PARINTINS - O AMOR ESTÁ NO AR - 8 - ENCONTROS E DESENCONTROS

Um conto erótico de Escritor Sincero
Categoria: Gay
Contém 2770 palavras
Data: 09/07/2025 02:18:24

Abril chegou com promessas e avanços para o lado vermelho da ilha. Em Parintins, o clima era de empolgação. O Boi Garantido estava a pleno vapor: os itens alinhados, a banda em sintonia e o álbum oficial já tomava forma com ares de celebração. Milena, agora mais envolvida do que nunca, partira para Manaus ao lado do presidente do Garantido, onde participaria de uma série de entrevistas — e sua ausência abriu espaço para uma pequena fuga da rotina.

Foi assim que Cauê aproveitou a casa vazia. Um raro momento de solidão, e com ele veio o desejo de partilhar o próprio mundo com Jonas. Não aquele mundo da arena, dos ensaios ou dos olhares disfarçados. Mas o seu refúgio, seu espaço, sua intimidade. Convidou o "namorado" para conhecer sua casa.

Jonas aceitou, ainda que uma leve tensão lhe percorresse a espinha. Desde aquela primeira noite — nascida de uma urgência física quase inevitável — os dois não haviam se reencontrado em condições tão... suaves. Aquela tarde não seria ditada pela adrenalina, mas pelo tempo calmo. E isso o deixava nervoso. Como seu corpo reagiria sem a desculpa do impulso? Como seu coração se comportaria diante da ternura?

Ao chegarem, Cauê havia preparado — ou melhor, comprado — uma verdadeira festa sobre a mesa. Pão doce, bolo de macaxeira, pupunha cozida, tucumã, tapiocas com vários recheios, além de café e suco de cupuaçu. O cheiro era inebriante, e apesar da origem modesta das iguarias — uma padaria do centro —, tudo parecia carregado de intenção e afeto.

Cauê observava Jonas saborear os quitutes com entusiasmo, entre mordidas e sorrisos tímidos.

— Tá gostoso? — Perguntou, com os olhos brilhando de expectativa.

Jonas, com a boca cheia de tapioca de coco, respondeu entre risos:

— Ótimo. A tapioca da Dona Nanci é a melhor de Parintins.

— Como você?

O rapaz arqueou uma sobrancelha, mastigando devagar. Depois, pousou os olhos nos de Cauê.

— Relaxa, cara. Eu tô feliz por estar aqui. Tu não precisa se esforçar tanto pra me agradar.

Cauê sorriu, um sorriso que parecia alívio.

— É que eu gosto de ti. Sei lá, a gente mal começou, mas... eu sinto que deve ser.

O silêncio entre eles não foi constrangido. Foi cheio. Denso. Uma calmaria segura, como se o tempo tivesse cedido espaço para que se escutassem sem palavras.

Depois do lanche, Cauê levou Jonas até seu quarto. O espaço era simples, mas carregava a personalidade de um verdadeiro músico. As paredes tinham pôsteres desbotados de festivais regionais e frases rabiscadas em caneta preta. No canto, repousavam um violão, uma guitarra vermelha, um baixo preto e um teclado apoiado sobre uma mesinha. Não era organizado, mas havia beleza naquilo. Era um quarto com alma.

Jonas, curioso, pegou o violão e tentou arranhar algumas notas. Os dedos tropeçavam nas cordas. Não saiu nada melodioso, mas o esforço arrancou uma risada espontânea de Cauê, que já se espreguiçava na cama, deitado de lado, apoiando a cabeça na mão.

Jonas o observou por um instante. A forma como ele se acomodava com tanta naturalidade, como se aquele lugar — e agora, ele — fossem porto seguro. E isso... mexeu com ele. Forte. Mais do que esperava.

Deixou o violão de lado e, num gesto quase tímido, se deitou ao lado do rapaz. Se olharam em silêncio. O mundo parou de fazer barulho. O calor do quarto era suave, o som do ventilador girando criava um pano de fundo quase hipnótico.

E então veio o beijo.

Lento. Imantado. Sem urgência, mas carregado de presença. As mãos se encontraram, os corpos se aproximaram como se se buscassem há séculos. Cada gesto era sutil e cheio de cuidado — como se ambos temessem quebrar o encanto.

Jonas, sem perceber, se entregava por inteiro. Não havia mais medo em sua pele, nem dúvidas em seu toque. Ele guiava, respondia, explorava com a delicadeza de quem se permitia sentir. Cauê, por sua vez, se via em êxtase — não só pelo prazer, mas pela conexão. Nunca havia feito amor com alguém assim, com tanta verdade. Jonas superava qualquer expectativa carnal. Era alma, calor e sentimento.

O quarto testemunhou aquele encontro de forma silenciosa. Os instrumentos ali, as paredes, tudo parecia conter a respiração, como se respeitassem a beleza daquela entrega. Era sexo, sim, mas era também algo além. Era um rito íntimo entre dois jovens que, sem saber muito bem como, já começavam a amar.

Quando o silêncio voltou a dominar o espaço, após os corpos descansarem lado a lado, ofegantes e nus sob o lençol, Cauê virou o rosto e sussurrou, como quem revela um segredo precioso.

— Eu tô lascado por você.

Jonas sorriu, sem dizer nada. Apenas deslizou os dedos no braço do rapaz, como quem diz: "Eu sei. Eu também."

***

As paredes do Curral do Garantido tremiam com o som dos tambores, enquanto os dançarinos se moviam em perfeita sincronia sob as orientações da equipe artística. O suor, a tensão e a energia quase elétrica no ar eram sinais claros de que o primeiro ensaio técnico para o lançamento do álbum havia começado.

Milena, ao centro do palco, cantava com o coração aos pulos. O calor da cidade não se comparava ao calor das expectativas que pesavam sobre seus ombros. Embora amasse cada segundo sob os holofotes, toda aquela responsabilidade — estar à frente de um espetáculo tão importante — era o suficiente para lhe causar calafrios.

Naquela tarde, não houve pausas. Eles passaram por todas as músicas e coreografias, uma a uma, com precisão quase militar. Afinal, a festa de lançamento do álbum não era apenas uma celebração musical, mas um verdadeiro espetáculo em que todos os itens oficiais do Garantido — cunhã, pajé, tripa, sinhazinha, amo do boi — estariam presentes, reluzindo em cada passo, cada canto, cada batida.

Enquanto isso, a poucos quarteirões dali, no coração do Curral Zeca Xibelão, a movimentação era igualmente intensa. Jonas mal teve tempo de respirar desde as primeiras horas da manhã. Pela primeira vez, estava à frente do palco do Caprichoso. O comando do espetáculo agora recaía sobre ele — e ele sabia o peso que isso carregava.

Com o corpo artístico do bumbá azul, Jonas vinha desenhando um roteiro ousado, planejado para arrancar aplausos e corações dos brincantes. Cada elemento da apresentação havia sido cuidadosamente elaborado para surpreender, para emocionar — para mostrar que o Caprichoso estava pronto para fazer história.

Quando chegou ao curral, Jonas notou, ao longe, um carro vermelho e branco passando pela rua em frente ao complexo. Reconheceu de imediato: era um veículo do Garantido, carregado com adereços e figurinos.

O olhar de Jonas seguiu o carro por instantes a mais do que o necessário. E, como era de se esperar, seus pensamentos o traíram — ou apenas o levaram para onde seu coração já estava: em Cauê.

Apesar de estarem em lados opostos da arena cultural, os dois currais — o do Garantido, na "Cidade Garantido", e o do Caprichoso, no próprio Zeca Xibelão — estavam próximos o suficiente para que a lembrança se tornasse constante. Um bairro, uma esquina, um olhar — tudo podia ser sinal dele.

— Vão bando de urubu! — Bradou uma voz súbita, cortando seus devaneios como um trovão.

Jonas se sobressaltou. O coração disparou.

— Cacete, seu fuleiro. Quase me mata de susto — Exclamou, levando a mão ao peito enquanto buscava recuperar o fôlego.

Vlavlau riu da reação, com aquele jeito debochado de sempre.

— Sei, tava pensando no teu "Romeu", né? — Disse ele, dando uma cotovelada cúmplice no braço de Jonas, que se afastou, tentando disfarçar o rubor.

— Que, mané Romeu.— Resmungou, desviando o olhar.

— Quase comeu o carro do Garantido com os olhos. — Provocou Vlavlau, agora de braços cruzados. — Devem tá levando aquelas fantasias feias pro curral.

Jonas revirou os olhos, mas antes que pudesse retrucar, Vlavlau continuou:

— Deixa disso, homem. Não precisa desmerecer o Tido. — A brincadeira arrancou um sorriso de Jonas, ainda tímido, mas verdadeiro.

Apesar das farpas trocadas, havia uma verdade inegável no ar: em meio a rivalidades, provocações e ensaios, o sentimento que nascia entre os dois rapazes florescia com a mesma intensidade que o som dos bois nos currais de Parintins.

Durante o auge dos ensaios do Garantido, o clima no curral se tornava quase militar. Ribeiro Fonseca, presidente do bumbá vermelho, assumia ares de general. Entre a equipe, corria uma piada antiga: diziam que Ribeiro era o "mestre dos magos", pois conseguia estar em todos os lugares ao mesmo tempo. A verdade é que, com energia incansável, ele supervisionava figurino, música, dança, iluminação e até o café servido nos bastidores. Nada escapava ao olhar atento do presidente.

Mas, ultimamente, algo em Cauê chamava a sua atenção de forma especial. Ribeiro observava, em silêncio, a dedicação do rapaz, seu olhar sempre firme e a forma respeitosa com que se dirigia aos colegas. Havia nele um fervor familiar, quase paterno. Era impossível não lembrar de Aroldo, seu filho falecido ainda tão jovem. Talvez fosse isso — uma espécie de saudade disfarçada que o fazia querer proteger Cauê. E Milena... ah, Milena. Sua voz cortava o ar como um raio de luz em manhã nublada. Por isso ele lhe dera o apelido carinhoso de Raio de Sol da Amazônia.

Durante um dos ensaios gerais, Ribeiro pediu silêncio. Subiu ao palco com um microfone e, emocionado, olhou para o público.

— Nos últimos anos, o Garantido sofreu algumas perdas, mas eu sinto que este ano a gente chegou num patamar muito bom. — Sua voz embargava. — Eu sei que não sou fácil, mas o Garantido é minha paixão. Faço de tudo pra levar esse boi à vitória!

Um coro de aplausos rompeu entre os brincantes.

— Com a voz da Milena e a união dos nossos itens, a vitória é nossa!!! — Gritou, fazendo o curral vibrar. — E se preparem: na sexta tem ensaio técnico! Vão logo ficando com raiva de mim, porque eu vou perturbar mais ainda!

Enquanto isso, do outro lado do rio, no território azul, a energia era igualmente intensa. Otaviano, presidente do Caprichoso, também estava satisfeito com o primeiro ensaio geral. Subiu ao palco com o tradicional lenço azul no pescoço e agradeceu calorosamente aos itens e à equipe técnica. Mas, então, surpreendeu a todos com uma pergunta inusitada:

— Alguém viu o meu filho?

O murmúrio tomou conta dos bastidores. Em poucos minutos, localizaram Jonas nos fundos, carregando garrafas d'água com alguns funcionários. Estava suado, com a camisa manchada, mas o sorriso era sincero.

Quando apareceu à frente da multidão, Otaviano o puxou para um abraço inesperado. O beijou na testa, como se fosse um menino novamente.

— Esse aqui é o meu filho, Jonas. Sei que o último ano não foi fácil pra ele, nem pra nós. — Disse, com a voz firme, mas cheia de ternura. — Eu sei que ele não é perfeito. Mas é um guerreiro. E nas últimas semanas, algo mudou nele. Um brilho novo surgiu em seu olhar. Ele tem se destacado, se envolvido, tem dado o sangue por esse boi. Quero agradecer também ao Marcílio Dias, o nosso novo diretor de artes, que tem orientado o Jonas da melhor maneira possível.

— Não precisa agradecer, chefe. O Jonas é um garoto incrível e que tem um belo futuro pela frente. — Afirmou Marcílio, uma das novas promessas criativas do bumbá azul.

As palavras tocaram fundo. Jonas, que até então se mantinha firme, não conteve as lágrimas. O choro veio sem aviso, com a força de um rio cheio. Nunca esperara tamanha demonstração pública de afeto do pai. E, mesmo tomado pela emoção, não conseguiu evitar o pensamento que se infiltrava entre as batidas do tambor: será que o pai teria essa mesma aceitação se soubesse o que estava por trás desse novo brilho?

Otaviano sentia. Não com clareza, mas com o instinto de um pai que conhece o próprio sangue. Ele percebia que havia alguém. E mais do que isso — sabia que era Cauê. Aquele rapaz do Garantido.

Seu coração endurecido por rivalidades começou a ceder. Não era mais questão de boi vermelho ou azul. Era questão de amor. E ali, diante de toda a torcida azulada, algo dentro de Otaviano também começou a mudar.

***

Mas nem só de ensaio se viviam os jovens de Parintins. Na ilha tupinambarana, onde a paixão pelo boi-bumbá lateja em cada esquina, a juventude também encontrava tempo para celebrar. Naquela noite, uma nova festa agitava o coração da cidade. Cauê foi o primeiro a saber, e não hesitou em convidar Jonas. O convite foi aceito sem pensar duas vezes. Eles combinaram de se encontrar no local — Cauê só chegaria mais tarde, após um evento familiar no qual tocaria violão para a mãe.

Encerrado o compromisso, ele seguiu apressado até um banheiro público para trocar de roupa. Vestiu peças leves — uma camisa branca de linho com os botões abertos até o peito, short bege e sandálias de couro — tudo escolhido para aliviar o calor amazônico da noite. Nas costas, carregava sua inseparável mochila preta. O céu, salpicado de estrelas, acompanhou seu trajeto silencioso até a festa.

Ao chegar nas proximidades do bar, se viu diante de um pequeno caos. A conexão de internet, já precária em tempos normais, parecia ter desaparecido completamente. Procurou por Jonas no meio da multidão, mas não o encontrou. Resignado, pagou a entrada na bilheteria e esperou mais um pouco, os olhos atentos a cada rosto que passava. Por fim, resolveu entrar.

O lugar era como um refúgio encantado no meio da floresta. O bar, com seus dois andares de madeira robusta, exibia uma arquitetura que mesclava o rústico e o colonial. Sacadas de grade trabalhada transbordavam de gente sorridente, observando o movimento no térreo com olhos curiosos. Lampiões pendurados nas árvores balançavam com a brisa quente, espalhando uma luz âmbar que aquecia mais o coração do que a pele.

No chão de pedras lisas, mesas de madeira escura estavam dispostas em círculos amistosos. Amigos dividiam garrafas de cerveja e baldes metálicos com gelo, as gargalhadas se misturando ao som da música e ao aroma de comida típica — vatapá, carne de sol, tacacá — criando uma atmosfera que beirava o mágico.

Ao fundo, uma grande pintura vibrante estampava penas, rostos tribais e elementos dos bois Caprichoso e Garantido, lembrando a todos que, mesmo fora do Bumbódromo, o Festival vivia.

Cauê atravessou o pátio, dirigiu-se ao balcão e pediu educadamente para deixar sua mochila ali. Mal se virou, uma voz familiar o surpreendeu:

— Tá muito gato hoje, namorado. — Brincou Jonas, fazendo aspas com os dedos, o sorriso brincalhão iluminando seus olhos.

— Você também. — Respondeu Cauê, incapaz de conter um sorriso largo.

Jonas estava irresistivelmente simples: uma regata preta justa, colar indígena de contas vermelhas e azuis, bermuda preta e tênis azuis que pareciam novos. O contraste entre a pele morena e os acessórios dava a ele uma aura vibrante, quase cerimonial.

Mas antes que pudessem prolongar o momento, o trio inseparável — Jean, Alexandra e Maurinho — se aproximou com passos decididos. Cauê congelou por um instante. Lembrava vagamente de ter ouvido os três comentando sobre a festa dias atrás. Por um segundo, lamentou ter escolhido aquele bar para o encontro com Jonas.

Percebendo a tensão repentina no rosto do amigo, Jonas franziu a testa e lançou um olhar alternado entre ele e o grupo que se aproximava.

— Tá tudo bem, Cauê? — Perguntou, com um tom misto de receio e curiosidade.

Cauê, rápido em improvisar, respondeu:

— Tranquilo. Esse rapaz só perguntou as horas. — Desconversou, lançando um sorriso breve e pedindo desculpas com os lábios quando voltou o rosto para Jonas.

— Ah, tá. A gente vai tá ali perto do palco. Vai lá com a gente. — Explicou Jonas, sempre protetor com os amigos, antes de seguir com os outros três até o bar para fazer os pedidos.

— Desculpa. — Lamentou Cauê, se voltando para Jonas. — Já sei, vou dar um tempo com eles e depois a gente vai pra outro lugar. Pode ser?

Jonas hesitou por um instante, os lábios entreabertos, prestes a responder, quando uma nova interrupção chegou com intensidade e álcool:

— Jonas Benevides! — Exclamou Marcilio, visivelmente embriagado, arrastado por um desesperado Vlavlau, que parecia implorar por perdão com o olhar.

— Cara, o Marcilio insistiu em falar contigo. — Contou Vlavlau, fazendo discretamente um gesto para Cauê se afastar.

Cauê entendeu. A noite estava se desmoronando em pedaços pequenos, e cada detalhe parecia conspirar contra aquele encontro. Ele já suspeitava — talvez soubesse desde o início — que aquele bar, aquela festa, aquele momento... tinham tudo para dar errado.

A rivalidade entre Caprichoso e Garantido crescia mês após mês. Estava no ar, nos olhares, nas entrelinhas das conversas. Em meio a esse cenário, ele e Jonas buscavam algo frágil e audacioso: um espaço onde pudessem existir juntos, mesmo que tudo ao redor insistisse em separá-los.

Mas será que um relacionamento assim sobreviveria até o Festival?

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