Alerta Gatilho: Saúde Mental 🚨
Eu não estava tendo uma boa semana, aqueles últimos dias estavam drenando toda a minha energia vital, eu sentia um esgotamento mental inexplicável.
A minha medicação já havia sido mudada e eu estava me adaptando a ela, sem poder exigir muito resultado. Era uma fase de descompensação emocional e acabei recorrendo a estabilizadores de emergência mais vezes do que gostaria, inclusive no meio do expediente, só pra conseguir finalizar o dia.
Após uma longa reunião online, lembro de retornar para minha sala segurando o suporte e me jogar contra uma maca. Coloquei umas das mãos sobre a testa, evitando a luz e perguntei mentalmente para Deus: Por quê?
Eu estava em um momento tão lindo da vida, com uma esposa maravilhosa que me ama, nossos filhos crescendo e nos enchendo de alegria e profissionalmente falando, em uma posição que nunca nem consegui sonhar.
Embora estivéssemos no ponto alto da pandemia, i tudo muito bem na filial e na clínica. Lá no hospital eu já me sentia com as rédeas nas mãos e mesmo assim... Me sentia um fracasso!
Os números e os gráficos me mostravam o contrário, os elogios dos meus superiores me diziam o contrário. Inclusive, naquela época, recebi uma proposta excelente para trabalhar em outro estado. Eu tinha consciência de que estava indo bem, mas essa percepção não me causava absolutamente nada.
Eu me forçava a sair da cama e sentia uma apatia esmagadora referente a tudo, exceto Júlia, Kaique e Milena. Qualquer coisa com eles aquecia o meu coração e me preenchia... O problema é que eu amo e sempre amei o meu trabalho e perceber essas sensações referente a ele, também me machucava.
Em nenhum momento eu deixei de gostar de exercer o meu ofício, eu só não sentia vontade!
— Se você não for para casa agora, nós vamos brigar... — Ouvi a voz de Juh.
Ela estava sentada na minha cadeira e me encarava seriamente.
— O que você está fazendo aqui, amor? É perigoso... — Falei, sem acreditar que ela estava mesmo ali.
— Acho que só assim para você me ouvir, Lorena — Disse-me, levantando.
— Você sabe que não... — Sentei e segurei a mão dela.
— Então vamos para casa agora, por favor — Júlia pediu, soltando minha mão e tocando carinhosamente o meu rosto.
— Gatinha... Não é assim que funciona, você não cumpre seus horários? Eu também tenho que cumprir os meus... — Respondi, contudo não foi o que ela gostaria de ouvir.
— Você não vê, mas está se matando — Foi a última coisa que Juh me disse antes de sair.
Eu já não estava bem, ouvir isso me deixou ainda pior.
Hoje eu relembro e percebo o quão certa e lúcida ela estava ao me alertar, mas no momento foi mais uma tempestade em meio a outras.
Antes eu desejava chegar em casa... Agora eu não queria ficar no trabalho e nem ir para casa, para evitar uma nova discussão.
Em tempos normais eu iria até a praia, daria um longo mergulho e sentaria na areia para contemplar o horizonte e as belas paisagens que essa cidade proporciona, porém devido a pandemia, obviamente estava interditada e sob fiscalização.
Pela manhã, quando saí fiz um percurso mas longo para poder ver o mar por mais tempo e também para adiar a minha chegada. Vi alguns pescadores saindo de seus barcos e senti um pouco de inveja deles que tinham livre acesso.
Ao pisar em casa, fui para o banho e ao invés de entrar no eu quarto, me dirigi ao de Mih. Ela estava toda esticada como de costume isso me fez rir, cobri seu corpo com o lençol que se encontrava preso debaixo dela e me deitei no cantinho que sobrava... Apaguei.
Despertei a primeira vez e ela estava abraçada em mim, dei um beijinho em sua testa e Milena me fitou, sorrindo.
— Linda! — Falei e dei outro beijo.
— Ficou com saudade? — Ela perguntou, devolvendo os beijinhos.
— Muita... — Respondi, apertando o abraço.
Não lembro se conversamos mais, eu estava bem cansada e dormi novamente. Acordei a tarde e minha filha já não se encontrava mais na cama, fiquei rolando de um lado para outro na tentativa de pegar no sono novamente, porém não tive sucesso.
De repente, Juh apareceu na porta.
— Me evitando? — Ela perguntou ao entrar.
— Sim, não quero brigar — Respondi, com sinceridade.
— Amor... Eu só quero te ajudar... Qualquer pessoa que olhar de fora, vai achar um absurdo... Porque você não se prioriza em nada... — Ela falou, sentando ao meu lado.
— Eu acho que você não enxerga todo o meu esforço para fazer dar certo e cuidar da minha saúde, de verdade... Estou tentando de tudo para ficar bem e você só consegue apontar onde acredita estar o erro... Você acha mesmo que eu não sei que não estou bem? Porra... - Disse, furiosa.
— Poxa... Desculpa... Eu só quero te ajudar, porque você não tá bem é isso só vem s arrastando... Desculpa... — Juh disse, um pouco sem graça e ia saindo.
Senti meus olhos encherem de lágrimas e um nó enorme se formar na minha garganta. Não consegui dizer nada. Segurei o braço dela para que não levantasse e ao me encarar, Juh deitou me abraçando.
— Eu estou tentando cuidar de você, amor... O Psiquilord é super tranquilo, conversa com ele... Tenho certeza que ele vai te dar um tempo, vai te fazer... Você precisa disso... — Ela dizia enquanto enchia o meu rosto de beijos.
— Nós podemos ficar somente em silêncio por um tempo? — Perguntei.
— Podemos... — Juh respondeu baixinho.
Ela me puxou ainda mais contra seu corpo e eu dei um beijo em agradecimento por aquilo. Não estava sendo fácil nem para mim, nem para Júlia... Eu sei como é a dor de ver quem a gente ama sofrendo e no meu caso, não aceitando a solução sugerida.
Foi como sentir um afago na alma, as mãos dela entrando com firmeza e suavidade no meu couro cabeludo, ali eu relaxei... Estávamos bem!
— Mãe, a senhora dorme demais — Ouvi Kaká dizer.
— Invejoso — Brinquei e ele riu, se jogando em cima da gente.
O tempo passou e eu fui tentando de tudo... Fiz todo o malabarismo possível, me agarrava em qualquer fagulha de energia que surgia, mas chegou um momento em que não deu mais.
Eu tentava manter o controle, seguir firme. Fui constante na terapia, expus minhas dores, acolhi os conselhos, conversei com meus médicos e ajustei tudo o que me pediram. Mas, em determinado dia, algo dentro de mim se rompeu.
Era uma tarde comum, algumas horas antes de uma reunião online extremamente importante com a equipe de coordenação. Júlia tinha saído com Kaique para uma consulta de rotina e eu fiquei em casa com Milena, que brincava tranquila na sala enquanto eu preparava os últimos materiais para apresentar, eu estava exausta, mas não podia me ausentar naquele dia.
Foi então que senti o corpo dar sinais estranhos... Primeiro uma leve tontura, um nó na garganta, a respiração curta. Tentei ignorar, eu quis acertar que não passava de um simples nervosismo. Me esforcei para focar no notebook, no cronograma e nas palavras que eu iria dizer. Porém, de repente, meu coração começou a acelerar num ritmo assustador, as minhas mãos suavam tanto que escorregavam do teclado, meu peito parecia comprimido. Eu me levantei da cadeira e tentei caminhar até a escada, mas as pernas estavam trêmulas demais.
Nesse momento o pânico tomou conta de mim, comecei a sentir que algo muito ruim ia acontecer, que eu ia morrer ali mesmo e minha filha presenciaria tudo. Eu quis chamar Mih, quis gritar por ajuda, mas não consegui. Nenhuma palavra saiu da minha boca.
Meu coração batia descompassado, a visão turva, a sensação de estar completamente só, mesmo com minha filha a poucos metros de mim. Joguei minhas coisas contra a parede, na intenção de me apoiar ali e começar a agitar o meu corpo, contudo, acredito que tomei essa atitude muito tarde. Senti o mundo inteiro girar, minha consciência foi apagando devagarinho e quando menos percebi, tudo era escuridão.
Acordei dois dias depois, em um quarto de emergência da clínica.
As luzes estavam baixas, o ambiente silencioso e havia um sofá a minha frente lotado de flores. Aos poucos, fui ouvindo o som de um monitor, o soro pingando e o cheiro característico. Me senti grogue e completamente desconectada do tempo.
— Ai — Gemi, tocando minha cabeça.
— Amor? — Juh me chamou.
E então eu a vi sentada ao meu lado, seus olhos estavam fundos e inchados, imaginei que devido ao choro, mas também havia o acréscimo das noites perdidas.
— O que... — Comecei a dizer, porém percebi que não queria ouvir a resposta.
— Você se sentiu mal, desmaiou... Milena me ligou e eu entrei em contato com a clínica. Desde então você dorme e acorda e me pergunta o que aconteceu, o médico disse que é normal e foi a autoproteção que seu corpo arranjou para descansar... Seu sistema nervoso colapsou por causa de um estresse emocional insuportável, que sabemos que é decorrente do seu trabalho — Ela disse, sem ânimo algum.
Ali, finalmente, eu entendia: eu tinha chegado ao meu limite... Me senti no fundo do poço!
~ Não era o fundo ainda... 😢
— Quantas vezes você já repetiu isso? — Perguntei.
— Hoje? Umas 20 — Júlia respondeu.
— Puta que pariu... — Falei, levando as mãos até as têmporas — Então daqui a pouco eu apago e não lembro mais? — Questionei.
— Você tá aumentando a quantidade de tempo acordada... — Juh me informou.
— Fala alguma coisa então, para ver se eu lembro depois — Pedi.
— Odeio seu trabalho, odeio que você não descansa, odeio que você não sabe pôr limites e agora você está adoecendo por causa disso — Juh disse e eu sentia sincicial em casa palavra.
— Tá... — Respondi, tentando me manter alerta.
— Esquece... Deixa eu pensar em outra coisa... — Júlia falou rapidamente, como se tivesse se arrependido — Ah! Falaram que eu não posso tirar a máscara, mas eu tiro e te encho de beijinhos — Juh confessou, baixinho.
— É? — Perguntei, rindo — Como é que você faz?
— E toda vez que você acorda você me pede um — Ela disse, já levantando em minha direção.
— Não vamos quebrar a tradição então — Falei, antes de receber seus lábios nos meus.
Logo depois ela repousou a cabeça sobre meu peito e ficou ajeitando algumas mechas do meu cabelo.
— Você também fica me dando uns beijos bom desses, lógico que eu vou perder a memória toda hora só pra poder pedir mais um — Brinquei e ela riu.
— Só você mesmo para me fazer rir, amor — Ela disse.
— Quando será que vou para casa? Como estão nossos nenéns? — Questionei.
— A única coisa boa de você aqui é que eu tenho a certeza de que você não vai trabalhar... — Juh falou.
— E as crianças? — Mudei de assunto.
— Tá todo mundo muito preocupado contigo, amor... Eles estão entre Lorenzo e Loren — A gatinha disse.
— E esse monte de flores? Já era para o meu velório? — Perguntei, apontando com o queixo para o sofá.
— Amoooor! — Ela chamou a minha atenção — Foram os seus colegas que enviaram, inclusive eu recebi várias ligações de pessoas do seu trabalho que me conhecem e eu não faço ideia de quem sejam.
— É que eu falo do meu amorzinho pra todo mundo — Falei me esticando e Juh me deu um selinho.
— Sabia que só eu posso entrar? Lorenzo ficou muito bravo com Davi, mas já se desculpou — A gatinha disse fazendo carinho em mim.
— Protocolo de segurança... E se Davi não te deixasse ficar? — Perguntei, rindo.
— Você ia ter que construir outra clínica porque essa eu ia derrubar — Júlia respondeu, convencida.
Depois disso, eu não dormi mais e Cláudio e João apareceram.
~ Não lembro se já falei sobre Cláudio, ele é o meu Psiquiatra.
Eles explicaram mais tecnicamente o que ocorreu, pelo resumo da gatinha já tinha dado para entender, mas foi bom ouvir deles também.
— Temos uma notícia e uma recomendação que você vai se esforçar para aceitar. Qual quer primeiro? — Fábio perguntou, rindo.
— A notícia, porque a recomendação eu posso jogar para o alto — Respondi, também rindo.
— Precisei incluir e fazer um novo ajuste na sua medicação... Essa combinação tem uma proposta mais equilibrada para estabilização do humor, melhora da ansiedade e um reforço mais eficaz contra o esgotamento mental... Só que um dos efeitos colaterais... — Cláudio ia dizendo e me mostrando no tablet.
Achei melhor interromper ou Juh viraria um tomate ali mesmo.
— Entendi... Bom, já que não tem jeito, vamos tentar... — Falei, levemente chateada, porém conformada.
— Qual o provável efeito? É grave? — Júlia perguntou.
— Muito — Respondi, desolada.
— Ela só implorou que eu evitasse ao máximo alguns medicamentos específicos que podem causar a diminuição da libido... Não se preocupe, na é nada grave — O doutor tentou não preocupa-la.
— Ahhhh! — Juh respondeu, um pouco sem graça.
Logo em seguida, foi buscar uma água gelada. Aparentemente a do frigobar não estava na temperatura ideal 🤣
Eu aproveitei a saída dela para tirar uma dúvida.
Até então eu estava tomando ansiolíticos e o novo medicamento era um antidepressivo (com ação ansiolítica). Isso pode não significar nada, porém também poderia apontar uma suspeita.
— Há alguma novidade que eu precise saber? — Perguntei, apontando.
— Não vamos apressar as coisas. A prioridade é observar como você reage a ela... Por falar nisso, gostaria que anotasse tudo que sentir daqui por diante — Cláudio pediu e eu assenti.
— Qual a recomendação? — Perguntei.
Eles dois sentaram e mudaram um pouco o semblante. Ao mesmo tempo que pareciam sérios, também observei certa tranquilidade.
Não era um ambiente tenso.
— A gente recomenda uma pausa — João foi direto.
Revirei os olhos, eu já estava cansada de ouvir isso.
— Quinze dias! — Se apressou Cláudio em dizer.
— Uma parada mesmo. Não é home office, não é meio período, nem redução de carga é um afastamento real. Descanso de verdade, o seu corpo gritou, Lore e ele fez isso da forma mais intensa possível... — João pontuou.
— E você sabe muito bem que não aconteceu do nada, já havia indícios de exaustão — Cláudio complementou.
— Nós já estávamos trabalhando nisso — João finalizou.
— Quinze dias... — Aceitei, derrotada.
— Você tem um ótimo staff no hospital, tenho certeza que a sua coordenação vai te ajudar bastante. É uma equipe excelente e selecionada a dedo por você não tem como dar errado... Aqui na Clínica, Davi está tirando de letra e qualquer coisa você sabe que pode contar com a gente. Nada vai sair do eixo, o mundo vai continuar girando! — João disse, tentando me animar.
— Queremos que você estabeleça uma rotina, com horários fixos para qualquer ação. Não é para ficar deitada, esperando o tempo passar, você vai estar ativa no cotidiano, evitando apenas o estresse... E quando retornar para fazer o que faz de melhor e como ninguém, você estar inteira novamente. Sua cabeça precisa estar no lugar, Lore — Falou Cláudio.
— Tranquilo, vou aguardar para não fritar o cérebro novamente - Tentei brincar, mas não havia ânimo.
— Vai dar tudo certo, nós estamos juntos nessa! — Disse João.
Eles fizeram uma avaliação e pediram para que eu ficasse mais duas horas em observação, depois disso, recebi alta e fui para casa.
Juh ficou muito feliz em saber que eu aceitei a recomendação e ficou o tempo inteiro tentando fazer com que eu me empolgasse com a ideia.
— Nós vamos ficar juntinhas e eu vou cuidar de você — Ela disse, me beijando.
— Sem dúvidas essa é a melhor parte — Falei, cheirando o pescoço dela.
O que eu não sabíamos era que uma aglomeração de pessoas preocupadas me esperavam na sala de casa, pontinhas para descer o chapisco em mim.