15 de Fevereiro (Sábado)
11:00 am
A mãe do Raylan vai fazer um almoço pro filho, vão comer na casa dela, depois eles devem se encontrar com a gente no shopping para ver um filme que o Guigo quer ver. Dependendo do humor do Raylan depois do filme vamos sair para comer algo e quem sabe tomar umas, mas existe a possibilidade deles quererem voltar para casa e encerrar o aniversário depois do filme. Ambos andam meio mal ainda pelo luto, não consigo imaginar como deve está sendo para eles passar por isso, nunca perdi alguém próximo não sei como me comportaria.
Como só vamos encontrar com eles no final da tarde temos que pensar em algo para fazer até lá, Ricardo acordou antes de mim, mas ficou na sala fazendo trabalho da faculdade, meu amigo não consegue tirar uma folga — coitado!
— Bom dia, o que vamos almoçar? — Não estou nem um pouco afim de ir no meu pai hoje, estou de folga e não quero ter que ouvir ele me falando que não posso beber hoje porque vou ter que trabalhar amanhã.
— Eu sou a visita aqui, você é quem tem que providenciar nosso almoço — Rick me responde sem tirar os olhos do computador.
— Pode escolher, só não quero almoçar no papai hoje — despenco no sofá.
Rick está sentado no banco com o computador na bancada e mesmo que esteja de costas para mim ele me conhece, então para por um momento e se vira para me encarar.
— O que está pegando?
— Você sabe o de sempre, meu pai passando na minha cara que sou um encostado.
— Você não é um encostado Ciço — gentileza dele dizer isso.
— Sou sim meu amigo, depois de anos me mimando eles não entendem como foi que cresci sendo tão mimado e dependente deles!
— E você vai se vitimizar? Você é rico e isso é bom, não uma merda.
— Não sou rico, meus parentes são quem são! — Me defendo quase que no automático, depois de passar uma vida ouvindo isso, minha resposta já é quase uma resposta programada.
— Nem vem Cícero, você pode bancar o humilde o quanto quiser, mas sei bem que esse apartamento já está pago até o fim do ano e você nem desligou o ar condicionado do quarto depois que saiu de lá.
— Até você vai ficar no meu pé Ricardo?
— Não estou no seu pé, só quero que você seja realista, beleza você vive do dinheiro da sua família, mas você não é um encostado Ciço! — Ele me encara e vê que não estou muito convencido então começa a melhorar seus argumentos — você trabalha pro seu pai, resolve coisas para sua mãe, mantém sua própria casa, mesmo que não seja com seu dinheiro se você fosse um mimado não teria um apartamento tão organizado.
— Só você vê isso.
— Claro que não Ciço, você poderia ser muito mais irresponsável, mas não é, eu te conheço cara, mas você precisa parar de reclamar e mostrar com seus atos que as pessoas estão se preocupando à toa.
— O que vamos almoçar? — Preciso de um tempo desse assunto e agradeço por ele não tentar voltar nesse assunto.
— Podemos comer naquele restaurante arabe, fiquei curioso quando vi as fotos na rede social do André.
— Quer pedir ou ir comer lá? — Ele pensa um pouco.
— Acho melhor irmos, se eu não sair de casa não vou sair da frente desse computador.
— O que você está fazendo?
— Escrevendo um artigo, o Téo tem me colocado em suas publicações, só que não deixo ele colocar meu nome se não fizer uma contribuição real à discussão.
— Você é muito certinho, Seu Ricardo! — Levanto do sofá para ir trocar de roupa no quarto, ou melhor para vestir uma.
— Você, quem é errado demais, Seu Cicero!
Nos arrumamos rapidamente e saímos. O restaurante árabe ficava a algumas quadras e o cheiro das especiarias já nos recebia na entrada. Pedimos uns pratos variados para experimentar de tudo um pouco, e a comida estava realmente deliciosa. Enquanto comíamos, a conversa fluiu para assuntos mais leves.
14:00 pm
O almoço foi caro, porém valeu a pena, evitamos voltar logo para casa porque o Rick só consegue descansar se não estiver perto do seu computador. Aproveitamos o tempo livre para providenciar o presente de aniversário do nosso amigo. Raylan falou umas quatro vezes que não queria presente, mas tanto Rick quanto eu sabemos que é só ele sendo cabeça dura e que na hora vai ficar feliz por ganhar presentes.
O Rick comprou duas camisas dryfit. Lembrei que ele estava reclamado da chuteira que já estava velha então resolvi comprar uma nova para ele, até ai tudo bem, só que acabei vendo uma outra muito bonita e que é muito minha cara, não sou de sair fazendo compras por impulsividade, mas ando tão puto com meu pai e com tudo que vem acontecendo, o dinheiro é meu também — né, posso gastar com o que eu quiser sem ficar me preocupando.
— Vou levar as duas chefe — digo para o vendedor depois de experimentar — Rick está rindo no canto e sei o que ele está pensando — tá talvez eu seja um pouco privilegiado sim.
— Não estou te julgando irmão, a chuteira é bonita mesmo, se não fosse tão cara iria levar uma também.
— Se quiser eu passo para você — digo sem nem pensar, mas aí percebo que não estou me ajudando, afinal sou um mauricinho mesmo pelo jeito.
— Ser rico não é crime, Ciço.
— É que meu pai às vezes se comporta comigo como se fosse.
— Vamos fazer um trato, até o final do dia não vou fazer nada da faculdade e nem do trabalho e você vai esquecer as críticas do seu pai, vai ser só o mesmo Ciço de sempre o resto do dia, topa?
— Certo, então nesse caso — ergue o braço chamando a atenção do vendedor que está nos atendendo — meu chefe, vou levar um quarenta e quatro desse aqui também.
— Ciço!
— O que foi, a ideia foi sua — estou sendo natural como acabamos de combinar.
No caminho de volta para o apartamento, com as sacolas das chuteiras em mãos, o clima era mais leve. Ricardo estava bem-humorado com a minha "impulsividade" e eu, apesar de ainda sentir o peso das palavras do meu pai, estava gostando da trégua proposta. A ideia de simplesmente ser o "mesmo Ciço de sempre" era reconfortante, mesmo que por algumas horas.
Passamos em casa faltando menos de uma hora para nosso compromisso, acabou que ficamos mais tempo comprando os presentes do que imaginamos. Ricardo vai banhar primeiro enquanto separo a roupa que vou usar hoje e já fico no aguardo para banhar em seguida. Estamos com pressa consequentimente Rick precisa sair do banheiro para se vestir no quarto e me ceder o lugar no banheiro logo — se não vamos atrasar. — Quando ele saio do banheiro enrrolado na toalha não consigo não mirar seu corpo negro escupido.
Rick tem um corpo de dar inveja, além de ser um cara bem alto e forte é extremamente definido, eu me cuido e tenho um corpo meio padrão, já fui mais, porém ando meio vagabundo nos treinos ultimamente, mas meu amigo é muito gostoso, ele é magro, mas seus músculos são muito evidentes, em outras palavras é uma visão é tanto. Levo poucos segundos para voltar meu foco em banhar e agilizar para não atrasar, então sigo meu rumo. Tipo não é nada demais achar meu amigo gostoso, não é como se fosse acontecer algo entre nós, pois não vai, eu namoro e amo meu namorado mais do que tudo nesse mundo, mesmo ele estando a quilômetros de distância ainda é ele quem me vem à mente quando preciso me aliviar.
16:30 pm
Raylan e Guigo já estão na fila para comprar o ingresso e quando chegarmos, vamos até eles. O aniversariante está de mau humor — não que ele seja uma pessoa muito alegre, pelo contrário, é a pessoa mais rabugenta que conheço — Guigo só parece cansado, mas nem posso julgar perder o pai deve ter sido um golpe muito duro. Não os via desde o velório e observando agora acho que eles ainda estão de luto.
— Oi gente! — Rick os cumprimenta, em seguida faço o mesmo, abraço o Guigo e depois o Raylan.
— O que é essa sacola? — É a primeira coisa que o Raylan notou.
— Seus presentes de aniversário — digo me fazendo de desentendido.
— Porra gente, falei que eu não queria nada — esse cara é muito cabeça dura.
— Ray por favor — Guigo pede com a voz rouca e cansada.
— Serio gente não queria presente — ele repete, mas pelo menos com a voz menos grave.
— E quando foi que eu fiz o que você queria moleque, respeite a minha história — Rick brinca e isso parece desarma-lo.
— Dá bom, mas não vou abrir nada agora.
— Sem problemas — digo tranquilo, porque eu sei que ele vai gostar quando ver o que ganhou.
O filme é até legal, mas ando meio cansado que acabei dormindo no meio. Rick me chama sutilmente, acordo já com as luzes acesas e com as pessoas levantando para irem embora.
— Poxa, perdi o final, que merda, vou ter que vir de novo — eu gostei, se não tivesse cansado não teria dormido.
— Você não anda dormindo bem Ciço? Está com olheiras — Guigo parece preocupado.
— Estou sim é que a única hora em que consigo falar com Dan é de madrugada, então tenho acordado muito cedo ultimamente e tenho ajudado no restaurante então deve ser isso — expliquei.
— Como ele está? — Raylan pergunta — Dan anda tão ocupado que mau tem retornado minhas mensagens.
— Ele está bem apertado mesmo, estamos vendo se ele vai vir no meio do ano ou se eu vou para lá.
Buscamos um lugar para comer pela praça de alimentação mesmo, ninguém está muito afim de sair para outro lugar. Depois de um breve debate resolvemos pedir uma pizza, enquanto Rick e Raylan saem para fazer o pedido Guigo e eu ficamos encarregados de achar uma mesa, a praça está bem lotada.
— Desculpa ter dormido no filme — estou um pouco envergonhado, não quero que ele pense que não gostei da sua indicação.
— Tranquilo Ciço, relaxa.
— Você parece estressado — digo.
— É minha mãe e agora minha sogra parece que resolveu pegar no nosso pé também.
— O que aconteceu? Tipo se quiser conversar.
— Cara o Ray está muito chateado com isso e estou tentando não surtar também sabe, tipo a mãe dele agora começou tudo de novo.
— O lance do preconceito?
— Sim, ela agora quer que ele volte a morar com ela porque não temos como nos manter sozinhos, tipo ela ouviu meu tio comentando que meu pai era quem sustentava a casa se liga.
— Que merda mano, sinto muito, mas tipo vocês não já estavam ajudando ele há um tempo?
— Sim, mas a galera gosta de falar as coisas sem saber se liga e isso deixa o Ray muito estressado, você conhece ele.
— Se eu puder ajudar com algo macho só falar — me coloco à disposição, Guigo é um dos meus próximos hoje em dia, até mais do que o Raylan.
— Tipo se você conseguir um bom advogado vou precisar.
— Advogado? O que rolou?
— Pois é macho, minha mãe está me processando pela herança do meu pai — fico sem palavras — eles já estavam separados, só que descobri recentemente que meu pai não levou tudo até o fim, então legalmente ela ainda era esposa dele quando ele faleceu, agora ela está querendo metade da herança que ele deixou para mim.
— Caralho, ela não pode fazer isso.
— Pois é, eu falei para ela que a divisão que meu pai tinha feito poderia permanecer, ela ficou com a casa maior e com uma grana que ele tinha no banco, só que agora ela está falando que merece um parte do apartamento e do carro também por causa dos vários anos que ela se dedicou a cuidar dele.
— Que merda velho, e vocês?
— Pois é, ela me ligou falando que já tinha comprado pro carro e pro apartamento e que era para dividirmos igualmente o dinheiro acredita nisso? — Estou completamente incrédulo, acho que meus pais jamais iriam se separar, mas pelo que eu conheço dos dois uma briga desse tipo não aconteceria.
Os dois retornam para mesa e nosso assunto muda, Guigo não quer irritar o Raylan e posso entender, meu amigo é muito explosivo e eles merecem ter uns minutos de paz. Se até eu estou puto com essa história agora imagina eles que estão passando por isso.
