PARINTINS - O AMOR ESTÁ NO AR - 7 - VAMOS TER QUE DESCOBRIR

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 2683 palavras
Data: 08/07/2025 00:46:52

Ensaio. Essa era a palavra de ordem para Milena e Cauê. Todos os dias, sem falha, mãe e filho mergulhavam em longas sessões que chegavam a durar sete horas. A apresentação daquele ano se aproximava, e o Garantido prometia emocionar no bumbódromo com o tema: "Garantido, o boi da alegria do povo". A responsabilidade era imensa — e a música, a alma do espetáculo.

Além dos ensaios, a equipe de música se dividia entre a gravação dos instrumentais e das vozes do novo álbum oficial, que teria dezenove faixas. Tudo precisava estar pronto para o grande lançamento em abril. Era uma rotina intensa, marcada por disciplina, repetições e suor, mas também por risos partilhados e pequenos momentos de respiro.

Entre uma música e outra, enquanto a banda ajustava tons ou aguardava orientações, Cauê aproveitava para conversar com Jonas. Eles não se viam tanto quanto gostariam, mas, aos poucos, haviam se tornado cúmplices. Havia ali uma amizade silenciosa, quase secreta, mas forte o suficiente para atravessar o peso dos sobrenomes que carregavam.

Cauê reclamava sobre a evasividade do presidente do Garantido — um homem que falava muito sem dizer nada —, enquanto Jonas contava os desafios diários ao lado do pai, presidente do Caprichoso, lidando com a produção e com a pressão. Os dois, mesmo em lados opostos do espetáculo, haviam encontrado um no outro um raro lugar de alento. Um espaço seguro, onde conselhos valiosos e desabafos fluíam sem medo.

Mas havia limites. Quando o assunto era oficial, evitavam qualquer novidade ou comentário. Sabiam que, se algo escapasse, seriam responsabilizados. A amizade entre os dois não era proibida, mas também não era bem-vinda — não naquele mundo onde tradição e rivalidade andavam lado a lado. Cauê era músico do Garantido. Jonas, herdeiro direto do Caprichoso. Qualquer deslize poderia comprometer não só a amizade, mas também a confiança de todos ao redor.

— E esses dedos nervosos? — Perguntou Milena, com um leve sorriso, ao ver o filho compenetrado no celular.

— Nada! — Respondeu Cauê, rapidamente bloqueando a tela e erguendo os olhos. — Já vamos voltar com os ensaios?

— Dez minutinhos — Explicou ela, sentando ao lado dele.

Em silêncio, Milena segurou a mão do filho com delicadeza. Os dedos de Cauê estavam marcados, as pontas ressecadas e cobertas por calos profundos. A pele grossa, sulcada, falava mais do que palavras poderiam dizer. Cada linha era uma cicatriz viva, deixada por horas incontáveis sobre as cordas do violão. Aquilo, para ela, não era apenas desgaste físico — era a marca de uma entrega total. Um mapa silencioso de paixão e persistência. Não pedia aplausos. Pedia apenas compreensão.

Desde pequeno, Cauê demonstrava talento para a música. Mas levou tempo até encontrar o instrumento que traduzisse sua alma. Milena ainda se lembrava da fase da bateria — ele tinha apenas treze anos e perturbava a casa inteira com os ensaios incessantes. Por sorte, era bom de ritmo e dominou o instrumento em tempo recorde. Depois veio o teclado, e com ele, um interesse mais profundo: estudar música de verdade.

Por trás daquele dom crescente, no entanto, havia inquietações que só uma mãe podia perceber. Milena se preocupava com a vida social do filho. Cauê não saía, não se conectava com outros jovens. Não era introspectivo, mas também não tentava se aproximar de ninguém. Havia algo ali que ela não conseguia nomear — até encontrar, por acaso, uma pesquisa no computador: "Sou gay?"

O coração apertou. Milena conversou com o marido. Juntos, sentaram com Cauê e abriram espaço para o diálogo. Foi uma conversa serena, mas profundamente emotiva. Entre lágrimas e abraços, prometeram ao filho apoio incondicional, não importando sua sexualidade. Pediram apenas uma coisa: cautela. Especialmente quanto ao sexo. Não por medo do amor, mas pelo mundo, que nem sempre sabe acolher quem ama diferente.

Milena olhou novamente para os dedos do filho. Tão firmes, tão marcados. Mas também tão sensíveis. Ali estava a força e a fragilidade de um jovem que amava com intensidade — a música, a família, talvez alguém além dos muros do Garantido. Ela apertou levemente sua mão, como se dissesse sem palavras: "Você não está sozinho."

O ensaio recomeçaria em breve. As vozes se alinhariam novamente, os instrumentos aqueceriam o ar, e a energia do Garantido tomaria conta do espaço. Mas, por ora, bastava aquele momento entre mãe e filho — feito de silêncio, de afeto e da certeza de que, mesmo entre tantas responsabilidades, havia espaço para cuidar do que realmente importa.

***

Durante os ensaios e as rodas de música no curral do Garantido, Cauê foi, aos poucos, se enturmando. Apesar da timidez que o atrapalhara por tanto tempo, descobriu ali um ambiente surpreendentemente acolhedor. Era impossível não se deixar levar pelo calor humano e pelas melodias que dançavam no ar. No meio de tudo isso, amizades brotavam com naturalidade.

Foi numa dessas rodas que recebeu o convite: um luau num dos balneários da cidade, à beira do rio. A noite prometia ser quente, vibrante, carregada de música e riso. Cauê, que nunca desperdiçava uma boa oportunidade de causar boa impressão, decidiu ousar. Trocou o estilo casual por algo que lembrasse mais os músicos do Garantido. Escolheu uma camisa vermelha do boi, uma bermuda leve e acrescentou um adereço no ombro, uma peça artesanal que vira nos figurinos dos artistas. Era um aceno sutil ao universo que começava a explorar.

Entre os nomes que agora figuravam no seu círculo, estavam Jean Figueiredo — filho de William, um dos músicos mais antigos da banda do Garantido; Alexandra Negreiros, uma social media carismática e cheia de energia; e Maurinho Batista, torcedor fervoroso do vermelho, que mesmo sem cargo ou função, sabia tudo sobre o boi. Jonas, por sua vez, estava fora da cidade, viajando para Manaus a trabalho. Isso deixava espaço para Cauê explorar outras conexões.

Naquela noite, ele se preparou com um entusiasmo juvenil. Em frente ao espelho, penteou os cabelos com capricho, ajeitando cada fio. Havia algo diferente no seu reflexo — talvez a tranquilidade de quem, por fim, deixava cair algumas barreiras.

Ao sair do quarto, encontrou a família espalhada pela sala. Os pais estavam no sofá assistindo a um filme, e César, seu irmão mais novo, estava no chão, cercado de papéis coloridos e uma cartolina quase completa.

— Em pleno século vinte quem pede um trabalho em cartolina? — Reclamou César, sem tirar os olhos do que fazia.

Cauê riu, acostumado com o perfeccionismo do irmão.

— Tá bonito, filho! — Disse Milena, levantando o polegar com orgulho de mãe.

— O mais bonito desse luau. — Acrescentou Eron, lançando um olhar brincalhão que fez Cauê revirar os olhos.

— Para, pai. — Respondeu, entre embaraçado e divertido.

César levantou os olhos com um sorriso malicioso.

— Quem sabe ele não desencalha, né? Vinte e quatro anos nas costas e não tem um namorado...

— Calado, seu... — Começou Cauê, mas foi interrompido pela vibração do celular. Uma mensagem piscava na tela: "Cheguei."

— O Jean chegou. Tchau pra vocês!

Com um aceno apressado e um sorriso nos lábios, Cauê saiu pela porta. A noite de Parintins o aguardava — quente, estrelada e cheia de possibilidades.

O luau que Cauê e seus amigos — Jean, Alexandra e Maurinho — participaram foi uma verdadeira celebração sob o céu estrelado da praia. O local era deslumbrante: uma grande estrutura em formato semicircular abrigava diversas barracas, todas elegantemente cobertas com tendas brancas triangulares, criando um ambiente vibrante e organizado mesmo com a areia sob os pés. As luzes espalhadas por todo o espaço iluminavam a noite com cores festivas, refletindo nas roupas e nos sorrisos dos presentes.

Ao redor, havia barracas de todos os tipos: comida regional, petiscos, churrasquinhos, bebidas variadas e até espaços de descanso. Cada canto pulsava com música, risadas e o vai-e-vem de gente animada. No centro, um palco montado para apresentações fazia a trilha sonora da noite ecoar sobre as ondas do rio.

Jonas, responsável por levar o grupo de volta em segurança, preferiu ficar apenas no refrigerante. Já Cauê, Jean, Alexandra e Maurinho se empolgaram. Passaram por várias barracas, experimentando drinks coloridos e diferentes tipos de cerveja artesanal. Compraram várias latinhas, garrafinhas e até algumas caipirinhas tropicais, que colocaram em um grande balde com gelo, improvisando uma espécie de cooler portátil que ficou entre eles enquanto se sentavam em cangas estendidas na areia, bem próximos ao palco.

A noite em Parintins estava animada. Risos, música e luzes coloridas compunham o cenário perfeito para Cauê, que, rodeado de amigos, se sentia leve. A energia era contagiante, e por um instante ele se permitiu esquecer as confusões do coração. Pegou o celular, tirou uma foto ao lado dos colegas e postou com a legenda: "Criando bons momentos."

A notificação chegou quase instantaneamente a um apartamento em Manaus. Deitado na cama, Jonas viu a imagem e sentiu algo estranho apertar o peito. O sorriso de Cauê cercado de pessoas, a leveza da cena, tudo aquilo mexia com ele.

— É ciúmes. — Disse Rita, com um tom certeiro, sentando-se ao lado do amigo.

— Que mané ciúmes! — Rebateu Jonas, meio sem convicção, ainda com os olhos grudados na tela.

Rita não respondeu de imediato. Apenas se deitou ao lado dele, os cabelos loiros espalhados pelo travesseiro, os olhos castanhos claros o observando com doçura.

— Ei, curumim... tá tudo bem sentir ciúmes. — Falou ela, com um meio sorriso. — O Cauê é o primeiro carinha que você me fala desde que o Rafa morreu.

Jonas fechou os olhos por um instante, como se o nome tivesse o poder de trazer à tona uma dor ainda mal resolvida. Suspendeu o celular e o deixou de lado, encarando o teto.

— Eu sei... mas sinto que estou traindo o Rafa, Rita. — Murmurou.

— Claro que não, rapaz. — Respondeu ela com firmeza. — Certeza que o Rafa já teria seguido em frente, se fosse o contrário. Ele tinha um fogo que só Deus sabe.

Jonas esboçou um sorriso fraco. A lembrança de Rafael vinha como brisa e tempestade ao mesmo tempo — reconfortante e avassaladora.

— E quando vocês voltam pra Parintins? — Perguntou ele, a voz carregada de saudade.

— Semana que vem. — Respondeu Rita, com um suspiro quase infantil.

Jonas cobriu o rosto com o braço, frustrado.

— Amanhã temos reunião com a empresa de guindastes, ou seja, vai ser uma semana difícil.

— Eu que o diga. — Murmurou Rita, agora ela quem se queixava. — Tenho uns quinze ensaios diferentes. Preciso de uma folga.

Cresceram juntos, entre os batuques e as cores do Caprichoso, herdeiros de famílias tradicionais, filhos de empresários respeitados no meio do boi-bumbá. Rita, apesar de sua aparência delicada — branca, loira, olhos cor de mel —, não teve caminho fácil para se tornar Sinhazinha da Fazenda. Passou por testes, avaliações e olhares desconfiados, até que os brincantes a acolheram como uma das suas.

No começo, muitos achavam que ela e Jonas formariam um par. Os pais alimentaram essa expectativa, sonhando com um casamento entre famílias. Mas a vida seguiu outro rumo. Jonas se descobriu, se assumiu, e Rita foi a primeira a abraçá-lo, sem reservas, com o amor genuíno de uma irmã de alma.

Jonas sabia da beleza de Rita — quem não sabia? —, mas para ele era só isso: admiração. O coração dele batia por outro, por alguém que naquele momento estava sorrindo em uma foto, sem saber o tumulto que causava do outro lado da tela.

***

Quando se está imerso num objetivo, o tempo se dissolve como água entre os dedos. Cauê já nem percebia mais as horas. Cada ensaio, cada acorde afinado, o fazia se sentir parte indissociável da alma do Garantido. Era ali, entre partituras e melodias, que sua paixão florescia, principalmente ao mostrar sua habilidade de ler arranjos e harmonizar os corações através da música.

Naquela semana, ele e Milena praticamente haviam se mudado para o estúdio. O lançamento do álbum estava marcado para abril, e o prazo apertado deixava o ambiente tenso, mas vibrante. Mãe e filho, cúmplices naquela empreitada, dividiam o cansaço e a alegria de estar contribuindo para algo maior. Cada gravação concluída era uma pequena vitória. E mesmo nos dias difíceis, eles se sentiam felizes.

Enquanto isso, em casa, Eron assumia o controle do lar com firmeza e doçura. O professor de História dividia suas tarefas entre artigos acadêmicos — como o que coassinara sobre a história dos bois-bumbás — e o cotidiano doméstico. Cozinhava, limpava, mantinha tudo em ordem com um amor quase invisível, mas fundamental.

César, o caçula, também encontrava seu caminho. Nerd assumido e orgulhoso, criara um grupo de soletração e agora sonhava em participar de um programa nacional da TV Mundo. Foi por meio dessa ambição que conheceu Felipa, uma garota de Parintins com brilho nos olhos e paciência nos gestos. Eles formavam uma dupla improvável, mas cúmplice.

Do lado azul, Jonas retomava seu protagonismo. Voltava a frequentar reuniões, contribuía nas decisões artísticas e ajudava a organizar os ensaios do Caprichoso. Afinal, a rivalidade exigia excelência de ambos os bois. E o álbum do Caprichoso também precisava nascer com força e brilho.

Naquela tarde de março, a chuva caiu grossa sobre Parintins. Jonas supervisionava os últimos ajustes na Casa dos Itens, um espaço recém-reformado onde os artistas principais do boi podiam descansar, focar e fortalecer o espírito antes dos grandes ensaios. Cada quarto abrigava dois deles, em esquema de rodízio. As refeições eram feitas em grupo, criando laços e diminuindo tensões.

A chuva apertou. E após mais um longo ensaio, Cauê se viu ilhado. A água subia pelas sarjetas, e ele, sem alternativa, abrigou-se num bar qualquer, do lado azul. Retirou rapidamente a blusa vermelha do ensaio e vestiu uma camiseta verde que carregava na mochila. Um gesto de autopreservação, mas também de ironia silenciosa.

Quando a tempestade perdeu força, ele decidiu tentar ir a pé para casa. Caminhava com pressa quando o céu desabou de novo, agora com raios ameaçadores. Viu uma garagem aberta e correu para dentro, torcendo para que não houvesse ninguém.

— Quem é tu? — Perguntou uma voz familiar atrás dele.

Cauê virou devagar. Era Jonas.

— Ah, é tu. — Disse, aliviado.

— É assim que tu fala comigo depois de tanto tempo sem me ver?

— Ah, pensei que estava curtindo com os carinhas em Manaus e...

— E isso é motivo pra tu não querer me ver?

Jonas tentava soar indiferente, mas a irritação lhe escapava pela voz. Cauê abaixou os olhos.

— Eu não te entendo, Jonas. Uma hora quer me beijar, outra diz que é melhor ir devagar. Depois fala do Rafael, sei lá. É muito confuso pra mim.

A tristeza na voz de Cauê cortou Jonas como uma lâmina.

— Desculpa. Eu tenho sido egoísta. Tu não merece alguém tão confuso. — Afirmou ele, mais baixo. — Eu falei com minha melhor amiga sobre ti...

— Pera... falou o quê?

Jonas hesitou, se aproximando.

— Eu não sei, Cauê. Tu bagunça comigo. Meus sentimentos são um redemoinho. — Encostou a testa na de Cauê, ignorando a chuva que encharcava ambos. — Mas eu sinto ciúmes. Só de imaginar alguém te tocando, te beijando...

Cauê quis recuar, mas seu corpo não obedeceu. A atração era mútua, inegável. Os lábios se encontraram com urgência, e o beijo foi como a tempestade: intenso, arrebatador.

Jonas o puxou para dentro da casa. Móveis novos, ainda envoltos em plásticos. O quarto mais próximo os acolheu como uma promessa.

As roupas foram tiradas com mãos trêmulas, entre beijos úmidos e olhares intensos. Nenhum deles disse uma palavra — não precisavam. A verdade estava ali, nos gestos cuidadosos, nos toques demorados. Jonas era firme, mas doce. Cauê, entregue, mas atento. Era mais do que desejo: era conexão, era uma confissão sem palavras.

Deitados entre plásticos amassados e lençóis limpos, os corpos se encaixavam como se sempre tivessem pertencido um ao outro. Jonas, pela primeira vez, não resistiu ao que sentia. E Cauê, entre sussurros e arrepios, percebeu a sinceridade por trás dos olhos dele.

Quando o silêncio veio, após os corpos desacelerarem e os corações ainda em disparada, foi Cauê quem quebrou o encantamento:

— E se... isso virar algo mais?

Jonas olhou para o teto, respirando fundo. A chuva lá fora começava a se afastar.

— Vamos ter que descobrir. Juntos. Mas eu não quero mais fugir.

Cauê assentiu, com um meio sorriso. A dúvida ainda estava ali, pairando como o cheiro de terra molhada. Mas havia também esperança.

E, por ora, isso bastava.

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