Ricardo voltou a São Paulo com uma energia diferente. Os dias em Brasília, ao lado de Thiago e Mateus, tinham acendido algo dentro dele — uma vontade de se permitir, de explorar partes suas que por muito tempo ficaram enterradas sob o peso da rigidez, da culpa, da rotina. O apartamento no Brooklin, com sua vista imponente, já não parecia tão vazio. Pela primeira vez desde a morte de Clara, Ricardo sentia que havia espaço para o novo.
Na manhã seguinte à chegada, mandou uma mensagem para Lucas, objetiva e direta:
“Lucas, voltei pra SP. Pode retomar o trabalho aqui no apartamento em dias alternados. Te espero amanhã.”
Lucas leu a mensagem com o coração acelerado. Após semanas de home office, a perspectiva de voltar ao apartamento de Ricardo o encheu de expectativa — e dúvida. Respondeu com um simples: “Beleza, Dr. Ricardo. Amanhã às 9h?”, mas por dentro, revivia o momento no banheiro, o jeito como Ricardo o olhou, a tensão palpável no ar. Havia mudado alguma coisa?
Naquela noite, Lucas escolheu a roupa com cuidado: uma camisa social que marcava sutilmente o corpo, sem exagerar como o short ousado de meses atrás.
Na manhã seguinte, chegou pontualmente. Ricardo o recebeu com um sorriso mais leve do que de costume. Vestia uma camisa polo ajustada no peito largo e uma calça jeans que o deixava com um ar casual, quase doméstico.
— Bom te ver, Lucas. Vamos trabalhar na sala de jantar, como sempre — disse, com naturalidade.
O dia correu entre revisões de processos, planilhas e pareceres. Mas havia algo diferente — um clima sutil, uma troca de olhares aqui e ali, como se o tempo afastados tivesse derrubado algumas barreiras.
Dias depois, no meio do expediente, Ricardo chamou Lucas:
— Vem cá, preciso de uma ajuda no quarto. Tô reorganizando uns documentos antigos.
Lucas o seguiu até a suíte principal. Era a primeira vez que voltava ali desde a antiga reunião da equipe. A cama king-size, a janela com vista para o skyline, a mesinha com a foto de Clara… Tudo estava como ele lembrava.
Enquanto Ricardo vasculhava uma caixa de papéis, Lucas, mais à vontade, resolveu puxar assunto:
— Chefe… já vão fazer cinco meses que a Dona Clara se foi. O senhor não pensa em… sei lá, conhecer alguém? Viver um pouco?
Disse em tom leve, quase provocador, mas com um olhar atento à reação do outro.
Ricardo parou por um instante, depois sorriu de lado, a voz grave ganhando suavidade:
— Sabe que andei pensando nisso? Esses últimos tempos… acho que tô me permitindo mais. Abrindo a mente, digamos assim.
Ele riu, e havia um brilho novo no olhar — algo entre alívio e provocação.
Lucas, pegando o clima, apontou com um sorriso para a mesinha:
— Então já pode começar tirando a foto da Dona Clara do quarto, né? Imagina transar com alguém aqui e ter a ex olhando… climão total!
Ricardo caiu na gargalhada, o som ecoando pelo quarto.
— Porra, Lucas… verdade! — disse, ainda rindo. Depois, olhou para a foto com um olhar doce, nostálgico. — Mas enquanto ninguém novo aparece… ela fica. É uma lembrança boa. Não um peso.
Lucas assentiu, mas por dentro, a tensão crescia. O riso de Ricardo, o jeito como ele o olhava, a leveza no ar… tudo alimentava aquele desejo silencioso que o acompanhava há meses. Mas nada mais foi dito. Eles voltaram ao trabalho, embora a conversa tivesse deixado uma marca — como se algo tivesse virado uma pequena chave.
Os dias seguintes seguiram num ritmo tranquilo, mas a conexão entre os dois se intensificava. As conversas fluíam com mais naturalidade, havia piadas, sorrisos e olhares que duravam um segundo a mais. Ricardo estava diferente — menos fechado, mais presente. Lucas sentia isso. E Ricardo, por sua vez, lembrava constantemente das conversas com os filhos em Brasília… e das provocações sinceras que ainda ecoavam na cabeça dele.
No fim daquela semana, enquanto revisavam um processo mais delicado, Ricardo comentou:
— Lucas, semana que vem vamos ter reforço aqui no apartamento. O caso do Almeida contra a construtora tá esquentando, e chamei mais duas pessoas do escritório pra somar com a gente. O Cláudio e a Renata vão trabalhar aqui também, ok?
Lucas assentiu, tentando esconder o leve desapontamento. Conhecia os dois: Cláudio era experiente, ácido e eficiente. Renata, uma estagiária nova, falante e detalhista. Seria bom ter mais ajuda… mas ele sabia que a presença deles mudaria a dinâmica íntima — quase secreta — que vinha se construindo entre ele e Ricardo.
— Beleza, chefe. Vai ser bom ter mais cabeças pensando nesse processo — disse, mantendo o tom profissional, ainda que por dentro algo se fechasse um pouco.
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Enquanto isso, Ricardo andava pelos cômodos do apartamento sentindo algo novo. Aquele lugar, antes grande demais, silencioso demais, começava a ganhar vida de novo. Ainda era cedo pra entender o que exatamente ele sentia por Lucas — desejo, curiosidade, talvez algo mais —, mas ele já não estava mais disposto a fugir disso.
Um novo capítulo estava se desenhando. E, dessa vez, ele não pretendia deixá-lo passar.