. Tapeçarias antigas, retratando caçadas e batalhas esquecidas, pendiam como mortalhas, e o ar era pesado com o cheiro de poeira e cera derretida.
Mas minha atenção foi capturada por uma única visão, uma imagem de horror que me queimou a retina: meu pai, acorrentado como um animal à base da grande escadaria de mármore, o corpo trêmulo e o rosto manchado de sujeira e medo.
Corri até ele, minhas mãos tateando inutilmente os elos frios e grossos das correntes.
“Papai!”, gritei.
“Fuja, Tiago!”, ele suplicou, a voz rouca. “Pelo amor de Deus, saia daqui! Ele vai te pegar também, filho!”
Antes que eu pudesse responder, um rugido gutural ecoou pelo salão, uma vibração tão profunda que fez as tapeçarias tremerem e meu próprio esqueleto ressoar. Do topo da escadaria, envolta em sombras, uma figura desceu. Meu corpo inteiro paralisou, o sangue gelando em minhas veias.
Não era um homem, mas se vestia como um príncipe de conto de fadas sombrio, com um terno de veludo azul-escuro que absorvia a luz e rendas delicadas nos pulsos. Sua cabeça, porém, era a de um leão, com uma juba espessa e selvagem emoldurando um rosto bestial, cujas presas afiadas brilhavam sempre que os lábios se curvavam em um rosnado. Garras longas e negras, como adagas de obsidiana, arranhavam o mármore a cada passo lento e deliberado. Meu cérebro se recusava a processar a visão, uma aberração que saltara de um pesadelo para a minha realidade. Aquilo não podia ser real.
“E o que temos aqui? Outro rato que se esgueira para dentro da minha casa?”, o monstro perguntou, sua voz uma mistura impossível de trovão e seda, uma melodia aterrorizante que me prendeu no lugar.
Recuperando um fiapo de coragem, alimentado pelo amor desesperado por meu pai, gritei, minha voz surpreendentemente firme: “Solte-o! Ele não fez nada!”
A besta riu, um som grave e desdenhoso. “Invadiram meu castelo, o refúgio da minha solidão. Ambos merecem um castigo pela insolência de perturbar minha paz.”
Meu pai, erguendo a cabeça com dificuldade, interveio: “Castigue a mim! Tiago não tem nada a ver com isso, a culpa foi minha! Deixe meu filho ir!”
Sua tentativa de me proteger apenas acendeu mais forte a chama da minha determinação.
“Seu pai permanecerá aqui”, sentenciou o monstro, seus olhos dourados e predatórios fixos nos meus, “como meu prisioneiro, até que sua dívida de transgressão seja paga com o resto de seus anos em servidão.”
Sem pensar, movido por um impulso da alma, atirei-me de joelhos no mármore frio. “Não! Por favor, eu imploro! Fico eu em seu lugar!”
Meu pai gritou: “Não, Tiago! Por favor, deixe meu filho ir embora, ele é só um rapaz!”
Ignorei seu apelo e olhei diretamente para a criatura. “Meu pai é um homem de idade, seus anos são preciosos e contados. Eu sou jovem e forte”, disse, sentindo pela primeira vez o peso do meu corpo não como fraqueza, mas como argumento. “Uma vida inteira de prisão para mim é um castigo muito maior, uma troca mais justa. Deixe-o viver o que lhe resta em liberdade.”
O monstro pareceu ponderar, sua cabeça leonina se inclinando. “Uma lógica perversa, mas interessante. Que assim seja!”
Imediatamente após seu decreto, a besta desceu os degraus restantes com uma agilidade assustadora. Com um movimento rápido e brutal, ela agarrou as correntes de meu pai e as rompeu com sua força sobrenatural, o som do metal partido ecoando como um tiro no saguão.
Meu pai caiu para o lado, livre, mas tremendo de choque e exaustão. Corri até ele e o ajudei a se levantar. As lágrimas finalmente romperam as barreiras do autocontrole e escorreram por seu rosto enquanto eu o abraçava.
“Eu te amo, papai…”, sussurrei, a voz embargada. “O senhor não merece passar o resto da vida aqui. Viva por nós dois, por favor!”
Ele soluçava, um som de coração partido que era pior que qualquer rugido.
A criatura, impaciente com nossa despedida, soltou um urro ensurdecedor. “Chega de drama!”, bradou ela, a voz fazendo o ar vibrar. “Suma daqui, velho, antes que eu mude de ideia e mate os dois!”
Obedecendo ao comando, meu pai cambaleou em direção à porta, lançando para trás um último olhar de pura agonia antes de desaparecer na noite chuvosa. A grande porta de carvalho se fechou com um baque surdo e final, selando meu destino.
A força me abandonou e eu caí de joelhos, o som dos meus próprios soluços preenchendo o vazio. O monstro me observava do alto da escada, seu desprezo palpável.
“Que tolo”, disse ele, a voz gotejando escárnio. “Trocar sua liberdade, sua vida inteira, por um velho que já viveu a maioria de seus dias. Você é um idiota.”
Ergui a cabeça, as lágrimas embaçando minha visão, mas a raiva me dando uma nova força.
“Prefiro ser um idiota que ama…”, retruquei, a voz trêmula de dor e desafio, “…a ser um monstro que só conhece a solidão e a crueldade.”
A besta rosnou, o som baixo e ameaçador, e desceu mais um degrau. “Cuidado com sua língua, prisioneiro. Ou eu mesmo arrancarei esse seu coração tolo.”
Continua…