PARINTINS - O AMOR ESTÁ NO AR - 11 - ALMA DE COMPOSITOR

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 3375 palavras
Data: 11/07/2025 22:52:06

O barco de recreio cortava lentamente as águas barrentas do rio Amazonas, exibindo com orgulho as cores do Garantido — embora aquela viagem tivesse como destino um evento em Manaus, fora organizada em parceria com músicos de vários cantos, entre eles Cauê e sua trupe. A embarcação, de três andares, era toda pintada de branco com detalhes em vermelho, mas agora estava tomada pelas bandeiras rubras e brancas, celebrando a energia do Festival de Parintins ainda recente em seus corpos. Havia fitas tremulando, instrumentos amontoados em cantos improvisados, e redes por todos os lados — entre elas, uma em especial, onde Cauê passava a maior parte do tempo.

A rede dele estava presa em uma altura estratégica, de onde se via o movimento do rio e se sentia a brisa constante que vinha da margem. O balanço suave e o som das águas batiam como uma canção de ninar, mas mesmo ali, em meio à calmaria do rio e à descontração dos colegas, os pensamentos de Cauê insistiam em voltar a Jonas. Aquele quase-namorado, aquela história que não se resolveu. As palavras de despedida, as dúvidas não ditas, os olhares trocados — tudo parecia estar suspenso como ele ali, entre dois pontos, sem saber ao certo onde iria parar.

Nas horas em que não dormia, Cauê se deixava levar pelas rodas de música que surgiam espontaneamente no convés. Tocavam toadas, sim, mas também samba, forró e até um improvisado reggae amazônico. Era a alegria que disfarçava o cansaço, que disfarçava as ausências.

Em certo momento, se afastou um pouco da algazarra e foi para um canto mais silencioso, onde o som do motor era abafado pelo vento. Pegou seu violão e começou a dedilhar com calma. Cada nota que saía era uma tentativa de traduzir o que sentia. Rascunhou alguns versos, algumas frases quebradas, e no topo do papel escreveu: Toada que não se canta. Era isso o que parecia estar compondo: uma toada que nascia do silêncio, feita de tudo o que ele não teve coragem de dizer a Jonas.

Mas a inspiração teve fim abrupto. William, seu parceiro de banda e de risadas, surgiu sorridente com uma cerveja na mão.

— Bora voltar, Cauê. Tão chamando pra outra roda.

Ele hesitou, olhou o papel e depois sorriu de canto. Dobrou o rascunho e o guardou no bolso da calça jeans. Talvez um dia aquela toada encontrasse sua melodia completa. Por ora, era só mais um pedaço de sentimento suspenso entre os balanços do barco e os ventos do rio.

O sol começava a cair sobre o rio, tingindo as águas do Amazonas com tons dourados e alaranjados. O barco seguia seu curso tranquilo rumo a Manaus, com as ondas suaves embalando os viajantes. O som de conversas, risadas e toadas se espalhava pelo convés, como se a própria embarcação fosse uma extensão do boi-bumbá. No meio daquela festa flutuante, Cauê e William dividiam a sombra do bar improvisado no fundo do barco, onde garrafas geladas e confidências circulavam com igual facilidade.

— Você está muito quieto, Cauê. Algum problema? Já sei, inveja da tua mãe e dos outros itens que foram de avião? A gente é peão, cabra. — Brincou William, dando um gole na sua cerveja, o olhar atento por trás dos óculos escuros.

Cauê sorriu de canto, sem responder de imediato. Seus olhos se perderam por um instante nas margens do rio, onde o verde parecia não ter fim.

— Não. Eu amo viajar de barco. É que eu tô pensando em escrever uma canção. — Respondeu, tomando um gole e se encostando no balcão de madeira já gasto pelo tempo e pelas histórias.

William arqueou uma sobrancelha, curioso.

— Rapaz, tu é compositor? O Ribeiro não contou essa novidade.

— Não. Quer dizer, ainda não. Eu fiz uns rascunhos na época da faculdade pra uma matéria, mas nada completo ou fechado.

William se endireitou, apoiando os cotovelos no balcão. O sorriso debochado deu lugar a um semblante mais sério, ainda que tranquilo. Ele olhou para Cauê com uma mistura de ternura e respeito, como quem enxerga ali o início de algo bonito.

— Deixa eu te dizer uma coisa, moleque. Música não nasce só do estudo, nem só da técnica. Ela nasce de dentro. É bicho arisco. Não aparece quando tu força. Aparece quando tu escuta. — Disse, tocando de leve o peito com a ponta dos dedos. — Escuta de verdade. O rio, o remo, o grito do carregador na beira, o silêncio da rede balançando à noite... Tudo é música, Cauê. Tudo.

Cauê o encarou em silêncio, como se cada palavra de William fosse uma nota que ele tentava memorizar.

— A gente, que é de bumbá, tem o privilégio de ouvir o povo. E se tu quiser mesmo compor, começa a ouvir o mundo como quem ouve uma toada antiga. Fecha os olhos, sente o peso da saudade, da luta, da festa, da esperança. A música vem disso, não vem da pressa.

William sorriu outra vez, agora com calma.

— Vai por mim: escreve, mesmo que seja ruim no começo. Abre o coração, depois tu afina. Com o tempo, tu encontra teu som.

O barco seguia, cortando o rio como uma canoa de memórias. Cauê ficou ali, em silêncio, mas um silêncio diferente — o de quem ouvia mais do que ouvia antes. E, sem perceber, começou a pensar em versos soltos que rimavam com o brilho da água, com o som dos tambores e com aquele conselho simples, mas profundo: escutar.

***

O Sambódromo de Manaus fervilhava. Mesmo sem ser noite de Carnaval, o espaço estava tomado por bandeiras, tambores, ensaios de coreografias e vozes que se uniam em uníssono nas toadas vermelhas. O local, famoso por acolher o desfile das escolas de samba manauaras, ganhava uma nova função: ser campo neutro para os preparativos dos dois bumbás de Parintins. A partir daquela semana, todo fim de semana seria de um — e agora era a vez do Garantido.

Milena, como responsável pela direção artística, sentia a responsabilidade crescer a cada apresentação. Parte da equipe, assim como ela, já estava de volta a Manaus para alinhar os detalhes logísticos, mas os ensaios mais intensos ainda aconteciam em Parintins. Era um desafio constante viver entre os dois mundos, o do espetáculo e o do coração — especialmente quando esse último envolvia seu filho, Cauê.

No interior de um dos camarins improvisados atrás do palco, Cauê ajustava seu figurino com calma. O calor do lugar era abafado, e o cheiro de tinta de maquiagem e tecido novo misturava-se ao som abafado da torcida que começava a se aglomerar nas arquibancadas. Seu celular vibrou em cima de uma bancada. Ele olhou de relance: Jonas. Respirou fundo. Em outro momento teria atendido na hora, com um sorriso. Mas agora, não. Deixou o celular silenciar sozinho.

Do lado de fora, no meio da multidão, Jonas agia como se estivesse em uma missão secreta. Com ajuda de Rita, sua fiel escudeira e melhor amiga, conseguiu uma pulseira VIP que lhe daria acesso aos bastidores do Garantido. Era o tipo de coisa que ele jamais imaginaria fazer por um bumbá rival, mas seu motivo não era o vermelho — era Cauê.

Disfarçado com uma camisa cinza sem estampa, um chapéu de aba larga e óculos escuros, Jonas caminhava entre os torcedores que agitavam bandeiras e pulavam ao som das caixas. Seu olhar atento captava cada detalhe. Ele até reconheceu alguns rostos conhecidos do Caprichoso entre os presentes, algo raro em época de Festival, quando as rivalidades costumam acirrar os ânimos. Mas, no fundo, todos ali sabiam que a cultura era uma só. A paixão dividia, mas também unia.

— Até que o Tido sabe fazer um evento... Mas não barra o Caprichoso. — Resmungou para si mesmo, com uma pontada de orgulho azul.

Chegando à entrada lateral do palco, Jonas ergueu o braço, mostrando a pulseira ao segurança. Recebeu um aceno breve em resposta e foi liberado. O som das toadas aumentava à medida que se aproximava dos bastidores. Seus olhos procuravam um só rosto. Entre figurinos vermelhos, cabos, instrumentos e dançarinos apressados, ele seguia adiante, sem saber se conseguiria ou se deveria mesmo ser visto.

Os bastidores do Garantido estavam em ebulição. Entre cabos, figurinos pendurados, instrumentos sendo afinados e correria de técnicos, o clima era de tensão e esperança. Aquela noite não seria como qualquer outra: seria o primeiro "Curral do Garantido" no sambódromo de Manaus — um novo espaço que prometia elevar o nível dos ensaios, transformando-os em verdadeiros espetáculos.

Diferente do ambiente mais rústico e íntimo dos currais em Parintins, o sambódromo era imenso. As arquibancadas se erguiam como muralhas iluminadas, abrigando milhares de torcedores vestidos de vermelho e branco. O chão do sambódromo refletia as luzes dos holofotes, e uma leve neblina pairava no ar, efeito da fumaça cênica misturada ao calor tropical da noite manauara. As bandeiras do boi tremulavam ao vento, enquanto crianças corriam fantasiadas, imitando itens e personagens do bumbá com olhares de pura admiração.

A batucada já aquecia os tambores nos bastidores, e os backing vocal testavam os microfones com breves trechos das músicas do novo álbum. Os dançarinos estavam concentrados, ajustando adereços, conferindo os passos das coreografias.

As expectativas eram altas. O lançamento do álbum havia sido um sucesso retumbante, e agora todos esperavam que o ensaio ao vivo no sambódromo confirmasse que o Garantido estava pronto para o Festival de Parintins. O coração da galera vermelha e branca batia no ritmo da toada. Para muitos, aquilo não era apenas um ensaio, era uma promessa: a de que o boi da Baixa do São José iria estrear com força total.

Conforme o locutor anunciou o início do Curral, uma onda de aplausos e gritos tomou conta do sambódromo. O som dos maracás se espalhou pelo ar, seguido pelos primeiros acordes das toadas. O povo, em uníssono, respondia aos refrões com fervor. Era como se o Garantido estivesse ali, naquele instante, renascendo para mais uma temporada de glória.

Acostumado com a confusão dos bastidores, Jonas percorreu o espaço apressado, desviando de cabos, figurinos e técnicos que corriam de um lado para o outro. A tensão no peito apertava. Cada segundo perdido parecia um passo mais distante de Cauê. Vasculhou o palco, empurrou cortinas e até olhou pelos camarins improvisados. A urgência tomava conta de seus gestos quando, sem notar, esbarrou em alguém.

Se virou instintivamente, pronto para se desculpar — mas congelou.

Era Cauê.

O coração de Jonas acelerou como tambor em toada frenética. Sua boca secou e as palavras quase não saíram.

Cauê vestia uma fantasia estilizada: um paletó branco com detalhes em vermelho e dourado, um chapéu temático do Garantido e botas que brilhavam sob a luz dos refletores. Era como ver o próprio espírito do bumbá encarnado em uma figura humana.

— O que você está fazendo aqui? — Perguntou Cauê, a voz tensa, mas baixa, tentando manter o controle em meio ao caos dos bastidores. — Como chegou aqui?

— Avião. Eu peguei um voo de última hora.

— Entendi.

— Eu precisava falar contigo. As coisas ficaram estranhas entre nós, e eu... sinto a tua falta. — Jonas deu um passo à frente e segurou a mão do outro rapaz. — Eu sei que foi horrível te chamar de Rafael, mas eu juro, nunca mais vai acontecer.

Cauê hesitou, olhando ao redor como se buscasse uma rota de fuga.

— É complicado demais, Jonas...

— Mas eu preciso que você acredite em mim. — Jonas tirou os óculos escuros, revelando os olhos marejados. — Eu gosto de ti, Cauê. De verdade. E nada vai mudar esse sentimento.

Antes que Cauê pudesse responder, uma voz se impôs, forte e familiar:

— Filho?

Ambos se viraram de imediato. Era Milena.

Ela vestia um deslumbrante vestido vermelho com recortes que lembravam as formas dos galhos da samaumeira. Colares tribais pendiam pelo colo e os brincos em formato de boi Garantido balançavam levemente conforme ela caminhava. Os cabelos, presos com laços de fita vermelha, davam um ar de realeza indígena moderna.

Cauê se colocou à frente de Jonas, instintivamente.

— Mãe?

— Tu podes pegar meu celular? Esqueci no camarim. A apresentação começa em quinze minutos. — A mulher lançou um olhar curioso sobre o ombro do filho. — Teu amigo?

— Ah... sim. Esse é o Jonas. — Respondeu Cauê, visivelmente nervoso. Colocou a mão no ombro de Jonas como quem segura uma peça frágil.

— Prazer, Dona Milena. Sou um grande fã. — Jonas se aproximou, apertando a mão dela com respeito.

— O prazer é meu. — Sorriu Milena com educação. — Bem, filho, vou esperar o celular. Com licença, Jonas. — E se afastou com a mesma presença cênica que levaria ao palco minutos depois.

Cauê suspirou, voltando-se para Jonas.

— Você precisa ir embora. Se minha mãe desconfiar de qualquer coisa... é melhor não arriscar.

— Eu te mandei uma localização. — Jonas se aproximou novamente. — Por favor, eu te imploro, me encontra lá depois. Eu preciso de você.

E, antes que Cauê pudesse reagir, Jonas encurtou a distância e o beijou.

Foi rápido, mas intenso. Um gesto de saudade, um pedido de perdão, um sopro de esperança. Ao redor, alguns olharam, outros ignoraram. Jonas não se importou.

— Estava com saudades. — M

urmurou, antes de se virar e desaparecer pelo corredor.

Cauê ficou parado, com o coração acelerado. Passou a ponta dos dedos nos próprios lábios, ainda sentindo o calor do beijo. E, por fim, sorriu.

Naquela altura, Cauê já sabia de cor todos os acordes das toadas do Garantido. Ainda assim, cada apresentação o surpreendia. Era impossível se acostumar com a energia que explodia do público – aquele mar de gente vestida de vermelho e branco, vibrando a cada batida dos tambores, a cada passo ensaiado, a cada brado de "Viva o Boi Garantido!". Era contagiante. Era visceral. Decidiu afastar os pensamentos sobre Jonas e se entregou por completo àquele momento mágico.

No canto do palco, entre um olhar atento e outro acorde, ele acompanhava com admiração a performance da própria mãe. Milena parecia ter nascido para aquilo. A cada ensaio, sua presença de palco se tornava mais segura, sua conexão com o público mais natural. Era bonito de ver – e de sentir.

Durante os dias de preparação, Milena absorvera muito mais do que coreografias. Aprendeu com os músicos e brincantes as diversas formas carinhosas com que o Boi era chamado. "Boi do Povão", diziam com orgulho. Mas também "Brinquedo de São João", "Boi da Promessa", "Eterno Campeão" e "Oitava Maravilha". Cada nome carregava uma história, uma memória, uma promessa viva. O apelido "Perreché", antes um termo pejorativo, agora era um grito de resistência e pertencimento para a torcida apaixonada da Baixa do São José — o berço do Garantido.

Milena já era torcedora do Garantido há anos, mas agora o sentimento era mais profundo, mais vivido. Cauê, por sua vez, mesmo morando em Manaus a vida toda, nunca havia mergulhado com tanta intensidade na cultura do seu Estado. Era como descobrir um tesouro enterrado dentro de si mesmo. Estava encantado com tudo aquilo — a musicalidade, a ancestralidade, o fervor popular.

Após a apresentação, a equipe se reuniu no palco para fotos e vídeos com a assessoria de comunicação. O clima era de celebração, risos e abraços.

— Mãe, vou encontrar o Henrique e depois te vejo no hotel — Avisou Cauê, já se desfazendo da roupa de apresentação.

— Tudo bem, filho. Só não precisa fazer um striptease na frente de todo mundo. — Milena fez uma careta engraçada e apontou, rindo, na direção do camarim.

Cauê gargalhou e correu para o camarim. Pegou o celular e procurou por uma conversa específica. O nome de Jonas piscava ali, entre mensagens antigas e não respondidas. Com o coração acelerado, abriu a última mensagem.

Havia uma localização. Sem hesitar, clicou no link, chamou um carro de aplicativo e saiu, deixando o som do Boi ainda ecoando em seus ouvidos — como um chamado.

Após dois meses morando em Parintins, Cauê já não sentia falta do trânsito caótico de Manaus. A lembrança das buzinas, dos engarrafamentos e do calor preso nos vidros dos ônibus parecia tão distante quanto um sonho mal lembrado. Ainda assim, ele sabia exatamente onde ficava o prédio da família de Jonas — havia estudado por ali, passara várias vezes em frente àquelas ruas do Centro antigo, cercadas de árvores altas, casarões tombados e o vai-e-vem incessante de gente apressada.

O prédio se destacava entre as construções vizinhas. Moderno, com fachada de vidro espelhado e estrutura em concreto branco, contrastava com a arquitetura clássica ao redor. Uma portaria de granito polido dava as boas-vindas aos visitantes, e o símbolo do edifício, uma onça estilizada em aço escovado, reluzia sobre a entrada. Ali, Cauê sabia, morar era privilégio de poucos. O tipo de lugar em que cada metro quadrado custava o valor de uma vida inteira dedicada à música.

Desceu do carro e parou diante da entrada. Respirou fundo e anunciou seu nome no interfone. O porteiro abriu na mesma hora e, com um aceno discreto, indicou o elevador à direita.

No interior do elevador espelhado, Cauê se olhou de relance. Passou a mão no cabelo, ajeitou a gola da camisa, tirou uma bala de menta do bolso e a colocou na boca. O gosto fresco invadiu sua língua como uma pequena armadura contra o nervosismo. Quando o elevador apitou, avisando a chegada ao décimo terceiro andar, seu coração pulou.

Lá estava ele, em frente à porta do apartamento 1302.

Respirou fundo. Tocou a campainha.

A porta se abriu de supetão. Jonas estava ali, ainda com as roupas que usou mais cedo. Os cabelos desgrenhados, os olhos vermelhos. Mas foi no instante em que seus olhares se encontraram que tudo o que havia sido dito — ou deixado de ser dito — se dissolveu no ar.

Os olhos de Jonas se encheram de lágrimas, e ele puxou Cauê para um abraço urgente, desesperado, cheio de arrependimento e ternura.

— Me desculpa, eu fui um imbecil. — Lamentou Jonas, apertando Cauê contra o peito.

— O que mudou? — Sussurrou Cauê, sentindo o coração acelerar.

Jonas se afastou o suficiente para tocar seu rosto. As mãos quentes, trêmulas, mas firmes.

— Tu. Tu mudou a minha vida, Cauê. Antes de te conhecer, achei que ia morrer à sombra do Rafael. Só que ele morreu... e eu preciso seguir. Tu tá me ensinando a seguir, a perder o medo.

Ele respirou, os olhos brilhando com sinceridade crua.

— Eu não consigo mais viver sem ti.

— E os bois?

— Que se danem os bois, Cauê. Essa rivalidade precisa ficar só na arena do Bumbódromo. Eu tô disposto a enfrentar quem for pra te ter na minha vida. Te amo.

Cauê engoliu em seco. Nunca ninguém havia dito isso a ele antes. Nunca daquele jeito. Tão direto, tão sem vergonha, tão entregue.

— Você... — Soltou ele, quase em um sussurro. — Você me ama?

— Com cada célula do meu ser. Te amo que só, curumim.

Jonas o puxou para um beijo. Um beijo que não pedia permissão, mas também não tomava à força. Era um beijo carregado de tudo que havia ficado preso nos dias de distância, nas palavras engolidas, nos olhares desviados.

Eles foram se afastando devagar, fechando a porta atrás de si. As roupas foram saindo uma a uma, sem pressa, como quem desembrulha algo precioso. O toque de Jonas era gentil, reverente, como se estivesse aprendendo um novo idioma com as mãos. Cauê, por sua vez, se entregava com um misto de nervosismo e euforia, se sentindo pela primeira vez realmente desejado e amado.

A cama foi testemunha de um encontro de almas. Cada gesto, cada suspiro, cada gemido — nada era urgente, mas tudo era intenso. A respiração dos dois se misturava em banzeiros, ora calmos, ora vorazes. Quando os corpos finalmente se encontraram por inteiro, foi como se o mundo lá fora desaparecesse. Não havia Caprichoso, não havia Garantido, não havia briga nem arena. Só havia eles dois, nus e verdadeiros, descobrindo o amor entre lençóis e promessas mudas.

Depois, deitados lado a lado, os dedos entrelaçados e os corações ainda acelerados, o silêncio falou por eles. Um silêncio de plenitude, de acolhimento, de esperança.

Mas não duraria para sempre.

A temporada bovina estava apenas começando. Ensaios, agendas, pressões, rivalidades e olhares maldosos voltariam a bater à porta. E mesmo que ali, naquele quarto, tivessem encontrado um pedaço de céu, ainda precisariam de força — muita força — para manter aquilo vivo.

A pergunta pairava no ar, sem ser dita:

Será que um relacionamento resistiria ao Festival de Parintins?

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