A viagem até a cachoeira foi feita em silêncio, quebrado apenas pelo ronco do motor do carro e pelo som do vento que entrava pelas janelas abertas. Elijah olhava a paisagem, com os olhos curiosos, notando cada árvore, cada pedaço de céu azul que parecia mais vivo do que qualquer lembrança de liberdade que tivera.
Edgar, de quando em quando, desviava o olhar da estrada para observar o rosto do garoto refletido no vidro. Havia algo naquele semblante inocente e atento que o deixava em conflito, queimando por dentro.
— Estamos quase chegando — disse Edgar, a voz grave, como se lutasse para se manter neutro. — A trilha é curta, mas o lugar… é bonito.
Elijah assentiu, abraçando a mochila contra o peito, com a ansiedade batendo forte no estômago.
Pouco tempo depois, eles chegaram ao ponto da trilha. Caminharam lado a lado pelo caminho estreito, e Elijah tropeçou algumas vezes, até que Edgar, impaciente, segurou sua mão firme para guiá-lo. O toque foi simples, mas suficiente para fazer o coração do rapaz acelerar descompassado.
Quando enfim alcançaram a queda d’água, Elijah parou boquiaberto. A cachoeira despencava de uma grande altura, formando um lago cristalino que refletia o sol como milhares de pedrinhas brilhantes.
— É… é lindo — murmurou Elijah, quase sem fôlego.
Edgar apenas assentiu, mas havia algo diferente em seu rosto: um alívio raro, quase uma leveza. Sem dizer nada, ele tirou a camiseta, depois as botas, e entrou na água de uma vez, mergulhando fundo.
Quando emergiu, passou a mão pelos cabelos molhados e lançou um olhar desafiador para Elijah. — Vem. Está perfeita.
Elijah arregalou os olhos, hesitando. Deu um passo à frente, mas recuou rápido. — Eu… não. Tá muito fria. — tentou justificar, corando.
— Fria nada. — Edgar abriu os braços, como quem o chamava. — Você vai gostar.
Mas Elijah balançou a cabeça, escondendo a verdade. Não podia admitir que não sabia nadar, não queria estragar aquele momento raro em que Edgar parecia quase… feliz.
— Eu fico aqui — disse, sentando-se na beira da água. Tirou os sapatos e mergulhou apenas os pés, estremecendo ao sentir a correnteza gelada.
Edgar o observou por alguns segundos em silêncio. O garoto estava ali, as pernas balançando na água, os olhos fixos na queda d’água como se fosse magia. Havia algo de puro e, ao mesmo tempo, inquietante naquela cena.
Ele suspirou fundo, voltando a mergulhar, mas seus olhos insistiam em retornar para Elijah.
O rapaz, por sua vez, mordia o lábio tentando disfarçar o quanto se sentia pequeno, diferente… Ele não queria decepcioná-lo, não queria que Edgar perdesse aquele raro sorriso por sua causa.
E, ainda assim, só de estar ali, dividindo aquele instante, parecia suficiente.
Edgar nadava em círculos perto da queda, mergulhava e emergia, soltando o ar com força pelo nariz. Parecia finalmente solto, quase como um garoto. Quando voltou o olhar para a margem, lá estava Elijah: sentado, ombros encolhidos, os pés batendo de leve na água como se fossem suficientes.
— Vai ficar aí feito pedra? — Edgar ergueu a voz, o tom desafiador. — Vem logo.
Elijah corou. — Eu… já tô bem aqui.
— Bem coisa nenhuma. — Edgar nadou mais perto da margem, apoiando os braços na beira. As gotas escorriam pelos músculos tensos, brilhando ao sol. — Acha que vou deixar você só molhar o dedão do pé?
Elijah desviou o olhar, mordendo o lábio. — Eu não… não quero atrapalhar.
Edgar arqueou a sobrancelha. — Atrapalhar? Me explica como sua bundinha sentada aí atrapalha.
Elijah ficou ainda mais vermelho, sem saber onde enfiar o rosto.
— Então qual é a desculpa? — Edgar insistiu, rindo de canto. — A água não morde.
O silêncio demorou, até que Elijah suspirou fundo, quase num sussurro:
— Eu… eu não sei nadar.
Edgar piscou, surpreso. Depois, uma risada curta escapou de seus lábios. — Como é que é? Não sabe?
— Não ria! — Elijah retrucou, inflando as bochechas, mais constrangido do que nunca.
— Não tô rindo de você… tá, talvez um pouco. — Edgar levantou as mãos, rendido. — Mas relaxa, ninguém nasce sabendo.
— Pra você é fácil falar — Elijah murmurou, encolhendo-se ainda mais. — Se eu entrar aí vou afundar igual pedra.
Edgar estreitou os olhos, provocador. — Pedra não, você é leve demais. Se bobear boia sozinho.
Elijah arregalou os olhos, indignado. — Eu não sou tão leve assim!
Edgar soltou outra risada, balançando a cabeça. — Tá vendo? Até bravo você parece um gato molhado.
Elijah cruzou os braços, mas não conseguiu evitar o rubor que se espalhava pelo rosto. Edgar estava rindo dele… mas de uma forma estranhamente calorosa, quase carinhosa.
— Vem cá, Elijah. — Edgar estendeu a mão, sério agora. — Eu não vou deixar você afundar. Prometo.
A tensão voltou de repente. O olhar firme de Edgar, o corpo molhado reluzindo ao sol, e aquela mão estendida esperando pela dele…
Elijah engoliu em seco. O coração batia acelerado.
Ele sabia que, se aceitasse, não estaria apenas entrando na água. Estaria se jogando ainda mais fundo nos braços de Edgar.
Elijah olhava a mão estendida de Edgar como se fosse algo perigoso. Seu peito subia e descia rápido, e os dedos se enrolavam na barra do short de dormir que improvisara como traje.
— Eu… eu vou mesmo afundar — murmurou, hesitante.
— Não vai — Edgar respondeu firme, o sorriso torto brincando nos lábios. — Já falei, não vou deixar.
Elijah respirou fundo, quase como se fosse pular de um penhasco. Estendeu a mão trêmula, pousando-a na de Edgar. O contraste era gritante: a pele pequena, delicada, contra a mão larga e quente de Edgar.
— Isso. — Edgar puxou de repente, fazendo Elijah tropeçar com um gritinho e cair direto em seus braços dentro da água.
— Aaaaah! — Elijah se agarrou no pescoço dele com força, os olhos fechados e as pernas instintivamente se enroscando na cintura de Edgar. — Eu vou morrer!
Edgar gargalhou alto, a vibração do peito reverberando contra o corpo colado de Elijah. — Vai morrer nada, moleque. Tá agarrado em mim como um carrapato.
— Não ria de mim! — Elijah protestou, escondendo o rosto na curva do ombro de Edgar, envergonhado.
Mas o gesto inocente só atiçou ainda mais os nervos de Edgar. Sentir o corpo leve pressionado contra o seu, o calor de Elijah mesmo molhado, o perfume doce misturado ao frescor da água… era tortura. Ele mordeu o interior da bochecha, lutando contra o impulso de agarrá-lo de verdade.
— Relaxa, Elijah — sussurrou perto do ouvido dele, mais baixo agora, a voz rouca. — Eu te seguro. Sempre vou segurar.
Elijah apertou os olhos, sentindo as palavras queimarem mais do que o sol na pele. — Eu confio… mas só não me solta, por favor.
Edgar fechou os olhos por um instante, respirando fundo. "Merda…" pensou. Como aquele garoto inocente conseguia deixá-lo em brasa com uma única frase?
Ele se afastou só o suficiente para ver o rosto de Elijah, ainda corado, os cabelos molhados colados à testa. — Não vou soltar. — Sorriu de canto, provocador. — A menos que queira aprender a nadar, aí vai ter que se soltar um pouco.
— Nem pensar! — Elijah respondeu na mesma hora, e o jeito teimoso arrancou outra risada de Edgar.
— Tá bom, gatinho medroso — Edgar rosnou baixo, num tom mais brincalhão que sério, mas o apelido escapou sem pensar.
Elijah arregalou os olhos, surpreso. — G… gatinho?
Edgar desviou o olhar, pigarreando, como se não tivesse dito nada. Mas o sorriso malicioso no canto da boca não deixou dúvidas.
Elijah ainda estava grudado no pescoço dele, mas respirava mais fundo, tentando se acalmar. Edgar, paciente — ou pelo menos fingindo paciência —, passou a mão devagar pelas costas molhadas do rapaz.
— Escuta, não precisa nadar logo de cara — disse com a voz grave e calma. — Vou te ensinar a boiar. Você só tem que confiar e… relaxar.
— Relaxar… fácil pra você falar — resmungou Elijah, mordendo o lábio e se recusando a soltar o pescoço dele.
Edgar deu uma risada baixa. — Tá, gatinho, vamos fazer assim. Eu vou colocar minha mão aqui… — passou a palma firme pelas costas de Elijah até alcançar a curva da lombar — … e aqui. — deslizou outra mão por trás das coxas dele, sustentando-o pela dobra do joelho. — Agora você só precisa deitar um pouco pra trás.
Elijah arregalou os olhos, o coração disparado. — D-deitar?! E se eu afundar?
— Eu vou segurar. — Edgar inclinou o rosto perto do dele, tão perto que Elijah sentiu o hálito quente mesmo com a brisa fria da cachoeira. — Eu nunca te deixaria afundar.
A frase caiu como uma promessa maior que o momento. Elijah hesitou, mas devagar, muito devagar, se deixou inclinar contra a água, as mãos ainda agarradas ao braço de Edgar. A sensação gelada o fez estremecer, mas as mãos grandes segurando-o firme o mantiveram no lugar.
— Tá vendo? — Edgar murmurou, a boca quase roçando sua orelha. — Você tá boiando.
Elijah abriu um olho, depois o outro, percebendo que o corpo realmente estava flutuando. O sol refletia na água, o barulho da queda da cachoeira ao fundo… e Edgar, ali, olhando pra ele com um sorriso orgulhoso.
— Eu… eu tô conseguindo… — disse Elijah baixinho, como se tivesse descoberto um milagre.
— Tá sim. — Edgar deslizou a mão um pouco mais devagar pelas costas molhadas do garoto, sustentando-o com uma facilidade que deixava claro o quanto ele gostava de tê-lo assim, entregue. — Mas só porque eu tô aqui.
Elijah corou imediatamente, desviando os olhos para o céu. — Então não me solta… nunca.