Como eu vim parar aqui? Era a pergunta que eu me fazia repetidamente enquanto tentava entender por que estava sentada em um boteco imundo, à noite, no centro da cidade, indo contra tudo o que havia aprendido depois de anos assistindo ao Cidade Alerta. À nossa volta, havia apenas velhos decrépitos que, pela aparência, já estavam bebendo pinga muito antes de eu sair de casa pela manhã. Eles encaravam, a mim e à minha amiga Line, como se fôssemos o último pedaço de carne da Terra.
Eu sabia o como tinha ido parar lá, embora ainda tentava decifrar o por quê. Tínhamos ido ao centro para fotografar prédios antigos, por causa do trabalho final de uma matéria do curso de arquitetura que fazíamos juntas. E quando terminamos nossa missão, Line implorou para eu tomar uma cerveja com ela naquela pocilga, usando das menos sutis chantagens emocionais para isso: “Talvez seja a última vez que a gente pode sentar para beber junta, amiga.”
Em algum momento da sua infância, você e seus amigos saíram para brincar juntos pela última vez e ninguém sabia disso. Vi essa mensagem em um post no twitter e, confesso, chorei quando li, pensando exatamente na Line. Essa era a peculiaridade da nossa amizade, por ela ser uma intercambista dinamarquesa, eu sabia que em breve a gente não iria se ver mais.
Nunca imaginaria que ficaria tão emotiva com isso. Para falar a verdade, eu não gostei nada dela quando a vi pela primeira vez. Baixinha, loira, com potencial para ser a criatura mais adorável do planeta se quisesse, mas Line insistia em andar vestida inteiramente de preto, usando camisetas rasgadas estampadas com caveiras e demônios, e botas de coturno com salto alto, parecia sempre pronta para ir a algum show obscuro de rock no lugar mais decadente possível. Ela era o completo oposto de tudo o que eu acreditava e representava, e, como é comum diante do diferente, minha primeira reação foi a rejeição pura.
Então, quando fui sorteada para ser dupla justamente da Line Nørgaard, a rainha das trevas, fiquei bem frustrada. Mas agora, depois de tudo que havíamos enfrentado juntas, graças aquela convivência forçada, meu coração doía ao pensar que em breve ela iria embora. Talvez fosse por isso que naquela noite eu estivesse aceitando tudo que aquela dinamarquesa maluca pedia, inclusive beber no bar mais suspeito da cidade.
“Vamo embora Line… Eu não gosto do jeito que esses caras tão olhando pra gente.”, implorei para ela, tentando ver se conseguia convencê-lá de que talvez corríamos perigo.
“Para de ser medrosa, Eli”, ela respondeu sorrindo para mim. “Se você conhecesse esses velhinhos talvez até gostasse deles. Aquele ali no canto, tem olhos azuis bem bonitos, quem sabe hoje não é o dia de sorte dele e ele fode nós duas?”
Ela gargalhou da sua própria piada, enquanto eu sentia que nossos papéis estavam trocados. Ela, a estrangeira, parecia mais à vontade com os perigos do que eu, que sempre viveu por aqui.
Quando minha bexiga não aguentava mais, levantei para fazer xixi. A última coisa que eu queria era conhecer o banheiro daquele distinto estabelecimento, E também não queria por um segundo sair de perto da Line, mesmo sabendo que não havia muito que aquela dinamarquesa anã poderia fazer para me defender se aqueles velhos resolvessem dar vida às intenções estampadas em seus olhares.
Fiz o que tinha que fazer segurando o máximo que consegui a minha respiração, e quando saí do banheiro, tinha um senhor no corredor, bloqueando a minha passagem. Ele era alto, só pele e osso, deveria pesar menos que eu, e estava bêbado como um gambá, olhando para o chão e cambaleando.
Encostei minha bunda na parede, e olhando para baixo, tentei passar discretamente, na esperança de não chamar sua atenção. Mas quando cheguei perto dele, ele segurou meu pulso.
“Eu sei o que vocês duas estão fazendo aqui”, disse, tendo que interromper seu próprio raciocínio para soltar um arroto fedido no meu rosto. “Eu sinto o cheiro de longe quando uma vagabunda tá procurando rola.”
O velho fungou meu cabelo e passou a mão diretamente no meu seio, apertando como se quisesse verificar se eu era real. Congelei completamente.
“Os outros estão loucos pra pegar sua amiga loirinha… ela parece bem mais safada e é bem mais gostosa que você. Mas eu não”, disse ele, com seu hálito quente de pinga invadindo meu rosto. “Eu sei que atrás dessa carinha de santa e desse vestidinho de crente tem uma puta que só pensa em uma coisa.”
Meu peito doía de tão forte que ele apertava. Pânico puro tomou conta de mim quando sua mão deslizou para baixo do meu vestido. Sabia que precisava fazer algo, mas simplesmente não conseguia.
PLAFT.
Do mais absoluto nada, gritando palavras em sua língua natal, Line surgiu no corredor e deu uma garrafada na cabeça daquele velho, como uma viking, colocando-o imediatamente para dormir nos pedaços de vidro que se esparramaram pelo chão. Ela pegou minha mão e saímos correndo dali, antes que os amigos dele ou os garçons conseguissem saber o que havia acontecido.
E aquele era apenas o começo da nossa noite.
<Continua>
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