Leninha desejava Matheus.
Não de ontem. Nem da semana passada. Desde sempre.
Desde que o viu pela primeira vez, de camisa molhada e barba farta.
Ele era casado com Nazaré. E Nazaré — não era frígida, não. Era firme, bonita, sem pudor. Mas confiava. Confiava demais.
Leninha, não. Leninha era febre com pernas.
Casada com Silveira. Um marido estranho. Calmo demais.
Sabia de tudo.
Sabia do desejo da esposa. Sabia do olhar demorado, da perna cruzada devagar, da respiração suspensa quando Matheus passava sem camisa.
E sorria.
Sim — quando os olhos de Leninha cruzavam com os dele, Silveira sorria. Sem ironia. Sem raiva.
Era como se dissesse: “Vai, minha querida. Que mal há em desejar o impossível?”
Alugaram um sítio. Os quatro. Um fim de semana qualquer. Com outros casais, outros risos, outras bebidas.
Mas para Leninha, só existia Matheus.
Ele andava sem camisa. Jogava bola. Cortava lenha. Lavava os pratos do almoço com os músculos da manhã ainda tensos.
E ela? Ela era só olhos. Só pulso. Só boca seca.
E Nazaré? Nazaré confiava. Confiava porque não imaginava. Porque Leninha era amiga. Porque Matheus, afinal, era homem sério.
E Silveira? Silveira sorria. Observava. Às vezes, tocava de leve no braço de Leninha e dizia:
— Tá quente hoje, né?
Leninha sabia que ele sabia. E isso a excitava ainda mais.
Foi no sábado à noite.
Depois do churrasco. Depois das caipirinhas. Depois das piadas repetidas.
Alguns já dormiam. Outros se arrastavam bêbados em volta da piscina.
Leninha, não. Leninha estava viva. Com as pernas esticadas, um copo na mão, os olhos fixos em Matheus.
Matheus tirava as espreguiçadeiras da chuva. Estava sem camisa. E molhado.
A luz da varanda era amarela e suja. O suor dele brilhava como óleo velho.
Leninha riu de uma piada que não ouviu. Silveira não estava por perto. Nazaré tinha ido tomar banho.
E Leninha levantou. Foi até Matheus. Descalça. Copo vazio.
— Tô com sede.
Ele sorriu. Meio automático. Foi até o isopor. Abriu uma cerveja. Entregou.
— Valeu. — disse ela.
Mas não saiu. Ficou ali. Um segundo a mais. Dois.
Olhou pra ele como quem quer dizer algo. Mas não disse.
Em vez disso, passou os dedos no ombro dele. Devagar. Como quem limpa algo.
— Tá suando que nem cavalo...
E foi embora.
Deixou o copo na mesa. E o toque no ombro.
Matheus ficou parado. Não sorriu. Não disse nada. Só olhou as costas dela sumirem no corredor.
Naquela noite, Leninha dormiu mal. Matheus, pior ainda.
A casa estava cheia demais.
Muitos casais, poucos quartos. Um sítio modesto. De fim de semana e fim de pudor.
Alguns teriam que dividir o quarto. Nada demais — disseram.
Foi Nazaré quem resolveu. Prática. Sorridente.
— Vocês ficam com a gente. O colchão é grande. E a Leninha não ronca, né?
Risos. Concordância geral. O vinho fazia tudo parecer normal.
Deitaram tarde. Luz baixa. Ventilador fazendo um barulho antigo.
Dois colchões no chão. Um lençol por cima. Riram ainda um pouco. Contaram causos. Confidências inofensivas.
E aos poucos o silêncio veio. Vieram também os mosquitos, o calor, os pensamentos.
Silveira acordou primeiro. No escuro.
Leninha estava acordada também. De olhos abertos. Os dois quietos, respirando como quem pensa.
Ele se virou pra ela. Tocou de leve. Um beijo no ombro. Um roçar no quadril.
Sentiu. Ela estava acesa. Quente. Molhada.
Era o efeito do dia. Do sol, do suor, dos olhos em Matheus. O desejo não era dele, Silveira sabia. Mas era por meio dele que ela se aliviava.
Do outro lado do colchão, Matheus também estava desperto. Dava pra ouvir a respiração dele, controlada demais pra ser natural.
Nazaré dormia. Pesadamente. Um ronquinho leve. A mais inocente de todos.
Silveira se aproximou mais. Encostou no corpo de Leninha. A mão entre as coxas dela, por cima do lençol. Tudo muito devagar.
Ela gemeu. Baixo. Como quem não queria, mas precisava.
E então ele sussurrou, quase com carinho:
— Vira de lado.
Ela virou. De costas pra ele. De frente pra Matheus.
Matheus não se moveu. Mas também não fechou os olhos.
O corpo dela respirava alto. As alças do pijama haviam escorregado. O lençol subiu um pouco. O seio esquerdo, semicoberto, surgia tímido no breu.
Silveira deslizou a mão pela cintura dela, desceu pela barriga, ela gemeu um para, sem convicção, ele alcançou sua fenda úmida, tesa, gostosa. Tocou-a com a ponta dos dedos, ela arfava e gemia, olhos nos olhos com Matheus. Ele despido, se exibia, mostrava pra ela o mastro, segurava em. suas mãos o objeto do desejo de Leninha. Quando Leninha gozou, ele gozou também, e quase se beijaram.
Na manhã seguinte, tomaram café juntos.
Riram. Comentaram o pão amanhecido. A chuva que vinha.
Mas Matheus não conseguia encarar Leninha por muito tempo. E ela, essa agora andava com os olhos mais baixos. Mas com o queixo mais ereto.
Silveira, esse serviu o café para todos. Sorrindo.
Silveira resolveu não falar nada.
Nem com Leninha. Nem com Matheus.
Faria melhor: empurraria. Sem pressa. Sem culpa.
No domingo, sugeriu um banho de rio. O calor ajudava. O corpo pedia.
Foram todos. Menos Nazaré. Estava com cólica. Ficou na rede, com um romance policial.
Silveira levou o isopor. Matheus foi na frente, com Leninha. Conversavam mais do que de costume. Riam também. De piadas sem graça.
Na beira do rio, Silveira fingiu distração.
Leninha mergulhou. Matheus, atrás. A água era fria. Os corpos, não.
O rio era morno. Turvo. Mas dava alívio.
Silveira ficou na margem. Não sabia nadar. E dizia com riso:
— Eu fico aqui. Guardando o isopor.
Matheus queria mergulhar. Nadava como quem foge. E Leninha foi atrás.
A água batia na cintura. O sol batia no ombro.
Eles riram. Leninha escorregou de propósito. Matheus segurou. Um braço na cintura, outro nas costas. Pele na pele.
Ela sorriu. Olhou. O olhar dizia: “não é nada — ainda”.
Nadaram mais. Mergulharam. Leninha saiu do fundo com o cabelo nos olhos. Matheus limpou com a mão. Devagar demais.
O riso foi virando fôlego curto. O toque, mais firme.
Leninha se aproximou. Bem perto. O corpo encostou no dele. Coxa com coxa. Peito com peito.
— Você é quente. — sussurrou, rindo.
Matheus não respondeu. Mas a segurou. Pela cintura.
Silveira já não estava ali. Tinha saído de vista. Mas não de cena.
Escondeu-se na mata. Atrás de uma árvore. De onde via tudo. O rio. Os dois.
E então aconteceu.
Leninha ergueu o queixo num desafio de mulher que já conhece o próprio poder. Ofereceu os lábios não como um convite, mas como uma ordem disfarçada de súplica. Matheus, depois de um último suspiro de resistência inútil, cedeu—como sempre cedera, como sempre cederia.
Beijaram-se. Não com a pressa dos amantes clandestinos, mas com a fome dos condenados que sabem que o pecado já está consumado. Ela enlaçou-lhe o pescoço com os braços, colou o corpo ao dele até não haver mais espaço para arrependimento. A água escorria entre eles, e a calcinha, translúcida e colada à pele, já não era senão uma mentira inútil.
Agarrou-se a ele como quem crava as unhas no destino e sussurra, sem palavras: “Vem, toma o que é teu."
E Matheus tomou.
As mãos dele, sob a superfície da água, percorreram-na como um homem que reconhece território conquistado. Dedos que subiram pelas costas, apertaram os quadris, afundaram no vale úmido entre suas pernas. Leninha arqueou-se, gemendo contra sua boca, e as coxas abriram-se num movimento ancestral, envolveram-lhe o quadril como se quisessem fundir-se a ele.
E então—o membro dele, duro como uma espada embainhada em seda, encontrou o lugar que já lhe pertencia. Ela encaixou-se nele, devagar, como quem afunda num abismo delicioso. A buceta carnuda e encharcada deslizou sobre o pau duro, engoliu-o até não haver mais separação.
E ali, entre beijos que eram mais dentes e língua do que carícia, entre mãos que agarravam como se o mundo fosse acabar, eles perderam-se—não em êxtase, mas em rendição. Gozaram como se fosse a última vez. Como se fosse a primeira. Como se nada mais existisse além daquele instante roubado aos deuses.
Quando voltaram à margem, Silveira já estava lá. Sentado. Sorrindo.
— Vocês demoraram, hein?
Leninha molhada. Cabelos colados. Lábios úmidos. Matheus calado.
Silveira abriu uma cerveja. Bebeu um gole. E ofereceu:
— Tá quente, né?
O fim de semana acabou.
Voltaram pra casa no domingo à noite.
Silveira dirigia. Leninha olhava a estrada. Os dois em silêncio — mas um silêncio bom. De cumplicidade. De missão cumprida.
No banco de trás, a mala com as roupas sujas. Na frente, um casal limpo de mágoa.
Nada foi dito sobre o rio. Sobre o beijo. Sobre Matheus.
Não era preciso.
Leninha estava serena. Mais leve. Como quem tirou algo do corpo. Ou colocou, talvez.
Silveira, esse estava vivo. Com os olhos mais claros. O toque mais quente.
Chegaram em casa. Tomaram banho juntos. Riram do shampoo que acabou.
Fizeram o jantar a quatro mãos. Como se fosse lua de mel.
Silveira a olhava de um jeito novo. Como quem reconhece. Como quem agradece.
Leninha dormiu cedo. De camisola azul. Cansada e feliz.
Silveira demorou um pouco mais. Ficou na cama. Pensando.
E pensou: “Eu amo essa mulher.”
Mais do que antes. Mais do que nunca.
Talvez porque agora ela era inteira. Com desejos realizados. Com pecados vividos. Com o gosto de outro homem ainda na carne — e mesmo assim, sua.
Naquela noite, Silveira não sonhou. Não precisou. Estava acordado por dentro.