O internato - Capítulo 23

Um conto erótico de Bernardo, Daniel e Theo
Categoria: Gay
Contém 2371 palavras
Data: 08/07/2025 22:03:11
Assuntos: Gay, Amor

Capitulo 23 - Inveja

...

Théo

Os dias passavam arrastados, todos iguais. Café da manhã com os mesmos amigos, aulas, almoço, mais aulas, jantar... e depois a parte mais difícil: dormir sozinho. Eu seguia a rotina no automático. Raramente falava algo nas conversas, só ouvia os outros rirem, se divertirem, viverem. Eu, por outro lado, só existia ali, meio invisível.

A real é que, talvez, o problema fosse minha tristeza grudada feito sombra. Ou quem sabe ele tenha enxergado o quão bagunçado eu sou por dentro. Só sei que o Nick estava se afastando. Cada vez menos beijos, menos carinhos, quase nenhuma visita ao meu quarto. Tudo nele estava diferente... até o sexo. Parecia mecânico, sem sentimento. Como se estivéssemos apenas cumprindo um roteiro. Nosso namoro estava desmoronando e ninguém queria dizer isso em voz alta.

— Théo? — Samuel me chamou naquele fim de tarde, quando eu saía do laboratório de química. Ele estava na quadra ao lado, onde tinha acabado a aula de educação física.

— Oi — respondi e acenei de longe para meu irmão, que também me viu dali.

— Você anda fugindo de mim, mas hoje não vai escapar — ele disse com um sorriso, mas no tom dava pra perceber que não era só piada.

— Eu não tô fugindo de você — falei encarando o chão, com o rosto queimando. Mentira descarada.

A verdade é que eu evitava o Samuel desde aquele dia, quase um mês atrás, quando ele disse que queria conversar. Eu até precisava conversar com alguém, mas não queria que fosse ele. O ex. O primeiro garoto que eu amei. A gente tinha virado amigos, claro, até por causa do meu irmão, mas eu só conseguia lidar com isso se fingisse que nunca tinha rolado nada entre nós. Era mais fácil assim.

— Eu te conheço, Théo — Samuel falou, com aquele olhar que um dia me fez perder o ar — Tá na cara que tá fugindo.

— Se enxerga, garoto — falei no automático, como sempre fazia com ele — Até parece!

Mas minha voz me entregou. Eu não tava bem, e ele percebeu. Samuel saiu da quadra e me abraçou forte. Um abraço apertado, acolhedor, como só quem conhece nossas feridas sabe dar. E eu desmoronei.

Chorei. Chorei igual criança. Igual no dia em que vi aquele monstro preso. Samuel não soltou, só me segurou firme, acariciando minhas costas.

— Tá tudo bem — ele sussurrou no meu ouvido — Tá tudo bem.

— Ele me odeia porque via em mim o que ele nunca quis ser — solucei.

— Eu sei — Samuel respondeu. E então disse: — Vamos sair daqui.

Assenti. Ele me pegou no colo, igual fazia quando a gente namorava. Alto, forte, como sempre foi, me carregou como se eu fosse leve feito pena. Encostei a cabeça no ombro dele, abracei seu pescoço e deixei que me levasse. Me levou pra arquibancada da piscina olímpica, que estava vazia naquele dia. Subimos até o topo e sentamos juntos.

— Desculpa chorar — falei, secando os olhos com as costas das mãos.

— Para com isso — ele sorriu e passou a mão no cabelo ainda úmido do banho — Às vezes a gente precisa botar tudo pra fora. Como você tá se sentindo agora?

— Idiota — confessei, meio rindo — Frustrado... e com raiva.

— Justo — ele deu de ombros — Mas você sabe que não precisa carregar isso tudo sozinho, né?

— Como assim?

— Seu pai pode te odiar, mas tem muita gente que gosta de você, Théo.

— Eu não vejo quem — falei, sincero — Meus amigos tão ali por causa do Nick. Ele é amigo deles. O Nick, aliás, tá cada dia mais distante. A gente tá por um fio. Bernardo só fala comigo se for inevitável. Me sinto... cada vez mais sozinho.

— Seus irmãos gostam de você. Sua mãe também — ele disse — E eu gosto muito de você.

Olhei pra Samuel. Aquele mesmo olhar que um dia fez meu coração sair do ritmo. E, por mais que tudo estivesse no passado, eu sentia que ele ainda guardava aquele carinho antigo. Nunca teve ninguém depois de mim. Esperava, talvez, que eu voltasse.

— Você não devia gostar — falei — Eu só machuco as pessoas.

— Eu sei — ele murmurou, e o silêncio entre nós entregou que ele também lembrava do nosso fim.

Na época, eu queria que ele se assumisse. Igual o Bernardo quis que o Daniel fizesse. Quando ele não conseguiu, eu explodi. Chamei ele de covarde, dei tapas nele, gritei que não queria ser segredo de ninguém. Disse que o odiava. E ele só respondeu: “Eu te amo”.

— Eu mereço ficar sozinho — falei — Mereço que todo mundo vá embora. A culpa é minha.

— Você acha mesmo que não merece ser feliz, Théo? — Samuel me olhou com firmeza — Depois de tudo?

— Eu fiz merda — contei tudo. Como fui contra o namoro do Daniel com o Bernardo, como ameacei expor os dois — Eu sempre estrago tudo.

— Você errou — ele reconheceu — Mas errou por medo. Por querer proteger quem ama. Isso não te faz um monstro.

— Não acho que foi por proteção — confessei — Foi inveja.

— Inveja?

— O Daniel sempre teve tudo! Amor, carinho, atenção. Era o orgulho da família. Eu era o rejeitado. Meu pai me odiava. Minha mãe tinha vergonha de mim por eu ser afeminado. Meus irmãos... nem percebiam o que eu passava. Principalmente o Daniel. Ele era cego pro que o pai fazia comigo.

Lágrimas voltaram. Eu falava, e doía. Mas era libertador.

— Quando eu era criança, meu pai me ignorava, me humilhava. Nunca quis ir na minha apresentação. Dizia que se eu fosse como o Daniel, talvez alguém gostasse de mim. Eu via ele com os meus irmãos... presentes, saídas, carinho. E comigo? Nada. Ele nunca me deu um beijo de bom dia. Nunca perguntou como foi meu dia.

Suspirei fundo.

— E por tudo isso... eu não queria que o Daniel fosse feliz com o Bernardo. Queria que ele continuasse infeliz. Que ele mentisse pra si mesmo e só percebesse o erro tarde demais.

— Então o problema é com o Daniel — Samuel falou, calmo.

— Sim — admiti — Eu amo meu irmão, mas... às vezes queria sumir dele. Às vezes queria protegê-lo, e às vezes queria machucar. É confuso.

Samuel ficou em silêncio. Depois falou:

— Mas o Daniel sempre esteve do seu lado, Théo. Sempre te amou. Sempre tentou te proteger.

— Eu sei! — gritei — E por isso me odeio. Porque mesmo sabendo disso... eu sinto raiva dele. Muita.

— Enquanto você guardar essa inveja, essa dor, essa mágoa... você não vai ser feliz. Tem que soltar isso.

— Mas eu não consigo sozinho — admiti, chorando.

— E você não tá sozinho — ele me abraçou de novo, firme, seguro — Nunca vai estar enquanto eu estiver aqui.

— Obrigado — murmurei com a cabeça encostada no ombro dele.

Nos afastamos só um pouco. Nossos rostos ficaram perto demais. Os olhos dele, castanhos, brilhando. A respiração... o hálito de hortelã. Os lábios, a centímetros.

E então...

— Théo? — a voz me chamou de volta.

Olhei pra baixo. Era o Nick. Olhar triste, mas calmo.

— Nick! — desci correndo — Não é o que você tá pensando. A gente só tava conversando!

— Eu vi — ele respondeu, sem levantar o tom — E vi que você ainda sente algo por ele.

— Amizade — tentei acreditar nisso.

— Eu não te culpo, Théo — ele segurou minha mão — Mas acho que... o nosso tempo acabou. Como tudo na vida.

— A gente não precisa terminar — implorei.

— Precisa, sim — ele respondeu, com os olhos marejados — A gente tá tentando manter algo que não faz mais sentido. Tivemos bons momentos... mas eles ficaram pra trás.

— Nick... — murmurei.

— Eu nunca vou te esquecer, Théo Villela — ele me deu um selinho leve — Cuida bem dele — disse, olhando pra Samuel.

— Eu vou — Samuel respondeu.

Nick me acariciou o rosto e se afastou. Eu voltei correndo pros braços de Samuel, que me acolheu de novo.

O resto do dia, ele ficou comigo. Me fez rir, me fez esquecer a dor. Mas quando a noite caiu, e eu tentei dormir... descobri que a solidão ainda morava ali.

A chuva começou. Os trovões fizeram meu coração disparar. Me senti ridículo, mas... apavorado. Peguei meu travesseiro, cobertor e subi as escadas. Cada degrau, uma batalha contra o orgulho. Mas eu cheguei lá.

Toquei três vezes. Bernardo abriu a porta, surpreso.

— Posso dormir aqui essa noite? — perguntei, com a voz baixa.

— Por que não foi atrás do seu namorado?

— Eu... não tenho ninguém. Me sinto sozinho.

Ele me olhou por uns segundos.

— Entra. Pode ficar naquela cama à esquerda.

Entrei, arrumei minhas coisas e me sentei.

— Me desculpa por tudo — falei — Eu devia ter sido seu amigo. Como você foi o meu.

— Devia mesmo — ele respondeu, se deitando — Mas agora eu vou dormir. Boa noite.

— Boa noite. E... obrigado por não bater a porta na minha cara.

— Eu nunca faria isso — ele murmurou.

Sorri, fechei os olhos... e dormi. Pela primeira vez em muito tempo, dormi em paz.

...

Bernardo

Me levantei da cama com cuidado pra não acordá-lo, mas Daniel tinha o sono leve e abriu os olhos azuis profundos, me encarando no escuro.

— Não tá conseguindo dormir? — ele perguntou com a voz arrastada de sono.

— Não — respondi, sem conseguir disfarçar o peso que me sufocava por dentro.

Nos últimos dois meses, minhas noites tinham virado um tormento. Toda vez que fechava os olhos, a culpa vinha como um soco no estômago. O que eu fiz com Daniel... era imperdoável. Eu o traí, e isso me corroía sem trégua.

Daniel sentou-se atrás de mim e me abraçou com carinho, encostando os lábios no meu pescoço, o que me deu um arrepio que contrastava com o frio que eu sentia por dentro.

— O que tá pegando, Be? — ele murmurou com aquele tom suave que sempre me desmontava.

As cenas de mim com Nick, no banco de trás do carro do pai dele, invadiram minha mente mais uma vez. O jeito egoísta e inconsequente com que eu me entreguei àquilo me fazia me odiar. Daniel não merecia aquilo.

— Dany, eu preciso te contar uma coisa — sussurrei com os olhos marejados — Algo que tá me matando aos poucos.

— Isso tem a ver com o que rolou entre você e o Théo? — ele perguntou, com um fio de esperança de que eu finalmente explicaria tudo.

— Também — respondi, respirando fundo pra encontrar coragem — Théo descobriu uma coisa sobre mim... e me ameaçou contar, se eu fizesse algo com o namorado dele.

— O Théo sendo o Théo — ele comentou, tentando aliviar o clima — Mas o que ele descobriu?

Virei de frente pro Daniel. O olhar dele era preocupado, mas cheio de amor. Um amor que eu sabia que estava prestes a destruir.

— Eu nem sempre fui quem você conhece, Dany — comecei, sentindo o coração disparar — Eu já fui alguém bem diferente. Alguém que você jamais imaginaria.

— Não tô entendendo — ele disse, confuso.

Em vez de tentar explicar, abri meu celular, entrei no iCloud e coloquei o vídeo. Entreguei o aparelho nas mãos dele.

Daniel assistiu tudo em silêncio. Nenhuma expressão. Nada que eu conseguisse interpretar. Mas por dentro, eu estava em pedaços, rezando pra que ele ainda me enxergasse com os mesmos olhos depois daquilo.

Quando o vídeo terminou, ele largou o celular na cama e me encarou. Durante segundos que pareceram horas, não disse nada. Então, com uma calma que me surpreendeu, falou:

— Esse aí não é você.

— É sim — murmurei, envergonhado, sem coragem de encará-lo.

Daniel segurou meu rosto com carinho, me obrigando a encarar seus olhos.

— Esse é você — disse ele, suave — O Bernardo do vídeo é alguém perdido. O que eu conheço é gentil, doce, alguém que me faz me apaixonar mais a cada dia.

Sorri entre lágrimas, tocado por suas palavras.

— Eu fazia aquilo direto — confessei — Tava sempre com raiva, vazio por dentro. Fazia sexo por fazer... com qualquer um. Me sentia um lixo. Como se não merecesse felicidade nenhuma.

— Não fala isso nunca mais — ele me envolveu com força — Você merece ser feliz. O que passou, passou. O que importa é quem você é hoje. E eu te amo.

Foi aí que desmoronei. Chorei como uma criança, o coração despedaçado, a alma congelada. A dor era insuportável.

— Não, Dany... — falei entre soluços — Eu não mudei. Continuo sendo o mesmo cara de antes.

— Você é melhor do que aquilo, Be — ele respondeu, agora chorando também — Você mudou sim.

— Eu te traí, Daniel — as palavras cortaram minha garganta, mas me libertaram ao mesmo tempo.

Ele congelou. Os olhos arregalados, a respiração sumindo. Era como se ele tivesse levado um soco no peito. Em segundos, o olhar doce virou raiva contida.

— Quando foi isso? — perguntou com a voz trincada. Fiquei mudo por um momento, mas ele não esperou — QUANDO FOI?!

— Dois meses atrás — falei tremendo.

— Com quem? — ele apertou meu braço com força — Fala logo, Bernardo!

— Por favor, não me obriga a dizer...

— FALA O NOME, PORRA! — ele gritou, me empurrando pro chão.

Meu corpo bateu com força no piso frio. Continuei chorando, me sentindo a pior pessoa do mundo. E ele ali, parado, com um olhar de alguém que perdeu tudo.

— Me perdoa, por favor...

— O nome, Bernardo! — gritou de novo, agora em desespero.

— Foi com o Nick.

Os olhos dele perderam a luz. Ele caiu de joelhos, sem fôlego, com a mão no peito.

— O Nick? — murmurou — Eu enfrentei a porra do mundo por você. Minha família, meus medos, quase morri. E você me traiu com o ex do seu cunhado?

— Eu sinto muito...

— NÃO ME CHAMA ASSIM! — berrou — Você não tem mais esse direito. Eu lutei por você. Acreditei em você. E você me ferrou de um jeito que ninguém nunca fez.

— Eu te amo...

— Você tinha razão — ele disse amargo — Você não merece amor nenhum. Você é um egoísta. E eu te odeio.

— Por favor, não faz isso...

— Adeus — ele pegou a roupa no chão, vestiu-se num segundo e foi até a porta — Não quero mais olhar na tua cara.

Saiu batendo a porta com tanta força que a casa inteira tremeu. Fiquei paralisado.

Não fui atrás. Sabia que não adiantava. A casa estava vazia, escura e fria. Meu pai fora passar a noite no tribunal, minha mãe internada, Mirian visitando a família... e eu sozinho, nu, na sala, encarando meu reflexo no espelho.

Só o que eu via era um cara destruído... e ciente de que tinha jogado fora a única chance real de ser felizContinua...

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 3 estrelas.
Incentive Histórias românticas a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.
Foto de perfil genéricaHistórias românticas Contos: 46Seguidores: 18Seguindo: 1Mensagem

Comentários

Foto de perfil genérica

Caraca, capítulo tenso mas talvez libertador porque as verdades foram ditas. Conto cada vez melhor, você está arrasando com essa trama. Nova arrumação das peças no tabuleiro da vida. Parabéns e obrigado. Volte logo.

0 0