Com a mente ainda fervendo pelos últimos acontecimentos, decidi não conversar com meu pai naquela noite. Não havia clima, nem energia emocional para isso. Eu já havia sentido demais, desejado demais, cedido demais. Só queria silêncio.
Subi direto para o meu quarto.
Assim que meu corpo tocou o colchão, fui engolido por um cansaço tão profundo que nem percebi o tempo passar. Simplesmente apaguei — sem sonhos, sem devaneios. Um sono escuro, absoluto. Como se meu corpo precisasse se desligar da realidade para se proteger de mim mesmo.
Quando o despertador tocou, o som foi tão irritante quanto violento. Me fez saltar da cama num susto, o coração disparado, a respiração entrecortada. Por um segundo, nem sabia onde estava. Acordei com o corpo mole, mas com a mente um pouco mais limpa. Segui com a rotina, ainda em piloto automático.
Fui para o banheiro.
A água do chuveiro caiu sobre meu corpo como uma espécie de bênção silenciosa. Fechei os olhos e deixei que o calor escorresse por mim, como se pudesse me lavar por dentro também — arrancar a tensão da luta, a culpa do desejo, o cheiro do meu pai que parecia ainda grudado na minha pele.
Passei o sabão lentamente. Deslizei pelas curvas do meu corpo com as mãos firmes, como se cada parte tocada fosse uma tentativa de purificação. Meus dedos passaram pelas coxas grossas, pelo abdômen trincado, pelos pelos ralos do peito... até entre as pernas, onde a espuma acumulava e a lembrança dele voltava, inevitável. Firme, quente, roçando em mim como uma ameaça que eu ansiava.
Respirei fundo e terminei o banho tentando manter o controle.
Frente ao espelho, ainda nu, encarei minha imagem com mais atenção do que de costume. Pela primeira vez, realmente me vi.
Os olhos verdes — intensos, quase felinos — contrastavam com a pele morena, herança da linhagem indígena da minha mãe. O rosto angular, a mandíbula marcada, os lábios carnudos e rosados... tudo ali carregava uma beleza crua, masculina, mas também uma certa fragilidade silenciosa. Uma tensão entre força e desejo não resolvido.
A barba curta, bem desenhada, me dava um ar mais sério. Mais homem. Mais... perigoso. E naquele reflexo, percebi o quanto eu estava diferente. Não era só físico. Era algo por dentro. Algo que havia despertado.
O Javier de ontem não era o mesmo que agora me observava dali.
Esse agora... parecia pronto pra jogar outro tipo de jogo.
….
Depois daquele momento íntimo diante do espelho, vesti uma roupa leve — camiseta branca justa e um short de algodão que realçava minhas coxas — e desci para o café da manhã.
Como sempre, a mesa estava absurdamente farta: pães variados, frutas cortadas com perfeição, bolos de diferentes sabores, sucos, café fumegante... uma fartura que mais parecia encenação de comercial de margarina. Nunca entendi aquele exagero todo — uma mesa de vinte lugares para uma casa com tão pouca gente. Comida demais, vozes de menos. Silêncio caro.
Sentei e comecei a comer um pão ainda quente, o sabor quase sem importância diante da minha distração. Foi então que meu pai apareceu.
Alto, imponente... e vestido com roupas de tênis.
Uma camiseta polo branca colada ao peito, short justo que deixava as coxas musculosas em evidência e um par de tênis limpos, quase reluzentes. O detalhe? Hoje não era dia de treino.
Minha curiosidade foi imediata. Aquela roupa não estava ali por acaso. Algo estava prestes a acontecer — e como todo bom brasileiro que adora uma fofoca, principalmente quando envolve um homem gostoso com segredos, eu fiquei em alerta.
— Bom dia! — soltei, com uma entonação que disfarçava mal a minha curiosidade.
— Bom dia — ele respondeu, sem me olhar muito, sentando-se com a calma habitual, como se a tensão que me consumia fosse só minha.
Mas meu pai... me conhecia.
Ele parou por um segundo, pegou uma xícara de café e, antes mesmo de beber, arqueou uma sobrancelha.
— Fala.
— O quê? — rebati com um sorriso, tentando bancar a inocência.
Ele me olhou de lado, olhos semicerrados, tomando um gole como quem saboreava o jogo antes da primeira jogada.
— Deixa eu adivinhar... — murmurou, com aquele tom entre o autoritário e o cúmplice. — Tá se perguntando pra onde eu vou todo arrumadinho assim.
— Talvez — respondi, apoiando o queixo na mão, como quem assiste a uma peça prestes a começar.
Ele pousou a xícara com calma, um leve sorriso no canto da boca.
— Pelo visto... você não lê a sua própria agenda — disse ele, soltando um suspiro que parecia mais pesar do que cansaço.
E então completou, com a voz controlada:
— Hoje vamos visitar um velho amigo. Jogar uma partidinha.
— Amigo? — repeti, franzindo o cenho. — Desde quando você joga com alguém que não seja eu ou o pessoal do clube?
— É uma exceção — disse, já se levantando. — Você vem também. Afinal... é importante que conheça bem sua nova família. Especialmente o patriarca.
Foi como um estalo.
Ele estava falando do meu — infelizmente — futuro sogro.
— Fabrizio.
Minha respiração falhou por um segundo. Eu já tinha ouvido falar dele. Homem poderoso, bonito, frio. Diziam que tinha mãos firmes nos negócios... e nos prazeres.
Engoli seco. O tênis. A visita. A forma como meu pai parecia... tenso, mas tentando esconder.
Havia algo ali que não era só social.
Era pessoal.
Muito pessoal.
...
A estrada que levava até a propriedade dos Castros era cercada por altos pinheiros perfeitamente alinhados, como se até as árvores soubessem que ali dentro tudo precisava estar sob controle. O carro preto deslizava em silêncio sobre as pedras brancas, enquanto dentro de mim o caos fervia.
Ao meu lado, meu pai mantinha-se calado. Postura firme, olhos fixos à frente. Impossível saber o que se passava naquela mente — mas algo em sua rigidez me deixava alerta. Não era só um encontro casual, eu sentia.
Quando os portões de ferro se abriram, revelando a mansão, uma sensação estranha percorreu minha pele.
Era um casarão clássico, imponente, com colunas esculpidas e jardins podados com precisão. Tudo ali exalava poder. Mas não um poder qualquer — era o tipo de poder que exigia silêncio. E submissão.
Assim que descemos, um funcionário engravatado nos guiou sem dizer uma palavra até os fundos da casa, onde ficava a quadra de tênis. O sol batia forte, mas o ar parecia mais frio. Ou talvez fosse só o meu estômago revirando.
E então, ele apareceu.
Don Fabrizio Castro.
Alto, corpo atlético, a barba cinza bem aparada e o cabelo penteado para trás com um cuidado que parecia calculado. Vestia uma camisa polo preta, justa no peito largo, com as mangas dobradas na medida certa para revelar antebraços fortes e veias discretas. Os olhos? Azuis. Profundos. Inquietantes.
Havia algo na forma como ele andava, como se o mundo inteiro já tivesse se curvado para ele antes mesmo de nascer. Um homem que não pedia permissão — só dava ordens. E recebia prazer.
— Dante — disse ele, abrindo um sorriso contido ao se aproximar.
— Fabrizio — respondeu meu pai com firmeza, mas sem aquele tom casual de velhos amigos. O aperto de mãos entre eles foi firme… longo… intenso demais para ser apenas educado. Mas ninguém disse nada. Nem eu. Talvez só fosse coisa da minha cabeça.
— E este deve ser Javier — disse o homem, voltando o olhar para mim. Me observou por um segundo inteiro antes de sorrir. — A genética foi generosa com você.
Senti o calor subir pelas bochechas. Meu pai permaneceu em silêncio ao meu lado. O maxilar dele pareceu tensionar sutilmente, mas não comentei. Havia algo ali... mas o quê?
— É um prazer — murmurei, tentando parecer natural, embora cada centímetro da minha pele estivesse em alerta.
Fabrizio se afastou até o banco onde repousavam duas raquetes. Pegou uma, testou o peso e deslizou os dedos lentamente sobre o cabo, como se tocasse algo precioso. Ou íntimo.
— Espero que esteja pronto para jogar — disse, de costas para nós. — Gosto de testar os mais jovens. Ver até onde aguentam... antes de começarem a suar.
— Ele aguenta mais do que parece — disse meu pai, com um tom casual. Mas... havia algo naquela resposta. Algo que eu não consegui nomear. Talvez só uma provocação entre homens. Talvez... mais.
Fabrizio se virou, com a raquete na mão e um leve sorriso nos lábios.
— É sempre bom saber do que o futuro da família é feito
— disse, os olhos vagando por mim, depois retornando ao rosto de meu pai. — E você sabe... às vezes, a verdadeira força não está em quem ataca. Mas em quem sabe onde... e como... defender.
O silêncio que veio a seguir durou segundos. Mas foi denso. Carregado.
Eu apenas assistia. Sem entender muito. Mas sentia. Como se tivesse entrado em uma sala onde alguém acabara de transar... e ninguém tivesse arrumado os lençois.
Mas talvez fosse só minha imaginação.
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O sol já estava alto quando os dois se posicionaram em lados opostos da quadra.
Eu fiquei sentado no banco de mármore, à sombra de um guarda-sol bege, com um copo de água gelada entre os dedos e o olhar cravado naquela disputa que, desde o primeiro saque, já deixava claro: não era sobre esporte.
Don Fabrizio segurava a raquete com firmeza, os músculos do antebraço tensionados, visíveis sob a camisa que ele havia dobrado até os bíceps. Seus olhos azuis estavam semicerrados, concentrados... mas havia um brilho ali. Um prazer oculto em cada golpe.
Meu pai, por outro lado, parecia… em alerta. O corpo grande, ainda mais definido sob o tecido branco justo, se movia com precisão — mas havia algo na forma como ele observava Fabrizio que me chamou a atenção. Como se cada movimento dele provocasse mais do que o necessário. Mais do que ele queria.
O jogo começou.
Saque.
Devolução.
Corrida.
Impacto.
O som da bola cortando o ar, o eco dos tênis sobre a quadra, e a respiração pesada deles… tudo era ritmado. Quase íntimo. Às vezes, parecia que estavam se estudando mais com os olhos do que com a raquete.
— Ainda tem força nos braços, Dante — comentou Don Fabrizio após um rally mais intenso. Suado, com a camisa começando a grudar no peito, ele passou a mão pelos cabelos com um charme que parecia ensaiado. — Confesso que senti falta disso.
Meu pai apenas sorriu de canto. Mas seus olhos não sorriram.
— Você sempre gostou de ver minha força — disse ele, girando a raquete na mão, como se aquele objeto fosse parte do corpo. — E de provocar.
Fabrizio riu, um som rouco, baixo. A raquete dele caiu ao lado do corpo por um segundo, relaxada.
— Provocar? Eu? — ele disse, se aproximando da rede que os separava. — Não, Dante… você que sempre foi bom em reagir. Às vezes até demais.
Meu estômago virou.
Havia alguma coisa ali. Uma tensão que eu não sabia nomear, mas sentia no ar como eletricidade prestes a explodir.
— A reação depende da intensidade da provocação — respondeu meu pai, andando até a rede também. Os dois estavam frente a frente agora, separados apenas por alguns centímetros de grade. — E você... sempre soube como cutucar o ponto certo.
Silêncio. O tipo de silêncio que carrega memórias antigas, e que parece gritar para quem tem ouvidos atentos.
Eles se encararam por longos segundos. O suor escorria pelas têmporas, descia pelo pescoço de Fabrizio e se perdia na gola da camisa. O peito dele arfava, os olhos fixos no rosto de meu pai.
— Vai ficar me olhando ou vai jogar? — meu pai disse, quebrando o momento.
— Difícil não olhar, quando se conhece cada centímetro do adversário — respondeu o sogro, caminhando de volta ao seu lado da quadra. — E quando sabe que, por baixo de toda essa pose... ainda arde o mesmo fogo de antes.
Meu pai não respondeu. Apenas se afastou.
Mas eu vi. Vi a forma como ele mordeu discretamente o canto da boca. Como o maxilar dele travou. Como seu olhar pareceu fugir.
Aquilo não era só um jogo. Era uma dança de lembranças e limites. E eu estava no meio dela. Sem entender se era o espectador... ou a próxima peça do tabuleiro.
O jogo continuou.
Mais agressivo.
Mais suado.
Mais íntimo.
As camisas colavam nos corpos. O som das respirações pesadas preenchia o ar quente. Um momento em especial me deixou sem ar: meu pai correu para rebater uma bola na lateral da quadra, escorregou um pouco, e caiu de joelhos. Fabrizio correu até ele. Ajoelhou-se também, bem perto.
— Cuidado com os joelhos, Dante — disse, a voz baixa, quase um sussurro. — Já foram usados demais... em situações bem mais arriscadas do que tênis.
Meu pai ergueu os olhos, sério. Não disse nada. Mas os dois riram, brevemente. Um riso cúmplice. E isso... me deixou com a cabeça em chamas.
Eu não entendia.
Mas algo havia ali.
Algo mais profundo. Algo sujo. Algo... não dito.
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Fabrizio se virou, enxugando o suor do pescoço com a toalha. A respiração pesada dava ainda mais destaque ao peito que subia e descia sob a pele úmida.
— E então, Javier — disse ele, os olhos azuis fixos em mim —, vai ficar só assistindo ou vai mostrar se o sangue Rivera também serve pra quadra?
Levantei devagar, tentando manter a calma. Estava tenso, sim. Não só por ele — mas por meu pai, que agora me olhava de um jeito diferente. Avaliador. Talvez até... protetor.
— Acho que posso jogar um set — respondi, esticando os ombros, tentando parecer casual.
— Ótimo — disse Fabrizio com um sorriso enviesado, entregando-me uma raquete. — Nada como conhecer melhor o futuro da família na base do suor, do esforço... e de uns bons saques bem colocados.
Olhei para ele e sorri de leve, mas senti o peso daquelas palavras. Ele não estava falando só de tênis.
A partida começou.
Fabrizio era ágil, apesar do corpo grande. E a cada troca de bola, ele me estudava. Seus olhos me acompanhavam de um jeito que parecia mais íntimo do que técnico.
— Belo movimento de quadril, Javier — comentou após uma devolução minha. — Você tem um corpo... interessante pra esse tipo de jogo.
— Eu treino com meu pai — respondi, tentando disfarçar o calor que subia pelo meu pescoço. — Aprendi a lidar com... pressão.
Do outro lado da quadra, vi o olhar de Dante endurecer.
Ele se encostou na grade, braços cruzados, os olhos acompanhando cada passo meu. Silencioso, mas tenso.
— É, seu pai sempre teve mão firme — respondeu Fabrizio, com um riso baixo. — Mas você tem uma leveza... mais jovem. Mais flexível.
A bola bateu na rede. Errei a devolução. Ele se aproximou, caminhando devagar, e me entregou outra bola com um toque sutil nos meus dedos. Quente. Longo demais pra ser casual.
— Cuidado pra não se distrair, Javier — disse ele, baixinho. — Alguns jogos são mentais.
Senti o olhar de meu pai queimar minha nuca. Quando me virei, ele já estava de pé, olhando pra nós dois com uma expressão neutra demais pra ser natural.
O set terminou com vitória de Fabrizio, mas pouco importava. A quadra agora estava carregada — de suor, tensão... e algo que flutuava entre nós três como fumaça invisível.
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Fabrizio secou o rosto com a toalha e lançou um olhar para Dante, que estava ainda parado perto da lateral da quadra, com os braços cruzados e a mandíbula tensa.
— E então? — disse ele, com a voz rouca de esforço e calor. — Vai deixar o seu herdeiro sair perdendo assim… sem mostrar de onde ele herdou a força?
Dante não respondeu de imediato.
Passou a mão pelo peito suado, o músculo retesando sob o toque. Seus olhos se encontraram com os de Fabrizio, e algo aconteceu naquele instante. Como um código silencioso. Uma troca que dispensava palavras.
Então, ele tirou a camisa.
O gesto foi seco, direto — como quem já tinha feito aquilo ali antes.
A camiseta branca se descolou do corpo suado, revelando os músculos definidos, o peito largo, marcado por cicatrizes discretas e um suor denso que escorria devagar entre os pelos dourados.
Fabrizio apenas sorriu. Lento. Quase... nostálgico.
E então, como se fosse um convite aceito, ele também tirou de novo a própria camisa, mesmo ainda úmido do set com Javier. O peitoral imenso, ainda mais evidente agora sob o sol, brilhava com o suor fresco.
Dois homens grandes, musculosos, maduros… sem camisa.
Ambos com mais de dois metros de altura.
Ambos com passados densos
.
Ambos com algo mal resolvido entre eles
.
— Vai ser no amor ou na guerra? — provocou Fabrizio, girando a raquete entre os dedos.
Dante pegou uma bola do banco, quicou no chão uma vez e lançou de volta o olhar mais seco que eu já tinha visto nele.
— A gente nunca jogou no amor — respondeu.
A partida começou.
E não era mais tênis.
Era território.
Era poder.
Era… memória.
Os saques vinham fortes, precisos, quase violentos. Cada ponto era disputado com intensidade absurda. O som das raquetes cortando o ar se misturava com os grunhidos abafados de esforço, os passos pesados, os corpos deslizando no chão da quadra.
Eu assistia sem conseguir piscar.
A cada ponto vencido, um deles lançava um olhar rápido, carregado de algo que eu não conseguia nomear. Talvez raiva. Talvez desejo. Talvez os dois.
Fabrizio deu um slice rasteiro que fez meu pai correr até a rede. Quando ele pegou a bola, suado, arfando, Fabrizio se aproximou demais. O suficiente pra que os peitos quase se encostassem. O suficiente pra que o suor de um escorresse perto do outro.
— Ainda ágil… — sussurrou, baixo demais pra eu ouvir com clareza. — Não perdeu o toque.
— Mas você perdeu a medida — respondeu meu pai, o maxilar travado.
Os olhos deles estavam cravados um no outro. Havia tensão sexual ali. Nítida. Palpável.
Mas dita de forma tão seca, tão contida, que qualquer um pensaria que era só rivalidade.
Só que não era.
Eles estavam se testando.
E se tocando... sem se encostar de verdade.
A partida seguiu.
Mais suor. Mais tensão. Mais raiva antiga camuflada de competição.
No fim, Dante venceu por um ponto suado, com um saque cruzado que arrancou de Fabrizio um gemido rouco, mais animal do que humano.
Ambos pararam no centro da quadra.
Suados. Ofegantes. Tensos.
— Ainda sabe marcar território... — disse Fabrizio, com um sorriso enviesado, passando a toalha pelo rosto.
Meu pai apenas se virou, sem responder. Caminhou direto para o vestiário externo. Sem perguntar o caminho. Como quem já sabia exatamente por onde entrar.
Fabrizio o observou sumir, os olhos fixos demais, demorados demais.
E eu, ali, de pé, com o coração acelerado, sentia tudo.
Mesmo sem entender por completo, eu sabia:
aquilo não era só um jogo.
…
O vapor do banheiro cobria os espelhos, e a água quente descia pelos nossos corpos como se lavasse o que não podia ser dito. Eu tinha acabado de entrar no boxe quando meu pai, já nu, entrou logo atrás.
Ficamos em silêncio por um momento. O som da água preenchia tudo, abafando o mundo.
Ele encostou a mão na parede de mármore, deixando a água escorrer pelos ombros largos. O cheiro do sabonete neutro, da pele quente e do desejo mal enterrado tomava o ar. Evitei encarar diretamente, mas meus olhos sempre traiam minha intenção.
— Parece tenso — ele disse, sem me olhar.
— Estou apenas... me preparando — respondi, passando a mão pelos cabelos molhados.
— Preparo é bom. Mas controle... é essencial
— murmurou, como se repetisse a lição de sempre, só que com outra intenção.
Olhei de lado. A água escorria pelo abdômen dele, contornava os pelos loiros do peito e descia pela barriga firme, até sumir entre as coxas grossas.
Ele se virou levemente, me encarando por um segundo. Seus olhos estavam calmos. Mas havia fogo ali.
— Vai precisar de foco hoje. O jantar... exige isso — disse ele, enigmático.
— Porque vamos falar de casamento? — rebati, firme.
Ele sorriu. Um sorriso sem humor, carregado de segredos.
— Não é só o casamento que vai estar à mesa.
Antes que eu pudesse perguntar mais, ele saiu do boxe com calma, pegando a toalha e secando o corpo lentamente, como quem não tinha pressa alguma de encerrar aquilo.
E ali, com o vapor ainda dançando no ar, eu soube: aquele jantar não seria sobre alianças.
Seria sobre território.
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A mesa era longa, iluminada por velas elegantes e abajures de cristal. Tudo ali era cuidadosamente pensado: pratos de porcelana italiana, talheres de prata pesada, guardanapos de linho branco — mas nenhum brilho naquela sala era mais intenso do que os que se cruzavam entre os olhos de meu pai e Fabrizio Castro.
Sentei à esquerda da minha noiva, que vestia um vestido azul-marinho simples, sem decote, mas com os ombros nus. Ela sorria o tempo todo, alheia à densidade que circulava ao redor dela como perfume muito forte. O pai dela, sentado à cabeceira oposta à de Dante, mantinha as mãos firmes sobre a mesa, os dedos grossos batendo levemente como se marcassem um compasso invisível.
— Então… — Fabrizio começou, com a voz calma, quase afetuosa. — Chegamos ao momento mais importante: o futuro.
Dante cruzou os braços e se recostou com um leve sorriso no canto dos lábios.
— O futuro sempre vem mais rápido do que se espera — disse, com uma entonação que só os dois pareciam entender.
Fabrizio ergueu a taça de vinho.
— E quando ele vem, ou você já está de joelhos... ou é tarde demais.
Javier observava os dois. Seus olhos eram serenos, mas dentro dele algo acendia em brasa: a percepção de que ali havia mais que tradição — havia história. E ele, mesmo tentando não ver, não conseguia mais ignorar.
— Vamos aos fatos — disse Fabrizio, voltando-se agora diretamente a mim. — O casamento será em quinze dias.
— Quinze? — repeti, erguendo uma sobrancelha.
— Tempo suficiente para organizar uma festa discreta. E insuficiente para criar problemas — disse ele, como se a frase estivesse envernizada de formalidade, mas por baixo houvesse um recado direto.
— Problemas só existem quando a gente permite — respondi, firme. Minha voz saiu baixa, mas firme. Dominante.
O olhar de Fabrizio se estreitou, e por um instante seus lábios se curvaram como se dissesse “bom garoto”.
— Gosto da confiança — disse ele. — Me lembra alguém… de alguns anos atrás.
Dante bebeu seu vinho em silêncio. Depois, limpou os lábios com o guardanapo e disse:
— A confiança é uma arma. Mas o que importa é quem ensina a usá-la.
Silêncio. Um segundo apenas. Mas carregado como chumbo.
A noiva riu, inocente:
— Vocês parecem dois generais negociando uma guerra.
— Casamento é uma guerra — disse Dante, ainda olhando Fabrizio.
— E exige submissão em alguns momentos — devolveu o outro, com um sorriso enviesado.
Fabrizio então se levantou e foi servir mais vinho. Atrás dele, meu olhar correu por suas costas largas sob o tecido tenso da camisa social, e só então percebi o tamanho de sua presença física. Ele era maior que meu pai. Dois metros e sete centímetros de homem — e cada centímetro parecia conter uma história não dita.
Quando ele voltou com a garrafa, colocou mais vinho na taça de Dante.
— Aceita mais? Ou... está satisfeito?
Meu pai não sorriu. Apenas estendeu a taça.
— Satisfeito é uma palavra perigosa.
Meus olhos corriam entre eles, tentando entender aquela conversa cheia de curvas.
Até que Fabrizio voltou-se para mim.
— E você, Javier... está pronto pra lidar com a intensidade da família Castro?
— Eu cresci com Dante. Acha mesmo que algo vai me assustar agora?
A noiva riu de novo.
Mas Fabrizio não. Ele só assentiu. Devagar.
— Ele realmente é filho do Dante — murmurou.
Meu pai manteve-se em silêncio. Mas seus olhos... traíram um orgulho diferente. Não era só pelo meu desempenho à mesa.
Era como se… ele quisesse me proteger. Ou me afastar de algo.
O jantar seguiu entre discursos, planos da festa e decisões pequenas. Mas por trás das risadas leves, havia tensão pura sendo costurada com fios de desejo, de lembrança, de guerra não vencida.
E eu… estava começando a entender que aquela mesa era uma arena disfarçada de lar.
O jantar seguiu envolto em sorrisos ensaiados e frases com gosto de jogo político. A noiva parecia radiante, alheia ao duelo de olhares que acontecia entre os dois homens mais perigosos da mesa.
Fabrizio erguia a taça com elegância, mas suas palavras vinham com uma pontada de ferro, como se testasse os limites de Dante a cada gole de vinho.
Meu pai, por sua vez, se mantinha aparentemente calmo. Mas eu via. Os olhos. Os silêncios. A forma como os ombros dele tensionavam, como se contivessem algo que nunca foi dito... mas já foi sentido.
A despedida foi breve e contida.
— Até logo, Javier — disse Fabrizio, pousando a mão em meu ombro. O aperto foi firme. Os olhos, longos demais nos meus.
— Até — respondi, forçando neutralidade.
Meu pai e ele trocaram um aperto de mão silencioso. Não havia sorriso. Não havia palavras.
Mas havia algo ali.
Denso. Quente. Não nomeável.
No carro, durante o trajeto de volta, Dante não disse uma palavra. Ficou olhando pela janela, como se o passado estivesse lá fora, batendo no vidro.
Já em casa, ele recebeu uma mensagem e precisou sair novamente. Alegou “coisa rápida”.
Fiquei sozinho. Inquieto. Com uma sensação estranha no peito — aquela que aparece quando você sabe que tem algo errado, mas não consegue provar.
Decidi voltar até a casa dos Castros. Havia deixado meu celular no banheiro. Fui com discrição, alegando esquecimento. Fui recebido por um funcionário da casa e deixado subir.
Foi quando ouvi passos, vozes abafadas, vindas do corredor do segundo andar.
Parei instintivamente, com o coração acelerado.
— Você sempre foi assim — disse uma voz grave, baixa, com raiva contida.
Era Fabrizio.
— Não comece — respondeu meu pai. — Isso já passou.
— Será mesmo?
Silêncio. Ouvi o som de algo sendo colocado contra a parede. Um suspiro abafado. Depois, o estalar de um copo pousado com força sobre madeira.
— Você está brincando com fogo, Dante.
— E você sempre gostou do calor — respondeu ele, seco.
Meu peito apertou. Não dava pra saber o contexto. Podia ser uma discussão de negócios. Podia ser só tensão de família.
Mas o tom… o subtexto…
Era íntimo demais.
Afastei-me em silêncio, sentindo o corpo trêmulo e a mente confusa.
Eu não tinha visto nada. Não tinha provas.
Mas alguma coisa dentro de mim sussurrava: "Eles já se tocaram."
O pior? Parte de mim não sabia se queria a confirmação…
ou a repetição.
[Continua…]
Nota do autor: por favor, apontem pontos que preciso melhorar e digam o que vcs esperam nos próximos capítulos para que eu tenha ideias e um caminho a seguir.
Bjjs💋