"Line, pelo amor de Deus, desce daí!", implorei para minha amiga, que, visivelmente embriagada, insistia em me provar o quanto era fácil pular o muro e entrar no parque, que estava fechado porque já era de madrugada. Não era exatamente a dificuldade que me impedia, mas sim o fato de que invadir um parque escuro no centro da cidade não fazia parte da minha lista de coisas que tenho que fazer antes de morrer. E, aliás, tinha certeza absoluta de que essa pequena aventura poderia encurtar drasticamente o tempo que tinha para realizar qualquer outra coisa nessa lista.
"Vem, Eli! Só mais uma aventura antes de eu voltar pra casa", Line respondeu, com seu sotaque tão carregado que levei alguns segundos para entender.
E lá estava eu, mais uma vez, considerando fazer algo extremamente irresponsável só porque era ela quem pedia.Nunca tive interesse em garotas, mas era difícil ignorar que havia algo em Line que me atraía profundamente, de um jeito que eu ainda não conseguia entender totalmente. Observando-a se equilibrar no topo do muro como uma criança, comecei a pensar que talvez fosse bom ter um pouco daquela loucura contagiante de
Naquela hora, morri de inveja da roupa dela. A legging preta e o casaco de couro pareciam muito mais adequados tanto para o frio que fazia naquela noite, quanto para escalar muros. Não podia nem me culpar por estar despreparada, afinal, quando escolhi meu vestido longo branco com florzinhas azuis, não fazia ideia de que terminaria a noite invadindo um parque fechado.
Após um suspiro resignado, escalei o muro com dificuldade, ajudada pela mão firme da Line.
"Viu só? Nem doeu", brincou ela, sorrindo ao me ajudar a descer do outro lado. Ainda, não, pensei, mas a aventura só tinha começado.
Demos uma volta pelo parque e, de tão tensa, demorei a perceber o quão silencioso era aquele lugar. Me peguei refletindo sobre como é curioso termos medo do silêncio, quando tudo que costuma nos machucar faz barulho. Mais estranho ainda era que minha amiga acompanhava o clima, e uma vez na vida estava quieta. Ela, que nunca suportou o vazio sonoro, e sempre tinha uma história, uma fofoca, uma teoria maluca sobre zumbis ou um joguinho tipo "quem você ressuscitaria para jantar?" – tudo só para garantir que houvesse algum som onde quer que estivesse. E agora, ali, caminhando ao meu lado, ela estava tão quieta quanto o parque.
Sentamos perto do lago que havia, e ficamos olhando para o nada. De repente, algo se moveu rápido entre os arbustos e atravessou o caminho à nossa frente. Um ratinho minúsculo, tão pequeno que parecia recém-nascido. Mas o tamanho não importava – soltei um berro agudo que ecoou pelo parque inteiro.
Line parou, arregalou os olhos e depois caiu na gargalhada.
"Meu Deus, Eli! Era um filhote de rato! Mal dava pra ver!", disse, entre risos, dobrando o corpo de tanto rir.
Eu, ainda recuperando o fôlego, cruzei os braços, envergonhada.
Line se aproximou e segurou minha mão com delicadeza. "Vem cá, sua medrosa. Eu te protejo dos monstros da noite."
Corei imediatamente, mas ela não largou minha mão. Voltávamos a caminhar, com Line falando sem parar, como se tivesse ligado um motor interno. "Esse parque escuro dava um cenário perfeito para um filme de terror, né? Já pensou? Um grupo de amigas invade o parque à noite, uma delas vê um rato minúsculo e grita... e aí tudo começa. Uma maldição ancestral, talvez? Ou uma criatura que se alimenta de gritos?"
Divagava com entusiasmo, os olhos brilhando mesmo no escuro, e a única coisa em que eu conseguia focar era a mão dela apertando a minha, quente, firme, constante. Como se dissesse sem palavras que estava ali comigo.
Pedi para irmos para casa, porque estava com muito frio, e ela tirou o próprio casaco do corpo e me envolveu com ele, puxando-o sobre meus ombros com cuidado, como se estivesse me embrulhando num gesto de afeto. “É justo que você também fique quentinha”, disse, e seu tom era leve, quase brincalhão, mas havia algo ali, no jeito como me olhou, que me deixou com mais calor por dentro do que o próprio casaco.
Fizemos a volta por uma estradinha de terra, o cascalho do caminho rangendo sob nossos pés, e a voz da Line enchendo o espaço vazio com suas ideias malucas sobre criaturas invisíveis e lendas urbanas. Ela falava com tanta empolgação que eu mal percebi quando o cheiro forte começou a se espalhar pelo ar.
Viramos uma curva do caminho de terra e demos de cara com quatro moleques sentados em círculo, fumando maconha. Um deles tossia descontroladamente, os outros riam e passavam o baseado de mão em mão.
Eles pararam quando nos viram, e o silêncio repentino fez meu estômago virar. Apertei com força a mão da Line, e tentei puxá-la para longe. Ela me acompanhou, mais devagar e menos desesperada do que eu esperava.
Os quatro saíram correndo em nossa direção como cães de caça, gritando para a gente parar e que só queriam conversar.
Meu coração disparou. Eu puxava Line pela mão, tentando acelerar o passo, mas meus pés afundavam um pouco na terra solta da trilha. O barulho deles se aproximando era como um trovão vindo por trás.
Line plantou os pés no chão, e parou bruscamente. Minha mão foi bruscamente puxada para trás, e eu quase caí de joelhos, tropeçando na barra do meu próprio vestido. Virei o rosto para ela, desesperada, mas ela só me lançou um olhar calmo, firme, como se dissesse: "Não adianta correr."
E ela estava certa. Não dava para correr mais rápido que eles. Agora… agora a gente teria que conversar com eles.
<Continua>
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