PARINTINS - O AMOR ESTÁ NO AR - 12 - A PRESSA É A INIMIGA DA PERFEIÇÃO

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 2846 palavras
Data: 13/07/2025 07:29:21

Equilibrar relacionamento, família e trabalho pode ser um fardo pesado para muitas pessoas — mas não para Cauê e Jonas. De alguma forma, os dois pareciam dançar no caos com uma leveza quase mágica. Mesmo com as agendas lotadas dos ensaios em Parintins e Manaus, com Cauê mergulhado nas harmonias das toadas e Jonas já atuando como braço direito de Marcílio Dias, eles encontravam tempo um para o outro. E mais do que isso: faziam dar certo.

Durante uma das idas a Manaus, decidiram jantar na casa de Rita. A melhor amiga de Jonas fazia questão de conhecer quem havia conseguido tirar seu "irmão" do abismo em que se afundara meses antes. O clima era leve. Risadas enchiam a sala, os drinks circulavam sem pressa, e Cauê se mostrava mais à vontade do que nunca. Em um impulso, chamou também seu melhor amigo, Henrique, que havia acabado de encerrar um relacionamento turbulento.

Naquela noite, pela primeira vez, os mundos deles colidiram de verdade. E a colisão foi boa. Se sentiram parte de algo maior. Prometeram sair para uma balada no fim de semana — afinal, fazia tempo que nenhum deles escutava algo além das toadas intensas de seus bumbás.

Mais tarde, já no apartamento da família Benevides, os dois descansavam entre beijos e suspiros.

— Sério, Cauê, tu é incrível, cara. — Afirmou Jonas, ofegante, com os cabelos colados à testa pelo suor.

— Você que é incrível, Sr. Benevides. — Respondeu Cauê, encostando a cabeça no peito do namorado e sentindo as batidas firmes de seu coração. — Mas... você não está preocupado?

— Com o quê?

— O Festival, Jonas. Falta só um mês. A mamãe está uma pilha de nervos.

Cauê acariciava o peitoral de Jonas enquanto falava, e ele soltou um suspiro demorado antes de responder:

— Não sei. Antigamente, quando eu dançava, eu vivia em função da expectativa do Festival. Agora tudo passa tão rápido, a minha única preocupação é se o tempo vai ser suficiente. Tu sabe, né? Cada boi tem só duas horas e meia pra contar sua história.

— Eu ouvi alguém comentando. Mas, sei lá, eu acho esse tempo suficiente. — Comentou Cauê, arrancando uma risada leve e sincera de Jonas.

— Não é, príncipe. Eu e Marcílio estamos penando pra encaixar tudo. O Festival é uma loucura. Espero que tu consiga lidar bem com a pressão. E se algo der errado, eu tô aqui, viu?

Antes que Cauê respondesse, Jonas roubou-lhe um beijo lento, demorado, cheio de promessas silenciosas.

— Eu queria ficar aqui pra sempre. Assim, abraçado contigo.

— Tu sabe que dá, né? O papai quase nunca aparece por aqui. Quem mais usa esse apartamento é meu irmão Tobias, mas ele tá fazendo mestrado nos Estados Unidos.

— Que chique. — Sorriu Cauê.

— Eu quase não conheço meus irmãos. Além de mim, o papai tem treze filhos, e cada um mora num canto do mundo. Eu tenho inveja da tua relação com o César.

Jonas passou os dedos pelo rosto de Cauê e o beijou com delicadeza, como se agradecesse por sua presença ali, naquele instante.

— Espero que um dia a gente possa viver à vontade... sem precisar se esconder ou se preocupar. Isso cansa mais do que os ensaios que eu participo.

— No fim, meu príncipe, vai dar tudo certo. — Respondeu Jonas, mais esperançoso do que convicto, mas com carinho suficiente para sustentar aquela promessa.

***

Jonas achava que aquilo não ia dar certo. Por mais visionário que Marcílio fosse, a ideia de içar a cunhã-poranga em uma espécie de drone gigante parecia ousada demais, até mesmo para os padrões do Boi Caprichoso. O tempo era curto, os testes escassos e, acima de tudo, a segurança de Bruna Tikuna, o item da cunhã-poranga, estava em jogo — e ela era uma das estrelas daquela temporada.

Após longas horas de debate, envolvendo o corpo técnico e a equipe de engenharia do bumbá, a decisão foi tomada. Bruna desceria do alto sim, mas envolta em uma flor monumental, içada por um guindaste. A imagem ainda seria impactante, mas sem os riscos da proposta inicial.

Otaviano já havia perdido a conta de quantas reuniões participara naquele dia. Incansável, mantinha a postura firme de sempre. Jonas, observando-o de longe, não podia evitar o sentimento de admiração. Desde menino invejava o foco e a força do pai — um homem que havia conseguido transformar o amor pelo Caprichoso em um empreendimento rentável, investindo no turismo de Parintins com sabedoria e paixão. Conhecia como poucos a história do Festival e fazia questão de preservá-la, não como negócio, mas como missão.

Durante o trajeto de volta para casa, Jonas se deixou levar pelas lembranças. Recordava das noites em que se aninhava no colo do pai para ouvir, com olhos arregalados, a história do Auto do Boi. Otaviano narrava com fervor a saga de Pai Francisco e Mãe Catirina, o casal de escravizados cujo desejo por um pedaço do boi mais bonito do patrão acabava por desencadear toda a lenda do bumbá. A história se misturava com a fé, o riso e a emoção do povo — e, para Jonas, sempre foi mais do que um conto: era real. Era a essência viva de sua identidade.

Ele nunca aprendeu a amar o Caprichoso de outro jeito, nem sob pressão. Apenas amava, com todas as suas falhas, tropeços e decisões impulsivas. Amava como se fosse parte dele.

No carro, já de noite, Jonas encostou a cabeça no ombro do pai. Otaviano, sempre contido, olhou de lado, mas deixou o gesto acontecer.

— O senhor se arrepende de tudo isso? — Perguntou o filho, num sussurro.

Otaviano soltou um leve riso, olhando pela janela a movimentação dos torcedores de azul, que tomavam as ruas com bandeiras, cantos e brilho nos olhos.

— Que nada, moleque. O Festival é o que me dá forças pra viver. — Respondeu, com convicção. — Essa é a nossa cultura, Jonas. Esse é o nosso povo. E eu fico feliz que pelo menos um dos meus filhos, mesmo sendo desmiolado, tenha essa paixão pelo Caprichoso.

Jonas tentou conter o aperto no peito.

— Desculpa, pai. Sei que nem sempre fui fácil. E... sei que talvez o senhor preferisse que qualquer outro irmão meu estivesse aqui, fazendo o que eu faço...

— Garoto insolente — Otaviano o cortou, empurrando de leve a cabeça do filho com o ombro. Em seguida, olhou nos olhos dele. — Tu não é perfeito, Jonas. Ninguém é. Eu sei das batalhas que tu lutou aí dentro. — Tocou o peito do filho com firmeza. — E eu também errei contigo. Mas, pelo amor que tenho por ti, entendi. Eu te amo, mesmo tu sendo esse cabeça oca desmiolado de uma figa.

Jonas sorriu, lutando contra as lágrimas.

— Ei, bate e assopra é?! — Rebateu, rindo. — Velho insolente.

***

Do lado vermelho da cidade, Milena mal acreditou no que tinha em mãos. O roteiro que a equipe criativa do Garantido havia lhe enviado parecia mais um romance enciclopédico do que um simples guia de apresentação. Com os olhos arregalados e as páginas se espalhando pela mesa, ela sentiu um frio na barriga — e não era de emoção.

Enquanto isso, Cauê aproveitava a tarde de folga de forma mais leve: uma cerveja gelada na mão e a companhia animada do grupo de WhatsApp dos músicos do Garantido, que naquele instante fervilhava com uma nova treta envolvendo uma passagem da música da Sinhazinha. Como era o mais novo ali — tanto em idade quanto em tempo de casa —, ele preferiu não se meter. Jogou a lata vazia no lixo, foi até a geladeira e pegou outra. Com a nova bebida em mãos, abandonou o celular no sofá e seguiu até a sala, onde encontrou a mãe visivelmente tensa.

— Problemas no paraíso? — Provocou Jonas, puxando uma cadeira e sentando ao lado dela.

— Eu tô muito lascada, Cauê do céu. Olha só esse número de páginas — Respondeu Milena, folheando as folhas com desespero nos olhos.

— Qual é, mãe. Isso é só um guia. Tem mais fala do Apresentador. A sua parte é ficar linda e brilhar, afinal, é o "Raio de Sol" do Garantido. — O tom de Cauê estava mais doce que o habitual. Bastava algumas cervejas para o sentimentalismo florescer. — Não só do Garantido, mas de todos nós.

— Para. Pode parar. Tu tá bêbado e sentimental. Eu estou desesperada. Se vier com papo de coach eu vou chorar. Preciso de silêncio e concentração! — Disse ela, recolhendo o roteiro e subindo para o quarto com passos decididos.

Repolho, o cachorro da família, observava tudo com curiosidade canina. Num pulo habilidoso, subiu nas cadeiras e encarou Cauê do alto da mesa. O rapaz, relaxado, encostou os cotovelos sobre a madeira e apoiou o queixo nas mãos.

— Você quer fugir para Manaus comigo, Repolho? — Perguntou em tom conspiratório.

O cão respondeu com um latido, seguido de uma lambida no rosto do rapaz.

— Danadinho...

A cena foi interrompida por Eron, que entrou carregado de sacolas, largando-as sobre a mesa.

— Que amor todo é esse? Cadê a mamãe? — Perguntou, curioso.

— Lá em cima. Nem vai que ela tá de TPG.

— TPG?

— Tensão Pré-Garantido — Explicou Cauê, rindo e tomando mais um gole da cerveja.

Eron também pegou uma lata da geladeira, abriu e se sentou em frente ao filho.

— E como estão as coisas na banda?

— Tranquilas, pai. Alguns músicos estão brigando por causa de uma passagem da música da Sinhazinha, mas eu preferi ficar fora.

— Por quê?

— Porque sou o mais novo lá. Não acho certo me envolver. — Respondeu Cauê, agora com Repolho deitado no colo, recebendo afagos na barriga.

— Filho, idade não significa nada. Olha você e seu irmão. Vocês são o meu maior orgulho. Sério, nada que eu conquistei até agora supera vocês.

— Obrigado, pai. O senhor é uma grande inspiração pra gente. Eu tenho orgulho de ser seu filho. — Declarou Cauê, emocionado. — De verdade. Cresceu em um orfanato, se destacou desde jovem e superou todas as expectativas. Tudo bem que perdeu os cabelos no caminho... mas ninguém é perfeito, né, Repolho?

O cachorro latiu em concordância, como se entendesse a piada.

— Cuidado, viu. Isso é genética. Não adiantou me abandonarem, ainda herdei a calvície do meu progenitor. — Respondeu Eron, bem-humorado. Sabia que Cauê evitava falar dos avós paternos.

— Eu sei que o senhor nos deu tudo o que não teve na infância. Fico triste pelos meus avós não terem te amado como deveria... Mas eu amo o senhor.

Cauê se levantou, envolveu o pai num abraço apertado e lhe deu um beijo na careca, sem conter as lágrimas.

— Eu amo o senhor.

— Obrigado, filho. Eu também te amo — disse Eron, com os olhos marejados.

Foi nesse momento que César desceu as escadas e flagrou a cena. Com o celular em mãos, começou a gravar.

— Isso pode render um dinheiro no futuro. — Sussurrou para si mesmo, mas logo baixou o telefone. O sorriso no rosto denunciava o que realmente sentia: amor por aquela família.

— Eu também te amo, coroa. E valeu pela genética ruim, mesmo você não merecendo! — disse, juntando-se ao abraço e encerrando a tarde com uma cena que nenhum roteiro do Garantido conseguiria escrever melhor.

***

A cidade de Parintins começava a mudar diante dos olhos atentos de Cauê. Ruas recapeadas, postes novos, pintura nas calçadas e até o comércio ganhava um brilho diferente. A poucos dias do Festival, o clima era de tensão e euforia. Ele e a mãe, Milena, caminhavam pelo Centro com sacolas nas mãos e os corações acelerados. Por um instante, Cauê teve a impressão de estar em outro lugar — tão diferente estava tudo ali, como se a cidade se preparasse para receber reis.

Milena, por sua vez, atraía olhares por onde passava. Como Levantadora de Toadas do Garantido, era reverenciada por alguns e rejeitada por outros. Torcedores do Caprichoso a miravam com desprezo, enquanto os do vermelho e branco pediam selfies, vídeos e mandavam recados de apoio. Milena sorria, posava, cantava um verso ou outro e, com a elegância de uma estrela consagrada, seguia seu caminho sem perder a postura.

Depois das compras, mãe e filho seguiram direto para o ensaio no Curral do Garantido. O sol escaldante fazia o suor escorrer pelo rosto dos itens e músicos, mas ninguém arredava o pé. Cada passo, cada batida, cada entrada precisava estar cronometrada. A pressão era grande, e o tempo curto.

Milena, como sempre, dramatizou no início, reclamou do calor, do roteiro extenso, da espera. Mas, quando pisou no palco, não precisou repetir nenhuma entrada. Executou cada interação com precisão. Era nítido que estudara o roteiro linha por linha. Ribeiro, o maestro dos ensaios, cruzou os braços, sorriu com o canto da boca e murmurou para um dos colegas:

— Ela nasceu pra isso.

Enquanto isso, Cauê lidava com outro impasse: a nova música da Sinhazinha da Fazenda. A alteração proposta havia dividido opiniões entre os músicos. Porém, com jeito e sensibilidade, ele reuniu os colegas e apresentou uma versão alternativa. Era uma mescla de tradição e inovação — e, para a surpresa de todos, funcionou. O grupo se rendeu. Pela primeira vez em dias, houve consenso. Um raro momento de harmonia.

Do outro lado da ilha, Jonas supervisionava o desembarque no Porto do Dodó Carvalho. O Caprichoso havia recebido um comboio imponente, com novos equipamentos e uma peça-chave: o guindaste Terex AC 500, da Tomiasi. A chegada da máquina marcava o início da reta final. A partir dali, todas as alegorias começariam a ser transportadas para o terreno ao lado do Bumbódromo.

A operação exigia precisão. Os técnicos de segurança já estavam em campo, monitorando carga, força dos cabos, resistência das estruturas. Era como montar uma orquestra de ferro e madeira, onde um erro poderia comprometer meses de trabalho.

Otaviano, líder das operações do Caprichoso, aproveitou a chegada do comboio para reunir todos. Com voz firme e empolgada, fez um discurso inflamado para brincantes, técnicos e artesãos. Falou de tradição, coragem, respeito. Falou sobre vencer sem deixar de ser humilde. Os olhos de muitos se encheram de lágrimas.

***

As folgas de Cauê e Jonas ficavam cada vez mais raras, espremidas entre ensaios, reuniões, dores nas costas e pressões criativas. Era um milagre estarem juntos naquela noite de sábado, ainda mais em um evento que uniria Caprichoso e Garantido — uma iniciativa diplomática, rara e carregada de tensão simbólica.

Mas antes dos discursos, antes dos aplausos, antes das luzes colorirem o palco com orgulho folclórico, houve outro tipo de espetáculo.

Dentro do carro, estacionado a poucos metros do local do evento, a urgência falou mais alto. Os vidros logo começaram a embaçar, e os corpos, há dias privados do toque um do outro, se buscaram como se o mundo fosse acabar dali a cinco minutos. Foi rápido. Foi selvagem. Nenhum dos dois se importava com o desconforto do banco apertado ou com o suor que brotava entre os toques.

A respiração de Cauê ficou presa na garganta quando Jonas roçou os lábios em seu pescoço. Eles se beijaram como se estivessem famintos, mãos tateando com pressa, corpos entrelaçados num caos delicioso. Não havia lugar apropriado para sexo em Parintins — não durante o Festival. Mas havia necessidade. E desejo. E amor.

Depois, recompostos às pressas, Jonas ajeitou a gola da camisa e deixou que Cauê saísse primeiro. Trocou um olhar cúmplice com ele antes de fechar a porta com cuidado. Ambos tinham acesso livre ao evento, mas naquela noite, apenas os músicos mais experientes iriam se apresentar. Cauê, por ora, era só plateia.

Ele se juntou a Joaquim, Jean, Alexandra e Maurinho, um grupo que transbordava risadas e piadas internas. Jonas, por outro lado, foi cumprimentar Vlavlau e Marcílio, que falavam sobre o roteiro da próxima noite com expressão concentrada.

Enquanto um bumbá brilhava no palco, o outro descansava — ou melhor, bebia. Era uma regra silenciosa entre os bois: ninguém atrapalha a vez do outro. Respeito enraizado em décadas de disputa.

Cauê, já aquecido por umas cinco caipirinhas, deixou o corpo guiar os passos. O cheiro de suor misturado ao perfume de Jonas, quando os dois se esbarraram na lateral do palco, o fez estremecer. O olhar foi direto, e o tesão, imediato. Ele puxou o namorado pelo pulso, levando-o a um canto escuro. Jonas hesitou. Ali não. Não daquele jeito.

Então seguiram para trás do palco, onde a penumbra era ainda mais cúmplice. Entre cabos, caixas de som e fantasias empilhadas, começaram a se beijar. O mundo inteiro desapareceu naquele instante — ou assim pensavam.

No palco, o apresentador discursava animado, exaltando os investimentos recentes do Governo do Amazonas. Com um sorriso ensaiado, anunciou a doação de computadores e adereços para os currais de Caprichoso e Garantido. O público, em êxtase, aplaudiu.

As luzes se apagaram por um segundo e, em seguida, a enorme tela de LED se abriu ao meio. Feixes dourados iluminaram caixas impecavelmente empilhadas ao centro do palco. Mas o que chamou a atenção de todos não foram os computadores.

Na lateral iluminada pela tela recém-aberta, duas silhuetas se destacaram: Cauê e Jonas, em um beijo apaixonado, intensamente colados, sem perceber o que acontecia à volta.

Por um breve momento, Parintins esqueceu o Festival, esqueceu a rivalidade, esqueceu os bois. Tudo que existia ali era amor. Bruto. Urgente. Escancarado.

E, claro, um apresentador completamente sem reação tentando resgatar a pauta dos investimentos.

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