Capítulo 9 – O Segundo Movimento
Nos dias que se seguiram à conversa tensa no quarto, Jeffi não parava de remoer aquela sequência de acontecimentos. Não era exatamente a pergunta de Nayra que o abalara. “Você não sentiria ciúmes se eu estivesse com outro homem?” Aquilo, na real, era música pros ouvidos dele. Era uma abertura, um sinal de que o caminho estava se formando.
O problema foi ter insistido demais, feito associações apressadas, achando que o humor dela era por moralismo ou repressão sexual, quando, na verdade, o motivo era mais profundo, mais humano: a dívida que o pai dela havia contraído com um agiota.
Aquele soco de realidade desarmou Jeffi. Pela primeira vez desde que começou sua estratégia de moldar Nayra, ele se sentiu pequeno. Não por culpa moral, mas por ter sido cego. Estava tão mergulhado em sua obsessão que não percebeu a dor concreta dela. E isso doeu.
Na mesma noite, depois da conversa, Jeffi passou horas acordado, olhando o teto, sem conseguir se perdoar. No dia seguinte, tomou uma decisão: ligou para o pai de Nayra, marcou de encontrá-lo discretamente e, sem alarde, pagou a dívida. Não quis que Nayra soubesse de imediato. Queria que fosse um gesto genuíno — não uma moeda de troca emocional.
Dois dias depois, o pai de Nayra ligou para ela, aliviado, dizendo que a dívida tinha sido quitada por um “anjo”. Ela não precisou perguntar quem foi. O silêncio entre ela e Jeffi se dissolveu naquela noite. Ela o abraçou na cama, deitou a cabeça em seu peito e, pela primeira vez em dias, dormiram entrelaçados. Não falaram do assunto. Mas o corpo dela, mais relaxado, mais entregue, disse tudo.
A intimidade física, no entanto, não voltou de imediato. Nayra lia mais, se recolhia cedo, ficava pensativa. Mas não havia frieza. Era um tipo de digestão lenta, como se estivesse organizando emoções novas, colidindo valores, desmontando certezas antigas. Jeffi, desta vez, não forçou. Ficou na retaguarda. Respeitou o ritmo dela — e isso fortaleceu o elo sutil entre os dois.
Ter feito as pazes com Nayra foi importante, mas o silêncio que se instalou nas semanas seguintes não foi casual. Ele não queria cometer o mesmo erro: forçar a situação e, mais uma vez, estar enganado.
Dessa maneira, após todo o turbilhão emocional provocado pela revelação do fetiche, Nayra havia parado completamente de tocar no assunto. Para Jeffi, isso dizia muito. Ela não repudiou. Também não acolheu. Apenas silenciou — e nesse silêncio morava uma batalha interna.
Descobrir que ela estava pesquisando sobre o assunto, mesmo que de forma fortuita e não por invasão — graças a um preenchimento automático no navegador — foi um prêmio. Mas também seria a arma perfeita para destruir tudo, caso ele pressionasse ou fizesse insinuações. Então tomou a decisão mais sensata: não mencionar a descoberta.
Ele recuou.
Jeffi entendeu: é hora de pensar como estrategista, não como um tarado impaciente. O que está em jogo é muito maior do que apenas prazer. É o destino de uma fantasia delicada, que depende do tempo certo para florescer.
Decidiu tomar uma nova abordagem:
— Nayra, você já pensou em voltar a trabalhar?
A pergunta surgiu numa manhã qualquer, com o café ainda fumegante. Nayra o olhou com uma mistura de surpresa e confusão.
— Trabalhar? Por quê?
— Sei lá… você sempre foi tão ativa, tão cheia de energia. Às vezes parece entediada aqui em casa. Talvez te fizesse bem.
Ela riu.
— Claro que pareço entediada, você decidiu contratar uma diarista — brincou. — E agora quer se livrar de mim, é isso?
Jeffi sorriu, fingindo inocência:
— Claro que não. Quero que você seja feliz. Só isso.
Mas por dentro, ele sabia: era um movimento calculado. A ideia não era tirá-la do conforto, mas sim colocá-la em contato com o mundo exterior novamente. Mais especificamente: com outros homens. E que lugar melhor pra isso do que a recepção de um hotel ou prédio comercial, onde ela já tinha experiência antes de casar?
A ideia ficou plantada. Nayra não disse nem sim, nem não. Apenas considerou.
Nos dias seguintes, Jeffi manteve o ritmo. Não pressionava, mas também não deixava a semente morrer. E tudo isso enquanto planejava o segundo movimento.
Já tinham se passado dias desde aquele erro que cometera, mas era necessário avançar. Era necessário arriscar — trazer outros homens para a cama, mas só na cabeça dela.
Durante o sexo.
Naquela noite, depois de um jantar comum e um filme qualquer, Jeffi começou a preparar o terreno. Beijos, carícias, oral. Nayra relaxava, gemia, se entregava. Quando ela estava perto do clímax, ele sussurrou, quase imperceptível:
— Imagina outro homem te chupando assim...
O corpo dela deu um leve sobressalto. Mas não parou. Apenas soltou um gemido mais alto — talvez de protesto, talvez de prazer. Ele não recuou. Continuou com a boca ali, firme, explorando cada centímetro, falando baixo entre uma lambida e outra:
— Um homem forte… diferente de mim… te segurando com força...
Ela tentou afastá-lo com a mão.
— Jeffi… não fala essas coisas.
Mas a voz já não tinha tanta força. Ele sabia onde estava: no ponto cego entre o desejo e a resistência. O tesão deixava a mente vulnerável, e era ali que ele queria cravar a ideia. Continuou o sexo oral até levá-la ao orgasmo, sem mais uma palavra.
Mas na cabeça dela, a fantasia já tinha sido instalada — mesmo que ela ainda não soubesse disso.
Depois do banho, enquanto estavam deitados, Nayra puxou assunto, ainda com a voz embaraçada de pós-sexo:
— O que foi aquilo que você falou… de outro homem?
Jeffi fingiu naturalidade.
— Ah… só uma fantasia. Nada demais. Só imaginei uma coisa diferente, só pra deixar o clima mais quente.
— Você quer isso mesmo?
— Não, claro que não. Era só no campo da imaginação. Se você não gostou, eu não falo mais.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos.
— Ainda bem que você me conhece. Porque, sinceramente, acho isso… bizarro.
Jeffi sorriu. Não em deboche, mas em alívio. Porque “bizarro” é um avanço imenso comparado a “nojento”, “doentio” ou “repulsivo”. E o mais importante: ela não o rejeitou por isso. Não se afastou. Não criou barreiras. Apenas reagiu com desconforto.
Ou seja: a fantasia já estava na mente.
O jogo mental continuava. E Jeffi estava vencendo — com paciência, com cuidado e com precisão cirúrgica.