Um ano se passou desde a morte de Clara, e a vida no apartamento de Ricardo, no Brooklin, seguiu num ritmo curioso para Lucas. A tensão entre eles permanecia — viva nos olhares demorados, nas piadas com duplo sentido, nos silêncios cheios de possibilidades — mas nada concreto havia acontecido. Ricardo, aos 59 anos, parecia mais leve desde a viagem a Brasília. Sorria com mais frequência, tocava o ombro de Lucas com naturalidade, mas nunca ultrapassava a linha. Lucas, agora com 27, sentia o desejo crescer, junto da frustração. Às vezes se perguntava se tudo aquilo era real ou se era apenas coisa da sua cabeça. O momento no banheiro, o short branco, a ausência da foto de Clara… tudo soava como pistas, mas nenhuma confirmação.
A rotina nos dias alternados — segunda, quarta e sexta — seguia no mesmo compasso. Dividiam a sala de jantar, os processos, as conversas e até as pausas para café. A conexão entre eles era evidente, mas ambos pareciam presos. Lucas, ainda não totalmente assumido, temia se mostrar demais. Ricardo, viúvo, curioso, talvez receoso de cruzar um território desconhecido. Era como se os dois andassem em círculos, à espera de um acaso.
E o acaso veio numa sexta-feira, com uma chuva torrencial sobre São Paulo. Lucas estava terminando de organizar uns documentos quando os trovões começaram a sacudir as janelas. A cidade desaparecia atrás de uma névoa cinzenta, e alertas de enchentes explodiam nas notificações do celular.
Ricardo se aproximou da janela e franziu a testa.
— Lucas, cê vai sair nessa tempestade? Tá perigoso demais. Fica aqui até passar.
Lucas olhou o celular.
— É, chefe… tá brabo. Vou esperar um pouco.
Mas o “pouco” virou horas. A noite chegou, e o caos se instalou na cidade. O condomínio onde Ricardo morava também sofreu: a garagem virou um rio, segundo o porteiro. Ninguém entrava, ninguém saía.
— Olha só… — disse Ricardo, já rindo da situação. — Vai ter que dormir aqui hoje. Não tem como sair com esse caos.
Lucas hesitou por um instante, o estômago revirando de nervoso e expectativa.
— Tá bom, chefe… mas não trouxe roupa. Dormir de jeans é castigo.
Ricardo soltou uma risada grave.
— Rapaz, minhas roupas vão ficar gigantes em você — apontou a diferença evidente de tamanho entre eles. — Mas tem umas caixas no quarto de hóspedes… coisas da Clara que iam pra doação. Tem roupas neutras ali, dá uma olhada.
Lucas assentiu e seguiu para o quarto de hóspedes. As caixas estavam empilhadas com cuidado, cheias de peças dobradas. Ele começou a vasculhar, esperando encontrar camisetas largas e calças básicas — mas logo se deparou com algo inesperado. No meio das peças discretas, havia lingeries, tops justos, roupas ousadas que destoavam da imagem formal que ele tinha de Clara.
— Caramba, Dona Clara… — murmurou, sorrindo com surpresa. — Tinha seu lado safado escondido, hein?
Foi então que viu: uma calcinha vermelha, fio dental, com uma fita que se amarrava delicadamente na coxa. Provocante. Linda. E, de um jeito estranho, chamando seu nome.
Lucas ficou alguns segundos parado, olhando para a peça. O coração disparado.
— Por que não? — disse em voz baixa, sorrindo com certa malícia.
Pegou a calcinha e um short cinza leve, daqueles soltos, unissex. Decidiu não usar blusa. Queria se sentir livre, confortável… e talvez, só talvez, provocar. Enquanto isso, Ricardo havia avisado que também tomaria banho.
— O banheiro do quarto de hóspedes é todo seu — disse, desaparecendo na suíte principal.
Lucas entrou no banheiro — tão sofisticado quanto o resto do apartamento — e deixou a água quente cair sobre o corpo. Vestiu a calcinha e o short, sentindo o toque suave do tecido, a fita na coxa como um segredo íntimo. Era ousado, sem dúvida. Mas havia algo libertador naquele gesto. Pela primeira vez, não estava pensando no certo ou errado — apenas no que sentia.
No quarto ao lado, Ricardo também estava sob o chuveiro. O som da chuva batendo nas janelas misturava-se com seus pensamentos. Pensava em Lucas, no jeito como ele sorria, no desconcerto tímido quando se aproximavam demais… e agora, ali, naquela noite estranhamente íntima, presos pela tempestade, tudo parecia conspirar para quebrar a tensão que há tanto tempo se arrastava entre eles.
Ele não sabia o que exatamente a noite traria. Mas, de alguma forma, sentia que o silêncio entre os dois estava prestes a pegar fogo.