PARINTINS - O AMOR ESTÁ NO AR - 5 - LAÇOS

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 3559 palavras
Data: 05/07/2025 02:15:02

A noite ainda guardava seu silêncio quando as cordas de um violão começaram a ganhar vida na sala de estar. As luzes estavam baixas, o mundo envolto em seus próprios problemas, mas Cauê se concentrava em sua essência. Com o instrumento em mãos, os olhos semicerrados e o rosto levemente inclinado, ele deixava os dedos deslizarem pelas notas da melodia que compusera para César. "Irmão Cricri" era uma daquelas canções que misturavam afeto e provocação, uma homenagem brincalhona ao caçula ranzinza, mas amado.

A música fluía de maneira tranquila, entre notas suaves e palavras que dançavam com carinho. Cauê cantarolava com a voz baixa e concentrada, envolto em um mundo onde só existiam ele, o violão e a lembrança dos dias em que César implicava com tudo — e ele transformava aquilo em arte.

De pé à entrada da cozinha, Eron observava o filho em silêncio. Os braços cruzados e os olhos úmidos de ternura. Era nesses momentos que o coração do pai parecia se expandir — não por orgulho vaidoso, mas por aquela admiração profunda que só quem ama de verdade compreende. Por vezes, cobrava demais do primogênito. Esperava o máximo dele, como se Cauê fosse feito de luz e estivesse sempre pronto a iluminar o mundo. No fundo, era isso que Eron via: o ser mais especial que já conhecera.

— Eu ainda prefiro 'Carequinha'. — Disse ele, se referindo a música que Cauê criou em sua homenagem, quebrando o encantamento como quem estala os dedos diante de um sonhador.

— Pai, que susto! — Cauê se virou bruscamente, levando a mão ao peito. — Quase me mata do coração!

— Desculpa, não resisti a esse show privativo. Você é tão talentoso, filho. — Eron entrou no quarto com um sorriso caloroso, o olhar ainda perdido nas notas que pairavam no ar.

Cauê corou ligeiramente e abaixou os olhos, mas respondeu com um sorriso contido.

— Obrigado.

— De verdade, cara. Teu talento é natural. Agradeça à tua mãe, porque de mim, o dom musical passou longe.

— Eu sei disso, carequinha. — Brincou Cauê, levantando-se para abraçar o pai. — E sei que a sua música é a melhor, mas não conta isso pro César.

O riso de Eron ecoou pelo quarto, leve e sincero, interrompido apenas pelo barulho da chave girando na porta.

Milena surgiu com o frescor de quem acabara de sair de um salão de beleza. Os cachos negros haviam ganhado volume com extensões caprichadas e os cílios estavam perfeitamente desenhados. Ela entrou confiante, pisando como se desfilasse na própria casa.

Deixou a bolsa em cima do sofá. Foi então que Repelho pulou para fora, abanando o rabo, feliz por estar de volta em casa. O pequeno cachorro fazia sucesso nas redes sociais de Milena, principalmente por causa de sua fofura.

— Graças a Deus, Repelho! — Acariciando o animal. — Eu já estava achando que o cabeleireiro ia ficar para sempre cuidando dos meus cabelos — Disse, jogando os fios de um lado para o outro.

Eron, completamente encantado, foi em sua direção com aquele brilho nos olhos que jamais deixava de surgir quando a via.

— Olha só essa mulher. — murmurou antes de beijá-la com entusiasmo.

— Vão para um quarto, por favor! — disse Cauê, revirando os olhos e pegando Repolho nos braços. — Inclusive, vamos, Repelho. Que estamos sobrando aqui. Vou tomar um banho e dormir. Preciso acordar cedo. — Avisou Cauê. O jovem estava ansioso para o nascer do sol, afinal, seria um dia importante. Ou, ao menos, um dia estranho — afinal, ele ainda não sabia se o que teria com Jonas era um encontro ou apenas mais um mal-entendido.

***

Na manhã seguinte, Cauê despertou junto com aos galos, com o céu ainda pintado de cinza-claro. Abriu a janela e respirou fundo. O cheiro de terra molhada invadiu o quarto como uma memória antiga de paz. O banho foi demorado, quase meditativo. Depois, diante do espelho, ele escolheu a sunga preta, aquela de sempre, a favorita. Para evitar qualquer conflito visual no território rival, optou por roupas neutras: camiseta bege, bermuda jeans, nada de vermelho ou azul que pudesse levantar suspeitas.

Um boné escuro e óculos de sol completaram o disfarce. Se sentia num filme de espião — e talvez estivesse mesmo entrando em território inimigo. Ou quem sabe, em algo mais perigoso: o território do coração.

— Cuida de tudo, Repolho. — Cauê pediu para o cachorro que seguia os seus passos.

Antes de sair, Cauê deixou um bilhete sobre a mesa da cozinha: avisava aos pais que passaria o dia em um balneário da cidade. Nada mais, nenhuma explicação adicional — só o essencial. Pegou a pequena mochila com toalha, garrafa d'água e protetor solar, e logo chamou um mototáxi. O ponto de encontro era a imponente Catedral de Parintins.

Até aquele dia, Cauê só conhecera aquela parte da cidade à noite, envolta nas sombras e no brilho intermitente de postes e carros. Mas agora, com o sol matinal lavando tudo de luz dourada, viu a paisagem com outros olhos. O cemitério — normalmente encoberto pela penumbra — parecia dividir a cidade em duas metades silenciosas. E a Catedral, banhada por uma claridade quase teatral, se ergueu diante dele com uma imponência que o fez parar por alguns segundos. Era bela. Solene. Digna de registro. Ele tirou uma selfie rápida com o monumento ao fundo e a enviou no grupo de amigos em Manaus com a legenda: "Tour pela Parintins de verdade".

Quando o relógio marcava oito horas, o som de um motor irrompeu o silêncio da praça. Jonas Benevides apareceu, parando a moto com precisão no estacionamento da igreja. Usava uma regata colada ao corpo e uma bermuda jeans surrada, com rasgos intencionais que revelavam porções do seu bronzeado impecável. Era impossível ignorar a forma física que ostentava com um certo desdém. Cauê sentiu o estômago revirar — e não por fome. Ele, com sua camisa de algodão amarrotada e boné desbotado, de repente pareceu fora de lugar.

— Bom dia, luz do dia. — Disse Cauê, tentando manter o tom brincalhão, embora quase deixasse o capacete que Jonas lançou em sua direção escapar das mãos.

— Vem. — A resposta de Jonas foi seca, cortante.

Cauê arqueou uma sobrancelha, surpreso com a frieza, mas não questionou. Tirou o boné, ajustou o capacete e subiu na garupa. Assim que a moto arrancou, entendeu que aquele passeio não seria exatamente um momento de lazer. Jonas acelerava pelas ruas com uma urgência estranha, quase agressiva.

Assustado, Cauê segurou a cintura do outro com força. Era uma reação instintiva — a mesma que tinha quando Rafael, seu ex, apertava demais o acelerador.

— Que porra, quer matar a gente? — Gritou, tentando se fazer ouvir por cima do vento.

— Seria bom, né? — Respondeu Jonas, voz ríspida. — Achou que ia me enganar até quando?

Cauê não entendeu. O vento era forte, a cidade passava em borrões. Quando perceberam, já estavam nos limites da zona urbana.

— Para essa porra, seu idiota! — Berrou Cauê, o medo fazendo a voz tremer.

Jonas finalmente freou, derrapando a moto no acostamento. Desceu e começou a andar de um lado para o outro, nervoso, olhos faiscando com uma raiva mal contida. Não era só velocidade: havia algo mais ali, algo que fervia.

Enquanto isso, Cauê permanecia na moto, coração disparado, tentando recuperar o fôlego. Desceu com as pernas trêmulas, tirou o capacete e o atirou no chão. A ânsia venceu o orgulho — e ele vomitou na beira da estrada, o café da manhã se dissolvendo no asfalto quente. As lágrimas escorriam, misto de medo e indignação. Mas, logo, o medo cedeu lugar à fúria.

Ele se aproximou de Jonas, o empurrou com força.

— Qual o teu problema?

Jonas se virou de súbito.

— Quando você ia me falar?

— Falar o quê?

— Que é filho da Milena Alencar? O Ribeiro Fonseca te pagou quanto, hein? Usaram você pra me atingir. Me aproximei de ti, me abri, e era tudo jogo?

Cauê deu um tapa seco no pescoço do outro.

— Seu idiota! Você nem cogitou que eu podia ter gostado de ti?

— Ei! Sem violência — Pediu Jonas, erguendo as mãos.

— Sem violência? Tá vendo ali no chão? É o meu almoço! — Gritou Cauê. — Eu quero voltar pra casa!

O grito ecoou na estrada deserta, silenciando até os passarinhos na mata próxima. Jonas o olhou, surpreso. Nunca o vira assim, tão vulnerável e furioso ao mesmo tempo.

— Pera aí... tu gosta de mim?

— Isso não importa mais. Que ideia de girico foi essa, correr daquele jeito? E se a gente tivesse morrido? Sim, eu sou filho da Milena Alencar, mas ninguém tá me pagando porra nenhuma. Eu me aproximei de ti porque gostei do teu jeito. Da tua coragem. Do teu jeito besta de rir das próprias piadas.

Jonas abaixou a cabeça.

— Eu... desculpa, Cauê. Eu não queria te assustar. É que eu tô cansado. Tanta gente me atacando. Eu errei.

— Chateado? Eu tô puto da vida! — Afirmou Cauê, e saiu andando até a borda da mata, onde gritou com todas as forças.

Jonas o observou em silêncio, braços cruzados.

— Que diabo. — Murmurou. Depois, mais baixo, quase tímido. — Olha, desculpa. Eu fui infantil. Muito. É que eu tô ferido, e às vezes ferro quem chega perto.

Percebeu então que Cauê chorava em silêncio, o rosto virado para o mato.

— O que houve?

— Nada... só me leva de volta pra casa.

Jonas se aproximou, cauteloso. Tocou o ombro de Cauê com suavidade e o puxou para um abraço. O outro não resistiu. Apenas fechou os olhos e se permitiu ceder.

— Me perdoa — Sussurrou Jonas. — Eu fui um idiota. E você não merecia isso.

— Eu não estou chorando por causa de você, idiota. — Disse Cauê, tentando conter as lágrimas enquanto apertava os braços em volta do corpo de Jonas. — Pensei nos meus avôs.

— Seus avôs? — Jonas se afastou um pouco, confuso.

— Eles morreram em um acidente de moto.

O chão pareceu sumir sob os pés de Jonas. O peito apertou com um peso súbito. O rosto de Cauê, banhado pelas lágrimas, contava uma história de dor, e sua voz entrecortada dava vida ao relato: os avós haviam saído para um passeio de moto, e um caminhão os atropelara brutalmente. Não restara nada. Nem lembrança física. Nem despedida.

Jonas se sentiu a pior pessoa do mundo. O arrependimento o esmagou. Ele permaneceu imóvel, sem saber o que dizer ou fazer, com o coração batendo num compasso estranho — como se quisesse pular do peito e fugir daquele desconforto. Mas então, num piscar de olhos, a expressão de tristeza no rosto de Cauê se desfez, e um sorriso travesso surgiu em seus lábios.

— Você é muito bobo. — Soltou ele, limpando os olhos com as costas da mão.

— Como assim? — Perguntou Jonas, coçando a cabeça, desconcertado.

— Meus avôs não morreram, gênio. Eles estão bem em Manaus. Desculpa, mas tive que pensar em algo para me vingar.

— Seu... seu... — Jonas tentou encontrar palavras, mas o choque o paralisou. Ele acabou sentando no chão, atônito.

— A vingança é um prato que se come frio, quer dizer, quente aqui em Parintins. — Brincou Cauê, se abaixando ao lado dele. — Eu fiz algumas aulas de teatro no Liceu de Manaus. Te digo uma coisa, meu amigo: nunca mexa com um artista. Eu tô com calor. Vamos?

— Deixa só eu me recuperar. — Respondeu Jonas, ainda tentando processar o golpe teatral.

Cauê o observou com mais ternura agora. Seus olhos brilhavam sob a luz difusa do luar, e havia uma doçura genuína em seu sorriso.

— E, cara, de verdade. Eu gosto de ti.

Sem dar tempo a Jonas para responder, Cauê se aproximou, apoiando as mãos no chão ao lado do corpo dele. Suavemente, encurtou a distância entre seus rostos e o beijou. Os lábios se encontraram num toque quente, demorado, com o mundo inteiro silenciado ao redor. Jonas sentiu o calor do corpo de Cauê sobre o seu quando ambos caíram de leve na grama. Um riso abafado escapou, mas foi rapidamente engolido pela intensidade daquele beijo.

Mas então... uma sombra passou pela mente de Jonas.

Rafael.

O nome e o rosto de seu ex-namorado surgiram como um trovão no céu calmo. Como um susto, a lembrança se impôs com força, e o calor que o preenchia se dissipou. Seu corpo travou. A única reação possível foi afastar Cauê, delicadamente, mas firme. Ele se levantou, pegando o capacete no chão com um gesto rápido.

— Vamos, antes que fique tarde.

— Jonas, está tudo bem entre a gente, né? — Cauê piscou, confuso.

Jonas não o olhou nos olhos. Apenas assentiu com um sorriso contido.

— Sim.

E antes que Cauê pudesse insistir, Jonas encaixou o capacete com cuidado na cabeça dele, como quem, mesmo sem palavras, ainda queria proteger.

Após uma conversa acalorada, Cauê montou na moto e mais uma vez abraçou a cintura de Jonas, algo que ele gostou de fazer. Não demorou muito quando os dois chegaram ao Balneário Cantagalo.

O sol da manhã resplandecia sobre as águas serenas do Balneário Cantagalo, quando Jonas estacionou a moto na sombra de um ipê florido. O calor era intenso, mas logo se tornava mais ameno com a brisa que vinha do rio, trazendo consigo o cheiro de água doce e vegetação úmida. Cauê desceu do veículo com passos cautelosos, os olhos atentos ao novo cenário que se desdobrava diante dele.

— Bem-vindo ao paraíso — Avisou Jonas com um sorriso preguiçoso, já tirando o capacete e ajeitando os cabelos molhados de suor.

Cauê olhava em volta com deslumbramento. Nunca estivera em um lugar como aquele. Árvores altas margeavam um calçadão de pedras claras, onde esculturas de garças brancas com bicos amarelos pareciam vigiar o rio em silêncio. O reflexo da luz nas águas criava faíscas douradas, enquanto ao fundo, um grupo de moradores se sentava sob as sombras, jogando conversa fora em cadeiras de plástico, cercados por garrafas de refrigerante e isopores.

— Isso tudo é... lindo — Murmurou Cauê, tirando os óculos escuros para ver melhor. Os olhos dele se fixaram nas redes coloridas estendidas entre os troncos de madeira na margem da praia. Vermelha, verde, amarela, azul — cada uma balançava suavemente sobre a areia fina, que cintilava sob o céu aberto. Jonas riu.

— E ainda nem molhamos os pés. Espera só até sentir a água.

Eles caminharam pelo deque de madeira que avançava sobre o rio, um ponto de encontro para os que preferiam mergulhar longe da margem. Crianças riam e se atiravam sem medo. Jovens se penduravam nas redes para tirar fotos ou apenas cochilar embalados pela calmaria. O contraste entre o céu azul e o verde espelhado da água criava uma paisagem de cartão-postal.

— Você vem aqui sempre? — Perguntou Cauê, tentando conter um sorriso.

— Quase todo fim de semana. Quando o rio abaixa assim, é impossível resistir. — respondeu Jonas, já tirando a camisa e revelando o tronco bronzeado. — E agora, com você aqui, ficou ainda melhor.

Cauê corou, desviando o olhar para as árvores do outro lado do rio. Ali, o rio Amazonas se estendia largo e tranquilo, como uma estrada líquida que levava à vastidão da floresta. Ele sentiu que estava pisando em um pedaço vivo da Amazônia, onde o tempo corria mais devagar e os corpos encontravam alívio na simplicidade.

Ali, entre sombras de árvores e a luz que dançava nos banzeiros, Jonas puxou a barra da bermuda para baixo com naturalidade, revelando uma sunga azul-marinho que moldava seu corpo com precisão quase desleal.

Cauê, que até então observava o rio fingindo distração, sentiu o estômago revirar com uma súbita inquietação. Os olhos, traidores, correram pelo corpo do outro rapaz — o peito bem definido, os ombros largos, os músculos das pernas torneadas pelo hábito da dança e das andanças pelo Bumbódromo. A pele, queimada de sol, parecia brilhar sob a luz, como se o próprio verão tivesse escolhido Jonas como morada.

Uma coisa que Cauê percebeu foram algumas cicatrizes na perna direita de Jonas, que foram resultado do acidente de um ano atrás. Até mesmo as marcas conseguiam deixar o rapaz charmoso. Por outro lado, Jonas não parecia perceber o efeito que causava. Com os pés já submersos na água, se inclinou para molhar o rosto, os cabelos escuros escorrendo gotas ao longo da nuca e do tórax. Cauê desviou o olhar antes que fosse tarde demais.

Engoliu em seco e ajeitou o cós do próprio short jeans, ainda seco. Usava uma sunga por baixo, claro — uma preta, discreta — mas a ideia de tirá-lo agora... nem pensar.

Uma brisa mais fria soprou, mas nada o fez esquecer o pensamento que insistia em se repetir. Era perigoso. O corpo o traía com facilidade, e a simples presença de Jonas, assim, tão à vontade, era mais do que suficiente para despertar reações que ele não podia — ou não queria — explicar.

"Melhor ficar de short mesmo", pensou, forçando um meio sorriso, enquanto fingia procurar algo na mochila. O pano do short, por mais incômodo que fosse molhado, era também uma proteção. Contra o frio e contra si mesmo.

Jonas se virou para ele, acenando.

— Ei, maninho, tu vai ficar aí parado? A água tá boa demais!

— Já vou... — Respondeu Cauê, tentando manter o tom leve, embora a voz lhe saísse um pouco rouca. — Tô só esperando o sol "esfriar" mais...

Quando Cauê entrou na água, o frescor do rio subiu por seu corpo como um arrepio bom. Ele riu alto, jogando a cabeça para trás. Jonas o observava, encantado com a forma como o outro se rendia àquele momento.

Não demorou muito até que o Balneário começasse a se encher de gente. O som das caixas espalhadas pelos cantos misturava risos, vozes animadas e o ritmo contagiante das toadas de Caprichoso e Garantido. A alegria era quase palpável, vibrando no ar como se o próprio rio cantasse em honra ao Festival. Entre o tumulto que se formava na margem, Cauê logo percebeu o risco de serem vistos. Para evitar colocar Jonas em uma situação embaraçosa, saiu discretamente da água, resgatou seu chapéu de palha e o enfiou na cabeça. Se sentiu como uma celebridade escondendo um romance proibido, um segredo que ainda não podia ser exposto à luz do sol.

Apesar do disfarce improvisado, o restante da manhã seguiu leve, prazeroso. Entre um mergulho e outro, os corpos dos dois se esbarravam, ora por acaso, ora por vontade. Cauê não perdia a chance de tocar sutilmente a pele de Jonas — um deslize de dedos pelas costas, uma mão que demorava demais a se afastar. Era o flerte disfarçado de brincadeira, a tensão camuflada por sorrisos.

Mais do que carícias, havia espaço para troca. Jonas, deitado de costas na água como quem flutuava no tempo, se abriu sobre o acidente que mudara sua vida. Contou sobre os meses arrastados de fisioterapia, da frustração que ainda carregava por não poder mais dançar. Apesar disso, fazia questão de ajudar o pai nos preparativos do bumbá. Entendia, agora mais do que nunca, o amor quase sagrado que o velho nutria pelo Caprichoso.

Cauê, tocado pela sinceridade, resolveu abrir parte de si também. Falou da mãe, a maior incentivadora da sua jornada musical. Contou sobre os muitos instrumentos que sabia tocar, mas que o violão era sua paixão verdadeira. E confessou, quase com culpa, que não fazia ideia do que queria da vida. Sabia que era privilegiado, mas isso não tornava mais simples a escolha de um caminho. Talvez seguir como professor em alguma escola de música. Talvez viajar, se juntar a uma banda em outro país. Ou talvez... nada disso.

— Somos jovens, cara. — Disse Jonas, com a serenidade de quem já conhecia as voltas tortas da vida. Boiava ali ao lado de Cauê, os olhos fechados contra o sol. — Não te cobra tanto. Apenas vive um dia de cada vez e tenta te encontrar nesse processo louco que chamamos de vida.

Cauê riu baixo, espirrando um pouco de água com as mãos.

— Fala isso para o meu pai.

— Problemas com o papai?

— Quem não tem? — Indagou, e Jonas assentiu, se lembrando dos próprios embates com Otaviano.

— É verdade.

— Não que ele seja uma pessoa ruim, longe disso. — Se apressou Cauê, gesticulando exageradamente e molhando quem estivesse perto. — Meu pai é a melhor pessoa do mundo. Sabia que ele conheceu a minha mãe fazendo uma pesquisa aqui na Amazônia?

— Sério?

— Sim. Ela estava cantando numa festa da Universidade Federal do Amazonas. Ela fazia parte de um grupo local, cantavam uma música do Carrapicho, "O amor está no ar". Eles se apaixonaram ali mesmo. E já se vão mais de vinte e cinco anos juntos. Jonas sorriu, sincero.

— Quem fez essa música foi o Chico da Silva. Ele compôs outras pedradas, tanto pro Garantido quanto pro Caprichoso. — Explicou Jonas.

— Sério? Que legal.

— Mas que história maneira essa dos teus pais. Os meus são divorciados. Agora o meu pai vive de namoricos. Espero que um dia o velhote encontre alguém, sabe, se apaixone.

Disse isso num tom leve, quase casual. Mas então, como que lembrando de repente de quem era Cauê, filho de quem ele era, soltou um suspiro contido. Um breve silêncio se instalou entre os dois. Não era incômodo, mas carregava em si um peso sutil. Como se, por um instante, a leveza do rio parasse para observar os dois jovens à deriva, tentando se encontrar — um no outro, e em si mesmos.

Por ironia do destino, uma das caixas de som começou a tocar a canção 'O Amor Está no Ar'. Os dois se entreolharam, nervosos, como se soubessem que estavam prestes a se meter em uma enrascada. Mas quem é que manda no coração?

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